"que dia quente"
"que dia longo"
"Será que não pode vir uma chuva pra refrescar?"
Os mesmos pensamentos alheios de sempre.
Quanto mais eu ando mais ouço pessoas reclamar por coisas tão simples, mas eu não posso culpa-las. Como seria minha vida se, por exemplo, eu nao pudesse regular a temperatura do meu corpo quando estivesse calor? Eu estaria reclamando também.
Mas a desvantagem disso é não ter a cabeça em paz, sempre cheia de pensamentos que não são só meus e não posso simplesmente fingir que nao estão ali.
—nyaah
Ao escutar um miado, as vozes das pessoas ficam mais baixas na minha mente, como em segundo plano. Não, tudo, tudo fica sem importância agora.
Eu tenho que achar o gato.
—Psiu psiu? Gatinho?
Eu sussurro enquanto me agacho, investigando um arbusto próximo à um muro aqui perto, mas não sentia a presença de nenhum mamífero ali, só insetos e bactérias.
—Nyah
Ah. O gato estava encima do muro, e bruscamente pula na minha cabeça, mas com alguns balanços eu recupero o equilíbrio.
É um gato laranja. Fofo. Ele tem algumas marcas na cabeça, será que é algum desenho? Ele tem um lenço no pescoço, então deve ter dono. Mas isso não me impede de acaricia-lo um pouco.
Pondo minha mão gentilmente em sua testa, o acaricio, sentindo seu pelo curto e macio entre meus dedos. O gato permanece quieto, movendo levemente a cabeça para que minha mão alcance suas orelhas.
"Humana idiota, caiu no meu charme, nyah! Mas você parece alguém que eu conheço... me alimente!"
Que fofo. Quem são seus donos? Será que eles cuidam bem de você? Com um pelo macio você deve ser bem tratado mesmo.
—Kuriko?
Ouço passos parando atrás de mim. Leva um segundo para eu perceber que ainda estou agachada e me levanto lentamente. Com o gato agora em meus braços, me viro para me deparar com o dono da voz.
Kaido. Um dos amigos do Kusuo. Ele encara meus olhos com um olhar curioso e seu rosto está meio corado. Ele dá alguns passos pra trás, levemente. Em uma das mãos está uma sacola plástica, provavelmente estava fazendo compras.
"É Ela mesmo! A irmã fofa do Saiki!"
—O que você estava fazendo agachada aí?
Ele logo percebe o gato em meus braços, inclinando e pousando a sacola no chão para acaricia-lo também e fazer caretas estranhas.
"pra que as caretas? Humano idiota, eu não sou um bebê! Nyah!"
O que...
O que eu estou fazendo aqui mesmo? Eu não saí pra simplesmente dar um passeio , com certeza não.
Eu sai pra fazer algo, mas o que era? Talvez eu devesse perguntar pro Kusuo?
— gato bonitinho! Quer dizer, um espécime raro, com certeza a ordem negra virá atrás! Deixe-me toca-lo para lançar um feitiço de proteção!
"Humano idiota! Me recuso a ser tratado com tanto desrespeito e indignidade!"
O gato se contorce para sair dos meus braços, e quando o solto ele volta pro muro onde estava.
Kaido se afasta bruscamente, provavelmente esperando que o gato o atacasse. Quando não aconteceu, ele recupera a postura e pega a sacola no chão.
—será que o Saiki está em casa, Kuriko? Seria uma boa visitar meu amigo
"E também eu não quero voltar pra casa tão cedo e dar a notícia pra minha mãe que não consegui comprar o que ela queria"
Isso. Eu sai pra comprar alguma coisa. Pro Saiki. Especificamente pro Saiki. Porém eu não posso perguntar nada a ele agora... se eu disser que esqueci ele pode ficar bravo.
Numa posição tímida,com um pé escondido atrás do outro, começo:
—E-Eu...
Kaido olho curioso, seu cabelo azulado mexe por conta do vento dando uma franja encima do seu olho, que ele rapidamente retira, meio atrapalhado.
Não seria prudente pedir ajuda dele. Não, eu não preciso de ajuda, nem do saiki, nem dos amigos dele pra isso!
Com uma tosse rápida disfarço o tom que estava falando, voltando a pose fria e dura:
—Eu preciso comprar algo pro Saiki, então com licença
— eu posso ir com você!
Ele fala determidado, antes que eu possa dar as costas. Mas logo ele fica consciente dessa coragem e põe a mão na testa, numa pose dramática.
—eu vou ajudar a madame na sua tarefa! Não importa a simplicidade dela!
Estou perdendo muito tempo. Começo a andar, rumo ao centro comercial, e ele me segue. Curiosamente era dessa direção que ele tinha vindo.
— O que você precisa comprar, Kuriko? Eu conheço um pouco desse lugar, sabe? — Ele diz um pouco tímido. Parece que aquela coragem era momentânea. Mesmo assim parece entusiasmado como um cachorrinho.
Eu não pedi pra voce me seguir. Mas talvez...
Eu me viro pra ele, e quando ele percebe, toma uma distância segura, visto que estava bem nas minhas costas.
— na verdade eu esqueci... O que tinha de comprar pro meu irmão. Estou tentando lembrar pra não voltar de mãos vazias.
Ele me encara por 1 minuto. Uma expressão neutra, mas seus pensamentos estão longe.
"Kuriko é do tipo avoada? Eu nunca teria adivinhado... ela parece tão fria quanto o Saiki. Acho que as aparências enganam, então! E agora ela precisa da minha ajuda! Não vou falhar!"
Eu não gosto do "garota avoada".
Mas se ele quer ajudar não posso impedir. Voltamos a andar, dessa vez, um do lado do outro. Olhávamos as lojas anotando mentalmente o que parecia relevante na nossa busca por... algo.
—Se você não lembra o que tem de comprar, Kuriko, pode se algo não tao importante, não é? Talvez ele pediu um lápis ou caderno...
—Tem razão
Mas temos várias canetas em casa, então está fora de questão.
Talvez o Kusuo me pedisse pra comprar...
—Um jogo?
Kaido aponta pra uma pequena locadora de jogos escondida por outros prédios maiores , e mesmo assim chamava atenção do seu próprio jeito. Cores vibrantes e uma grande placa com nomes de jogos conhecidos e promoções escritas ao lado era a vista da frente , por onde entramos.
Tinha poucas pessoas, a maioria crianças menores que eu e alguns adultos, talvez acompanhantes, mas pareciam tão empolgados quanto as crianças.
Havia prateleiras para classificar os jogos, e caixas espalhadas com mais jogos dentros.
A todo momento o homem do balcão parecia encarar todos os clientes ao mesmo momento. Ele era a própria câmera de segurança do lugar.
Kaido já está mexendo numa caixa, aparentemente já achou um jogo que lhe interessa e admira a capa do jogo com seus olhos brilhantes.
—Ultimate Quest! Esse jogo é incrível! O Saiki vai amar esse jogo, Kuriko!
—Ele é popular?
— sim! É aqueles jogos antigos que todo mundo já jogou ou ouviu falar. Eu nao vi esse jogo na casa dele, aliás!
—Então não
Fora de questão. Se está na boca do povo é fácil receber spoiler. Ou melhor, na mente do povo.
É simplesmente irritante ouvir vários pensamentos de várias pessoas sobre a mesma coisa. Ainda mais algo que você não quer saber.
—O-ok então
Ele põe o jogo devolta na caixa, decepcionado.
—E esse?
—Não
—Esse é recente!
—Nah
—Esse aqui é daquela empresa grande, a Nint-
—Não fale o nome
—Esse foi inspirado num filme..
—Nope
— você é bem seletiva, Kuriko...
"Kuriko deve estar... garantindo que está escolhendo o jogo perfeito pro irmão dela! Que fofa! Deve ser algo importante pra ela estar tao séria!"
Não ponha nessas palavras.
Suspiramos frustrados, e nessa hora o chão treme , com os passos largos do homem do balcão andando até nós.
Ele tem uma áurea intimidadora, seus braços expostos revelando seus músculos e pele bronzeada realçam a falta de cabelo no topo da cabeça.
—Dificuldade pra encontrar um jogo? Me deixe ajudar — ele diz de uma forma estranhamente gentil, mas autoritária.
— Acho que estávamos de saída, grande senhor...— o homem vira para encarar Kaido, que se encolhe no chão suando frio — tabom a gente fica um pouco
—Mostre-me seus jogos
Digo autoritária, e o homem leva como um desafio. Ops.
Sem olhar, ele coloca as mãos na prateleira atrás dele e trás o jogo na frente do meu rosto.
— Ultimante ninja dragon quest 2! Com certeza melhor que o 1! Você deve ter jogado, todo mundo conhece o primeiro!
—Não
Se todo mundo conhece então melhor não.
— The Naos! Jogo de simulação que vejo muitas garotas comprar
Muitas garotas...
—Não
—cavaleiro da pá, ganhou um remake e ficou mais conhecido!
O problema é exatamente ser conhecido... esquece. Parece que todo jogo aqui é popular
Já ia me dirigindo a porta quando o vendedor nos para mais uma vez. Sua testa está suada como se estivesse fazendo um grande esforço ao tentar nos empurrar algo.
—Temos fones de ouvido também! Várias cores, o que acham?
Ele nos leva até seu balcão que também era um tipo de vitrine. Parecia ter um monte de acessórios de celular e alguns que eu nem sei pra que serve.
—Quem usa fone de ouvido de fio hoje em dia? — Kaido pergunta,recebendo olhares de todos os clientes próximos. Rapidamente ele se desculpa, silenciosamente, balançando as mãos.
—Também temos capas de celulares, decoradas, personalizadas e essa brilha no escuro, que tal?
Enxergo muito bem no escuro, obrigada. E eu posso ver que o material não é de qualidade.
"Parando pra pensar, eu nunca peguei o número de telefone do Saiki..."
Me retiro da loja, de mãos vazias. Na verdade, segurando o braço do Kaido, que parecia querer tocar cada jogo,capa e fone oferecidos.
Pra trás deixamos um vendedor desolado por nao conseguir impressionar seus clientes. Me desculpe senhor.
A multidão de pessoas do centro comercial parece menor agora. Quanto tempo passamos ali dentro?
— Parece que não conseguimos escolher nadinha... oof. Talvez não era um jogo mesmo
—nada refrescou minha memória
Talvez eu seja mesmo um pouco avoada.
Encarando o chão me imagino voltando pra casa de mãos vazias depois de passar tanto tempo fora, tipo um soldado depois de uma guerra perdida.
Mas como o Kaido mencionou, se eu esqueci é porque não devia ser tão importante.
"Ah! Kuriko tá triste!? Devo dizer algo então! Ela parece bem cabisbaixa"
Meu rosto parece desanimado?
—Kuriko, nao fique desanimada. Podemos comprar algo como pedido de desculpas por ter esquecido, o que acha?
Parece um sinal de desistência. Mas eu quero voltar logo pra casa de todo jeito
Eu assenti com a cabeça, e ele sorri com a resposta.
—Agora,o que seria um bom pedido de desculpas pro Saiki?
Nós dois pousamos a mão debaixo do queixo, pensando por um segundo.
—Gelatina de cafe
—Gelatina de café
Dissemos em uníssono, o que o faz deixar escapar uma gargalhada sem jeito. Quase fazendo o mesmo, consigo impedir colocando a mão sobre a boca.
[...]
Finalmente compramos a bendita gelatina de café. Ficamos 20 minutos numa fila, mas a promoção(que nos atraiu) valeu a pena.
Em pé na frente da loja, suspiramos com uma sensação estranha no coração. O sentimento de fim de um passeio.
— bom,até mais Kuriko! Ficou bem tarde então preciso voltar pra casa — Ele sorri. Mas o sorriso rapidamente se desmancha quando uma memória o atinge
— AAAAAH! Eu tinha que voltar com os antialérgico pra minha irmã! — Ele bate a mão na cabeça — Diga pro Saiki que mandei um oi!
Ele corre apressado. Eu admito que me sentiria culpada se ele levar um esporro da mãe. Afinal eu estive o segurando esse tempo todo nessa "aventura" sem objetivo.
Foi sem objetivo mesmo?
O observo parar de correr e girar meia volta, verificando se eu ainda estava no mesmo lugar. Então acena, com um sorriso de dentes.
—Ah, foi muito bom passar esse tempo com você Kuriko!
"mesmo você sendo uma garota! Sinto que fiquei mais próximo da irmã caçula do saiki!"
Mesmo eu sendo uma garota?
Ele volta pros seus passos largos. Melhor eu voltar pra casa ou essa Gelatina não vai durar muito tempo.
Meu irmão... tem amigos interessantes.
.
.
.
Oh,lembrei. Eu tinha que comprar antialérgicos pro Kusuo.
A mãe trouxe flores (cheias de pólen fresquinho) pra decorar a cozinha e isso não deu certo.
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