Esta obra não tem caráter comercial.
Portanto NÃO PODE SER VENDIDA NEM COMERCIALIZADA.
Os intuitos da obra são:
1 – Dar reconhecimento a quem de direito, neste caso os compositores.
2 – Fazer com que as histórias aqui contadas, uma vez que registradas, não caiam no esquecimento com o passar do tempo.
3 – Levar e incentivar a leitura em pessoas que não tem o hábito.
Sendo assim, novamente, o conteúdo desta obra, total ou parcial, NÃO PODE SER VENDIDO OU COMERCIALIZADO.
A obra está registrada na Biblioteca Nacional sob o nº 618/22.
INTRODUÇÃO
Este não é um livro de História, mas sim um livro de histórias. Serão contadas histórias sobre os sambas, sobre as letras. É inevitável não haver referência sobre a história do samba em si, mas o foco principal são as músicas, principalmente o motivo das mesmas.
Escolhidas a dedo, elas vão se intercalando, são histórias emocionantes, engraçadas, ora óbvias, ora não tanto. Estas histórias são recheadas de curiosidades e referências aos intérpretes, músicos e principalmente compositores, que fazem deste gênero musical uma paixão.
Durante a leitura vamos recordar sambas antigos de compositores tradicionais e entender um pouco suas inspirações e suas tristezas. Mas como minha opinião é de que toda leitura deve ser alegre, a dose de histórias engraçadas é um pouco maior, e sem demérito para outros sambista, a dose de Zeca consequentemente acabou sendo maior também, “Zeca é sinônimo de samba, e quem não gosta de Zeca bom sujeito não é”.
Pensei em iniciar com “Delegado Chico Palha”, de Tio Hélio e Nilton Campolino, mas a história desse samba se mistura com a história do Brasil na Era Vargas, e como esse não é o objetivo do livro, vamos direto para Cartola, iniciamos então em terra Fluminense e depois migramos para a “terra da garoa”, pois com diz a música do Quinteto em Branco e Preto “aqui a gente também tem bamba”.
Um pouco de partido alto pelo meio do caminho, e fechamos com dois sambas enredo (na minha humilde opinião, o melhor do RJ e o melhor de SP) pois é assim que acabam as melhores festas, com todo mundo descalço pulando carnaval.
ÍNDICE
COMPOSITORES .................................................................................................................. pg. 7
MEU MUNDO É UM MOINHO ............................................................................................. pg. 10
AS ROSAS NÃO FALAM ..................................................................................................... pg. 12
BAGAÇO DA LARANJA ...................................................................................................... pg. 14
S.P.C. .................................................................................................................................. pg. 16
CAVIAR ............................................................................................................................... pg. 18
ZÉ DO CAROÇO .................................................................................................................. pg. 20
ESPELHO / ALÉM DO ESPELHO ........................................................................................ pg. 22
MEU GURI ............................................................................................................................ pg. 24
CADÊ IÔ IÔ .......................................................................................................................... pg. 26
COISINHA DO PAI ............................................................................................................... pg. 28
MOLEQUE ATREVIDO ........................................................................................................ pg. 30
SHOPPING SAMBA ............................................................................................................. pg. 32
SINGELO MENESTREL ....................................................................................................... pg. 34
O SURDO / PANDEIRO É MEU NOME ................................................................................ pg. 36
MEU GURUFIM .................................................................................................................... pg. 38
TESTAMENTO DE PARTIDEIRO ........................................................................................ pg. 40
DE QUALQUER MANEIRA ................................................................................................. pg. 42
INTELIGÊNCIA .................................................................................................................... pg. 44
LUZ DO REPENTE .............................................................................................................. pg. 46
O FEIJÃO DE DONA NENÉM .............................................................................................. pg. 48
PAI CORUJA / O FILHO DA MÃE ......................................................................................... pg. 50
O POLÍTICO ......................................................................................................................... pg. 52
O GENRO / O SOGRO ......................................................................................................... pg. 54
VELHAS COMPANHEIRAS ................................................................................................. pg. 56
COISA DA ANTIGA .............................................................................................................. pg. 58
O PEQUENO BURGUÊS ..................................................................................................... pg. 60
DOCE REFÚGIO .................................................................................................................. pg. 62
SEJA SAMBISTA TAMBÉM ................................................................................................. pg. 64
BOCA SEM DENTE .............................................................................................................. pg. 66
CABELO NO PÃO CARECA ................................................................................................ pg. 68
TALARICO, LADRÃO DE MULHER ..................................................................................... pg. 70
LAMA NAS RUAS ................................................................................................................. pg. 74
COISA DE CRIANÇA ........................................................................................................... pg. 76
AGUARDENTE .................................................................................................................... pg. 78
O TEMPO EM QUE EU ERA CRIANÇA ............................................................................... pg. 80
DO LADO DIREITO DA RUA DIREITA ................................................................................. pg. 82
CLAREOU ............................................................................................................................ pg. 84
ME PERDOA POETA ........................................................................................................... pg. 86
ACENDEU A VELA ...............................................................................................................pg. 90
COISA COMUM (É GATO) ................................................................................................... pg. 92
TUDO LOTADO .................................................................................................................... pg. 94
GUIA TURÍSTICO ................................................................................................................ pg. 95
DOROTÉIA .......................................................................................................................... pg. 96
AQUILO NAQUILO ............................................................................................................... pg. 98
MADRINHA ........................................................................................................................ pg. 100
SAMBA ZUMBI ................................................................................................................... pg. 102
IRACEMA ........................................................................................................................... pg. 104
SAMBA ITALIANO .............................................................................................................. pg. 106
NÃO DEIXE O SAMBA MORRER ...................................................................................... pg. 110
AQUARELA BRASILEIRA .................................................................................................. pg. 112
MEU LUGAR É CERCADO DE LUTA E SUOR
ESPERANÇA NUM MUNDO MELHOR
O SHOM TEM QUE CONTINUAR ...................................................................................... pg. 114
A COMUNIDADE CHORA ................................................................................................. pg. 117
MÚSICA
COMPOSITOR (ES)
MEU MUNDO É UM MOINHO
CARTOLA
AS ROSAS NÃO FALAM
CARTOLA
BAGAÇO DA LARANJA
ZECA/ARLINDO/JOVELINA
S.P.C
ZECA/ARLINDO
CAVIAR
MAURO DINIZ / LUIZ GRANDE / BARBEIRINHO DO JACAREZINHO
ZÉ DO CAROÇO
LECI BRANDÃO
ESPELHO / ALÉM DO ESPELHO
JOÃO NOGUEIRA E PAULO CESAR PINHEIRO
MEU GURI
CHICO BUARQUE
CADÊ IÔ-IÔ
CEZAR VENENO
COISINHA DO PAI
JORGE ARAGÃO / ALMIR GUINETO / LUIS CARLOS DA VILA
MOLEQUE ATREVIDO
JORGE ARAGÃO / FLÁVIO CARDOSO / PAULINHO RESENDE
SHOPPING SAMBA
WILSON MOREIRA/MARCOS PAIVA
SINGELO MENESTREL
GUARÁ
O SURDO
TOTONHO/PAULINHO REZENDE
PANDEIRO É MEU NOME
CHICO SILVA/VENÂNCIO
MEU GURUFIM
CLAUDIO CAMUNGUELO
TESTAMENTO DE PARTIDEIRO
CANDEIA
DE QUALQUER MANEIRA
CANDEIA
INTELIGÊNCIA
ANICETO DO IMPÉRIO
LUZ DO REPENTE
MARQUINHOS PQD/ARLINDO CRUZ/FRANCO
O FEIJÃO DE DONA NENÉM
ZECA/ARLINDO
PAI CORUJA
ZÉ ROBERTO
O FILHO DA MÃE
MOSQUITO
O POLÍTICO
DICRÓ
O GENRO
DICRÓ
O SOGRO
DICRÓ
VELHAS COMPANHEIRAS
MONARCO
COISA DA ANTIGA
WILSON MOREIRA/NEI LOPES
O PEQUENO BURGUÊS
MARTINHO DA VILA
DOCE REFÚGIO
LUIZ CARLOS DA VILA
SEJA SAMBISTA TAMBÉM
ARLINDO CRUZ/SOMBRINHA
BOCA SEM DENTE
PEDRINHO DA FLOR/ALMIR GUINETO/GELCY DO CAVACO
CABELO NO PÃO CARECA
BARBEIRINHO DO JACAREZINHO
TALARICO, LADRÃO DE MULHER
SERGINHO PROCÓPIO/ZECA
LAMA NAS RUAS
ALMIR GUINETO/ZECA
COISA DE CRIANÇA
MARQUINHOS PQD / JAIRO BARBOSA
AGUARDENTE
PRATEADO/CARICA/LUISINHO SP
O TEMPO EM QUE EU ERA CRIANÇA
WILSON DAS NEVES/PAULO CESAR PINHEIRO
DO LADO DIREITO DA RUA DIREITA
LUIS CARLOS/CHIQUINHO
CLAREOU
SERGINHO METIRI/RODRIGO LEITE
ME PERDOA POETA
LECI BRANDÃO
ACENDEU A VELA
PAQUERA E EDVALDO GALDINO
COISA COMUM (É GATO)
CHAPINHA
TUDO LOTADO
CHAPINHA
GUIA TURÍSTICO
CHAPINHA
DOROTÉIA
CHAPINHA/FELIPE DORO
AQUILO NAQUILO
CHAPINHA
MADRINHA
QUINTETO EM BRANCO E PRETO
SAMBA ZUMBI
FELIPE DORO/TIAGO IMPÉRIO
IRACEMA
ADONIRAN BARBOSA
SAMBA ITALIANO
ADONIRAN BARBOSA
NÃO DEIXE O SAMBA MORRER
ALOÍSIO SIVLA/EDSON CONCEIÇÃO
AQUARELA BRASILEIRA
SILAS DE OLIVEIRA
MEU LUGAR É CERCADO DE LUTA E SUOR. ESPERANÇA NUM MUNDO MELHOR. O SHOW TEM QUE CONTINUAR!
ANDRÉ DINIZ/ARLINDO NETO/ CLAUDIO RUSSO / MÁRCIO ANDRÉ FILHO/ MARCELO VALENCIA/ DARLAN ALVES
A COMUNIDADE CHORA
MAGNU SOUSÁ/MAURÍLIO DE OLIVEIRA/EDVALDO GALDINO
MEU MUNDO É UM MOINHO
Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés
Cartola, adotou uma menina de 9 anos, Creusa, cuja mãe havia falecido. Sua esposa na época (1937), Deolinda, era a madrinha da criança.
Esta menina, ainda jovem, resolveu sair de casa, segundo uns para viver com um namorado mais velho, segundo outros para iniciar sua carreira na prostituição. O fato é que independente da opção, a jovem estava saindo de casa para um relacionamento não aceito pela sociedade da época. Foi então que Cartola escreveu os versos retratando suas preocupações com a filha, e em forma de canção aconselhá-la sobre o que esperar do mundo lá fora.
O carinho dele com a filha é latente, a mesma é tratada sempre como querida.
Seguidos alertas sobre a possibilidade de frustação são feitos. O moinho, título da música, é uma metáfora ao que poderá ocorrer com a vida da então mulher, porém a metáfora mais forte da música é “abismo que cavaste com os teus pés”, uma vez que não cavamos com os pés e sim com as mãos, mas foram os pés que levaram, segundo sua concepção, sua filha para o abismo.
AS ROSAS NÃO FALAM
Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim
Queixo-me às rosas
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai
Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim
Diz o dito popular que a música é consequência da boemia. Cartola como todos sabem era um boêmio, e por muitas vezes saía de casa na sexta e voltava só na segunda. Cansada da situação Dona Zica resolveu castigar o marido ficando sem falar com ele por vários dias.
Num certo dia Dona Zica foi à janela e avistou Cartola no quintal balbuciando, reclamando da situação para si mesmo. Dona Zica para amenizar e satirizar a situação voltou-se para ele e disse: “endoidou homem, não tem com quem conversar e agora deu para falar com as plantas, pois fique sabendo que as rosas não falam”.
Daí para a sala e seu violão foi questão de minutos para transformar em música a situação e os seus sentimentos.
Porém a versão mais aceita é a de que Dona Zica cuidava de rosas que foram plantas no quintal da casa, presente do compositor Nuno Veloso. Numa certa manhã ela foi surpreendida com o desabrochar de quase todas as rosas, chamou Cartola e disse: - “venha ver, que maravilha!”, “por que será que todas desabrocharam ao mesmo tempo?”
A resposta todos já sabem: - “Não sei, as rosas não falam”.
BAGAÇO DA LARANJA
Fui num pagode acabou a comida
Acabou a bebida acabou a canja
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Me disseram que no céu a mulher do anjo é anja
Eu já disse à você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Vou engomar meu vestido toda enfeitado da franja
Eu falei pra você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Eu te dou muito dinheiro e tudo você esbanja
Eu já disse à você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Olha lá seu coronel, o soldado que é peixe se enganja
O que sobrou pra mim? o bagaço da laranja
Sobrou pra mim o bagaço da laranja
Toma cuidado pretinha, que a polícia já te manja
Eu já disse a você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Não lhe dou mais um tostão, vê se você se arranja
Eu falei pra você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Só caroço de azeitona que veio na minha canja
Eu já disse à você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Vou vender minha fazenda, vou vender a minha granja
Eu falei pra você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Você sempre foi solteira, um marido não arranja
Eu já disse à você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
As rimas deste partido alto são claramente uma reclamação. Poderíamos dizer que foi uma forma do proletariado reclamar da burguesia, uma reclamação velada sobre o que sobrava para o povo, mas não é nada disso, a explicação é bem mais simples e por que não dizer engraçada também.
Em 1985, Arlindo Cruz casou e estava de mudança, pediu ajuda a Zeca Pagodinho para carregar os móveis. Os dois se apressaram para terminar a tempo de degustar uma prometida feijoada feita pela mãe de Arlindo, mas não deu tempo, quando chegaram eles avistaram um galão de lixo na porta só com as laranjas chupadas, a feijoada já havia acabado, e para eles sobrou o quê?
Começaram a versar e da brincadeira surgiu a música que ficou tão famosa na voz inconfundível de Jovelina, que também era partideira, incluiu versos e entrou na parceria.
Cabe aqui um adendo para um fato ocorrido durante a mudança, deixaram a geladeira cair pelo caminho. Fica então a dúvida, não comeram depois, mas será que rolou uma cerveja antes?
S.P.C.
Precisei de roupa nova
Mas sem prova de salário
Combinamos, eu pagava
Você fez o crediário
Nosso caso foi pra cova
E a roupa pro armário (bis)
E depois você quis manchar meu nome
Dentro do meu metiê
Mexeu com a moral de um homem
Vou me vingar de você
Por quê?
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Quis me fazer de otário
Mas o crediário já está pra vencer
Sei que eu não sou salafrário
Mas o numerário você não vai ver
Por quê?
Eu vou sujar! Seu nome no seu SPC
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Tens um emprego de elite
Eu tenho um palpite que tu vais perder
É necessário estar quite
O patrão não permite que fique a dever
Por quê?
Eu vou sujar! Seu nome no seu SPC
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Com o aumento dos juros
Você em apuros pra mim vai correr
Pra me vingar dos teus furos
Juro que tô duro e não pago o carnê
Por quê?
Eu vou sujar! Seu nome no seu SPC
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Essa música foi composta numa época em que Zeca já vivia da arte, mas ainda não tinha uma situação financeira confortável, Zeca precisou parcelar uma dívida em uma loja e pediu a sua namorada da época para fazer um crediário, já que apenas ela tinha como comprovar a renda mensal. Tudo estaria resolvido perfeitamente se, dias depois, os dois não tivessem brigado.
A briga: todo samba que o Zeca ia a namorada dava um jeito de aparecer, ele claro não gostava, alegava que ela estava se intrometendo no seu “trabalho”, ela não acreditava nisso, nem ele acreditava, uma vez que não fazia samba para ganhar dinheiro, mas queria ela longe do samba, então ameaçou aparecer no trabalho dela também (ela trabalhava em um banco), disse que chegaria lá bêbado, que causaria tumulto, mas não podia fazer isso para não ser preso.
Resultado: como ela não podia ter o nome sujo e havia o crediário das roupas ele ameaçou não pagar a conta, o que levaria o nome da moça ao SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). E assim, dessa crônica pessoal, nasceu a música, que logo virou sucesso.
P.S. O crediário foi pago.
CAVIAR
Você sabe o que é caviar?
Nunca vi, nem comi
Eu só ouço falar
Você sabe o que é caviar?
Nunca vi, nem comi
Eu só ouço falar
Caviar é comida de rico
Curioso fico, só sei que se come
Na mesa de poucos, fartura adoidado
Mas se olhar pro lado depara com a fome
Sou mais ovo frito, farofa e torresmo
Pois na minha casa é o que mais se consome
Por isso se alguém vier me perguntar
O que é caviar, só conheço de nome
Você sabe o que é caviar?
Nunca vi, nem comi
Eu só ouço falar
Mas você sabe o que é caviar?
Nunca vi, nem comi
Eu só ouço falar
Geralmente quem come esse prato
Tem bala na agulha, não é qualquer um
Quem sou eu pra tirar essa chinfra
Se vivo na vala pescando muçum
Mesmo assim não reclamo da vida
Apesar de sofrida consigo levar
Um dia eu acerto numa loteria
E dessa iguaria até posso provar
Você sabe o que é caviar? .....
O ano era 2002, a situação financeira do Zeca melhorou consideravelmente e ele se mudou de Xerém para a Barra da Tijuca. Procurando um tapete para o apartamento deparou-se com um que custava 30 mil reais, Zeca perguntou para a vendedora: - “por que esse preço, ele voa?”
Foi nesse contexto que surgiu Caviar.
A música fez tanto sucesso que Zeca decidiu levar a iguaria aos seus amigos de Xerém. Eram apenas seis latinhas para 15 pessoas, mas acabaram sobrando quatro latas e meia; todos, sem exceção, fizeram cara de repulsa ao provar o tão falado (e cantado) caviar. O que salvou o grupo foi uma panela cheia de pé de galinha com inhame, que em menos de meia hora ficou completamente vazia.
ZÉ DO CAROÇO
Lelelelê Leleleleleleleleiê
Lelelelê Leleleleleleleleiê
No serviço de alto-falante
Do morro do Pau da Bandeira
Quem avisa é o Zé do Caroço
Amanhã vai fazer alvoroço
Alertando a favela inteira
Como eu queria que fosse em Mangueira
Que existisse outro Zé do Caroço
Pra dizer duma vez pra esse moço
Carnaval não é esse colosso
Minha escola é raiz, é madeira
Mas é o Morro do Pau da Bandeira
De uma Vila Isabel verdadeira
Que o Zé do Caroço trabalha
Que o Zé do Caroço batalha
E que malha o preço da feira
E na hora que a televisão brasileira
Distrai toda gente com a sua novela
É que o Zé põe a boca no mundo
É que faz um discurso profundo
Ele quer ver o bem da favela
Está nascendo um novo líder
No morro do Pau da Bandeira
Está nascendo um novo líder
No morro do Pau da Bandeira
No morro do Pau da Bandeira
No morro do Pau da Bandeira
Na minha opinião e do meu irmão Alex de Americanópolis, estamos falando do samba com a melhor percussão, créditos para a Banda Máfia.
A letra conta a história verdadeira de José Mendes da Silva, um policial aposentado que se tornou um líder na favela Morro do Pau da Bandeira, próxima ao bairro de Vila Izabel.
José instalou em cima da sua casa um alto-falante para se comunicar com a favela, ler notícias, falar sobre campanhas educativas, alertar para riscos de tempestades, etc. Como o tempo ele se tornou uma referência, o que Zé falava era verdade!
Uma vizinha, incomodada com o som, principalmente na hora da novela, resolveu chamar a polícia. A história correu de boca em boca até chegar em Leci Brandão, que em tom de samba social, redigiu sobre a alienação da população por meio das telenovelas e a necessidade do povo se organizar para brigar por seus direitos.
(Leci tentou gravar a música em 1981 mas a gravadora censurou, ela rescindiu o contrato para lançá-la em outra gravadora, azar de uns, sorte de outros, a canção se tornou um de seus maiores sucessos)
ESPELHO ALÉM DO ESPELHO
Nascido no subúrbio nos melhores dias Quando eu olho o meu olho além do espelho
Com votos da família de vida feliz Tem alguém que me olha e não sou eu
Andar e pilotar um pássaro de aço Vive dentro do meu olho vermelho
Sonhava ao fim do dia, ao me descer cansaço É o olhar do meu pai que já morreu
Com as fardas mais bonitas desse meu país O meu olho parece um aparelho
O pai de anel no dedo e dedo na viola De quem sempre me olhou e protegeu
Sorria e parecia mesmo ser feliz Assim como meu olho dá conselho
Eh, vida boa Quando eu olho no olhar de um filho meu
Quanto tempo faz
Que felicidade A vida é mesmo uma missão
E que vontade de tocar viola de verdade A morte uma ilusão
E de fazer canções como as que fez meu pai Só sabe quem viveu
E de fazer canções como as que fez meu pai Pois quando o espelho é bom
Ninguém jamais morreu
Num dia de tristeza, me faltou o velho
E falta lhe confesso, que ainda hoje faz Sempre que um filho meu me dá um beijo
E me abracei na bola e pensei ser um dia Sei que o amor do meu pai não se perdeu
Um craque da pelota ao me tornar rapaz Só de olhar seu olhar sei seu desejo
Um dia chutei mal e machuquei o dedo Assim como meu pai sabia o meu
E sem ter mais o velho pra tirar o medo Mas meu pai foi-se embora num cortejo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás E eu no espelho chorei porque doeu
Eh, vida à toa Só que vendo meu filho agora eu vejo
Vai no tempo, vai Ele é o espelho do espelho que sou eu
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade A vida é mesmo uma missão
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai A morte uma ilusão
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai Só sabe quem viveu
Pois quando o espelho é bom
E assim crescendo, eu fui me criando sozinho Ninguém jamais morreu
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambã da esquina Toda imagem no espelho refletida
Em toda brincadeira, em briga, em namorar Tem mil faces que o tempo ali prendeu
Até que um dia eu tive que largar o estudo Todos têm qualquer coisa repetida
E trabalhar na rua sustentando tudo Um pedaço de quem nos concebeu
Assim sem perceber, eu era adulto já A missão do meu pai já foi cumprida
Eh, vida voa Vou cumprir a missão que Deus me deu
Vai no tempo, vai Se meu pai foi o espelho em minha vida
Ai, mas que saudade Quero ser pro meu filho o espelho seu
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai A vida é mesmo uma missão
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta A morte uma ilusão
Mas tão habituado com o adverso Só sabe quem viveu
Eu temo se um dia me machuca o verso Pois quando o espelho é bom
E o meu medo maior é o espelho se quebrar Ninguém jamais morreu
E o meu medo maior é o espelho se quebrar E o meu medo maior é o espelho se quebrar
E o meu medo maior é o espelho se quebrar
Ele escreveu essa obra prima para retratar um pouco da sua vida. O título da música já reflete a vida, já traz reflexão. Não tem refrão, não tem repetição de versos e mesmo assim o sucesso foi absoluto, a ponto de render uma continuação.
Ele escreveu “Espelho” para homenagear seu progenitor, uma letra belíssima que emociona qualquer um que já perdeu seu pai. Porém o grande sambista carioca conseguiu ir ainda além, anos depois junto com seu grande parceiro de composições Paulo César Pinheiro, surge a obra “Além do espelho”. Nessa canção a homenagem é para seus filhos, a letra fala sobre a relação com seu pai e a relação que tem agora com seus filhos.
Nas letras não há repetição, mas a vida é cíclica e infelizmente a história se repetiu. Quis o destino que a história também rendesse uma triste continuação, o que ele cantou, foi cantado anos depois pelo seu filho, enredos semelhantes de histórias repetidas.
É claro que estou falando de João Nogueira (nome de batismo – João Batista Nogueira Junior) e Diogo Nogueira. João era Junior, seu pai, citado nas canções também era João Nogueira, acho que nem existe uma figura de linguagem para tanta redundância, ou coincidência, ou destino......
É triste, mas é lindo.
Quem é pai não pode deixar de ouvi-las, já que a principal mensagem é de que um pai deve fazer seu filho torna-se o avô. Tanto “Espelho” quanto “Além do Espelho” acabam com o verso “o meu medo maior é o espelho se quebrar”, ou seja, o filho mudar de rumo e não seguir o que lhe foi ensinado, acho que esse é o verdadeiro medo de todo pai.
Aproveito a oportunidade e faço um agradecimento muito especial a José Sposito, meu pai, ele com certeza foi um.
MEU GURI
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim, levando, ele a me levar
E na sua meninice, ele um dia me disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí!
É o meu guri
E ele chega, chega suado e veloz do batente
Traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí!
Chega no morro com carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assalto está um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente, acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí!
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Estamos acostumados ouvir essa música na voz de cantoras (Elza Soares / Tereza Cristina / Beth Carvalho) e automaticamente associamos a história ao relato de uma mãe, mas precisamos lembrar que o compositor é um homem, embora pai de três “gurias”, a narrativa é do Chico Buarque. Eu como pai vou puxar a sardinha para o meu lado. (o problema é essa “bolsa” no meio da letra para atrapalhar minha argumentação).
Vamos deixar os dois. Está decidido!
Nas duas músicas anteriores falei sobre o que um pai (ou mãe) quer para o filho. Esta pode ser a realização. Qual o pai (ou mãe) que não sonha em dar uma boa vida para seu filho? Esta música discorre sobre esta realidade, mostra que o guri é nascido em família pobre, que mora na favela e que apesar do esforço do pai (e da mãe), a esperança de que o filho tivesse um bom futuro era muito pequena. Mas o garoto surpreende a todos, principalmente aos pais, que vê que o filho conseguiu ter um futuro realizado, com emprego, dinheiro e boa vida. Apesar de todas estas conquistas, o guri não se esquece de seus pais e da educação que recebeu, trazendo imenso orgulho para eles.
Se antes era o pai (ou a mãe) que colocava o guri para dormir, agora a situação se inverteu.
A desigualdade social está presente na música, mas o “Guri” mostra que apesar das adversidades, é possível chegar lá.
Chico, desculpa eu ter colocado o narrador no plural, mas preciso fazer uma moral com a “nega véia”.
Rosemi você sempre foi uma ótima mãe e esposa. Te amo.
Renan (meu guri) te amo mais ainda!
CADÊ IOIÔ
Dona Fia, cadê Ioiô, cadê Ioiô?
Cadê Ioiô, Dona Fia, cadê Ioiô?
Cadê, cadê, cadê Ioiô?
Cadê, cadê, cadê Ioiô?
Ioiô é um moleque maneiro
Vem lá do Salgueiro e tem seu valor
Toca cavaco, pandeiro
E no partido-alto é bom versador
Quem sabe do seu paradeiro
É o pandeiro, cavaco, tantã
Quando ele encontra a rapaziada
Só chega em casa de manhã
Dona Fia, cadê Ioiô, cadê Ioiô?...
Quero encontrar esse bamba
Que em termos de samba, é sensacional
Para alegrar o pagode
Que estou preparando lá no meu quintal
E foi no samba pra gente
Que vi um valente versar pra Ioiô
Mas ele estava indecente
Deixando o malandro de pomba-rolô
Dona Fia, cadê Ioiô, cadê Ioiô?...
Há quem diga que Almir Guineto quando criança era muito inquieto, não parava no lugar, indo e voltando sem parar, como se fosse um ioiô. Os amigos quando iam até a sua casa procurar por ele, perguntavam para a sua mãe (Dona Fia): “cadê o ioiô?”
A verdade é que ioiô era o apelido do seu pai, Iracy de Souza Serra, um dos fundadores do Salgueiro e membro da ala dos compositores.
A música, portanto, é uma homenagem aos seus pais, “Seu Ioiô” e “Dona Fia”
Dona Fia, mais do que a mãe do Almir, foi fundadora do Salgueiro, costureira da escola, baiana, e também compositora. Compôs sambas que fizeram sucesso na voz do filho, como "Saco cheio" e "É melhor você parar".
O verdadeiro apelido de Almir era Magnata, que evoluiu para Magneto e então Guineto.
COISINHA DO PAI
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
Você vale ouro todo o meu tesouro
Tão formosa da cabeça aos pés
Vou lhe amando lhe adorando
Digo mais uma vez
Agradeço a Deus porque lhe fez
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
(Eu disse coisinha) o coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
Charmosa tão dengosa
Que só me deixa prosa
Tesouro vale ouro
Agradeço a Deus porque lhe fez
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
(Eu disse coisinha) o coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
Essa provavelmente seja a história mais conhecida, talvez por ser a mais fantástica. Todos os compositores têm um sonho, ouvir sua música ser tocada no rádio, essa foi muito mais longe.....
Em 1997, "Coisinha do Pai" foi programada pela engenheira brasileira da Nasa Jacqueline Lyra para acionar o robô norte-americano Sojourner, que fazia parte da missão Mars Pathfinder, criada pela Agência Espacial dos Estados Unidos para explorar a superfície do planeta.
No entanto, ao contrário do que muitos pensam, a versão tocada em Marte não foi aquela famosa na voz da madrinha e sim a cantada por Jair Rodrigues e Elba Ramalho. A engenheira Jacqueline, que morava nos Estados Unidos, ouvia na sua casa CD’s de músicas brasileiras, entre eles Casa de Samba 1, onde uma das faixas era Coisinha do Pai com Jair e Elba. Neste mesmo CD, Beth Carvalho canta com Nana Caymmi, “As rosas não falam”.
Jacqueline conta que a estrofe que chamou atenção foi: “você vale ouro, todo o meu tesouro” pois representava o carinho que os cientistas tinham pelo robô.
Em 1998, Beth Carvalho incluiu em seu disco "Pérolas do pagode" a composição "Samba de Marte", composta por Arlindo Cruz, Sombrinha, Almir Guineto e Mazinho Xerife, mas essa é uma outra história ....
MOLEQUE ATREVIDO
Quem foi que falou
Que eu não sou um moleque atrevido
Ganhei minha fama de bamba
No samba de roda
Fico feliz em saber
O que fiz pela música, faça o favor
Respeite quem pôde chegar
Onde a gente chegou
Também somos linha de frente
De toda essa história
Nós somos do tempo do samba
Sem grana, sem glória
Não se discute talento
Mas seu argumento, me faça o favor
Respeite quem pôde chegar
Onde a gente chegou
E a gente chegou muito bem
Sem desmerecer a ninguém
Enfrentando no peito um certo preconceito
E muito desdém
Hoje em dia é fácil dizer
Essa música é nossa raiz
Tá chovendo de gente
Que fala de samba e não sabe o que diz
Por isso vê lá onde pisa
Respeite a camisa que a gente suou
Respeite quem pôde chegar onde a gente chegou
E quando pisar no terreiro
Procure primeiro saber quem eu sou
Respeite quem pôde chegar onde a gente chegou
Essa composição poderia ser um “papo reto” para aqueles que chegam na roda de samba e já querem pegar nos instrumentos, mas esse recado foi dado na música “Tan-tan 171” de Marquinhos Sathan.
As más línguas dizem que foi um protesto contra os grupos que surgiram nos anos 90 mudando o padrão de roupa, cabelo, estilo de tocar, composições sem conteúdo, etc. Mas também não é nada disso, o próprio Jorge Aragão diz: - “Não consigo achar isso, porque eu não participo disso. Eu só encontro pessoas que estão fazendo e procurando manter tudo como era antigamente. Existe claro uma célula do samba que é tocada no rádio. Se ela está ali é porque está dando retorno. Quando eu vou para rua vou para ouvir meus iguais, no caminho até lá sei que vou ouvir algo paralelo no rádio, mas o que você ouve no rádio não está tocando numa roda de samba. Acho que tem espaço para todo mundo no mundo. Temos que deixar cada um viver”.
Então qual é a história dessa música? A verdade é que Jorge Aragão foi procurado por Bira Haway (produtor musical), solicitando a ele uma música para um grupo que ele conhecia em São Paulo, Aragão ficou reticente, mas Bira Haway explicou que conhecia a origem dos meninos, a base deles. Então Aragão fez a canção para a rapaziada do Exaltasamba.
A música virou motivação não só para sambistas, mas para esportistas também, jovens que iniciam suas carreiras no futebol, no vôlei, onde tinha um “moleque atrevido” a música fazia sucesso. Ela se tornou um hino na seleção feminina de futebol.
SHOPPING SAMBA
Vou te contar, rapaz
Tem malandro enrolando demais
No shopping samba
O barato tá no cartaz
Mocotó, mocotó sem tornozelo
Sacolé fora do gelo
Feijoada de sagu
Agrião de talo grosso
Carne-seca de pescoço
Nessa todo mundo vem
É melaço de urutu
Não vai sobrar nada pra ninguém
Afoxé, Afoxé da Argentina
Rock and roll da Cochinchina
Rumba de Waterloo
Boi bumbá de Nova Iorque
Foxtrote do Oiapoque
Nessa todo mundo vem
É pagode de Seul
Não vai sobrar nada pra ninguém
Essa sim é uma crítica ao samba que estava sendo gravado no final dos anos 80 e início dos 90. Para muitos tratava-se de um samba comercial, por isso “shopping samba”.
Para os mais fiéis ao que se chama de samba raiz, o tipo de samba cantado nos anos acima citados, não tinha conteúdo nas letras, não tinha levada, por isso é “mocotó sem tornozelo” ou “sacolé fora do gelo”, e todas as outras comparações.
SINGELO MENESTREL
Lalalaia lalalaia lalalalalalalalalalala
Lalalaia lalalalalalalalalalala
Grande festa no barraco do nêgo João
Pandeiro, cavaco, viola
Sob a luz do lampião
De alegria Dona Maria chorava
Para o bebê que nascia
Aquela gente cantava
Mesmo a pouco leite, a pouco pão
Aquele bebê foi crescendo
Vencendo as barreiras desse mundo cão
Fascinado por pandeiro, cavaquinho e violão
Com suaves sinfonias no piano do patrão
Aquele neguinho que andava
Descalço na rua e ao léu
Assobiando Beethoven, Chopin
Porém preferindo Noel
Foi assim se transformando
Num singelo menestrel
No barraco na favela
Pra esquecer o desamor
Escrevendo à luz de vela
Mais uma canção de amor
La la la ia
Essa música foi sucesso na voz de Dudu Nobre, que é mais um “Moleque Atrevido”.
E quando Guará compôs parece que foi pensando em Dudu: garoto pobre “fascinado por cavaquinho”, crescendo e vencendo, ouvindo Noel, e não é o bom velhinho (desculpem não pude evitar), se transformou num menestrel, é o Dudu! Mas também poderia ser o Pretinho da Serrinha, que aos 10 anos já era diretor de bateria da Império Serrano.
Guaracy Sant’Anna ou simplesmente Guará, é mais um compositor, negro suburbano invisível, seus sambas são tocados em 100% das rodas, principalmente “Sorriso Aberto”, sucesso na voz de Jovelina e “Destino de Maria” na voz de Guineto. Assim como outros gênios negros e pobres que o Brasil formou, viveu e morreu no anonimato, sem rosto, sem direitos nem ascensão social.
Jovelina Pérola Negra escreveu o samba “Poeta do Morro”, gravado no álbum “Amigos Chegados” em 1990 e o grupo Chora Menino, de SP, gravou “Tributo ao Mestre Guará” no álbum “Canto das Raças Axé” de 1992.
Se você está lendo este livro e simultaneamente ouvindo as músicas (espero que esteja) aconselho que ouça a versão com participação do MV Bill, cujo acréscimo na letra é sensacional, digno de mais uma mente pensante do movimento Hip Hop.
Gente inocente criatura veio ao mundo
Marginal, menestrel, sentimental e profundo
Eu vi a cena projetada em tela de cinema
Que pena
A vida band, vai dar e o tema
Que pena
Garoto, maroto, travesso
Esconde a luz de vela
A escora do teu berço
Submisso a onda africana
De cara pro sucesso
Da de costa pra lama.
Moleque singelo, bermuda e chinelo
Longe de representar o sonho verde e amarelo
Invisível no asfalto só ver a malandragem
Na hora que as migalhas caírem do alto
Na infância aprende bem criança tá ligado que
Depois da tempestade vem cobrança
Quem quiser que cobre o espírito tá nobre
Quem compõe tem o dom e o pensamento nobre
O SURDO PANDEIRO É MEU NOME
Amigo, que ironia desta vida Falaram que meu companheiro
Você chora na avenida Meu amigo surdo parece absurdo
Pro meu povo se alegrar Apanha por tudo
Eu bato forte em você Ninguém canta samba E aqui dentro do peito uma dor Sem ele apanhar
Me destrói
Mas você me entende Não ouviram que seu companheiro
E diz que pancada de amor não dói Amigo pandeiro
Também tira coco do mesmo coqueiro
Meu surdo, parece absurdo Apanha sorrindo pra povo cantar
Mas você me escuta
Bem mais que os amigos lá do bar Pandeiro
Não deixa que a dor Não é absurdo mas é o meu nome
Mais lhe machuque Não me chamo surdo mas aguento fome Pois pelo seu batuque Pandeiro não come mas pode apanhar
Eu dou fim ao meu pranto e começo a cantar
Meu surdo, bato forte no seu couro Ao povo que vibra na força do som brasileiro
Só escuto este teu choro Não é só o surdo nem só o pandeiro
Que os aplausos vêm pra consolar Tem uma família tocando legal Você cantando, tocando e batendo na gente
Meu surdo, velho amigo e companheiro Passando por tudo tão indiferente
Da avenida e de terreiro Não conhece a dor do instrumental
De rodas de samba e de solidão
Não deixe que eu vencido de cansaço Batuqueiro ê,batuqueiro
Me descuide desse abraço Cantando samba pode bater no pandeiro
E desfaça o compasso Do passo do meu coração
Existe uma máxima nas quadras que diz: a bateria é o coração da escola, e o surdo o coração da bateria.
Faz todo sentido, fora todas as metáforas que podem ser criadas utilizando o que o coração representa para o corpo e a bateria para a escola, vamos para os fatos, imaginem as batidas perfeitamente ritmadas do nosso coração, agora imaginem a alternância sincronizada da 1ª e da 2ª deste naipe. Estamos ou não estamos falando da mesma coisa?
E foi por isso que escolhi essas duas entre tantas canções interpretadas pela Marrom. Foi por isso que entre infinitas músicas que falam sobre ou citam instrumentos (com certeza vocês estão fazendo uma lista mental e já lembraram de várias) é que eu escolhi essas duas. E um pouco foi tendencioso tenho que admitir, afinal como a própria letra diz “velho amigo e companheiro”, e amigo de verdade é aquele que está sempre no nosso pensamento.
Agora vejam esse verso: “pancada de amor não dói”. Na letra é uma afirmação do instrumento para o ritmista, entendendo as pancadas recebidas, mas poderia ser perfeitamente o contrário, uma explicação do ritmista para a “surra” que ele tem que dar no instrumento durante um desfile.
A segunda música é sobre outro lindo instrumento, prolongamento da mão do Bira Presidente, mas está aqui por: “meu amigo surdo, ninguém canta samba sem ele apanhar”. Só posso então concluir que sem surdo não tem samba! (será mesmo que foi só um pouco tendencioso?)
Na verdade, todos sabemos que para a coisa ficar bonita de verdade “tem uma FAMÍLIA tocando legal”. Acima eu chamei de naipes, mas podem chamar de família e novamente imaginar tantas outras metáforas.
MEU GURUFIM
Eu vou fingir que morri
Pra ver quem vai chorar por mim
E quem vai ficar gargalhando no meu gurufim
Quem vai beber minha cachaça
E tomar do meu café
E quem vai ficar paquerando a minha mulher
Quando o caixão chegar
Eu me levanto da mesa
E vou logo apagar
As quatro velas acesas
E vou dizer pra minha mãe
Não chora
Amigo a gente vê é nessa hora
E vou dizer pra minha mãe
Não chora
Amigo a gente vê é nessa hora
A pergunta que não quer calar é respondida por outra música, “Linguagem do Morro” de Padeirinho: “velório no morro é gurufim”.
Gurufim vem da África. É uma variação da pronúncia de golfinho, que na mitologia africana é quem leva a alma dos mortos para o outro lado.
Com o tempo, o conceito de gurufim se tornou mais elástico, a ponto de nomear qualquer velório com festa. Se tem morto e tem samba, já tá valendo chamar de gurufim.
Ainda que cause estranhamento em alguns, esse comportamento diante da morte nada mais é que o respeito a uma tradição de sambista.
Na música em questão (Meu Gurufim) Claudio Camunguelo simula um velório, o seu, para identificar os verdadeiros amigos.
O enterro de Paulo da Portela foi o primeiro e maior Gurufim, o comércio fechou, teve toque de surdo, cantoria e povo bebendo pelo caminho a ponto de acabar a cerveja em todos os bares da Marechal Rangel e da Monsenhor Felix, 15 mil pessoas participaram de alguma forma da despedida fúnebre do fundador da escola de samba de Oswaldo Cruz e Madureira. No gurufim do Joãosinho Trinta teve até bateria de escola de samba. O mais recentemente foi da Beth Carvalho onde os presentes cantaram Andança.
Só não é permitido confusão, isso só no “Enterro do Ricardão”, de autoria do Dicró.
TESTAMENTO DE PARTIDEIRO
Pra minha mulher deixo amor, sentimento,
na paz do Senhor
E para os meus filhos deixo um bom exemplo,
na paz do Senhor
Deixo como herança, força de vontade,
na paz do Senhor
Quem semeia amor, deixa sempre saudade,
na paz do Senhor
Pros meus amigos deixo meu pandeiro,
na paz do Senhor
Honrei meus pais e amei meus irmãos,
na paz do Senhor
Aos fariseus não deixarei dinheiro,
na paz do Senhor
É mas pros falsos amigos deixo o meu perdão,
na paz do Senhor
O sambista não precisa ser membro da academia
Ao ser natural em sua poesia, o povo lhe faz imortal
O sambista não precisa ser membro da academia
Ao ser natural em sua poesia o povo lhe faz imortal
Se houver tristeza que seja bonita,
na paz do Senhor
Pois tristeza feia o poeta não gosta,
na paz do Senhor
Um surdo marcando o choro de cuíca,
na paz do Senhor
Viola pergunta mas não tem resposta,
na paz do Senhor
Quem rezar por mim que o faça sambando,
na paz do Senhor
Porque um bom samba é forma de oração,
na paz do Senhor
Um bom partideiro só chora versando,
na paz do Senhor
Tomando com amor batida de limão,
na paz do Senhor
Antes de tudo vamos deixar claro o que é um partideiro = cantor de partido alto.
Partido Alto por sua vez é um estilo de samba marcado pela roda de improviso criativo dos partideiros. Apresenta refrões marcantes que se repetem ao longo da construção, comumente estabelecido por meio de pergunta e reposta. O partido alto sugere, como no repente, um desafio de ideias e rimas capazes de garantir reconhecimento e status aos participantes que entram na disputa com a finalidade de se dizer muito com pouco, só entra nessa disputa os sambistas mais criativos, inspirados e ágeis.
A música Testamento de Partideiro em si não é um partido alto, mas composta por um dos maiores sambistas e partideiro (Antônio Candeia Filho) figura aqui exatamente para registrar a importância desta manifestação cultural, e do compositor também. As siglas a.C. e d.C., tanto utilizadas nos livros escolares, aqui ganham novo significado = antes de Candeia e depois de Candeia.
Agora falando da música: temos como característica principal a irreverência de um testamento de quem não tem bens materiais para deixar. Irreverência essa que é obrigatória no partido alto, e, “se houver tristeza que seja bonita”.
O refrão é mais uma ironia do destino onde a criação age sobre o criador, Candeia, como a sua composição diz, se tornou imortal mesmo sem nunca ter feito parte da ABL.
DE QUALQUER MANEIRA
De qualquer maneira
Meu amor eu canto
De qualquer maneira
Meu encanto, eu vou sambar
Com os olhos rasos d'água
Com o sorriso na boca
Com o peito cheio de mágoa
Ou sendo a mágoa tão pouca
Quem é bamba não bambeia
Falo por convicção
Enquanto houver samba na veia
Empunharei meu violão
De qualquer maneira
Meu amor eu canto
De qualquer maneira
Meu encanto, eu vou sambar
Sentado em trono de rei
Ou aqui nesta cadeira
Eu já disse, já falei
Seja qual for a maneira
Quem é bamba não bambeia
Falo por convicção
Enquanto houver samba na veia
Empunharei meu violão
De qualquer maneira
Meu amor eu canto
De qualquer maneira
Meu encanto, eu vou sambar
Apesar de tudo, “De Qualquer Maneira” ele continuou compondo. Apesar de tudo, “De Qualquer Maneira” ele continuou cantando.
Candeia era policial e no ano de 1965 passou em concurso público para oficial de justiça, a comemoração foi obviamente com um pagode em Madureira. Muito samba, muita cerveja, 2 h. da manhã e Candeia saiu com o carro, o resultado foi um acidente com um caminhão. O fato narrado abaixo é de seu parceiro Waldir 59, que resolveu acompanhar o amigo pois sabia de sua condição.
“Pegando a Presidente Vargas, Candeia botou o carro na frente de um caminhão. Desceu, viu o para-lama amassado, pegou o revólver e esvaziou todos os pneus do caminhão. O ajudante desceu e tomou uma surra do Candeia, saiu correndo, o outro ajudante desceu e apanhou também, aí ele falou para o motorista: “agora é você!” O motorista deu cinco tiros no Candeia (um de raspão, um no braço, dois nos pulmões e um na medula). Coloquei Candeia no ombro e corri para procurar um taxi, a pulsação dele era zero, deixei ele no Souza Aguiar e desmaiei”
Candeia ficou desenganado por três dias, foi transferido para o Hospital do Servidor onde ficou por três meses, passou por várias cirurgias, mas o tiro na medula foi crucial, tirando-lhe os movimentos da cintura para baixo.
Passou por um período de depressão, mas entendeu que o samba era o caminho, como ele diz na música “quem é bamba não bambeia” e “enquanto houver samba na veia, empunharei meu violão”, e foi no seu violão que encontrou o caminho para ressurgir.
“Sentado em seu trono de rei” passou a organizar com frequência pagodes em sua casa, compôs inúmeras músicas, entre elas O Mar Serenou, Samba da Antiga, Vem Menina Moça, e gravou um dos discos mais importantes para o samba e um dos mais aclamados de todos os tempos: “AXÉ”!
INTELIGÊNCIA
Se os bichos são inteligentes
Por que não as criaturas? (2 vezes = refrão)
Qual é a pedra mais doce? É rapadura
Qual é a defesa do banguela? É dentadura
Cite uma cidade do oriente? Cingapura
Quando o malandro perde o conceito? Quando dedura
Qual é a ave de perna mais fina? É saracura
O nome do miúdo do porco? É fritura
Um arranhão inflamado? Sutura
A residência do falecido? É sepultura
Arco pontua sobre a madeira? rodando fura
O Aniceto com uma loira! e você com uma escura
Mulher muito ciumenta? Ninguém atura
Qual a formiga de cabeça grande? É tanajura
Quando a mulher engana o homem? É quando jura
Uma nossa mãe!!! jura o nosso pai, entretanto é uma boa criatura
Uma escrita rabiscada tem? diz quem sabe? rasura
A pretinha fritou ovos? Sem ter gordura,
Vou construir meu barraco? Em Cascadura
Qual é o indispensável? Licença na prefeitura
O casado que namora? Ah nós! é cara dura
Será que vocês adoraram? ou gostaram da minha cintura?
Das mulheres que fico invocado e ninguém me segura!!
Por isso salva de palmas pra elas, a moçada que passa apura
É tapecar na jogada segura as bolas que ninguém me atura
É, é isso aí minha gente é jogada dura, é hé
Estamos diante do mais claro exemplo de uma modalidade de Partido Alto que é pura expressão popular, que é pura criatividade do sambista, que é o partido de pergunta e resposta.
Nei Lopes uma vez disse que o sambista completo tem que saber compor, cantar, tocar alguns instrumentos, sambar o miudinho e tem que saber versar. Eu estou muito longe disso, no máximo engano em alguns instrumentos, mas vou aproveitar o espaço para incrementar um pouco esse samba de Aniceto, com muitas rimas do meu xará Renatinho Partideiro e algumas minhas.
O sapato do cavalo? = Ferradura
Tem na porta e põe a chave? = Fechadura
O leite que vai no fogo, faz levantar? = Fervura
Um regime de governo? = Ditadura
E a ditadura faz o que? = Tortura
Armação do quadro? Moldura
Faixa para curativo? = Atadura
Na manga do paletó, eu uso? Abotoadura
O livro de capa dura? = Brochura
E o livro serve pra quê? = Leitura
Com o que se faz salada? = Verdura
E o presente do defunto, eu compro aonde? = Floricultura
A roupa do cavaleiro? = Armadura
Todo bolo tem que ter por cima? = Cobertura
O baile depois da escola? = Formatura
O carro da polícia? = Viatura
Um desenho engraçado? = Caricatura
No final do cheque eu ponho? = Assinatura
O documento da casa? = Escritura
A mulher põe no cabelo? = Tintura
Arte de cuidar da terra? = Agricultura
E a de fazer mel? = Apicultura
Operação que a mulher faz pra não ter nenê? = Laqueadura
Se a roupa rasga, faz o que? = Costura
Muita comida na mesa? = Fartura
Junto com o arroz feijão? = Mistura
Fruta no ponto de comer? = Madura
Osso quebrado? = Fratura
O dentista faz no dente? = Obtura
O termômetro tira o quê? = Temperatura
A broca faz o que? = Perfura
A pomada é pra curar? = Queimadura ou Assadura
Livro com notas musicais? = Partitura
Abertura na parede? = Rachadura
Por agulhas pelo corpo? Acupuntura
Origami é o que? = Dobradura
O cachaceiro sente o que? Tontura
O bordão do Luciano Huck? = Loucura loucura
No Halloween tem o quê? = Gostosura ou travessura
Água mole em pedra dura, tanto bate? Até que fura.
Muito tempo sem dar uma, você fica? = Na fissura
E se ela não quiser? = Frescura
E as mulheres que eu pego no samba? = Tudo escultura!!!
LUZ DO REPENTE
Deixa comigo, deixa comigo
Eu seguro o pagode e não deixo cair ééé
Sem vacilar é é
Sem me exibir é é
Só vim mostrar, ééé
O que aprendi
Eu sou partideira da pele mais negra
Que venho, que chego para improvisar
Já vi partideiro que nunca vacila
Entrando na fila, querendo versar
Mas dou um aviso que meu improviso
É sério, é ciso, não é de brincar
Otário com aço, eu mando pro espaço
Versando, eu faço o bicho pegar
É sem vacilar é é
Sem me exibir é é
Só vim mostrar, ééé
O que aprendi
Deixa comigo, deixa comigo
Eu seguro o pagode e não deixo cair ééé
Sem vacilar é é
Sem me exibir é é
Só vim mostrar, ééé
O que aprendi
A luz do repente a estrela cadente
Chega de repente, não dá pra sentir
Na lei do pagode, só versa quem pode
Quem sabe somar e não subtrair
Não sou diamante, safira, esmeralda
Não sou turmalina nem mesmo rubi
Por onde eu passo eu deixo saudade
A pérola negra passou por aqui
É sem vacilar é é ..........
O título desta música já é a conclusão da similaridade entre as estruturas do samba de partido alto com o repente nordestino, ambos têm como ponto forte a improvisação, feita em forma de desafio entre seus cantadores.
Quanto PQD, Almir e Franco fizeram essa música foi pensando diretamente na Jovelina, que carrega ainda no nome artístico o Pérola Negra. Assim como o partido e o repente são parecidos, Jovelina e a pérola negra também, são joias raríssimas de alto valor. Jovelina foi uma das raras mulheres que enfrentaram os homens de igual para igual nas rodas de partido alto, sem vacilar!
Vamos à música:
O refrão denota a segurança com que ela entrava na roda, podia deixar com ela que ela sabia o que estava fazendo.
A 1ª diz tudo sobre seu jeito de cantar e sua inteligência, improviso sério e ciso que faz o bicho pegar. Se o malandro vacilasse ela acabava com ele.
A 2ª é o resumo desse gênero, só entra pra versar quem sabe, e ela sabia. É o resumo dela, não é safira nem esmeralda, é uma Pérola Negra. Deixou muita saudade, por onde passou, na roda, no palco, na quadra do Império, na Pavuna e no mundo do samba.
Pavuna é um capítulo à parte, além de tema de sua música mais famosa “Feirinha da Pavuna”, neste bairro da zona norte carioca, um espaço multiuso foi batizado em sua homenagem, a Arena Carioca Jovelina Pérola Negra.
O FEIJÃO DE DONA NENÉM
Esse feijão tá cheiroso
Foi dona Neném quem mandou preparar
Disse que Penha lhe disse
Que o fogo de lenha tem bom paladar
Vamo' lá
Bota lenha na fogueira, Neném
Deixa o feijão cozinhar
Bota lenha na fogueira, Neném
Não deixa o feijão queimar
Entre a cana e o tira-gosto
Era mês de agosto, lembro muito bem
Fui na favela do Rato
Como convidado de dona Neném
Estranhei o movimento
Mas pensei por dentro: "Vai dar tudo bem"
Mas tropecei num tijolo
Esbarrei num crioulo que caiu também
Cheio de fome o negão
Lá no chão esperando o feijão da Neném
Vamo' lá
Bota lenha na fogueira, Neném
Deixa o feijão cozinhar
E outra vez pra afirmar
Bota lenha na fogueira, Neném
Não deixa o feijão queimar
O negão queria briga
Porém a fadiga não deu condição
Vi que era malandragem
Era pilantragem, era tudo armação
Pediram uma ajuda, me deram a bermuda
A pá, a enxada e o carrinho de mão
Onde se lia a mensagem: "Primeiro a laje depois o feijão"
Outra vez
Bota lenha na fogueira, Neném
Deixa o feijão cozinhar ......
Nome de batismo = Yolanda de Almeida Andrade.
No mundo do samba = Dona Neném, baluarte portelense, querida, esposa de Manacéa e de quebra uma excelente cozinheira.
Dona Neném era também avó da Mônica (esposa do Zeca).
Zeca (o genro) e seu amigo Arlindo Cruz, foram convidados pela sogra para ajudar a encher uma laje na casa dela na comunidade do Rato Molhado. Depois do trabalho Dona Neném prometeu uma feijoada. Mas é claro que Zeca e Arlindo não queriam pegar no batente, e propositalmente chegaram atrasados, também propositalmente bem na hora do feijão, a sogra percebeu o golpe mas como ganhou uma música, liberou o feijão.
Outras feijoadas também viraram famosas canções:
Uma delas “Bagaço da Laranja”, fala em canja, mas é só para rimar, como já contamos anteriormente o evento era uma feijoada.
Outra é “No Pagode do Vavá”, de Paulinho da Viola, que cita o feijão da Dona Vicentina, “provei do famoso feijão da Vicentina, só quem é da Portela que sabe que a coisa é divina”.
Vicentina que também foi citada no samba “Isso é Fundo de Quintal” de Leci Brandão,” Olha a rapaziada fazendo o rateio comprando a bebida, deixa para Vicentina esta negra divina fazer a comida”.
Quanto samba! Quanto feijão! Isso sim é que é combinação!!!
PAI CORUJA O FILHO DA MÃE
Amigo, não leve a mal Não brinca com a filha dos outros
Mas isso é o meu dever Porque você pode ter filha mulher
Se quer namorar minha filha
Moça de família, precisa saber Deus castiga E o mal que cê faz vai voltar pra você
Comigo é na moda antiga A filha de alguém vai te dar uma filha
Não tem boa-vida de encher a barriga E a sua filha vai ter que crescer
E depois correr
O velho não é de bobeira, vai pegar você Vai crescer e o mundo vai tá diferente
E malandro igual você
Senta aí no sofá que eu mandei preparar Nesse tempo vai ser bem mais inteligente
De cidreira um chá pra te tranquilizar Você fez um pai de família de otário
Quando se acalmar O tempo passou mas chegou tua vez
Me fale a verdade da sua intenção, cidadão O filho de alguém vai pegar tua filha
E vai fazer igual ao que você já fez
Se for amor que realmente está sentindo
Quer casar com ela, não está mentindo Vai dizer que é brabo, que mata, que corta
Eu prometo, garanto Pra ficar no quarto, não fechar a porta
Seu boi vai na sombra ficar Que já foi moleque e pra chegar em casa Antes de anoitecer
Além de lhe dar meu consentimento
De presente um luxuoso apartamento Mas infelizmente, você sabe bem
Todo mobiliado de frente pro mar O que ele tá querendo você quis também
Pronto pra morar E não vem com discurso
De que ela tá crescida e vai acontecer
Porém se for 171, um pé rapado
Se meteu no meio de um fogo cruzado Não respeitou, não vai ser respeitado
Uma bala perdida O mundo dá voltas
Cuidado, ela pode te achar E você vai pagar o seu pecado
Não respeitou
Tá vendo, aqui na minha casa é um lar de alegria Depois eu não quero te ouvir reclamar
Eu não deixo entrar pirataria Que a filha tá linda e o filho da mãe
Se eu soltar meu cachorro ele vai ter pegar Tá deitado na sala com o pé no sofá
Não respeitou
É um vira-lata ruim de aturar Não respeitou, não vai ser respeitado
(Se eu soltar meu cachorro, ele vai te pegar) O mundo dá voltas
Ele já tá de olho no teu calcanhar E você vai pagar o seu pecado
(Se eu soltar meu cachorro, ele vai te pegar) Não respeitou
Já matou um pitbull sem sair do lugar Depois eu não quero te ouvir reclamar
(Se eu soltar meu cachorro, ele vai te pegar) Que a filha tá linda e o filho da mãe
Tá deitado na sala com o pé no sofá
Você é pai? De menina?
Se as respostas foram sim, essas duas são para você.
Uma dica bem-humorada de conversa com seu genro, e outra com versos, também bem-humorados, para refletir.
Ambas muito bem escritas, muito bem rimadas, são mais exemplos de como a composição é um dom, pois ao ouvi-las com certeza nos perguntamos: como é que alguém consegue pensar nisso? Dessa forma? A resposta pode estar em outra música, “O Poder da Criação”, de João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro.
No que tange a história das músicas elas falam por si só.
O curioso é que foram feitas em época distintas, por compositores de idades diferentes, de épocas diferentes, mas com a mesma pegada, isso porque frequentaram a mesma escola, o que só comprova um dos maiores sucessos de Nelson Sargento: “o samba agoniza mas não morre”.
Mosquito, considerado como “nova geração”, compositor de “O Filho da Mãe” carrega consigo a essência das gerações anteriores. O mais curioso é que lembra muito o intérprete de Pai Coruja (Zeca Pagodinho), na voz, no jeito de cantar e até no biotipo; do Zeca no início da carreira é claro.
O POLÍTICO
Dei cimento, dei tijolo
Dei areia e vergalhão
Subi morro, fui em favela
Carreguei nenê chorão
Dei cachaça, tira-gosto
E dinheiro de montão
E mesmo assim perdi a eleição
Traidor, traidor
Se tem coisa que não presta é um tal do eleitor
Traidor, traidor
Se tem coisa que não presta é um tal do eleitor
Prometi a minha nega que ia ser a primeira-dama
Porém quando eu perdi, ela perdeu até a cama
E achei o meu retrato no banheiro da central
Vou dá um coro no meu cabo eleitoral
Traidor, traidor
Se tem coisa que não presta é um tal do eleitor
Traidor, traidor
Se tem coisa que não presta é um tal do eleitor
Hoje eu tenho meus motivos, para estar injuriado
Porque eu só tive um voto e mesmo assim foi anulado
Só tem gente canalha, como tem gente ruim
Nem a minha mãe votou em mim
Ô mamãe eu me admiro a senhora
Se meus inimigos não votarem em mim tudo bem
Mas a senhora que depende de mim, não votar é sacanagem
Eu hein...
- Os eleitores que não te conhecem, não votaram
Eu que te conheço vou votar? Ah! Tô fora...
Eu sei, eu sei, falei que não iria ter política, mas tive que me contradizer, afinal todos tem direito de resposta, até os políticos.
A coisa melhorou vai! Começamos com espelho! Progrediu para dentadura e agora tem um monte de bolsa, um monte de auxílio. Isso não é crime eleitoral, é benefício!
Procurei em meus comentários acima seguir a mesma linha do compositor. Para quem conheceu Dicró (quem não, por favor façam) sabe que suas letras são carregadas de irreverência, e em várias, subliminarmente há muita crítica. Em outras é só palhaçada mesmo, veremos nas duas próximas.
Espero que este capítulo do livro, além de diversão, traga um pouco de reflexão, as pessoas prometem tudo antes da eleição.
Há músicas tão ou mais inteligentes do que essa em se tratando de crítica social, “Vítimas da Sociedade” do Bezerra da Silva e “Candidato Caô Caô” de Pedro Butina e Walter Menin, mas com uma abordagem mais séria, sem falar de “Reunião de Bacanas” do Ary do Cavaco. Mas como eu não gosto de política e o intuito principal deste livro é a diversão, vamos de Dicró mais um pouquinho.
Nesta música Dicró critica os políticos, mas vocês sabem como ele era conhecido? Prefeito do Piscinão!
Ele dizia que se fosse candidato seu slogan seria: – “ajudem um crioulo a andar de chapa branca sem ser de camburão”.
Mas vamos ter fé, vai melhorar, sabem quando? “só quando o morcego doar sangue e o saci cruzar as pernas”, de Cosme Diniz e Rosemberg, na voz de Bezerra.
Espero que pelo menos minha mãe leia esse livro.
O GENRO O SOGRO
Meu genro não vale nada Minha sogra morreu
Isso eu posso provar Meu sofrimento veio em dobro
Come e bebe lá em casa Agora tenho que aturar
O safado não quer trabalhar O cachaceiro do meu sogro
Vai abrindo a geladeira Quando a velha abotoou, eu pulei de alegria
E sem me cumprimentar Nem podia imaginar, que eu ia entrar numa fria
Liga pra todo mundo É como diz o ditado: desgraça não tem horário
Falando do meu celular O diabo foi embora, mas deixou o secretário
Safado! Pilantra! Minha sogra morreu....
Meu genro é um tremendo 171
Safado! Pilantra! A velha morreu de raiva, desse velho mulherengo
Não toma vergonha na cara Tem filho no Ceará, na Bahia e Realengo
De jeito nenhum Só anda em discoteca, o velho é avançado
Pra esconder a idade
É metido a gostoso Ele diz para o povo que é meu cunhado
Mas só vive na pior
Minha filha merecia Minha sogra morreu....
Uma coisa bem melhor Só chega de pé queimado, e seja a hora que for
Quando eu brigo com o pilantra Vai logo acordando a nega, dizendo que não jantou
Minha filha até chora Diz que sou desafinado, ele quer ver o meu fim
Estou fazendo até macumba Diz que mora lá em casa, porque não confia em mim
Pra esse corno ir embora
Minha sogra morreu...
Safado! Pilantra!
Meu genro é um tremendo 171 Diz que é ex-combatente, mas nunca vi no quartel
Safado! Pilantra! Vive dando carteirada, e metido a coronel
Não toma vergonha na cara Ele diz que a filha dele, merecia outro futuro
De jeito nenhum Porque eu sou pinta braba, canto mal e ando duro
Todos estavam esperando as sogras né? Eu já me contradisse mesmo, então vou contrariar também.
Como eu disse acima, agora é a vez da palhaçada.
Primeiro mais um direito de resposta, depois de gravar inúmeras músicas zoando sua sogra, na música “O Genro”, Dicró resolveu dar voz para ela, a sogra, ou seja, fez uma auto zoação.
Seu sogro (título da segundo música) também aparece no repertório desse “poeta”, e não sou eu quem está dizendo, foi o Jô Soares quem disse para o Dicró “você é um poeta”. Nesta música dedicada ao sogro fica bem claro que nada é tão ruim que não possa piorar.
Diferente da Dona Edite (a sogra) que levava tudo na esportiva, o Sr. Pedro (o sogro) a princípio não gostava das brincadeiras, mas depois entendeu, afinal eram dessas músicas que saia o sustento da sua filha.
E pra quem ainda acha que o Dicró não gosta de sogra, afirmo que está muito enganado: - “A sogra da minha mulher é gente boa, adoro a sogra da minha patroa”.
Dicró = São as iniciais do seu nome com o “de” no início do “apelido” = Carlos Roberto de Oliveira = Decró = Dicró
VELHAS COMPANHEIRAS
Eu quando passo
Em frente à Estação Primeira
Me lembro da velha mangueira
Lindos sambas, tudo enfim
Me lembro
Dos meus tempos de menino
Quando o Paulo e o Rufino
Marcelino e Gradim
Trocavam toda cordialidade
Estreitando nossos laços
De amizade fraternal
Por isso que Portela e Mangueira
São as grandes pioneiras
Das escolas no carnaval
Em noitadas lindas já presenciei
Os sambistas com emoção
Como já dizia o bom Cartola
Ponto alto da escola
Sala de recepção
Tremulavam juntas nossas bandeiras
Velhas companheiras
Semeando a paz
Por isso que Portela e Mangueira
Sempre foram as primeiras
Dos idos carnavais
Esse samba do Monarco canta a amizade dos sambistas da Portela e da Mangueira e ressalta o pioneirismo das duas escolas.
O companheirismo iniciou-se devido a amizade de Paulo da Portela com Cartola. Dizem que quando a Portela encostava na praça Onze, o Cartola falava: “Deixa eu ver o que o Paulo trouxe”. Eles faziam samba juntos. A amizade dos dois significava a amizade entre Mangueira e Portela.
A letra desta cita outra, o trecho que diz “ponto alto da escola, sala de recepção” faz referência a música homônima do Cartola, “Sala de Recepção”, que por sua vez finaliza com “aqui se abraça inimigo, como se fosse irmão”.
Nem vou tentar definir tudo o que está por trás da palavra irmão, mas vou dar nome a eles: Tabajara do Samba e Tem Que Respeitar Meu Tamborim.
A bateria da Portela recebeu o nome Tabajara do Samba em referência à Orquestra Tabajara, mas também pesou o fato de a palavra, em tupi-guarani, significar “senhor da aldeia”, bem apropriado para a escola com o maior número de títulos.
Tem Que Respeitar Meu Tamborim é o nome tradicional da bateria da Mangueira, houve um hiato neste nome, em 2010, Ivo Meirelles, então presidente, havia batizado a bateria de “Surdo Um”, pois a Mangueira não tem surdo de 2ª, não tem resposta. Já o nome original tem a ver com o tratamento diferenciado que o tamborim tem na agremiação, eles repicam dando um suingue de fazer inveja.
Voltando para a música em questão, a melhor versão para ouvi-la é a ao vivo, no DVD do Samba Social Clube, onde Nelson Sargento (ex-presidente de honra da Mangueira – falecido em 2021) canta ao lado de Mauro Diniz, filho do Monarco (ex-presidente de honra da Portela – falecido em 2021).
COISA DA ANTIGA
Na tina, vovó lavou, vovó lavou
A roupa que mamãe vestiu quando foi batizada
E mamãe quando era menina teve que passar, teve que passar
Muita fumaça e calor no ferro de engomar
Hoje mamãe me falou de vovó só de vovó
Disse que no tempo dela era bem melhor
Mesmo agachada na tina e soprando no ferro de carvão
Tinha-se mais amizade e mais consideração
Disse que naquele tempo a palavra de um mero cidadão
Valia mais que hoje em dia uma nota de milhão
Disse afinal que o que é liberdade
Ninguém mais hoje liga
Isso é coisa da antiga, oi na tina
Na tina, vovó lavou .....
Hoje o olhar de mamãe marejou só marejou
Quando se lembrou do velho, o meu bisavô
Disse que ele foi escravo mas não se entregou à escravidão
Sempre vivia fugindo e arrumando confusão
Disse pra mim que essa história do meu bisavô, negro fujão
Devia servir de exemplo a "esses nego pai João"
Disse afinal que o que é de verdade
Ninguém mais hoje liga
Isso é coisa da antiga
Oi na tina
Na tina, vovó lavou .....
Essa é quase exclusiva para os saudosistas, se você não sabe o que é engomar vai ter que se informar.
Um dia Nei Lopes estava procurando parceiro para letrar uma de suas melodias, o Délcio Carvalho falou para ele: "Vem cá que vou te apresentar um sujeito que põe música até em bula de remédio", esse sujeito era Wilson Moreira, formava-se então uma das mais geniais duplas da história da música brasileira, e entre várias músicas saiu “Coisa da Antiga”.
E podem me chamar de saudosista também, mas me parece bem melhor as premissas: “tinha-se mais amizade e mais consideração” e “a palavra de um cidadão valia mais do que um milhão”.
Na mesma linha e como a mesma qualidade, desta parceria também saiu “Goiabada Cascão”, vou listar duas comparações desta música:
“Vida na casa de vila, correndo tranquila, sem perturbação
Hoje só tem conjugado que é mais apertado do que barracão”
“Rango de fogão de lenha na festa da penha comido com a mão
Hoje só tem misto quente, só tem milk-shake, só tapeação”
E aí? Qual vocês escolhem? Eu? Nenhuma das duas, minha preferida é:
“Samba de partido-alto com a faca no prato e batido na mão”
O PEQUENO BURGUÊS
Felicidade, passei no vestibular
Mas a faculdade é particular
Particular, ela é particular
Particular, ela é particular
Livros tão caros tantas taxas pra pagar
Meu dinheiro muito raro,
Alguém teve que emprestar
O meu dinheiro, alguém teve que emprestar
O meu dinheiro, alguém teve que emprestar
Morei no subúrbio, andei de trem atrasado
Do trabalho ia pra aula, sem
Jantar e bem cansado
Mas lá em casa à meia-noite tinha
Sempre a me esperar
Um punhado de problemas e criança pra criar
Para criar, só criança pra criar
Para criar, só criança pra criar
Mas felizmente eu consegui me formar
Mas da minha formatura, não cheguei participar
Faltou dinheiro pra beca e também pro meu anel
Nem o diretor careca entregou o meu papel
O meu papel, meu canudo de papel
O meu papel, meu canudo de papel
E depois de tantos anos,
Só decepções, desenganos
Dizem que sou um burguês muito privilegiado
Mas burgueses são vocês
Eu não passo de um pobre-coitado
E quem quiser ser como eu,
Vai ter é que penar um bocado
Um bom bocado, vai penar um bom bocado
O personagem desta música não é o compositor (nem vou citar o nome porque simplesmente não precisa).
O compositor serviu o exército, já o personagem da música foi o seu sargento.
Na época, um fardado que conseguisse conciliar o trabalho duro do exército com uma graduação era raro, mas o sargento Xavier conseguiu e se formou. Os companheiros orgulhosos, combinaram de ir na formatura, entretanto ninguém foi convidado.
Após o baile eles decidiram “dar um gelo” no sargento, que ficou conhecido como “o pequeno burguês”, por não convidar os amigos pobres para a formatura.
Sem entender o que tinha acontecido, Xavier se encontrou com o “compositor” e perguntou o motivo de todos o excluírem das conversas. Depois de muita insistência, o “compositor” resolveu contar que todos estavam ofendidos por não terem sido chamados para o baile de formatura.
Ao saber da história, Xavier, bastante surpreso, explicou que não tinha convidado a todos por um simples motivo: ele também não tinha ido, afinal, a faculdade era particular e ele não tinha como pagar o aluguel do terno, preço de buffet, o anel de formatura, etc. Ele ainda informou que o canudo com o diploma só foi retirado dias depois na secretaria da faculdade.
Martinho (ih! Falei!) transformou a história em música.
Essa história retrata a vida de muitos brasileiros até hoje. Os anos se passaram e a coisa parece que não mudou. Quer outro exemplo, ouçam “Saco de Feijão” de Francisco Santana.
DOCE REFÚGIO
Sim (ora, se sim!!!)... é o Cacique de Ramos,
Planta onde, em todos os ramos,
Cantam os passarinhos nas manhãs
Lá (oi, é lá) o samba é alta bandeira
(Eu falei pra você que é alta bandeira)
E até as tamarineiras são da poesia guardiãs
Seus compositores aqueles
Que deixam na gente aquela emoção
Seus ritmistas vão fundo
Tocando bem fundo em qualquer coração
É uma festa brilhante
Um lindo brilhante mais fácil de achar
É perto de tudo, é ali no subúrbio
Um doce refúgio pra quem quer cantar
É o Cacique
Sim (ora, se sim!!!)... é o Cacique de Ramos,
Planta onde, em todos os ramos,
Cantam os passarinhos nas manhãs
Lá (oi, é lá) o samba é alta bandeira
(Eu falei pra você que é alta bandeira)
E até as tamarineiras são da poesia guardiãs
É o cacique pra uns a cachaça pra outros
A religião
Se estou longe o tempo não passa
E a saudade abraça o meu coração
Quando ele vai para as ruas
A vida flutua num sonho real
É o povo sorrindo e o Cacique esculpindo
Com mãos de alegria o seu carnaval
É o Cacique
Luiz Carlos da Vila e Ubirany bebiam uma cerveja e papeavam descontraidamente debaixo da tamarineira na Quadra do Cacique de Ramos, quando uma folha de tamarindo caiu dentro do copo de cerveja do Luiz Carlos, poeta nato, inspirou-se na hora e daí surgiu "Doce Refúgio" que se transformou no Hino do Cacique de Ramos.
É uma singela homenagem ao lugar onde tudo começou...
Acho que a única música que remete tanto ao que acontece lá na Rua Uranos, além de “Doce Refúgio”, é “Caciqueando”. Ambas não podem faltar em nenhum show do Fundo de Quintal, grupo fruto da tamarineira.
A Tamarineira (em maiúsculo mesmo) é um capítulo à parte. Ela é vista pelos membros do Cacique como produtora de sorte, o sucesso originado no local se deve a ela. Dona Conceição de Souza Nascimento, mãe do Bira Presidente e mãe de santo, colocou na árvore um patuá, que traz a inspiração para aqueles que possuem grandeza de espírito, a lista dos que receberam a benção é tão grande que não dá nem para citar, então vamos para as proezas dos seus principais frutos:
Ubirany, filho da Dona Conceição, irmão do Bira Presidente, inventou o repique de mão a partir do repinique de escola de samba, tirou a pele de baixo, rebaixou o aro, instalou abafadores e aí foi possível tocar com a mão ao invés de baquetas.
Almir colocou braço de cavaquinho no banjo. Isso porque o cavaquinho não se fazia ouvir, uma vez que a roda não utilizava amplificadores.
Dizem que a preguiça fez o homem inventar a roda. Sereno inventou o tantã para não carregar peso, no caso o surdo.
Falando em invenção, eu acho que a roda (de samba) foi a melhor invenção da humanidade.
SEJA SAMBISTA TAMBÉM
Não, negligência não
Se for apanhar meu violão
Cuide dele com carinho
Toque nas cordas macio
E tente cantar samba
Sei que o início
Até pode ser difícil
Mas fazendo um sacrifício
Será bem recompensado
Pois o samba marca como um giz
É eterno porque é raiz
Pois o samba marca como um giz
É eterno porque é raiz
Não quero dizer que viver é só sambar
Mas sambar é viver
É saber se encontrar
Só o samba faz a tristeza se acabar
Só o samba é capaz desse povo alegrar
Ser sambista é ver com olhos do coração
Ser sambista é crer que existe uma solução
É a certeza de ter escolhido o que convém
É se engrandecer e sem menosprezar ninguém
Aconselho a você que seja sambista também
Aconselho a você que seja sambista também
Aconselho a você que seja sambista também
“Não estou dando, nem vendendo, como o ditado diz, o meu conselho é pra te ver, feliz”.
Começo com o trecho final da música “Conselho” de Adilson Bispo e Zé Roberto, exatamente porque “Seja Sambista Também” é um dos mais sábios conselhos dados pelo Fundo de Quintal. Na letra está o embasamento da tese:
“Ser sambista é ver com olhos do coração
Ser sambista é crer que existe uma solução
É a certeza de ter escolhido o que convém
É se engrandecer e sem menosprezar ninguém”
Por isso:
“Aconselho a você que seja sambista também”
A música começa pedindo cuidado com o violão, instrumento magistralmente tocado no grupo, na época, por Cléber Augusto.
O título dela também deu nome a um dos álbuns do Fundo de Quintal.
Esta letra foi a primeira parceria do Arlindo com Montgomery Ferreira Nunes (quem?), ganhador de 10 prêmios Sharp da música.
Sacanagem. Montgomery é o grande, famoso e querido = SOMBRINHA!
BOCA SEM DENTE
Aquela boca sem dente que eu beijava
Já está de dentadura
Aquela roupa velha que você usava
Hoje é pano de chão
Mandei reformar o barraco
Comprei geladeira e televisão
E você me paga com ingratidão
Mas o que mais me revolta
É que não reconhece o que eu fiz por você
Obra da fatalidade eu ser desprezado
Sem saber por que
Você zombou de mim
Só fez me aborrecer
Sinceramente eu hei de te ver sofrer
A 1ª desta música, nasceu numa tendinha no morro. Pedrinho da Flor, Almir Guineto e Gelcy do Cavaco estavam fazendo samba nessa tendinha e havia uma mulher perturbando-os, atrapalhando o samba, enchendo o saco mesmo! Almir percebeu que ela não tinha um dente sequer na boca, aí Pedrinho já começou a cantar “aquela boca sem dente que eu beijava ......”. Gravaram essa 1ª numa fita K7, e continuaram a beber e cantar.
Terminaram a música (a 2ª) dentro de um fusca de um policial, indo para uma festa na casa da Alcione. E essa história eu vou ter que contar....
Almir passou na casa do Pedrinho com o seu Passat para pegá-lo para ir exatamente para a festa na casa da Alcione, mas decidiu antes ir na casa do Gelcy pegar a fita K7 com a 1ª da “Boca Sem Dente”. Estava chovendo. No morro é só ladeira. O Pedrinho avisou: - “Almir vai devagar e não pisa no freio, senão o carro derrapa e você vai parar no poste no final da rua”.
Foram até a casa do Gelcy, pegaram a fita, e na volta, indo para a Alcione, Almir esqueceu do conselho e piso no freio, resultado, abraçou o poste com o seu Passat. E aqui temos uma grande ironia, visto que “Conselho” é a música que Almir mais cantou na vida.
Tiveram que pegar carona no fusca de um policial conhecido, onde foram ouvindo a fita e fazendo a 2ª.
Pedrinho da Flor não assinou esse samba, mas o próprio Almir em vida reconheceu oficialmente a autoria do mesmo.
CABELO NO PÃO CARECA
Bolo na padaria, Maria pulava igual perereca
Pão doces e broas viraram peteca
Pegaram o padeiro e quebraram a munheca porque
Porque encontraram cabelo no pão careca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Sonho virou pesadelo, brigadeiro perdeu a patente
Confeitaram o confeiteiro
Com a massa de pão para cachorro-quente
Deixaram o gerente, um tal de clemente, sem uns cinco dentes
E só de cueca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Porque encontraram cabelo no pão careca
E o pastel que passava quis se inteirar no assunto
Escorregou na manteiga e tropeçou no presunto
Saiu com a cara cheia de torrada, iogurte, coalhada
E ganhou um sapeca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Porque encontraram cabelo no pão careca
O camburão foi chamado para acabar com o racha
O soldado soltou do partamo distribuindo bolacha
Jogaram farinha de trigo no teco que foi pro boteco
Pra comer panqueca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Barbeirinho, o compositor da música, foi buscar pão e na padaria viu uma “dona” reclamando, mostrando uma mexa de cabelo em um dos pães.
Só isso? Sim, só isso já foi suficiente para toda a invenção acima. Ele tinha esse dom, pegar coisas banais e transformar em letras irreverentes, outros exemplos são “Parabólica”, “Conflito”, “Dona Esponja” e “Caviar”, esta última contada neste livro.
Mas não acabou não. Aqui também temos uma história dentro da história......
Carlos Roberto Ferreira César, o Barbeirinho do Jacarezinho, era filho de barbeiro, daí o apelido. Mas também não é só isso. Quando era criança, primeiro pegou a tesoura do pai para cortar o cabelo do irmão, cortou um pedaço da orelha, mas não desistiu, na segunda tentativa pegou uma das navalhas para fazer a barba dos amigos na rua, como os amigos não tinham barba, ele então cortou a sobrancelha de um deles, a mãe do “depilado” arrumou uma baita confusão, ele levou uma surra da mãe e abandonou precocemente a profissão (de barbeiro), mas o apelido de Barbeirinho ficou.
Pão careca, na gíria, é uma forma pejorativa para dizer que o cabelo de alguém é duro.
TALARICO. LADRÃO DE MULHER
Eu não falo mais com Talarico
Talarico roubou minha mulher
Eu não falo mais com Talarico
Talarico roubou minha mulher
Talarico era um cara confiado
Chegou todo aprumado, eu não fiz fé
Terno de linho branco engomado
E com pinta de quem nada quer
Quando cantou um samba sincopado
Minha nega danou dizer no pé
Eu não falo mais com Talarico...
Malandro 171 que não trabalha
Mas no bolso sempre tem um qualquer
Só aperta cigarro de palha
E se vem com pó é só rapé
Mas se chega uma fêmea se atrapalha
Preta, loira morena o que vier
Pois não pode ver rabo de saia
Ricardão perto dele é Zé Mané
Eu não falo mais com Talarico...
Talarico chegou na minha casa
E nem tinha um trocado pro café
Me contou que tinha um caso novo
E me pediu que lhe desse uma colher
Emprestei a chave do biongo
Aí que foi embora meu axé
Além de pelar todo o meu barraco
O safado levou minha mulher
Eu não falo mais com Talarico...
Quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? A mesma dúvida paira sobre o Talarico. Muitos acreditam que o termo só começou a ser utilizado como sinônimo de ladrão de mulher após a música em questão. Hoje até no dicionário Talarico é sinônimo de “fura olho”.
Foi escrita em terceira pessoa para não sujar a barra do compositor.
Quem ouve essa música logo pensa: “ííí alguém roubou a mulher do Zeca”. Mas o que aconteceu de fato foi exatamente o contrário, o talarico dessa história foi o próprio Pagodinho, que roubou a namorada de um rapaz. A peripécia chegou ao ouvido de Serginho Procópio que de imediato mandou o ocorrido para o papel.
A gíria aparece também em “Vida Loka – parte 1”, Mano Brow é categórico ao afirmar que não é Talarico: “ando certo pelo certo, como 10 e 10 é 20”.
Salve Brow, salve Ice Blue, salve Edi Rock, salve KL Jay.
LAMA NAS RUAS
Deixa,
Desaguar tempestade,
Inundar a cidade,
Porque arde um sol dentro de nós.
Queixas,
Sabes bem que não temos
E seremos serenos.
Sentiremos prazer no tom da nossa voz.
Veja o olhar de quem ama.
Não reflete um drama, não.
É a expressão mais sincera, sim.
Vim pra provar que o amor, quando é puro,
Desperta e alerta o mortal.
Aí é que o bem vence o mal.
Deixa a chuva cair, que o bom tempo há de vir.
Quando o amor decidir mudar o visual
Trazendo a paz no sol.
Que importa se o tempo lá fora vai mal?
Que importa
Se há tanta lama nas ruas
E o céu é deserto e sem brilho de luar?
Se o clarão da luz
Do teu olhar vem me guiar,
Conduz meus passos
Por onde quer que eu vá.
Esse samba foi gravado e fez sucesso na voz de Almir Guineto, anos depois Zeca também gravou.
Ambos estavam em São Paulo e Zeca tinha um encontro com uma menina que morava na Serra da Cantareira. No dia do encontro choveu muito e a menina cancelou o encontro devido ao lamaçal que ficou o bairro onde ela morava.
Zeca voltou para o hotel triste e contou o ocorrido para o Almir, aí vocês sabem como é cabeça de sambista, tudo é motivo “pra” virar samba.
A letra é a cantada que Zeca usou para tentar manter o encontro.
O encontro não aconteceu mas a música sim, foi um grande sucesso desses poetas da vida real.
Nesta transição do Rio para Sampa, temos duas curiosidades sobre Almir:
Morou em Tupã, cidade do interior de São Paulo entre 2002 e 2011.
E novamente aparece a figura de Mano Brown, que faz uma participação mais do que especial, incluindo várias mãos, na música “Mãos” do Almir, que se já era inteligentíssima, agora não tem nem superlativo para classificá-la.
COISA DE CRIANÇA
Por que maltratar sua linda flor?
E apagar enfim o meu sorriso de criança?
É demais saber que te satisfaz
Corrigir um erro castigando sem clemência
O meu coração não guarda rancor
Só lhe tem amor se quer saber
Não sou de abusar, procure entender
O meu mundo é colorido, complicado pra você
Vem fantasiar esse sonho meu
Alegrando o meu viver
Só quero...
Quero que você me dê a mão
Já me valeu essa lição
Eu sei que sou seu bem querer
Seu bem querer
E sou tão inocente pode ver
Mas consciente pra saber
Que mesmo assim amo você
Essa música foi gravada pelo grupo Sampa, fez sucesso na voz de Douglas Sampa, mas é uma composição de Marquinhos PQD em parceria com Jairo Barbosa.
Muitos ou quase todos acham que essa música fala de amor, mas não. Vamos a história: Marquinhos PQD deu um tapa em sua filha de aproximadamente 3 anos na época, o tapa com certeza doeu mais nele do que nela.
Depois de “assentada a poeira” ele tentou imaginar o que se passava na cabeça da menina.
A letra da música é a filha falando tudo para o pai.
AGUARDENTE
Só porque eu cheguei tarde
A nega zangou comigo
Me chamou de atrevido
Armou uma tempestade
Num corpo de aguardente
Disse que eu me afoguei
Só porque eu sorridente
No meio da noite cheguei
E de castigo
Queria que eu fosse
Sozinho dormir no sofá
E te mandou cavalgar
No cavalinho do bar
Me expulsou do barraco no morro
Te ofertou a casa do cachorro
E me deixou no sereno
Da noite ao sabor do luar
Refrão
E de castigo
Bebida em casa agora é só guaraná
Nunca te deixa sair
Se saio não posso entrar
Não adianta que o pau vai quebrar
Não adianta se arrepender
Eu vou voltar pro pagode
E o couro vai comer
Refrão
Essa música entrou pela irreverência da letra é claro, mas principalmente pela recorrência com que os fatos acontecem com quase todos os sambistas.
Qual é o sambista que nunca chegou tarde em casa e encontrou a patroa de cara feia? E apesar de todos os castigos não largou a boemia, “eu vou voltar pro pagode e o couro vai comer”. Será que quando minha mulher ler isso eu “vou pro sofá”?
A recorrência dos fatos é comprovada pela também recorrência do tema em músicas, outro exemplo é a SENSACIONAL “Alma Boêmia” do Toninho Geraes e Paulinho Rezende. Outro é a “Dona Encrenca”, história real que Marquinhos Diniz enfrentou com a esposa, pelo menos a parte da água quente e do cachorro.
“Aguardente” é cantada por um paulista, Biro do Cavaco, ex-integrante do grupo Originais do Samba, e foi composta por dois paulistas (Carica e Luisinho SP) e um carioca (Prateado).
O TEMPO EM QUE EU ERA CRIANÇA
Me lembro do tempo em que eu era criança
Descalço na grama, no asfalto e na areia
Brincando de tudo fazendo lambança
Quebrando vidraça pela vizinhança
Jogando pelada com bola de meia
Armando alçapão pra caçar passarinho
Fazendo barquinho de rolha e cortiça
Subindo nas arvores pelo caminho
Brincando demais de bandido e mocinho
Andando no muro, pulando carniça
Eu ia também pro quintal da vizinha
Tinha uma menina que eu era seu fã
Brincava de médico atrás da cozinha
E quando ela via um adulto que vinha
Dizia pra mim:
-Pera, uva ou maçã (ou maçã?)
Se eu ia pro banho levava revista
De mulheres nuas, vedetes, artistas
Por mim só saia amanhã de manhã
Pião que eu rodava era feito de tasco de toco
Botão do meu time era casca de coco
Bolinha de gude era bilha, era massa
Cerol pra pipa era vidro moído no trilho do bonde
Brincava de pique, bandeira e de esconde
Rodava meu arco entre os bancos da praça
Já fiz patinete, carrinho de roda de bilha
E cabelo cortado era selo, carimbo, estampilha
Eu fui feliz
A lembrança no fundo me deixa sentido
Ah! Se eu soubesse o que eu sei do mundo
Não tinha crescido.
Os dessaudosos que me desculpem mas não tem como ouvir músicas como essa e não ter saudade, eu tenho e muita, “Que saudade do meu tempo de criança”! Está entre aspas pois além de ser minha afirmação, é também o primeiro verso da música “Sr. Tempo Bom” do Thaíde e DJ Hum. Esta música tem a mesma temática e ainda cita os Originais do Samba e a “Saudosa Maloca” de Adoniram. Também cita os bailes da Chic Show, não sou palmeirense, mas adorava ir no Palmeiras por causa desses bailes, o Clube da Cidade, também na Barra Funda, mas isso é outra história, e nem é de criança.
Voltando para a “O Tempo Que Eu Era Criança”, a mesma foi composta por cariocas, mas o relato se aplica para qualquer lugar do país. Brincar descalço, subir em árvore, qual criança do século 20 não fez isso?
Há variações em termos utilizados, cerol ou cortante, carrinho de roda de bilha ou carrinho de rolimã, mas no fundo as brincadeiras são as mesmas.
“Se eu soubesse o que eu sei do mundo, não tinha crescido”.
Só não entendi esse negócio de levar revista pro banho. rssss
A música fez sucesso em São Paulo também, gravada pelo Quinteto em Branco e Preto. Antes o grupo tinha outro nome, Beth havia batizado de Quinteto Café com Leite, mas foi descoberto que já havia um grupo com esse nome (e um grupo de música de péssima qualidade por sinal), com isso a cantora sugeriu Quinteto em Branco e Preto.
DO LADO DIREITO DA RUA DIREITA
Do lado Direito da rua Direita
Olhando as vitrines coloridas eu a vi
mas quando quis me aproximar de ti não tive tempo
num movimento imenso na rua eu lhe perdi
Cada menina que passava
para o seu rosto eu olhava
e me enganava pensando que fosse você
e na rua direita eu voltarei pra lhe ver
Do lado Direito da rua Direita
Olhando as vitrines coloridas eu a vi
mas quando quis me aproximar de ti não tive tempo
num movimento imenso na rua eu lhe perdi
Cada menina que passava
para o seu rosto eu olhava
e me enganava pensando que fosse você
e na rua direita eu voltarei pra lhe ver
laialaialaialaialaialaiala
laialaialaialaialaialaiala
Não importa se é reta ou sinuosa, ou seja, se é direita ou torta, toda rua que ficava à direita da principal igreja da cidade era nominada como Rua Direita, isso é um costume português que veio para o Brasil com os colonizadores, a da música é reta, fica muito próxima ao pátio do colégio e claro, à direita da Catedral da Sé.
E por que não tem Rua Esquerda? Porque Jesus está sentado à direita de Deus.
Esta é mais um exemplo de música feita por cariocas, sobre São Paulo, que fez enorme sucesso no Brasil inteiro, assim como Os Originais do Samba.
Antes de gravar houve certa resistência, principalmente do Mussum, mas não teve jeito, mesmo com uma letra longe de ser poética, o forte apelo popular levou a música para os primeiros lugares em todas as rádios.
Se fosse gravada hoje o título provavelmente seria “No dia 24 na 25” (de março).
Dica para os que estão ouvindo as músicas: ouçam a cantada no programa Manos e Minas, tem muito mais swing e a cuíca está maravilhosa.
Gostou? Se gosta desta mistura de samba com rap outra dica é procurar pelas parcerias dos Originais com Happin’ Hood, que iniciou essa mistura com a música “Sou Negrão”, com participação da Leci Brandão.
CLAREOU
A vida é pra quem sabe viver
Procure aprender a arte
Pra quando apanhar não se abater
Ganhar e perder faz parte
Levante a cabeça, amigo a vida não é tão ruim
Um dia a gente perde, mas nem sempre o jogo é assim
Pra tudo tem um jeito, e se não teve jeito
Ainda não chegou ao fim
Mantenha a fé na crença se a ciência não curar
Pois se não tem remédio então remediado está
Já é um vencedor quem sabe a dor de uma derrota enfrentar
E a quem Deus prometeu nunca faltou
Na hora certa o bom Deus dará
Deus é maior, maior é Deus
E quem tá com ele nunca está só
O que seria do mundo sem Ele
Deus é maior, maior é Deus
E quem tá com ele nunca está só
O que seria do mundo sem Ele
Chega de chorar
Você já sofreu demais agora chega
Chega de achar que tudo se acabou
Pode a dor uma noite durar
Sei que um novo dia sempre vai raiar
E quando menos esperar clareou
Clareou
Clareou
Clareou
Clareou
Peço espaço para um parêntese. Um parêntese obrigatório para quem gosta de samba.
Várias vezes o Pepe disse que ele é o maior artilheiro do Santos de todos os tempos, isso porque: - “Pelé não conta!”. Seguindo essa mesma regra, vou excluir Arlindo Cruz, mas preciso falar do Meriti.
Sergio Roberto Serafim, criado em São João de Meriti, daí Serginho Meriti, na minha opinião, o Pepe do samba.
A música escolhida foi “Clareou”, gravada, só por, Diogo Nogueira, Xande de Pilares, Paula Lima e acreditem, Padre Fábio de Melo. Mas poderiam ser tantas outras, “Trajetória”, gravada por Maria Rita e Elsa Soares, “Vida que Segue”, “Negra Ângela”, “Cuca Quente”, só poesia! Inspiração inexplicável!
Serginho já gravou com todos os sambistas que podemos imaginar. Não há um disco ou CD do Zeca que não tenha música do Meriti. O hino extraoficial do Brasil (Deixa a Vida me Levar) é dele, além de tantas outras: “Quando eu Contar” (Iaiá), “É tanta”, “Meu Bom Juiz”, “Quem me Guia”, só aqui temos gravações com Só Preto sem Preconceito, Bezerra e Almir Guineto.
Meriti é a verão masculina da Leci Brandão, é o carioca mais paulista que existe. Clareou, é uma parceria com Rodrigo Leite, paulista.
ME PERDOA POETA
Quas quasquasquas quas
Quas quasquasquas
Quas quasquas quasquas
Poeta falou
Que São Paulo enterrou o samba
Que não tinha gente bamba
E não entendi por quê?
Fui a Barra Funda
Fui lá no Bixiga
Fui lá na Nenê
Me perdoa poeta, mas discordo de você
(Mas é que eu fui lá)
Fui a Barra Funda
Fui lá no Bixiga
Fui lá na Nenê
Me perdoa poeta, mas discordo de você
Vou lembrar madrinha Eunice, tia Olímpias é soldados
Caiapós primeiro grupo, do samba mais respeitado
Barra Funda os boêmios, no Bexiga os teimosos
Paulistano lá da glória desprezados caprichosos
Refrão
Lavapés primeira escola, cavaquinho e pandeiro
Nenê da Vila Matilde, de primeiro de janeiro
Seu Inocêncio Tobias, Pé Rachado e Carlão
Xangô da Vila Maria, Dona Sinhá a tradição
Refrão
Zeca da Casa Verde, Geraldo Filme talismã
Os Demônios da garoa, o saudoso Adoniram
Botecão ao bar da Beth, o guru está demais
JB tem só pagode ou então Originais
Em 1960, durante uma apresentação de Johnny Alf na boate Cave, na rua da Consolação, o público não parava de falar alto e atrapalhar a apresentação do pianista; Vinícius de Moares, presente no local e irritado com a situação, disse bem alto a famosa frase “São Paulo é o túmulo do samba”. Na boate também estava presente um jornalista que publicou a frase em sua revista, de forma descontextualizada, levando então à polêmica.
Em forma exatamente de samba, Leci Brandão compôs e gravou a música em questão numa forma de resposta ao poeta, citando três das mais tradicionais escolas de samba de São Paulo, são elas: Camisa Verde e Branco (quanto diz que foi à Barra Funda); Vai-Vai (no Bixiga) e Nenê da Vila Matilde. Além de diversos outros nomes da boêmia paulistana.
Na música “Não É Só Garoa”, do Quinteto em Branco e Preto, citada na introdução deste livro, há uma frase que sintetiza bem a realidade: “Mas nem todos sabem de fato o que é um bom samba
Isso acontece em qualquer lugar“. Com toda humildade o Quinteto reconhece que em São Paulo tem samba ruim, mesmo não sendo o caso deles, mas também “tem bamba, tem samba e muita gente boa, não é só garoa, Camisa, Bexiga ou na vela o samba ecoa, não é só garoa”.
Alberto Alves da Silva (“Seu Nenê”) - saudades
ACENDEU A VELA
Acendeu a vela
O samba já vai começar
Ela é quem chama
Que é viva a chama
Pro povo cantar
A fé que não cansa
Mantém a esperança do nosso viver
O samba da vela está esperando você (bis)
Venha pra cá pra cantar
Venha pra cá pra se ver
Numa só voz embalar
Pra nunca mais esquecer
Venha fazer a história
Venha com a gente aprender
O samba da vela está esperando você
Acendeu a vela... (2x)
A luz do samba reluz
Conduz à inspiração
Seduz a todos induz
A união de irmãos
Queremos um canto forte
Pra ver o samba vencer
O samba da vela está esperando você
Entre tantos sambas cantados na Vela como por exemplo “Pra Vela Não Se Apagar” ou “O Povo da Vela”, esse é o que mais sintetiza o que é e o que representa essa roda de samba.
A ideia da vela foi para marcar o tempo, a roda acontece de segunda feira e não tinha hora para acabar, prejudicando quem tinha que acordar cedo no dia seguinte para trabalhar, e a vela é quem passou a determinar a hora do samba acabar, a vela apaga o samba acaba, e? o que acontece? A Comunidade Chora (guardem isso).
Trata-se de um verdadeiro culto ao samba, lá as pessoas geralmente ficam sentadas e raras vezes vê-se alguém dançando. Quem frequenta não precisa se preocupar em saber as músicas de cor, assim como em uma missa, todos recebem um caderno com as letras que serão cantadas durante a noite, fora os improvisos é claro, coisa que o Chapinha adora fazer. Aliás é ele quem comanda os trabalhos, fundador, é o maior incentivador da galera, sempre pedindo que todos acompanhem, pelo menos “na palma da mão”.
No local não são vendidas bebidas, mas ao final tigelas com sopas e caldos são oferecidas aos frequentadores.
A Vela, como é carinhosamente chamada a roda, é um espaço aberto aos compositores que não tem espaço da mídia, não à toa ela acontece dentro de uma Casa de Cultura, a de Santo Amaro.
Assim como no Cacique de Ramos, sempre foi frequentada pelo que há de melhor no samba, famosos e anônimos, sem distinção, reverenciando os antigos, dando espaço aos novos. De lá saíram para o sucesso dois gênios do samba de São Paulo, Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira, integrantes do extinto Quinteto em Branco e Preto e hoje como Os Prettos.
José Alfredo Gonçalves de Miranda (“Paqüera”) – fundador – “o Presidente” - saudades
COISA COMUM
Não quero tirar um barato
Tão pouco fazer zum-zum-zum
Só quero fazer meu relato
Mas sem preconceito nenhum
E apesar de ser fato
Problema de cada um
O gato na casa do pobre é uma coisa comum
O gato na casa do pobre é uma coisa comum
A água da minha torneira
A luz da geladeira – é gato
O filé da minha churrasqueira
Não é de primeira – é gato
Meu papagaio manhoso
Fala fanho que nem pato
No DNA descobri que o pai dele tem bico chato
É gato, o meu papagaio, é gato.
Até o meu pitbull
Tem dois metros de altura
E tem medo de rato
É gato, o meu pitbull, é gato
Meu vizinho japonês
Se casou com uma loira
E tem um filho mulato
O camisa dez do meu time não tem vinte anos
E já tem vinte e quatro (é gato, é gato)
Tô vendendo uma tartaruga
De tamanho de um carrapato (é gato, é gato)
Já vi muito partideiro
No terreiro imitando o Gugu Liberato
Uma coisa muito comum na segunda metade do século passado era a chegada de famílias nordestinas em São Paulo. José Marilton da Cruz, o Chapinha, foi mais um Cearense que veio para São Paulo tentar a vida. Nasceu em Uruburetama, e segundo ele mesmo diz, só o nome da sua cidade natal já dá samba. Outra coisa comum e que acontece muito com ele é exatamente a discriminação por ser nordestino, enfrentou muitos obstáculos para ser reconhecido no mundo do samba como um talentoso compositor que de fato é.
Conquistou seu espaço, foi integrante da ala de compositores da Vai-Vai por 20 anos e depois passou a se dedicar ao Samba da Vela, do qual foi fundador. Compôs diversas músicas, sozinho e com parceiros, mas é claro que na minha seleção entrou, algumas, só das mais irreverentes.
Conversei com ele algumas vezes em Viradas Culturais ou apresentações em unidades do Sesc e posso afirmar com conhecimento de causa, é uma das pessoas mais simples e simpáticas que conheço, bater papo com ele é extremamente agradável e prazeroso.
Essa primeira música escolhida, o título e o conteúdo, comprovam minha afirmação.
Eu, ele e tenho certeza de que muitos de vocês, já viveram um desses “gatos”. Quem nunca comeu “um gatinho” no churrasquinho da esquina?
Essa música é a mais pura realidade do brasileiro, transformada em letra de samba.
Como Chapinha teve a ideia de fazer essa música? Da maneira mais comum possível. Ouvindo uma notícia na televisão, após um incêndio em uma favela causado devido aos “gatos” que são feitos para roubar energia, o Luciano Faccioli comentou: - “isso é coisa comum”.
TUDO LOTADO
Peguei o busão, tava lotado
Peguei o metrô, tava lotado
Fiz baldeação, tava lotado
E na lotação, tudo lotado
Trabalhei o mês inteiro
Recebi meu ordenado
Entre uma compra e outra
Ficou tudo no mercado
Água, luz e telefone
Em casa tudo cortado
Por falta de pagamento
Isso aí não tem fiado
Já não consigo dormir
Com um calor arretado
Comprei um ventilador
Porém só vive quebrado
Mas que vontade de ser pobre um dia
Porque ser todo dia
Está complicado (bis)
Peguei o busão .....
O piso da minha goma
Esburacado
O colchão da minha cama
Despedaçado
O meu gás se acabou
Era emprestado
Comer carne lá em casa
Só de pensar é pecado
Mas que vontade de ser pobre um dia ......
GUIA TURÍSTICO
A minha prima tirou férias em São Paulo
Muito bonita um tremendo avião
Eu a levei para conhecer a cidade
E fiz questão de lhe mostrar o minhocão
E no Viaduto do Chá, á, á ,á, á
Depois na praça da Sé, é, é, é, é
E no parque do Anhembi, i, í, í, í
E na Freguesia do Ó, ó, ó, ó, ó
No Vale do Anhangabaú
A minha prima pelada
E eu completamente nú
E foi aí.
E foi aí, que o pai dela quis cortar o meu pipi
Com nove meses assou a minha batata
Nasceu um cabeça chata
E eu tive que assumir
E na cidade de Mauá, á, á, á, á
ABDC e Santo André, é, é, é, é
E em Mogi e Jundiaí, í, í, í, í
Passei com ela no Cipó, ó, ó, ó, ó
Lá na cidade de Embú
A minha prima pelada
E eu completamente nú
E foi aí.
E foi aí, que o pai dela quis cortar o meu pipi
Com nove meses assou a minha batata
Nasceu um cabeça chata
E eu tive que assumir
DOROTÉIA
Dorotéia já foi, bastante atraente
Hoje tá zuada, de cara quebrada, sofreu um acidente
Falta-lhe alguns dentes
Êita mulher valente
Fez um abaixo assinado
Pra combater a lei seca
Que não lhe deixa arrumar namorado
O dó
Que dó
Com essa lei bico seco
Quem mais perdeu foi Doró (bis)
Pra sair do prejuízo
Mostrar que tem sangue na veia.
Ela fundou a UMF
União da Mulher Feia
Ela quer ir ao forró
E não ser chamada de esquisita
Se for liberado o goró
Novamente Doró voltará a ser bonita
Que dó
Que dó
Com essa lei bico seco
Quem mais perdeu foi Doró
Três músicas do Chapinha na sequência (e poderia ser mais), todas elas falando, com muito bom humor, sobre situações rotineiras da cidade de São Paulo.
A primeira, é uma salada do nosso dia a dia. Quem depende do transporte público da cidade com certeza se identificou de cara com a música. A descrição do que acontece com o salário, e a situação em casa, é de chorar, mas ainda assim conseguimos achar graça, assim é a vida do trabalhador, assim é o paulista, o brasileiro, assim é o Chapinha.
A segunda é um passeio muito divertido, sem segundas intenções, por lugares da grande São Paulo. Para quem não é da cidade, quero deixar claro que “minhocão” é o nome popular do Elevado Presidente João Goulart, anteriormente Elevado Presidente Costa e Silva, tem 3,4 Km de extensão, por isso é chamado de minhocão. A gravidez que aconteceu no final do passeio é só coincidência.
A terceira é sobre a Lei Seca, mais precisamente de uma moça “prejudicada” por essa lei. Leitor? Leitora? Você já precisou dar uma calibrada maior para encarar? Pois bem!
Pela primeira vez neste livro, a história virá antes da música, é proposital, pois é preciso primeiro entender o contexto para então entender a música. A mesma será contada na íntegra:
“numa determinada cidade os namoros estavam muito esculhambados, ou esculhambudos, depende da região, aí o padre ficou indignado com aquele negócio, porque o cara tava fudendo na porta da igreja, aí o padre viu aquilo alí e foi falar com o delegado:
- seu dotô, tem que dar um jeito! porque tá feio esse negócio.
Aí o delegado falou para o padre:
- o senhor vai falar com os deputados e tal, eu é difícil, porque se não tiver uma lei como é que eu vou?
Aí o padre fez a correria”
A história narrada é mais uma do Chapinha. Vamos então para a música.
AQUILO NAQUILO
Oh! seu doutor...vamos ter que dar um jeito
Que os namoros na cidade está uma falta de respeito
Eu, outro dia....vi o Zé com a Tereza
Na maior pouca vergonha, bem na porta da igreja
Eu, outro dia....vi o Zé com a Tereza
Na maior pouca vergonha, bem na porta da igreja
Oi, Seu vigário eu sou um bom delegado
E prometo pro senhor que irei trabalhar no caso
Vou mandar o seu juiz, ir falar com os deputados
Pra aplicarem uma multa nos casais de namorado
Vai ser assim
E mão na mão, não precisa pagar nada
Mas mão naquilo, a multa fica pesada
Aquilo na mão a coisa fica mais feia
Se aquilo tiver naquilo, vai direto pra cadeia
Se aquilo tiver naquilo, vai direto pra cadeia
E aquilo por trás daquilo dá prisão perpétua
Porque a sacanagem já passou dos limites
MADRINHA
É ela,
Que a todos revela
Logo que sente um valor
Por nosso samba, nossa chama conduz
Não vê barreira a transpor
Madrinha de bambas coragem, respeito, amor
As suas vitórias
São sempre vitórias de um povo
A benção lhe pede
O seu afilhado mais novo
O verde, amarelo ganham brilho
Enchem de orgulho
O coração de seus filhos
Você é união, é comunhão, é aquarela
Beth carvalho, ô ô ô
Madrinha do samba da vela
Você é união, é comunhão, é aquarela
Beth carvalho, ô ô ô
Madrinha do samba da vela
Eu sou obrigado a classificar essa música como um pleonasmo. Acho que concordamos que o nome dela nem precisaria ser citado na letra.
Leci, Meriti, Reinaldo, são cariocas que sempre exaltaram o samba de São Paulo, agora foi a vez dos paulistas exaltarem uma das melhores coisas que aconteceram no samba carioca.
Esta música nada mais é do que o reconhecimento a uma deusa do samba, madrinha do Fundo de Quintal, madrinha do Zeca, madrinha do Arlindo, madrinha do Luiz Carlos da Vila, madrinha do Beto Sem Braço, madrinha do Magnu, do Maurílio, de todo Quinteto, de toda comunidade da Vela, esse últimos, são todos os “seus afilhados mais novos”.
A repetição da palavra madrinha é proposital, a letra é clara, “é ela que todos revela”.
Revela e revitaliza, além de alavancar o sucesso dos citados e muitos outros, foi ela quem trouxe para os holofotes do sucesso Cartola e Nelson Cavaquinho, regravando algumas canções de ambos e tornando-as um sucesso muito maior do que já eram.
Falando especificamente dos integrantes do Quinteto em Branco e Preto, depois que eles foram “descobertos” pela Beth, passaram a fazer parte da banda da cantora, acompanhando-a em diversos shows, inclusive no exterior.
Também faziam parte do Quinteto, e também são afilhados: Everson Pessoa, Victor Hugo e Yvison Pessoa, integrantes do Berço de Samba de São Mateus.
SAMBA ZUMBI
Foi Zumbi. Foi Zumbi
Defensor de uma raça que sofreu mas tá aí
Zumbi foi capturado
Oprimido e acorrentado
Não perdeu sua raiz
Novamente honrou o seu passado
Ganga Zumba se entregou
Mas Zumbi foi protetor
Calaram a sua voz
Mas ficou o seu legado
Foi Zumbi. Foi Zumbi
Defensor de uma raça que sofreu mas tá aí
E assim, no quilombo que criou
Não temeu seu opressor
Foi coroado
Lutou, até a morte lutou
Não se entregou
Apesar da humilhação
Graças a ele hoje é miscigenação
Graças a ele hoje é miscigenação
Foi Zumbi. Foi Zumbi
Defensor de uma raça que sofreu mas tá aí
Se eu dissesse que esse samba foi escrito por Ismael Silva, Paulinho da Viola ou Walter Alfaiate vocês provavelmente acreditariam. É aquele tipo de música para ouvir com os olhos fechados, o tipo de música que mexe profundamente com os sentimentos e que depois de ouvir você fica horas repetindo o refrão.
Eu sou amante do sambão, da batucada, mas neste caso, só um cavaco já é suficiente para emocionar.
Em poucos versos, de forma simples e ao mesmo tempo magnífica, Felipe Doro e Tiago Império conseguiram resumir a história de um dos principais heróis brasileiros.
A título de informação, Ganga Zumba foi o primeiro líder do quilombo dos Palmares, era o tio de Zumbi. Ele aceitou um tratado de paz oferecido pelo governador Pedro de Almeida, Zumbi desafiou o tratado e se revoltou com o tio. Há um filme de Cacá Diegues sobre sua história com a participação do Cartola.
Quer mais? Então ouça também:
“Tributo a Martin Luther King” de Wilson Simonal e Ronaldo Boscoli
“A Cor de Deus” do Branca Di Neve
“Mãe Preta” de Caco Velho e Piratini
IRACEMA
Iracema, eu nunca mais eu te vi
Iracema meu grande amor foi embora
Chorei, eu chorei de dor porque
Iracema, meu grande amor foi você
Iracema, eu sempre dizia
Cuidado ao travessar essas ruas
Eu falava, mas você não me escuitava, não
Iracema você travessou contramão
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nosso Sinhô
De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos
Iracema, eu perdi o seu retrato
Iracema, fartavam vinte dias pra o nosso casamento
Que nóis ia se casar
Você atravessou a rua São João
Veio um carro, te pega e te pincha no chão
O chofer não teve culpa, Iracema
Você atravessou contramão
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nosso Sinhô
De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos
Iracema, eu perdi o seu retrato
Ninguém retratou São Paulo tão bem como ele. Adoniran tinha um palavreado inigualável para registrar o cotidiano do povão, um morador de maloca, um passageiro de trem, frequentadores de samba no Brás, ele tinha uma capacidade incrível de tornar divertidas histórias banais, como por exemplo uma simples mariposa.
Com tanta história engraçada, escolhi uma triste, talvez a música mais trágica de todas. Os versos finais são de tristeza profunda, não são nem cantados, são falados, no melhor estilo dos melhores sambas de breque.
Versão 1: No bar que Adoniram frequentava havia uma Iracema que não dava bola para ele. Irritado ele disse aos amigos que iria matar Iracema, deixando todos preocupados é claro. No dia seguinte ele chegou com a música.
Versão 2: escrita a partir de uma notícia de jornal, notícia sobre o atropelamento de uma mulher na Av. São João, que Adoniram nem conhecia, muito menos sabia o nome.
Agora pensemos, a que ponto chega a loucura ou genialidade de um compositor para acreditar no potencial comercial de uma música com enredo fúnebre? Nair Belo, atriz e comediante, era amiga de Adoniran e foi uma das primeiras a ouvir a música, a sentença foi: "Você está louco?! O que é isso, fazer um samba sobre mulher atropelada? Ninguém vai gostar disso". O tempo mostrou que Nair estava errada.
Quando ele se refere ao motorista como “chofer”, a primeira coisa que me veio à cabeça é aquela São Paulo de antigamente, onde ainda transitavam os bondes. Quem já foi a uma cantina no Bixiga, ou a um dos muitos restaurantes com estilo retrô em São Paulo, com seus quadros em preto e branco nas paredes, sabe bem do que estou falando.
SAMBA ITALIANO
Falado:
"Gioconda, piccina mia,
vai a brincar nel mare,
nel fondo,
ma attenzione col tubarone!
Hai udito?
Hai capito?
Meu San Benedito!"
Piove, piove,
fa tempo que piove quà, Gigi,
e io, sempre io
sotto la tua finestra,
e voi, senza me sentire,
ridere, ridere, ridere
di questo infelice quì.
Ti ricordi, Gioconda,
di quella sera in Guarujá
quando il mare te portava via
e me chiamaste:
"Aiuto, Marcello!
La tua Gioconda
ha paura di quest'onda!"
Ti dico: "Andiamo noi,
come ha detto Michelangelo."
Oi, Oi, Oi, Oi, Oi, Oi, Oi!
Piove, piove,
fa tempo que piove quà, Gigi,
e io, sempre io
sotto la tua finestra,
e voi, senza me sentire,
ridere, ridere, ridere
di questo infelice quì.
São Paulo é uma colcha de retalhos, tem gente do mundo inteiro, entre todas, a cultura italiana é uma das que mais se destaca, ainda mais se falarmos do Bixiga meu!
Eu com esse sobrenome, se não incluísse esse samba, com certeza seria deserdado.
Também não posso deixar de falar nos maiores intérpretes do mais famoso compositor paulista. Demônios da Garoa, o mais antigo grupo de samba do mundo. Entraram no livro com a música que melhor reflete o estilo do samba deles.
O personagem da música estava embaixo da janela da Gioconda porque chovia, típico de São Paulo. Mas eu prefiro acreditar que pelo verso “e você sem me ouvir”, o personagem estava embaixo da janela fazendo uma serenata para Gigi, imaginem uma serenata com samba....
O italiano desta música não é correto, e o português das outras também não. João Rubinato, o Adoniran, costumava dizer que fazia músicas para o povo, por isso essa mistura, essa linguagem propositalmente informal.
Adoniram e os Demônios da Garoa se conheceram em 1949 durante a gravação do filme O Cangaceiro, e deste casamento que em mais dois anos vai completar bodas de brilhante, temos um filho que qualquer brasileiro conhece, não há ninguém, de qualquer idade, que não saiba cantar, pelo menos uma parte do “Trem das Onze”.
NÃO DEIXE O SAMBA MORRER
Não deixe o samba morrer
Não deixe o samba acabar
O morro foi feito de samba
De samba pra gente sambar
Quando eu não puder
Pisar mais na avenida
Quando as minhas pernas
Não puderem aguentar
Levar meu corpo
Junto com meu samba
O meu anel de bamba
Entrego a quem mereça usar
Eu vou ficar
No meio do povo espiando
Minha escola perdendo ou ganhando
Mais um carnaval
Antes de me despedir
Deixo ao sambista mais novo
O meu pedido final
Antes de me despedir
Deixo ao sambista mais novo
O meu pedido final
Não deixe o samba morrer
Não deixe o samba acabar
O morro foi feito de samba
De samba, pra gente sambar
Essa música fala sobre a importância do samba para o brasileiro.
É o apelo de um sambista para que o samba permaneça vivo, afinal o ritmo é a função da vida deste sambista e de muitos que vivem no morro. Ele diz que o morro nasceu para sambar, portanto, o mais brasileiro dos ritmos não pode morrer jamais.
Entregar o anel de bamba é como a passagem da coroa do rei para o príncipe, mas diferente da monarquia, o anel nem sempre é dado ao filho mais velho e sim àquele que merecer, por isso quem recebe esse anel pode até inovar, mas precisa ter bebido na fonte, conhecer as raízes, ele não pode ignorar a velha guarda, sob pena do samba acabar. Após a passagem do anel, o antigo detentor, despido de qualquer vaidade, vai para o meio do povo, com certeza para o lugar de onde ele veio.
A música também ressalta o carnaval e sua importância. Para um sambista, não importa se ele desfilará ou não, ele sempre continuará torcendo por sua escola de coração, ouvindo o samba de sua escola e nada mais o fará tão feliz. E essa é a deixa.
AQUARELA BRASILEIRA
Vejam esta maravilha de cenário
é um episódio relicário
que o artista num sonho genial
escolheu para este carnaval
e o asfalto como passarela
será a tela do Brasil em forma de aquarela
Passeando pelas cercanias do Amazonas
conheci vastos seringais
no Pará, a ilha de Marajó
e a velha cabana do Timbó
caminhando ainda um pouco mais
deparei com lindos coqueirais
estava no Ceará, terra de Irapuã
de Iracema e Tupã.
Fiquei radiante de alegria
quando cheguei na Bahia
Bahia de Castro Alves, do acarajé
das noites de magia do candomblé
Depois de atravessar as matas do Ipu
assisti em Pernambuco
a festa do frevo e do maracatu
Brasília tem o seu destaque
na arte, na beleza e arquitetura
feitiço de garoa pela serra
São Paulo engrandece a nossa terra
do Leste por todo o Centro-Oeste
tudo é belo e tem lindo matiz
o Rio dos sambas e batucadas
dos malandros e mulatas
de requebros febris.
Brasil, essas nossas verdes matas
cachoeiras e cascatas
de colorido sutil
e este lindo céu azul de anil
emolduram aquarelam meu Brasil
Lá rá rá rá rá Lá rá rá rá rá
Sobre o Samba: Em forma de passeio, esse samba percorre alguns estados destacando belezas naturais, períodos históricos importantes, além de versar sobre lendas e costumes da nossa cultura. Foi inspirado em “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso.
Há quem diga que Silas de Oliveira ignorou a região sul do país, mas não é verdade. Primeiro podemos levar em consideração que ele se baseou nos pontos cardeais, “do leste por todo centro-oeste”, e não há região leste no Brasil. Depois nem todos os estados são citados, se há “representantes” para cada região, São Paulo representa a região sul, lembrando é claro que quando este samba foi composto, na divisão política do Brasil São Paulo pertencia ao Sul. O fato é que a Império tirou uma nota 8 no quesito samba enredo, o jurado alegou que a letra não falava de Minas Gerais.
Não tem refrão, e na gíria do carnaval é classificado com um “samba de lençol”. O termo é utilizado para sambas grandes, com letras extensas que cobrem todo o enredo.
Foi para a avenida duas vezes, em 1964 e 2004.
Sobre Silas de Oliveira: Em 2002, em eleição realizada pelo jornal O Globo, com a participação de 70 especialistas, Silas emplacou três sambas entre os cinco melhores sambas da história do carnaval brasileiro, além deste entraram também “Heróis da Liberdade” (1969) e “Cinco bailes tradicionais na História do Rio” (1965).
Seu nome foi dado à principal rua da comunidade do Morro da Serrinha, e ao viaduto que faz a ligação entre os dois lados da linha do trem de Madureira.
Sobre o Império Serrano: também entrou para a história do Carnaval em 1965 ao quebrar a barreira machista que dominava a tradição popular. Nesse ano, Dona Ivone Lara consagrou-se como a primeira mulher a compor e assinar um samba-enredo, o já citado “Os Cinco Bailes da História do Rio”, parceria com Silas de Oliveira. Antes já havia composto outros, mas exatamente pelo machismo foram assinados pelo seu primo o Mestre Fuleiro.
MEU LUGAR É CERCADO DE LUTA E SUOR.
ESPERANÇA NUM MUNDO MELHOR.
O SHOW TEM QUE CONTINUAR!
Samba de arerê pra você voltar
Zona Norte é Madureira
Ando louco de saudade
Olha o povo pedindo bis
Ainda é tempo pra viver feliz
Não subestime um filho de Xangô
A recompor a vida
O alujá ecoa forte no rum
E o ylê de Ogum, convida
O ídolo parceiro, companheiro, irmão
Símbolo maior do samba em minha geração
Gênio, pai herói no clarão da Lua cheia, candeia
Nos versos que ele semeou
Gira bailarina, seu eterno amor
A porta bandeira, frutos na tamarineira
Lalaia laia laia
Com o banjo no peito
Sambista perfeito, o mestre imortal
Lalaia laia laia
O samba agradece
Floresce no fundo nosso quintal
Aos olhos graciosos de Oxalá
Serrinha marejou o seu olhar
Que brilha na coroa imperial
Um lume imponente e divinal
Da lança de São Jorge protetor
A esperança de um quixote sonhador
É voz dos humildes por um pedaço de chão
Voz dos humildes por um pedaço de pão
Favela de gente sofrida
Mas que valoriza a própria raiz
Aquela, que sente na pele, as chagas da vida, a dor do país
X-9 a cantar, conduz, até seu lugar, a luz
Pra continuar, o show de Arlindo Cruz
É clichê, mas tem que ser: Justa homenagem!
Se eu for discorrer sobre Arlindo teria que ser um outro livro, só para falar dos mais de 550 sambas que ele compôs e foram gravados. Eu adjetivei ele como o Pelé do Samba, isso porque ele joga em todas as posições, compõe, canta, toca, versa e ainda arrisca um miudinho. Isso em todas as variações possíveis, ele manda muito bem no samba tradicional ou raiz, no samba enredo, partido alto, samba dolente. No palco, na roda de samba, no bar, no Olympia em Paris e no Anhembi.
Vamos então focar nesse enredo primoroso da X-9 Paulistana. Escrito em época difícil e de superação do homenageado. A agremiação da Zona Norte de São Paulo foi taxativa na “1ª parte”, “não subestime um filho de Xangô”, demonstrando de onde vem a força para lutar pela vida e a certeza da vitória.
Os veros seguintes são autoexplicativos em todos os adjetivos que a ele foram dados, “símbolo maior do samba, gênio, pai herói, ídolo, parceiro, companheiro”, Arlindo foi isso e muito mais.
Cabe detalhamento para “gira a bailarina, seu eterno amor”, aqui estamos falando de Barbara Cruz, sua esposa, ex porta bandeira da União da Ilha e da Mocidade Independente de Padre Miguel. Se conheceram no samba é claro, daí “frutos da tamarineira”. Babi, você é phoda!!!
No “refrão do meio”, citação a um de seus instrumentos preferidos e claro o agradecimento.
Na “2ª parte” temos a Serrinha, um de seus berços musicais. A “coroa imperial” faz alusão ao símbolo de sua escola de coração, a Império Serrano.
No miolo desta 2ª parte temos uma anáfora perfeita e linda, “é voz dos humildes por um pedaço de chão, voz dos humildes por um pedaço de pão”.
E fecha com “pra continuar o show de Arlindo Cruz”, continuar a vida e referência à música “O Show Tem Que Continuar”, um de seus maiores sucessos.
O “refrão principal” é referência a um outro samba magnífico dele, “Samba de Arerê”, em parceria com Xande de Pilares e Mauro Jr. E já cita de cara o bairro de Madureira, reduto de sambista, casa de Arlindo Cruz, ou com ele mesmo disse: “Meu Lugar”.
A última nota de rodapé vai para Ivan de Oliveira Sposito, meu segundo guri, ritmista da Tubatuque (surdo de 1ª). No carnaval de 2019 (enredo em questão) estava ao meu lado na avenida. Só orgulho!
A COMUNIDADE CHORA
Quando a vela acender
Eu vou cantar meu samba até prevalecer
A luz que ilumina o compositor
Que tem a luz nos olhos seus
Eu rezo pra essa chama tão crepuscular
Durar mais um minuto nessa hora
Ah! Porque senão a comunidade chora
A comunidade chora
Chora, chora
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Chora, chora
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Quando a vela se apagar e o samba terminar
Saudade não me deixa ir embora
Meu peito vazio implora
Que uma luz me ilumine agora
Chora, chora
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Chora, chora
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Chora porque a vela se apagou
Porque o samba terminou
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Dedico esse livro em primeiro lugar para Ofélia, minha mãe, pelo simples fato de ser mãe, mãe é mãe, simples assim. E porque ela passava os dias cuidando de mim e dos afazeres domésticos com o rádio ligado, e vez ou outra eu acabava ouvindo Jair Rodrigues, Benito de Paula, Matinho da Vila, etc.
Depois a Rolando Boldrin, foi graças a ele que comecei a gostar dos "causos". Seus programas eram recheados de "causos" e eu sempre gostei de ouvir. Os programas com participação do Germano Mathias eu assisti umas 10 vezes. Sempre achei uma delícia essas histórias contadas entre músicas, melhor ainda se fossem sobre seus compositores. Essa foi a semente desse livro, foram tantas histórias... e tantas outras que nem foram contadas, “Disritmia” do Zé Katimba ou “Retalhos de Cetim” do Benito por exemplo.
Quem sabe ainda serão contadas......
FONTES
LIVROS
Zeca Pagodinho – Deixa o Samba me Levar – Jane Barboza e Leonardo Bruno – Editora Sonora
171-Lapa-Irajá: casos e enredos do samba – Nei Lopes – Editora Folha Seca
Partido-alto, samba de bamba - Nei Lopes – Editora Pallas
Candeia Luz da Inspiração – João Baptista M. Vargens – Editora Almadena
PROGRAMAS DE TELEVISÃO E INTERNET
O SOM DO VINIL – CANAL BRASIL
ENSAIO – TV CULTURA
ESQUENTA – REDE GLOBO
SAMBA NA GAMBOA – TV CULTURA e TV BRASIL
RESENHA MUSICAL
SR. BRASIL – TV CULTURA
CANAL F - Programa do Fantástico na internet
TV MAXAMBOMBA – Projeto Puxando conversa
CLAQUETE MUSICAL – Canal ABI
PAPO MUSICAL
SITES
www.wikipedia.org www.mestresdampb.com.br
www.sambando.com www.bonashistorias.com.br
www.musicasbrasileiras.wordpress.com www.carnavalize.com
www.veja.abril.com.br www.recantodasletras.com.br
www.som13.com.br www.band.uol.com.br
www.guiadoscuriosos.com.br www.veja.abril.com.br
www.diariodaregiao.com.br www.mediu.com/araetá
www.diariodaregiao.com.br www.dicionariompb.com.br
www.geledes.org.br www.geografiaparatodos.com.br
www.dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br
IMAGENS
https://krunner.home.blog/2022/01/13/o-uso-do-instrumento-surdo-nas-escolas-de-samba/
https://www.magazineluiza.com.br/rio-de-janeiro-luminaria-arcos-da-lapa-oficina-021/p/ba9deeb689/cj/luri/
https://www.amazon.com.br/MUNDO-UM-MOINHO-contos-cavaquinho-ebook/dp/B08NTPZP1S
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https://blogueirasnegras.org/2013/04/
https://www.casasbahia.com.br/pandeiro-12-quot-luen-oak-ferragem-prata-bira-presidente-serie-fundo-de-quintal-93000/p/1500420062
https://www.teclasap.com.br/pai-coruja/
https://www.glimboo.com/imagens_sogro_4.php
https://mangueira.com.br/site/simbolos/
http://www.sambariocarnaval.com/index.php?sambando=portela
https://m.facebook.com/EventimBrasil/photos/a.1101080679954776/1659756800753825/
https://shopee.com.br/Tapete-divertido-60x40-porta-Aqui-n%C3%A3o-entra-bebado-s%C3%B3-sai.-Tapetes-tem%C3%A1ticos-e-divertidos.-i.388892873.9133124548
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/igualdade_racial/noticias/?p=166203
https://ims.com.br/eventos/samba-da-vela/
https://www.facebook.com/studiopaulotonon/posts/1728333717319073/
https://gq.globo.com/Cultura/Musica/noticia/2017/12/abandono-galeria-do-rock-ou-museu-para-onde-vai-o-acervo-de-adoniran-barbosa.html
http://www.cespe.unb.br/vestibular/HE_13_2/arquivos/2HE13_001_01.pdf
https://www.anhembi50anos.com.br/curiosidades
https://cemporcentosamba.com.br/imperio-serrano/
https://m.facebook.com/x9paulistanaoficial/photos/?mt_nav=1&tab=album&album_id=216431888381908
https://andersonlopesoficial.com.br/afinal-de-contas-o-show-tem-que-continuar-conheca-a-logo-oficial-da-x-9-paulistana/
http://www.portaltere.com/noticias3/notictere03307_160126.htm
Esta obra não tem caráter comercial.
Portanto NÃO PODE SER VENDIDA NEM COMERCIALIZADA.
Os intuitos da obra são:
1 – Dar reconhecimento a quem de direito, neste caso os compositores.
2 – Fazer com que as histórias aqui contadas, uma vez que registradas, não caiam no esquecimento com o passar do tempo.
3 – Levar e incentivar a leitura em pessoas que não tem o hábito.
Sendo assim, novamente, o conteúdo desta obra, total ou parcial, NÃO PODE SER VENDIDO OU COMERCIALIZADO.
A obra está registrada na Biblioteca Nacional sob o nº 618/22.
INTRODUÇÃO
Este não é um livro de História, mas sim um livro de histórias. Serão contadas histórias sobre os sambas, sobre as letras. É inevitável não haver referência sobre a história do samba em si, mas o foco principal são as músicas, principalmente o motivo das mesmas.
Escolhidas a dedo, elas vão se intercalando, são histórias emocionantes, engraçadas, ora óbvias, ora não tanto. Estas histórias são recheadas de curiosidades e referências aos intérpretes, músicos e principalmente compositores, que fazem deste gênero musical uma paixão.
Durante a leitura vamos recordar sambas antigos de compositores tradicionais e entender um pouco suas inspirações e suas tristezas. Mas como minha opinião é de que toda leitura deve ser alegre, a dose de histórias engraçadas é um pouco maior, e sem demérito para outros sambista, a dose de Zeca consequentemente acabou sendo maior também, “Zeca é sinônimo de samba, e quem não gosta de Zeca bom sujeito não é”.
Pensei em iniciar com “Delegado Chico Palha”, de Tio Hélio e Nilton Campolino, mas a história desse samba se mistura com a história do Brasil na Era Vargas, e como esse não é o objetivo do livro, vamos direto para Cartola, iniciamos então em terra Fluminense e depois migramos para a “terra da garoa”, pois com diz a música do Quinteto em Branco e Preto “aqui a gente também tem bamba”.
Um pouco de partido alto pelo meio do caminho, e fechamos com dois sambas enredo (na minha humilde opinião, o melhor do RJ e o melhor de SP) pois é assim que acabam as melhores festas, com todo mundo descalço pulando carnaval.
ÍNDICE
COMPOSITORES .................................................................................................................. pg. 7
MEU MUNDO É UM MOINHO ............................................................................................. pg. 10
AS ROSAS NÃO FALAM ..................................................................................................... pg. 12
BAGAÇO DA LARANJA ...................................................................................................... pg. 14
S.P.C. .................................................................................................................................. pg. 16
CAVIAR ............................................................................................................................... pg. 18
ZÉ DO CAROÇO .................................................................................................................. pg. 20
ESPELHO / ALÉM DO ESPELHO ........................................................................................ pg. 22
MEU GURI ............................................................................................................................ pg. 24
CADÊ IÔ IÔ .......................................................................................................................... pg. 26
COISINHA DO PAI ............................................................................................................... pg. 28
MOLEQUE ATREVIDO ........................................................................................................ pg. 30
SHOPPING SAMBA ............................................................................................................. pg. 32
SINGELO MENESTREL ....................................................................................................... pg. 34
O SURDO / PANDEIRO É MEU NOME ................................................................................ pg. 36
MEU GURUFIM .................................................................................................................... pg. 38
TESTAMENTO DE PARTIDEIRO ........................................................................................ pg. 40
DE QUALQUER MANEIRA ................................................................................................. pg. 42
INTELIGÊNCIA .................................................................................................................... pg. 44
LUZ DO REPENTE .............................................................................................................. pg. 46
O FEIJÃO DE DONA NENÉM .............................................................................................. pg. 48
PAI CORUJA / O FILHO DA MÃE ......................................................................................... pg. 50
O POLÍTICO ......................................................................................................................... pg. 52
O GENRO / O SOGRO ......................................................................................................... pg. 54
VELHAS COMPANHEIRAS ................................................................................................. pg. 56
COISA DA ANTIGA .............................................................................................................. pg. 58
O PEQUENO BURGUÊS ..................................................................................................... pg. 60
DOCE REFÚGIO .................................................................................................................. pg. 62
SEJA SAMBISTA TAMBÉM ................................................................................................. pg. 64
BOCA SEM DENTE .............................................................................................................. pg. 66
CABELO NO PÃO CARECA ................................................................................................ pg. 68
TALARICO, LADRÃO DE MULHER ..................................................................................... pg. 70
LAMA NAS RUAS ................................................................................................................. pg. 74
COISA DE CRIANÇA ........................................................................................................... pg. 76
AGUARDENTE .................................................................................................................... pg. 78
O TEMPO EM QUE EU ERA CRIANÇA ............................................................................... pg. 80
DO LADO DIREITO DA RUA DIREITA ................................................................................. pg. 82
CLAREOU ............................................................................................................................ pg. 84
ME PERDOA POETA ........................................................................................................... pg. 86
ACENDEU A VELA ...............................................................................................................pg. 90
COISA COMUM (É GATO) ................................................................................................... pg. 92
TUDO LOTADO .................................................................................................................... pg. 94
GUIA TURÍSTICO ................................................................................................................ pg. 95
DOROTÉIA .......................................................................................................................... pg. 96
AQUILO NAQUILO ............................................................................................................... pg. 98
MADRINHA ........................................................................................................................ pg. 100
SAMBA ZUMBI ................................................................................................................... pg. 102
IRACEMA ........................................................................................................................... pg. 104
SAMBA ITALIANO .............................................................................................................. pg. 106
NÃO DEIXE O SAMBA MORRER ...................................................................................... pg. 110
AQUARELA BRASILEIRA .................................................................................................. pg. 112
MEU LUGAR É CERCADO DE LUTA E SUOR
ESPERANÇA NUM MUNDO MELHOR
O SHOM TEM QUE CONTINUAR ...................................................................................... pg. 114
A COMUNIDADE CHORA ................................................................................................. pg. 117
MÚSICA
COMPOSITOR (ES)
MEU MUNDO É UM MOINHO
CARTOLA
AS ROSAS NÃO FALAM
CARTOLA
BAGAÇO DA LARANJA
ZECA/ARLINDO/JOVELINA
S.P.C
ZECA/ARLINDO
CAVIAR
MAURO DINIZ / LUIZ GRANDE / BARBEIRINHO DO JACAREZINHO
ZÉ DO CAROÇO
LECI BRANDÃO
ESPELHO / ALÉM DO ESPELHO
JOÃO NOGUEIRA E PAULO CESAR PINHEIRO
MEU GURI
CHICO BUARQUE
CADÊ IÔ-IÔ
CEZAR VENENO
COISINHA DO PAI
JORGE ARAGÃO / ALMIR GUINETO / LUIS CARLOS DA VILA
MOLEQUE ATREVIDO
JORGE ARAGÃO / FLÁVIO CARDOSO / PAULINHO RESENDE
SHOPPING SAMBA
WILSON MOREIRA/MARCOS PAIVA
SINGELO MENESTREL
GUARÁ
O SURDO
TOTONHO/PAULINHO REZENDE
PANDEIRO É MEU NOME
CHICO SILVA/VENÂNCIO
MEU GURUFIM
CLAUDIO CAMUNGUELO
TESTAMENTO DE PARTIDEIRO
CANDEIA
DE QUALQUER MANEIRA
CANDEIA
INTELIGÊNCIA
ANICETO DO IMPÉRIO
LUZ DO REPENTE
MARQUINHOS PQD/ARLINDO CRUZ/FRANCO
O FEIJÃO DE DONA NENÉM
ZECA/ARLINDO
PAI CORUJA
ZÉ ROBERTO
O FILHO DA MÃE
MOSQUITO
O POLÍTICO
DICRÓ
O GENRO
DICRÓ
O SOGRO
DICRÓ
VELHAS COMPANHEIRAS
MONARCO
COISA DA ANTIGA
WILSON MOREIRA/NEI LOPES
O PEQUENO BURGUÊS
MARTINHO DA VILA
DOCE REFÚGIO
LUIZ CARLOS DA VILA
SEJA SAMBISTA TAMBÉM
ARLINDO CRUZ/SOMBRINHA
BOCA SEM DENTE
PEDRINHO DA FLOR/ALMIR GUINETO/GELCY DO CAVACO
CABELO NO PÃO CARECA
BARBEIRINHO DO JACAREZINHO
TALARICO, LADRÃO DE MULHER
SERGINHO PROCÓPIO/ZECA
LAMA NAS RUAS
ALMIR GUINETO/ZECA
COISA DE CRIANÇA
MARQUINHOS PQD / JAIRO BARBOSA
AGUARDENTE
PRATEADO/CARICA/LUISINHO SP
O TEMPO EM QUE EU ERA CRIANÇA
WILSON DAS NEVES/PAULO CESAR PINHEIRO
DO LADO DIREITO DA RUA DIREITA
LUIS CARLOS/CHIQUINHO
CLAREOU
SERGINHO METIRI/RODRIGO LEITE
ME PERDOA POETA
LECI BRANDÃO
ACENDEU A VELA
PAQUERA E EDVALDO GALDINO
COISA COMUM (É GATO)
CHAPINHA
TUDO LOTADO
CHAPINHA
GUIA TURÍSTICO
CHAPINHA
DOROTÉIA
CHAPINHA/FELIPE DORO
AQUILO NAQUILO
CHAPINHA
MADRINHA
QUINTETO EM BRANCO E PRETO
SAMBA ZUMBI
FELIPE DORO/TIAGO IMPÉRIO
IRACEMA
ADONIRAN BARBOSA
SAMBA ITALIANO
ADONIRAN BARBOSA
NÃO DEIXE O SAMBA MORRER
ALOÍSIO SIVLA/EDSON CONCEIÇÃO
AQUARELA BRASILEIRA
SILAS DE OLIVEIRA
MEU LUGAR É CERCADO DE LUTA E SUOR. ESPERANÇA NUM MUNDO MELHOR. O SHOW TEM QUE CONTINUAR!
ANDRÉ DINIZ/ARLINDO NETO/ CLAUDIO RUSSO / MÁRCIO ANDRÉ FILHO/ MARCELO VALENCIA/ DARLAN ALVES
A COMUNIDADE CHORA
MAGNU SOUSÁ/MAURÍLIO DE OLIVEIRA/EDVALDO GALDINO
MEU MUNDO É UM MOINHO
Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés
Cartola, adotou uma menina de 9 anos, Creusa, cuja mãe havia falecido. Sua esposa na época (1937), Deolinda, era a madrinha da criança.
Esta menina, ainda jovem, resolveu sair de casa, segundo uns para viver com um namorado mais velho, segundo outros para iniciar sua carreira na prostituição. O fato é que independente da opção, a jovem estava saindo de casa para um relacionamento não aceito pela sociedade da época. Foi então que Cartola escreveu os versos retratando suas preocupações com a filha, e em forma de canção aconselhá-la sobre o que esperar do mundo lá fora.
O carinho dele com a filha é latente, a mesma é tratada sempre como querida.
Seguidos alertas sobre a possibilidade de frustação são feitos. O moinho, título da música, é uma metáfora ao que poderá ocorrer com a vida da então mulher, porém a metáfora mais forte da música é “abismo que cavaste com os teus pés”, uma vez que não cavamos com os pés e sim com as mãos, mas foram os pés que levaram, segundo sua concepção, sua filha para o abismo.
AS ROSAS NÃO FALAM
Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim
Queixo-me às rosas
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai
Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim
Diz o dito popular que a música é consequência da boemia. Cartola como todos sabem era um boêmio, e por muitas vezes saía de casa na sexta e voltava só na segunda. Cansada da situação Dona Zica resolveu castigar o marido ficando sem falar com ele por vários dias.
Num certo dia Dona Zica foi à janela e avistou Cartola no quintal balbuciando, reclamando da situação para si mesmo. Dona Zica para amenizar e satirizar a situação voltou-se para ele e disse: “endoidou homem, não tem com quem conversar e agora deu para falar com as plantas, pois fique sabendo que as rosas não falam”.
Daí para a sala e seu violão foi questão de minutos para transformar em música a situação e os seus sentimentos.
Porém a versão mais aceita é a de que Dona Zica cuidava de rosas que foram plantas no quintal da casa, presente do compositor Nuno Veloso. Numa certa manhã ela foi surpreendida com o desabrochar de quase todas as rosas, chamou Cartola e disse: - “venha ver, que maravilha!”, “por que será que todas desabrocharam ao mesmo tempo?”
A resposta todos já sabem: - “Não sei, as rosas não falam”.
BAGAÇO DA LARANJA
Fui num pagode acabou a comida
Acabou a bebida acabou a canja
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Me disseram que no céu a mulher do anjo é anja
Eu já disse à você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Vou engomar meu vestido toda enfeitado da franja
Eu falei pra você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Eu te dou muito dinheiro e tudo você esbanja
Eu já disse à você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Olha lá seu coronel, o soldado que é peixe se enganja
O que sobrou pra mim? o bagaço da laranja
Sobrou pra mim o bagaço da laranja
Toma cuidado pretinha, que a polícia já te manja
Eu já disse a você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Não lhe dou mais um tostão, vê se você se arranja
Eu falei pra você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Só caroço de azeitona que veio na minha canja
Eu já disse à você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Vou vender minha fazenda, vou vender a minha granja
Eu falei pra você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
Você sempre foi solteira, um marido não arranja
Eu já disse à você
Sobrou pra mim o bagaço da laranja (bis)
As rimas deste partido alto são claramente uma reclamação. Poderíamos dizer que foi uma forma do proletariado reclamar da burguesia, uma reclamação velada sobre o que sobrava para o povo, mas não é nada disso, a explicação é bem mais simples e por que não dizer engraçada também.
Em 1985, Arlindo Cruz casou e estava de mudança, pediu ajuda a Zeca Pagodinho para carregar os móveis. Os dois se apressaram para terminar a tempo de degustar uma prometida feijoada feita pela mãe de Arlindo, mas não deu tempo, quando chegaram eles avistaram um galão de lixo na porta só com as laranjas chupadas, a feijoada já havia acabado, e para eles sobrou o quê?
Começaram a versar e da brincadeira surgiu a música que ficou tão famosa na voz inconfundível de Jovelina, que também era partideira, incluiu versos e entrou na parceria.
Cabe aqui um adendo para um fato ocorrido durante a mudança, deixaram a geladeira cair pelo caminho. Fica então a dúvida, não comeram depois, mas será que rolou uma cerveja antes?
S.P.C.
Precisei de roupa nova
Mas sem prova de salário
Combinamos, eu pagava
Você fez o crediário
Nosso caso foi pra cova
E a roupa pro armário (bis)
E depois você quis manchar meu nome
Dentro do meu metiê
Mexeu com a moral de um homem
Vou me vingar de você
Por quê?
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Quis me fazer de otário
Mas o crediário já está pra vencer
Sei que eu não sou salafrário
Mas o numerário você não vai ver
Por quê?
Eu vou sujar! Seu nome no seu SPC
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Tens um emprego de elite
Eu tenho um palpite que tu vais perder
É necessário estar quite
O patrão não permite que fique a dever
Por quê?
Eu vou sujar! Seu nome no seu SPC
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Com o aumento dos juros
Você em apuros pra mim vai correr
Pra me vingar dos teus furos
Juro que tô duro e não pago o carnê
Por quê?
Eu vou sujar! Seu nome no seu SPC
Eu vou sujar! Seu nome no SPC
Essa música foi composta numa época em que Zeca já vivia da arte, mas ainda não tinha uma situação financeira confortável, Zeca precisou parcelar uma dívida em uma loja e pediu a sua namorada da época para fazer um crediário, já que apenas ela tinha como comprovar a renda mensal. Tudo estaria resolvido perfeitamente se, dias depois, os dois não tivessem brigado.
A briga: todo samba que o Zeca ia a namorada dava um jeito de aparecer, ele claro não gostava, alegava que ela estava se intrometendo no seu “trabalho”, ela não acreditava nisso, nem ele acreditava, uma vez que não fazia samba para ganhar dinheiro, mas queria ela longe do samba, então ameaçou aparecer no trabalho dela também (ela trabalhava em um banco), disse que chegaria lá bêbado, que causaria tumulto, mas não podia fazer isso para não ser preso.
Resultado: como ela não podia ter o nome sujo e havia o crediário das roupas ele ameaçou não pagar a conta, o que levaria o nome da moça ao SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). E assim, dessa crônica pessoal, nasceu a música, que logo virou sucesso.
P.S. O crediário foi pago.
CAVIAR
Você sabe o que é caviar?
Nunca vi, nem comi
Eu só ouço falar
Você sabe o que é caviar?
Nunca vi, nem comi
Eu só ouço falar
Caviar é comida de rico
Curioso fico, só sei que se come
Na mesa de poucos, fartura adoidado
Mas se olhar pro lado depara com a fome
Sou mais ovo frito, farofa e torresmo
Pois na minha casa é o que mais se consome
Por isso se alguém vier me perguntar
O que é caviar, só conheço de nome
Você sabe o que é caviar?
Nunca vi, nem comi
Eu só ouço falar
Mas você sabe o que é caviar?
Nunca vi, nem comi
Eu só ouço falar
Geralmente quem come esse prato
Tem bala na agulha, não é qualquer um
Quem sou eu pra tirar essa chinfra
Se vivo na vala pescando muçum
Mesmo assim não reclamo da vida
Apesar de sofrida consigo levar
Um dia eu acerto numa loteria
E dessa iguaria até posso provar
Você sabe o que é caviar? .....
O ano era 2002, a situação financeira do Zeca melhorou consideravelmente e ele se mudou de Xerém para a Barra da Tijuca. Procurando um tapete para o apartamento deparou-se com um que custava 30 mil reais, Zeca perguntou para a vendedora: - “por que esse preço, ele voa?”
Foi nesse contexto que surgiu Caviar.
A música fez tanto sucesso que Zeca decidiu levar a iguaria aos seus amigos de Xerém. Eram apenas seis latinhas para 15 pessoas, mas acabaram sobrando quatro latas e meia; todos, sem exceção, fizeram cara de repulsa ao provar o tão falado (e cantado) caviar. O que salvou o grupo foi uma panela cheia de pé de galinha com inhame, que em menos de meia hora ficou completamente vazia.
ZÉ DO CAROÇO
Lelelelê Leleleleleleleleiê
Lelelelê Leleleleleleleleiê
No serviço de alto-falante
Do morro do Pau da Bandeira
Quem avisa é o Zé do Caroço
Amanhã vai fazer alvoroço
Alertando a favela inteira
Como eu queria que fosse em Mangueira
Que existisse outro Zé do Caroço
Pra dizer duma vez pra esse moço
Carnaval não é esse colosso
Minha escola é raiz, é madeira
Mas é o Morro do Pau da Bandeira
De uma Vila Isabel verdadeira
Que o Zé do Caroço trabalha
Que o Zé do Caroço batalha
E que malha o preço da feira
E na hora que a televisão brasileira
Distrai toda gente com a sua novela
É que o Zé põe a boca no mundo
É que faz um discurso profundo
Ele quer ver o bem da favela
Está nascendo um novo líder
No morro do Pau da Bandeira
Está nascendo um novo líder
No morro do Pau da Bandeira
No morro do Pau da Bandeira
No morro do Pau da Bandeira
Na minha opinião e do meu irmão Alex de Americanópolis, estamos falando do samba com a melhor percussão, créditos para a Banda Máfia.
A letra conta a história verdadeira de José Mendes da Silva, um policial aposentado que se tornou um líder na favela Morro do Pau da Bandeira, próxima ao bairro de Vila Izabel.
José instalou em cima da sua casa um alto-falante para se comunicar com a favela, ler notícias, falar sobre campanhas educativas, alertar para riscos de tempestades, etc. Como o tempo ele se tornou uma referência, o que Zé falava era verdade!
Uma vizinha, incomodada com o som, principalmente na hora da novela, resolveu chamar a polícia. A história correu de boca em boca até chegar em Leci Brandão, que em tom de samba social, redigiu sobre a alienação da população por meio das telenovelas e a necessidade do povo se organizar para brigar por seus direitos.
(Leci tentou gravar a música em 1981 mas a gravadora censurou, ela rescindiu o contrato para lançá-la em outra gravadora, azar de uns, sorte de outros, a canção se tornou um de seus maiores sucessos)
ESPELHO ALÉM DO ESPELHO
Nascido no subúrbio nos melhores dias Quando eu olho o meu olho além do espelho
Com votos da família de vida feliz Tem alguém que me olha e não sou eu
Andar e pilotar um pássaro de aço Vive dentro do meu olho vermelho
Sonhava ao fim do dia, ao me descer cansaço É o olhar do meu pai que já morreu
Com as fardas mais bonitas desse meu país O meu olho parece um aparelho
O pai de anel no dedo e dedo na viola De quem sempre me olhou e protegeu
Sorria e parecia mesmo ser feliz Assim como meu olho dá conselho
Eh, vida boa Quando eu olho no olhar de um filho meu
Quanto tempo faz
Que felicidade A vida é mesmo uma missão
E que vontade de tocar viola de verdade A morte uma ilusão
E de fazer canções como as que fez meu pai Só sabe quem viveu
E de fazer canções como as que fez meu pai Pois quando o espelho é bom
Ninguém jamais morreu
Num dia de tristeza, me faltou o velho
E falta lhe confesso, que ainda hoje faz Sempre que um filho meu me dá um beijo
E me abracei na bola e pensei ser um dia Sei que o amor do meu pai não se perdeu
Um craque da pelota ao me tornar rapaz Só de olhar seu olhar sei seu desejo
Um dia chutei mal e machuquei o dedo Assim como meu pai sabia o meu
E sem ter mais o velho pra tirar o medo Mas meu pai foi-se embora num cortejo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás E eu no espelho chorei porque doeu
Eh, vida à toa Só que vendo meu filho agora eu vejo
Vai no tempo, vai Ele é o espelho do espelho que sou eu
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade A vida é mesmo uma missão
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai A morte uma ilusão
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai Só sabe quem viveu
Pois quando o espelho é bom
E assim crescendo, eu fui me criando sozinho Ninguém jamais morreu
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambã da esquina Toda imagem no espelho refletida
Em toda brincadeira, em briga, em namorar Tem mil faces que o tempo ali prendeu
Até que um dia eu tive que largar o estudo Todos têm qualquer coisa repetida
E trabalhar na rua sustentando tudo Um pedaço de quem nos concebeu
Assim sem perceber, eu era adulto já A missão do meu pai já foi cumprida
Eh, vida voa Vou cumprir a missão que Deus me deu
Vai no tempo, vai Se meu pai foi o espelho em minha vida
Ai, mas que saudade Quero ser pro meu filho o espelho seu
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai A vida é mesmo uma missão
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta A morte uma ilusão
Mas tão habituado com o adverso Só sabe quem viveu
Eu temo se um dia me machuca o verso Pois quando o espelho é bom
E o meu medo maior é o espelho se quebrar Ninguém jamais morreu
E o meu medo maior é o espelho se quebrar E o meu medo maior é o espelho se quebrar
E o meu medo maior é o espelho se quebrar
Ele escreveu essa obra prima para retratar um pouco da sua vida. O título da música já reflete a vida, já traz reflexão. Não tem refrão, não tem repetição de versos e mesmo assim o sucesso foi absoluto, a ponto de render uma continuação.
Ele escreveu “Espelho” para homenagear seu progenitor, uma letra belíssima que emociona qualquer um que já perdeu seu pai. Porém o grande sambista carioca conseguiu ir ainda além, anos depois junto com seu grande parceiro de composições Paulo César Pinheiro, surge a obra “Além do espelho”. Nessa canção a homenagem é para seus filhos, a letra fala sobre a relação com seu pai e a relação que tem agora com seus filhos.
Nas letras não há repetição, mas a vida é cíclica e infelizmente a história se repetiu. Quis o destino que a história também rendesse uma triste continuação, o que ele cantou, foi cantado anos depois pelo seu filho, enredos semelhantes de histórias repetidas.
É claro que estou falando de João Nogueira (nome de batismo – João Batista Nogueira Junior) e Diogo Nogueira. João era Junior, seu pai, citado nas canções também era João Nogueira, acho que nem existe uma figura de linguagem para tanta redundância, ou coincidência, ou destino......
É triste, mas é lindo.
Quem é pai não pode deixar de ouvi-las, já que a principal mensagem é de que um pai deve fazer seu filho torna-se o avô. Tanto “Espelho” quanto “Além do Espelho” acabam com o verso “o meu medo maior é o espelho se quebrar”, ou seja, o filho mudar de rumo e não seguir o que lhe foi ensinado, acho que esse é o verdadeiro medo de todo pai.
Aproveito a oportunidade e faço um agradecimento muito especial a José Sposito, meu pai, ele com certeza foi um.
MEU GURI
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim, levando, ele a me levar
E na sua meninice, ele um dia me disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí!
É o meu guri
E ele chega, chega suado e veloz do batente
Traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí!
Chega no morro com carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assalto está um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente, acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí!
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Estamos acostumados ouvir essa música na voz de cantoras (Elza Soares / Tereza Cristina / Beth Carvalho) e automaticamente associamos a história ao relato de uma mãe, mas precisamos lembrar que o compositor é um homem, embora pai de três “gurias”, a narrativa é do Chico Buarque. Eu como pai vou puxar a sardinha para o meu lado. (o problema é essa “bolsa” no meio da letra para atrapalhar minha argumentação).
Vamos deixar os dois. Está decidido!
Nas duas músicas anteriores falei sobre o que um pai (ou mãe) quer para o filho. Esta pode ser a realização. Qual o pai (ou mãe) que não sonha em dar uma boa vida para seu filho? Esta música discorre sobre esta realidade, mostra que o guri é nascido em família pobre, que mora na favela e que apesar do esforço do pai (e da mãe), a esperança de que o filho tivesse um bom futuro era muito pequena. Mas o garoto surpreende a todos, principalmente aos pais, que vê que o filho conseguiu ter um futuro realizado, com emprego, dinheiro e boa vida. Apesar de todas estas conquistas, o guri não se esquece de seus pais e da educação que recebeu, trazendo imenso orgulho para eles.
Se antes era o pai (ou a mãe) que colocava o guri para dormir, agora a situação se inverteu.
A desigualdade social está presente na música, mas o “Guri” mostra que apesar das adversidades, é possível chegar lá.
Chico, desculpa eu ter colocado o narrador no plural, mas preciso fazer uma moral com a “nega véia”.
Rosemi você sempre foi uma ótima mãe e esposa. Te amo.
Renan (meu guri) te amo mais ainda!
CADÊ IOIÔ
Dona Fia, cadê Ioiô, cadê Ioiô?
Cadê Ioiô, Dona Fia, cadê Ioiô?
Cadê, cadê, cadê Ioiô?
Cadê, cadê, cadê Ioiô?
Ioiô é um moleque maneiro
Vem lá do Salgueiro e tem seu valor
Toca cavaco, pandeiro
E no partido-alto é bom versador
Quem sabe do seu paradeiro
É o pandeiro, cavaco, tantã
Quando ele encontra a rapaziada
Só chega em casa de manhã
Dona Fia, cadê Ioiô, cadê Ioiô?...
Quero encontrar esse bamba
Que em termos de samba, é sensacional
Para alegrar o pagode
Que estou preparando lá no meu quintal
E foi no samba pra gente
Que vi um valente versar pra Ioiô
Mas ele estava indecente
Deixando o malandro de pomba-rolô
Dona Fia, cadê Ioiô, cadê Ioiô?...
Há quem diga que Almir Guineto quando criança era muito inquieto, não parava no lugar, indo e voltando sem parar, como se fosse um ioiô. Os amigos quando iam até a sua casa procurar por ele, perguntavam para a sua mãe (Dona Fia): “cadê o ioiô?”
A verdade é que ioiô era o apelido do seu pai, Iracy de Souza Serra, um dos fundadores do Salgueiro e membro da ala dos compositores.
A música, portanto, é uma homenagem aos seus pais, “Seu Ioiô” e “Dona Fia”
Dona Fia, mais do que a mãe do Almir, foi fundadora do Salgueiro, costureira da escola, baiana, e também compositora. Compôs sambas que fizeram sucesso na voz do filho, como "Saco cheio" e "É melhor você parar".
O verdadeiro apelido de Almir era Magnata, que evoluiu para Magneto e então Guineto.
COISINHA DO PAI
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
Você vale ouro todo o meu tesouro
Tão formosa da cabeça aos pés
Vou lhe amando lhe adorando
Digo mais uma vez
Agradeço a Deus porque lhe fez
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
(Eu disse coisinha) o coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
Charmosa tão dengosa
Que só me deixa prosa
Tesouro vale ouro
Agradeço a Deus porque lhe fez
O coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
(Eu disse coisinha) o coisinha tão bonitinha do pai
O coisinha tão bonitinha do pai
Essa provavelmente seja a história mais conhecida, talvez por ser a mais fantástica. Todos os compositores têm um sonho, ouvir sua música ser tocada no rádio, essa foi muito mais longe.....
Em 1997, "Coisinha do Pai" foi programada pela engenheira brasileira da Nasa Jacqueline Lyra para acionar o robô norte-americano Sojourner, que fazia parte da missão Mars Pathfinder, criada pela Agência Espacial dos Estados Unidos para explorar a superfície do planeta.
No entanto, ao contrário do que muitos pensam, a versão tocada em Marte não foi aquela famosa na voz da madrinha e sim a cantada por Jair Rodrigues e Elba Ramalho. A engenheira Jacqueline, que morava nos Estados Unidos, ouvia na sua casa CD’s de músicas brasileiras, entre eles Casa de Samba 1, onde uma das faixas era Coisinha do Pai com Jair e Elba. Neste mesmo CD, Beth Carvalho canta com Nana Caymmi, “As rosas não falam”.
Jacqueline conta que a estrofe que chamou atenção foi: “você vale ouro, todo o meu tesouro” pois representava o carinho que os cientistas tinham pelo robô.
Em 1998, Beth Carvalho incluiu em seu disco "Pérolas do pagode" a composição "Samba de Marte", composta por Arlindo Cruz, Sombrinha, Almir Guineto e Mazinho Xerife, mas essa é uma outra história ....
MOLEQUE ATREVIDO
Quem foi que falou
Que eu não sou um moleque atrevido
Ganhei minha fama de bamba
No samba de roda
Fico feliz em saber
O que fiz pela música, faça o favor
Respeite quem pôde chegar
Onde a gente chegou
Também somos linha de frente
De toda essa história
Nós somos do tempo do samba
Sem grana, sem glória
Não se discute talento
Mas seu argumento, me faça o favor
Respeite quem pôde chegar
Onde a gente chegou
E a gente chegou muito bem
Sem desmerecer a ninguém
Enfrentando no peito um certo preconceito
E muito desdém
Hoje em dia é fácil dizer
Essa música é nossa raiz
Tá chovendo de gente
Que fala de samba e não sabe o que diz
Por isso vê lá onde pisa
Respeite a camisa que a gente suou
Respeite quem pôde chegar onde a gente chegou
E quando pisar no terreiro
Procure primeiro saber quem eu sou
Respeite quem pôde chegar onde a gente chegou
Essa composição poderia ser um “papo reto” para aqueles que chegam na roda de samba e já querem pegar nos instrumentos, mas esse recado foi dado na música “Tan-tan 171” de Marquinhos Sathan.
As más línguas dizem que foi um protesto contra os grupos que surgiram nos anos 90 mudando o padrão de roupa, cabelo, estilo de tocar, composições sem conteúdo, etc. Mas também não é nada disso, o próprio Jorge Aragão diz: - “Não consigo achar isso, porque eu não participo disso. Eu só encontro pessoas que estão fazendo e procurando manter tudo como era antigamente. Existe claro uma célula do samba que é tocada no rádio. Se ela está ali é porque está dando retorno. Quando eu vou para rua vou para ouvir meus iguais, no caminho até lá sei que vou ouvir algo paralelo no rádio, mas o que você ouve no rádio não está tocando numa roda de samba. Acho que tem espaço para todo mundo no mundo. Temos que deixar cada um viver”.
Então qual é a história dessa música? A verdade é que Jorge Aragão foi procurado por Bira Haway (produtor musical), solicitando a ele uma música para um grupo que ele conhecia em São Paulo, Aragão ficou reticente, mas Bira Haway explicou que conhecia a origem dos meninos, a base deles. Então Aragão fez a canção para a rapaziada do Exaltasamba.
A música virou motivação não só para sambistas, mas para esportistas também, jovens que iniciam suas carreiras no futebol, no vôlei, onde tinha um “moleque atrevido” a música fazia sucesso. Ela se tornou um hino na seleção feminina de futebol.
SHOPPING SAMBA
Vou te contar, rapaz
Tem malandro enrolando demais
No shopping samba
O barato tá no cartaz
Mocotó, mocotó sem tornozelo
Sacolé fora do gelo
Feijoada de sagu
Agrião de talo grosso
Carne-seca de pescoço
Nessa todo mundo vem
É melaço de urutu
Não vai sobrar nada pra ninguém
Afoxé, Afoxé da Argentina
Rock and roll da Cochinchina
Rumba de Waterloo
Boi bumbá de Nova Iorque
Foxtrote do Oiapoque
Nessa todo mundo vem
É pagode de Seul
Não vai sobrar nada pra ninguém
Essa sim é uma crítica ao samba que estava sendo gravado no final dos anos 80 e início dos 90. Para muitos tratava-se de um samba comercial, por isso “shopping samba”.
Para os mais fiéis ao que se chama de samba raiz, o tipo de samba cantado nos anos acima citados, não tinha conteúdo nas letras, não tinha levada, por isso é “mocotó sem tornozelo” ou “sacolé fora do gelo”, e todas as outras comparações.
SINGELO MENESTREL
Lalalaia lalalaia lalalalalalalalalalala
Lalalaia lalalalalalalalalalala
Grande festa no barraco do nêgo João
Pandeiro, cavaco, viola
Sob a luz do lampião
De alegria Dona Maria chorava
Para o bebê que nascia
Aquela gente cantava
Mesmo a pouco leite, a pouco pão
Aquele bebê foi crescendo
Vencendo as barreiras desse mundo cão
Fascinado por pandeiro, cavaquinho e violão
Com suaves sinfonias no piano do patrão
Aquele neguinho que andava
Descalço na rua e ao léu
Assobiando Beethoven, Chopin
Porém preferindo Noel
Foi assim se transformando
Num singelo menestrel
No barraco na favela
Pra esquecer o desamor
Escrevendo à luz de vela
Mais uma canção de amor
La la la ia
Essa música foi sucesso na voz de Dudu Nobre, que é mais um “Moleque Atrevido”.
E quando Guará compôs parece que foi pensando em Dudu: garoto pobre “fascinado por cavaquinho”, crescendo e vencendo, ouvindo Noel, e não é o bom velhinho (desculpem não pude evitar), se transformou num menestrel, é o Dudu! Mas também poderia ser o Pretinho da Serrinha, que aos 10 anos já era diretor de bateria da Império Serrano.
Guaracy Sant’Anna ou simplesmente Guará, é mais um compositor, negro suburbano invisível, seus sambas são tocados em 100% das rodas, principalmente “Sorriso Aberto”, sucesso na voz de Jovelina e “Destino de Maria” na voz de Guineto. Assim como outros gênios negros e pobres que o Brasil formou, viveu e morreu no anonimato, sem rosto, sem direitos nem ascensão social.
Jovelina Pérola Negra escreveu o samba “Poeta do Morro”, gravado no álbum “Amigos Chegados” em 1990 e o grupo Chora Menino, de SP, gravou “Tributo ao Mestre Guará” no álbum “Canto das Raças Axé” de 1992.
Se você está lendo este livro e simultaneamente ouvindo as músicas (espero que esteja) aconselho que ouça a versão com participação do MV Bill, cujo acréscimo na letra é sensacional, digno de mais uma mente pensante do movimento Hip Hop.
Gente inocente criatura veio ao mundo
Marginal, menestrel, sentimental e profundo
Eu vi a cena projetada em tela de cinema
Que pena
A vida band, vai dar e o tema
Que pena
Garoto, maroto, travesso
Esconde a luz de vela
A escora do teu berço
Submisso a onda africana
De cara pro sucesso
Da de costa pra lama.
Moleque singelo, bermuda e chinelo
Longe de representar o sonho verde e amarelo
Invisível no asfalto só ver a malandragem
Na hora que as migalhas caírem do alto
Na infância aprende bem criança tá ligado que
Depois da tempestade vem cobrança
Quem quiser que cobre o espírito tá nobre
Quem compõe tem o dom e o pensamento nobre
O SURDO PANDEIRO É MEU NOME
Amigo, que ironia desta vida Falaram que meu companheiro
Você chora na avenida Meu amigo surdo parece absurdo
Pro meu povo se alegrar Apanha por tudo
Eu bato forte em você Ninguém canta samba E aqui dentro do peito uma dor Sem ele apanhar
Me destrói
Mas você me entende Não ouviram que seu companheiro
E diz que pancada de amor não dói Amigo pandeiro
Também tira coco do mesmo coqueiro
Meu surdo, parece absurdo Apanha sorrindo pra povo cantar
Mas você me escuta
Bem mais que os amigos lá do bar Pandeiro
Não deixa que a dor Não é absurdo mas é o meu nome
Mais lhe machuque Não me chamo surdo mas aguento fome Pois pelo seu batuque Pandeiro não come mas pode apanhar
Eu dou fim ao meu pranto e começo a cantar
Meu surdo, bato forte no seu couro Ao povo que vibra na força do som brasileiro
Só escuto este teu choro Não é só o surdo nem só o pandeiro
Que os aplausos vêm pra consolar Tem uma família tocando legal Você cantando, tocando e batendo na gente
Meu surdo, velho amigo e companheiro Passando por tudo tão indiferente
Da avenida e de terreiro Não conhece a dor do instrumental
De rodas de samba e de solidão
Não deixe que eu vencido de cansaço Batuqueiro ê,batuqueiro
Me descuide desse abraço Cantando samba pode bater no pandeiro
E desfaça o compasso Do passo do meu coração
Existe uma máxima nas quadras que diz: a bateria é o coração da escola, e o surdo o coração da bateria.
Faz todo sentido, fora todas as metáforas que podem ser criadas utilizando o que o coração representa para o corpo e a bateria para a escola, vamos para os fatos, imaginem as batidas perfeitamente ritmadas do nosso coração, agora imaginem a alternância sincronizada da 1ª e da 2ª deste naipe. Estamos ou não estamos falando da mesma coisa?
E foi por isso que escolhi essas duas entre tantas canções interpretadas pela Marrom. Foi por isso que entre infinitas músicas que falam sobre ou citam instrumentos (com certeza vocês estão fazendo uma lista mental e já lembraram de várias) é que eu escolhi essas duas. E um pouco foi tendencioso tenho que admitir, afinal como a própria letra diz “velho amigo e companheiro”, e amigo de verdade é aquele que está sempre no nosso pensamento.
Agora vejam esse verso: “pancada de amor não dói”. Na letra é uma afirmação do instrumento para o ritmista, entendendo as pancadas recebidas, mas poderia ser perfeitamente o contrário, uma explicação do ritmista para a “surra” que ele tem que dar no instrumento durante um desfile.
A segunda música é sobre outro lindo instrumento, prolongamento da mão do Bira Presidente, mas está aqui por: “meu amigo surdo, ninguém canta samba sem ele apanhar”. Só posso então concluir que sem surdo não tem samba! (será mesmo que foi só um pouco tendencioso?)
Na verdade, todos sabemos que para a coisa ficar bonita de verdade “tem uma FAMÍLIA tocando legal”. Acima eu chamei de naipes, mas podem chamar de família e novamente imaginar tantas outras metáforas.
MEU GURUFIM
Eu vou fingir que morri
Pra ver quem vai chorar por mim
E quem vai ficar gargalhando no meu gurufim
Quem vai beber minha cachaça
E tomar do meu café
E quem vai ficar paquerando a minha mulher
Quando o caixão chegar
Eu me levanto da mesa
E vou logo apagar
As quatro velas acesas
E vou dizer pra minha mãe
Não chora
Amigo a gente vê é nessa hora
E vou dizer pra minha mãe
Não chora
Amigo a gente vê é nessa hora
A pergunta que não quer calar é respondida por outra música, “Linguagem do Morro” de Padeirinho: “velório no morro é gurufim”.
Gurufim vem da África. É uma variação da pronúncia de golfinho, que na mitologia africana é quem leva a alma dos mortos para o outro lado.
Com o tempo, o conceito de gurufim se tornou mais elástico, a ponto de nomear qualquer velório com festa. Se tem morto e tem samba, já tá valendo chamar de gurufim.
Ainda que cause estranhamento em alguns, esse comportamento diante da morte nada mais é que o respeito a uma tradição de sambista.
Na música em questão (Meu Gurufim) Claudio Camunguelo simula um velório, o seu, para identificar os verdadeiros amigos.
O enterro de Paulo da Portela foi o primeiro e maior Gurufim, o comércio fechou, teve toque de surdo, cantoria e povo bebendo pelo caminho a ponto de acabar a cerveja em todos os bares da Marechal Rangel e da Monsenhor Felix, 15 mil pessoas participaram de alguma forma da despedida fúnebre do fundador da escola de samba de Oswaldo Cruz e Madureira. No gurufim do Joãosinho Trinta teve até bateria de escola de samba. O mais recentemente foi da Beth Carvalho onde os presentes cantaram Andança.
Só não é permitido confusão, isso só no “Enterro do Ricardão”, de autoria do Dicró.
TESTAMENTO DE PARTIDEIRO
Pra minha mulher deixo amor, sentimento,
na paz do Senhor
E para os meus filhos deixo um bom exemplo,
na paz do Senhor
Deixo como herança, força de vontade,
na paz do Senhor
Quem semeia amor, deixa sempre saudade,
na paz do Senhor
Pros meus amigos deixo meu pandeiro,
na paz do Senhor
Honrei meus pais e amei meus irmãos,
na paz do Senhor
Aos fariseus não deixarei dinheiro,
na paz do Senhor
É mas pros falsos amigos deixo o meu perdão,
na paz do Senhor
O sambista não precisa ser membro da academia
Ao ser natural em sua poesia, o povo lhe faz imortal
O sambista não precisa ser membro da academia
Ao ser natural em sua poesia o povo lhe faz imortal
Se houver tristeza que seja bonita,
na paz do Senhor
Pois tristeza feia o poeta não gosta,
na paz do Senhor
Um surdo marcando o choro de cuíca,
na paz do Senhor
Viola pergunta mas não tem resposta,
na paz do Senhor
Quem rezar por mim que o faça sambando,
na paz do Senhor
Porque um bom samba é forma de oração,
na paz do Senhor
Um bom partideiro só chora versando,
na paz do Senhor
Tomando com amor batida de limão,
na paz do Senhor
Antes de tudo vamos deixar claro o que é um partideiro = cantor de partido alto.
Partido Alto por sua vez é um estilo de samba marcado pela roda de improviso criativo dos partideiros. Apresenta refrões marcantes que se repetem ao longo da construção, comumente estabelecido por meio de pergunta e reposta. O partido alto sugere, como no repente, um desafio de ideias e rimas capazes de garantir reconhecimento e status aos participantes que entram na disputa com a finalidade de se dizer muito com pouco, só entra nessa disputa os sambistas mais criativos, inspirados e ágeis.
A música Testamento de Partideiro em si não é um partido alto, mas composta por um dos maiores sambistas e partideiro (Antônio Candeia Filho) figura aqui exatamente para registrar a importância desta manifestação cultural, e do compositor também. As siglas a.C. e d.C., tanto utilizadas nos livros escolares, aqui ganham novo significado = antes de Candeia e depois de Candeia.
Agora falando da música: temos como característica principal a irreverência de um testamento de quem não tem bens materiais para deixar. Irreverência essa que é obrigatória no partido alto, e, “se houver tristeza que seja bonita”.
O refrão é mais uma ironia do destino onde a criação age sobre o criador, Candeia, como a sua composição diz, se tornou imortal mesmo sem nunca ter feito parte da ABL.
DE QUALQUER MANEIRA
De qualquer maneira
Meu amor eu canto
De qualquer maneira
Meu encanto, eu vou sambar
Com os olhos rasos d'água
Com o sorriso na boca
Com o peito cheio de mágoa
Ou sendo a mágoa tão pouca
Quem é bamba não bambeia
Falo por convicção
Enquanto houver samba na veia
Empunharei meu violão
De qualquer maneira
Meu amor eu canto
De qualquer maneira
Meu encanto, eu vou sambar
Sentado em trono de rei
Ou aqui nesta cadeira
Eu já disse, já falei
Seja qual for a maneira
Quem é bamba não bambeia
Falo por convicção
Enquanto houver samba na veia
Empunharei meu violão
De qualquer maneira
Meu amor eu canto
De qualquer maneira
Meu encanto, eu vou sambar
Apesar de tudo, “De Qualquer Maneira” ele continuou compondo. Apesar de tudo, “De Qualquer Maneira” ele continuou cantando.
Candeia era policial e no ano de 1965 passou em concurso público para oficial de justiça, a comemoração foi obviamente com um pagode em Madureira. Muito samba, muita cerveja, 2 h. da manhã e Candeia saiu com o carro, o resultado foi um acidente com um caminhão. O fato narrado abaixo é de seu parceiro Waldir 59, que resolveu acompanhar o amigo pois sabia de sua condição.
“Pegando a Presidente Vargas, Candeia botou o carro na frente de um caminhão. Desceu, viu o para-lama amassado, pegou o revólver e esvaziou todos os pneus do caminhão. O ajudante desceu e tomou uma surra do Candeia, saiu correndo, o outro ajudante desceu e apanhou também, aí ele falou para o motorista: “agora é você!” O motorista deu cinco tiros no Candeia (um de raspão, um no braço, dois nos pulmões e um na medula). Coloquei Candeia no ombro e corri para procurar um taxi, a pulsação dele era zero, deixei ele no Souza Aguiar e desmaiei”
Candeia ficou desenganado por três dias, foi transferido para o Hospital do Servidor onde ficou por três meses, passou por várias cirurgias, mas o tiro na medula foi crucial, tirando-lhe os movimentos da cintura para baixo.
Passou por um período de depressão, mas entendeu que o samba era o caminho, como ele diz na música “quem é bamba não bambeia” e “enquanto houver samba na veia, empunharei meu violão”, e foi no seu violão que encontrou o caminho para ressurgir.
“Sentado em seu trono de rei” passou a organizar com frequência pagodes em sua casa, compôs inúmeras músicas, entre elas O Mar Serenou, Samba da Antiga, Vem Menina Moça, e gravou um dos discos mais importantes para o samba e um dos mais aclamados de todos os tempos: “AXÉ”!
INTELIGÊNCIA
Se os bichos são inteligentes
Por que não as criaturas? (2 vezes = refrão)
Qual é a pedra mais doce? É rapadura
Qual é a defesa do banguela? É dentadura
Cite uma cidade do oriente? Cingapura
Quando o malandro perde o conceito? Quando dedura
Qual é a ave de perna mais fina? É saracura
O nome do miúdo do porco? É fritura
Um arranhão inflamado? Sutura
A residência do falecido? É sepultura
Arco pontua sobre a madeira? rodando fura
O Aniceto com uma loira! e você com uma escura
Mulher muito ciumenta? Ninguém atura
Qual a formiga de cabeça grande? É tanajura
Quando a mulher engana o homem? É quando jura
Uma nossa mãe!!! jura o nosso pai, entretanto é uma boa criatura
Uma escrita rabiscada tem? diz quem sabe? rasura
A pretinha fritou ovos? Sem ter gordura,
Vou construir meu barraco? Em Cascadura
Qual é o indispensável? Licença na prefeitura
O casado que namora? Ah nós! é cara dura
Será que vocês adoraram? ou gostaram da minha cintura?
Das mulheres que fico invocado e ninguém me segura!!
Por isso salva de palmas pra elas, a moçada que passa apura
É tapecar na jogada segura as bolas que ninguém me atura
É, é isso aí minha gente é jogada dura, é hé
Estamos diante do mais claro exemplo de uma modalidade de Partido Alto que é pura expressão popular, que é pura criatividade do sambista, que é o partido de pergunta e resposta.
Nei Lopes uma vez disse que o sambista completo tem que saber compor, cantar, tocar alguns instrumentos, sambar o miudinho e tem que saber versar. Eu estou muito longe disso, no máximo engano em alguns instrumentos, mas vou aproveitar o espaço para incrementar um pouco esse samba de Aniceto, com muitas rimas do meu xará Renatinho Partideiro e algumas minhas.
O sapato do cavalo? = Ferradura
Tem na porta e põe a chave? = Fechadura
O leite que vai no fogo, faz levantar? = Fervura
Um regime de governo? = Ditadura
E a ditadura faz o que? = Tortura
Armação do quadro? Moldura
Faixa para curativo? = Atadura
Na manga do paletó, eu uso? Abotoadura
O livro de capa dura? = Brochura
E o livro serve pra quê? = Leitura
Com o que se faz salada? = Verdura
E o presente do defunto, eu compro aonde? = Floricultura
A roupa do cavaleiro? = Armadura
Todo bolo tem que ter por cima? = Cobertura
O baile depois da escola? = Formatura
O carro da polícia? = Viatura
Um desenho engraçado? = Caricatura
No final do cheque eu ponho? = Assinatura
O documento da casa? = Escritura
A mulher põe no cabelo? = Tintura
Arte de cuidar da terra? = Agricultura
E a de fazer mel? = Apicultura
Operação que a mulher faz pra não ter nenê? = Laqueadura
Se a roupa rasga, faz o que? = Costura
Muita comida na mesa? = Fartura
Junto com o arroz feijão? = Mistura
Fruta no ponto de comer? = Madura
Osso quebrado? = Fratura
O dentista faz no dente? = Obtura
O termômetro tira o quê? = Temperatura
A broca faz o que? = Perfura
A pomada é pra curar? = Queimadura ou Assadura
Livro com notas musicais? = Partitura
Abertura na parede? = Rachadura
Por agulhas pelo corpo? Acupuntura
Origami é o que? = Dobradura
O cachaceiro sente o que? Tontura
O bordão do Luciano Huck? = Loucura loucura
No Halloween tem o quê? = Gostosura ou travessura
Água mole em pedra dura, tanto bate? Até que fura.
Muito tempo sem dar uma, você fica? = Na fissura
E se ela não quiser? = Frescura
E as mulheres que eu pego no samba? = Tudo escultura!!!
LUZ DO REPENTE
Deixa comigo, deixa comigo
Eu seguro o pagode e não deixo cair ééé
Sem vacilar é é
Sem me exibir é é
Só vim mostrar, ééé
O que aprendi
Eu sou partideira da pele mais negra
Que venho, que chego para improvisar
Já vi partideiro que nunca vacila
Entrando na fila, querendo versar
Mas dou um aviso que meu improviso
É sério, é ciso, não é de brincar
Otário com aço, eu mando pro espaço
Versando, eu faço o bicho pegar
É sem vacilar é é
Sem me exibir é é
Só vim mostrar, ééé
O que aprendi
Deixa comigo, deixa comigo
Eu seguro o pagode e não deixo cair ééé
Sem vacilar é é
Sem me exibir é é
Só vim mostrar, ééé
O que aprendi
A luz do repente a estrela cadente
Chega de repente, não dá pra sentir
Na lei do pagode, só versa quem pode
Quem sabe somar e não subtrair
Não sou diamante, safira, esmeralda
Não sou turmalina nem mesmo rubi
Por onde eu passo eu deixo saudade
A pérola negra passou por aqui
É sem vacilar é é ..........
O título desta música já é a conclusão da similaridade entre as estruturas do samba de partido alto com o repente nordestino, ambos têm como ponto forte a improvisação, feita em forma de desafio entre seus cantadores.
Quanto PQD, Almir e Franco fizeram essa música foi pensando diretamente na Jovelina, que carrega ainda no nome artístico o Pérola Negra. Assim como o partido e o repente são parecidos, Jovelina e a pérola negra também, são joias raríssimas de alto valor. Jovelina foi uma das raras mulheres que enfrentaram os homens de igual para igual nas rodas de partido alto, sem vacilar!
Vamos à música:
O refrão denota a segurança com que ela entrava na roda, podia deixar com ela que ela sabia o que estava fazendo.
A 1ª diz tudo sobre seu jeito de cantar e sua inteligência, improviso sério e ciso que faz o bicho pegar. Se o malandro vacilasse ela acabava com ele.
A 2ª é o resumo desse gênero, só entra pra versar quem sabe, e ela sabia. É o resumo dela, não é safira nem esmeralda, é uma Pérola Negra. Deixou muita saudade, por onde passou, na roda, no palco, na quadra do Império, na Pavuna e no mundo do samba.
Pavuna é um capítulo à parte, além de tema de sua música mais famosa “Feirinha da Pavuna”, neste bairro da zona norte carioca, um espaço multiuso foi batizado em sua homenagem, a Arena Carioca Jovelina Pérola Negra.
O FEIJÃO DE DONA NENÉM
Esse feijão tá cheiroso
Foi dona Neném quem mandou preparar
Disse que Penha lhe disse
Que o fogo de lenha tem bom paladar
Vamo' lá
Bota lenha na fogueira, Neném
Deixa o feijão cozinhar
Bota lenha na fogueira, Neném
Não deixa o feijão queimar
Entre a cana e o tira-gosto
Era mês de agosto, lembro muito bem
Fui na favela do Rato
Como convidado de dona Neném
Estranhei o movimento
Mas pensei por dentro: "Vai dar tudo bem"
Mas tropecei num tijolo
Esbarrei num crioulo que caiu também
Cheio de fome o negão
Lá no chão esperando o feijão da Neném
Vamo' lá
Bota lenha na fogueira, Neném
Deixa o feijão cozinhar
E outra vez pra afirmar
Bota lenha na fogueira, Neném
Não deixa o feijão queimar
O negão queria briga
Porém a fadiga não deu condição
Vi que era malandragem
Era pilantragem, era tudo armação
Pediram uma ajuda, me deram a bermuda
A pá, a enxada e o carrinho de mão
Onde se lia a mensagem: "Primeiro a laje depois o feijão"
Outra vez
Bota lenha na fogueira, Neném
Deixa o feijão cozinhar ......
Nome de batismo = Yolanda de Almeida Andrade.
No mundo do samba = Dona Neném, baluarte portelense, querida, esposa de Manacéa e de quebra uma excelente cozinheira.
Dona Neném era também avó da Mônica (esposa do Zeca).
Zeca (o genro) e seu amigo Arlindo Cruz, foram convidados pela sogra para ajudar a encher uma laje na casa dela na comunidade do Rato Molhado. Depois do trabalho Dona Neném prometeu uma feijoada. Mas é claro que Zeca e Arlindo não queriam pegar no batente, e propositalmente chegaram atrasados, também propositalmente bem na hora do feijão, a sogra percebeu o golpe mas como ganhou uma música, liberou o feijão.
Outras feijoadas também viraram famosas canções:
Uma delas “Bagaço da Laranja”, fala em canja, mas é só para rimar, como já contamos anteriormente o evento era uma feijoada.
Outra é “No Pagode do Vavá”, de Paulinho da Viola, que cita o feijão da Dona Vicentina, “provei do famoso feijão da Vicentina, só quem é da Portela que sabe que a coisa é divina”.
Vicentina que também foi citada no samba “Isso é Fundo de Quintal” de Leci Brandão,” Olha a rapaziada fazendo o rateio comprando a bebida, deixa para Vicentina esta negra divina fazer a comida”.
Quanto samba! Quanto feijão! Isso sim é que é combinação!!!
PAI CORUJA O FILHO DA MÃE
Amigo, não leve a mal Não brinca com a filha dos outros
Mas isso é o meu dever Porque você pode ter filha mulher
Se quer namorar minha filha
Moça de família, precisa saber Deus castiga E o mal que cê faz vai voltar pra você
Comigo é na moda antiga A filha de alguém vai te dar uma filha
Não tem boa-vida de encher a barriga E a sua filha vai ter que crescer
E depois correr
O velho não é de bobeira, vai pegar você Vai crescer e o mundo vai tá diferente
E malandro igual você
Senta aí no sofá que eu mandei preparar Nesse tempo vai ser bem mais inteligente
De cidreira um chá pra te tranquilizar Você fez um pai de família de otário
Quando se acalmar O tempo passou mas chegou tua vez
Me fale a verdade da sua intenção, cidadão O filho de alguém vai pegar tua filha
E vai fazer igual ao que você já fez
Se for amor que realmente está sentindo
Quer casar com ela, não está mentindo Vai dizer que é brabo, que mata, que corta
Eu prometo, garanto Pra ficar no quarto, não fechar a porta
Seu boi vai na sombra ficar Que já foi moleque e pra chegar em casa Antes de anoitecer
Além de lhe dar meu consentimento
De presente um luxuoso apartamento Mas infelizmente, você sabe bem
Todo mobiliado de frente pro mar O que ele tá querendo você quis também
Pronto pra morar E não vem com discurso
De que ela tá crescida e vai acontecer
Porém se for 171, um pé rapado
Se meteu no meio de um fogo cruzado Não respeitou, não vai ser respeitado
Uma bala perdida O mundo dá voltas
Cuidado, ela pode te achar E você vai pagar o seu pecado
Não respeitou
Tá vendo, aqui na minha casa é um lar de alegria Depois eu não quero te ouvir reclamar
Eu não deixo entrar pirataria Que a filha tá linda e o filho da mãe
Se eu soltar meu cachorro ele vai ter pegar Tá deitado na sala com o pé no sofá
Não respeitou
É um vira-lata ruim de aturar Não respeitou, não vai ser respeitado
(Se eu soltar meu cachorro, ele vai te pegar) O mundo dá voltas
Ele já tá de olho no teu calcanhar E você vai pagar o seu pecado
(Se eu soltar meu cachorro, ele vai te pegar) Não respeitou
Já matou um pitbull sem sair do lugar Depois eu não quero te ouvir reclamar
(Se eu soltar meu cachorro, ele vai te pegar) Que a filha tá linda e o filho da mãe
Tá deitado na sala com o pé no sofá
Você é pai? De menina?
Se as respostas foram sim, essas duas são para você.
Uma dica bem-humorada de conversa com seu genro, e outra com versos, também bem-humorados, para refletir.
Ambas muito bem escritas, muito bem rimadas, são mais exemplos de como a composição é um dom, pois ao ouvi-las com certeza nos perguntamos: como é que alguém consegue pensar nisso? Dessa forma? A resposta pode estar em outra música, “O Poder da Criação”, de João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro.
No que tange a história das músicas elas falam por si só.
O curioso é que foram feitas em época distintas, por compositores de idades diferentes, de épocas diferentes, mas com a mesma pegada, isso porque frequentaram a mesma escola, o que só comprova um dos maiores sucessos de Nelson Sargento: “o samba agoniza mas não morre”.
Mosquito, considerado como “nova geração”, compositor de “O Filho da Mãe” carrega consigo a essência das gerações anteriores. O mais curioso é que lembra muito o intérprete de Pai Coruja (Zeca Pagodinho), na voz, no jeito de cantar e até no biotipo; do Zeca no início da carreira é claro.
O POLÍTICO
Dei cimento, dei tijolo
Dei areia e vergalhão
Subi morro, fui em favela
Carreguei nenê chorão
Dei cachaça, tira-gosto
E dinheiro de montão
E mesmo assim perdi a eleição
Traidor, traidor
Se tem coisa que não presta é um tal do eleitor
Traidor, traidor
Se tem coisa que não presta é um tal do eleitor
Prometi a minha nega que ia ser a primeira-dama
Porém quando eu perdi, ela perdeu até a cama
E achei o meu retrato no banheiro da central
Vou dá um coro no meu cabo eleitoral
Traidor, traidor
Se tem coisa que não presta é um tal do eleitor
Traidor, traidor
Se tem coisa que não presta é um tal do eleitor
Hoje eu tenho meus motivos, para estar injuriado
Porque eu só tive um voto e mesmo assim foi anulado
Só tem gente canalha, como tem gente ruim
Nem a minha mãe votou em mim
Ô mamãe eu me admiro a senhora
Se meus inimigos não votarem em mim tudo bem
Mas a senhora que depende de mim, não votar é sacanagem
Eu hein...
- Os eleitores que não te conhecem, não votaram
Eu que te conheço vou votar? Ah! Tô fora...
Eu sei, eu sei, falei que não iria ter política, mas tive que me contradizer, afinal todos tem direito de resposta, até os políticos.
A coisa melhorou vai! Começamos com espelho! Progrediu para dentadura e agora tem um monte de bolsa, um monte de auxílio. Isso não é crime eleitoral, é benefício!
Procurei em meus comentários acima seguir a mesma linha do compositor. Para quem conheceu Dicró (quem não, por favor façam) sabe que suas letras são carregadas de irreverência, e em várias, subliminarmente há muita crítica. Em outras é só palhaçada mesmo, veremos nas duas próximas.
Espero que este capítulo do livro, além de diversão, traga um pouco de reflexão, as pessoas prometem tudo antes da eleição.
Há músicas tão ou mais inteligentes do que essa em se tratando de crítica social, “Vítimas da Sociedade” do Bezerra da Silva e “Candidato Caô Caô” de Pedro Butina e Walter Menin, mas com uma abordagem mais séria, sem falar de “Reunião de Bacanas” do Ary do Cavaco. Mas como eu não gosto de política e o intuito principal deste livro é a diversão, vamos de Dicró mais um pouquinho.
Nesta música Dicró critica os políticos, mas vocês sabem como ele era conhecido? Prefeito do Piscinão!
Ele dizia que se fosse candidato seu slogan seria: – “ajudem um crioulo a andar de chapa branca sem ser de camburão”.
Mas vamos ter fé, vai melhorar, sabem quando? “só quando o morcego doar sangue e o saci cruzar as pernas”, de Cosme Diniz e Rosemberg, na voz de Bezerra.
Espero que pelo menos minha mãe leia esse livro.
O GENRO O SOGRO
Meu genro não vale nada Minha sogra morreu
Isso eu posso provar Meu sofrimento veio em dobro
Come e bebe lá em casa Agora tenho que aturar
O safado não quer trabalhar O cachaceiro do meu sogro
Vai abrindo a geladeira Quando a velha abotoou, eu pulei de alegria
E sem me cumprimentar Nem podia imaginar, que eu ia entrar numa fria
Liga pra todo mundo É como diz o ditado: desgraça não tem horário
Falando do meu celular O diabo foi embora, mas deixou o secretário
Safado! Pilantra! Minha sogra morreu....
Meu genro é um tremendo 171
Safado! Pilantra! A velha morreu de raiva, desse velho mulherengo
Não toma vergonha na cara Tem filho no Ceará, na Bahia e Realengo
De jeito nenhum Só anda em discoteca, o velho é avançado
Pra esconder a idade
É metido a gostoso Ele diz para o povo que é meu cunhado
Mas só vive na pior
Minha filha merecia Minha sogra morreu....
Uma coisa bem melhor Só chega de pé queimado, e seja a hora que for
Quando eu brigo com o pilantra Vai logo acordando a nega, dizendo que não jantou
Minha filha até chora Diz que sou desafinado, ele quer ver o meu fim
Estou fazendo até macumba Diz que mora lá em casa, porque não confia em mim
Pra esse corno ir embora
Minha sogra morreu...
Safado! Pilantra!
Meu genro é um tremendo 171 Diz que é ex-combatente, mas nunca vi no quartel
Safado! Pilantra! Vive dando carteirada, e metido a coronel
Não toma vergonha na cara Ele diz que a filha dele, merecia outro futuro
De jeito nenhum Porque eu sou pinta braba, canto mal e ando duro
Todos estavam esperando as sogras né? Eu já me contradisse mesmo, então vou contrariar também.
Como eu disse acima, agora é a vez da palhaçada.
Primeiro mais um direito de resposta, depois de gravar inúmeras músicas zoando sua sogra, na música “O Genro”, Dicró resolveu dar voz para ela, a sogra, ou seja, fez uma auto zoação.
Seu sogro (título da segundo música) também aparece no repertório desse “poeta”, e não sou eu quem está dizendo, foi o Jô Soares quem disse para o Dicró “você é um poeta”. Nesta música dedicada ao sogro fica bem claro que nada é tão ruim que não possa piorar.
Diferente da Dona Edite (a sogra) que levava tudo na esportiva, o Sr. Pedro (o sogro) a princípio não gostava das brincadeiras, mas depois entendeu, afinal eram dessas músicas que saia o sustento da sua filha.
E pra quem ainda acha que o Dicró não gosta de sogra, afirmo que está muito enganado: - “A sogra da minha mulher é gente boa, adoro a sogra da minha patroa”.
Dicró = São as iniciais do seu nome com o “de” no início do “apelido” = Carlos Roberto de Oliveira = Decró = Dicró
VELHAS COMPANHEIRAS
Eu quando passo
Em frente à Estação Primeira
Me lembro da velha mangueira
Lindos sambas, tudo enfim
Me lembro
Dos meus tempos de menino
Quando o Paulo e o Rufino
Marcelino e Gradim
Trocavam toda cordialidade
Estreitando nossos laços
De amizade fraternal
Por isso que Portela e Mangueira
São as grandes pioneiras
Das escolas no carnaval
Em noitadas lindas já presenciei
Os sambistas com emoção
Como já dizia o bom Cartola
Ponto alto da escola
Sala de recepção
Tremulavam juntas nossas bandeiras
Velhas companheiras
Semeando a paz
Por isso que Portela e Mangueira
Sempre foram as primeiras
Dos idos carnavais
Esse samba do Monarco canta a amizade dos sambistas da Portela e da Mangueira e ressalta o pioneirismo das duas escolas.
O companheirismo iniciou-se devido a amizade de Paulo da Portela com Cartola. Dizem que quando a Portela encostava na praça Onze, o Cartola falava: “Deixa eu ver o que o Paulo trouxe”. Eles faziam samba juntos. A amizade dos dois significava a amizade entre Mangueira e Portela.
A letra desta cita outra, o trecho que diz “ponto alto da escola, sala de recepção” faz referência a música homônima do Cartola, “Sala de Recepção”, que por sua vez finaliza com “aqui se abraça inimigo, como se fosse irmão”.
Nem vou tentar definir tudo o que está por trás da palavra irmão, mas vou dar nome a eles: Tabajara do Samba e Tem Que Respeitar Meu Tamborim.
A bateria da Portela recebeu o nome Tabajara do Samba em referência à Orquestra Tabajara, mas também pesou o fato de a palavra, em tupi-guarani, significar “senhor da aldeia”, bem apropriado para a escola com o maior número de títulos.
Tem Que Respeitar Meu Tamborim é o nome tradicional da bateria da Mangueira, houve um hiato neste nome, em 2010, Ivo Meirelles, então presidente, havia batizado a bateria de “Surdo Um”, pois a Mangueira não tem surdo de 2ª, não tem resposta. Já o nome original tem a ver com o tratamento diferenciado que o tamborim tem na agremiação, eles repicam dando um suingue de fazer inveja.
Voltando para a música em questão, a melhor versão para ouvi-la é a ao vivo, no DVD do Samba Social Clube, onde Nelson Sargento (ex-presidente de honra da Mangueira – falecido em 2021) canta ao lado de Mauro Diniz, filho do Monarco (ex-presidente de honra da Portela – falecido em 2021).
COISA DA ANTIGA
Na tina, vovó lavou, vovó lavou
A roupa que mamãe vestiu quando foi batizada
E mamãe quando era menina teve que passar, teve que passar
Muita fumaça e calor no ferro de engomar
Hoje mamãe me falou de vovó só de vovó
Disse que no tempo dela era bem melhor
Mesmo agachada na tina e soprando no ferro de carvão
Tinha-se mais amizade e mais consideração
Disse que naquele tempo a palavra de um mero cidadão
Valia mais que hoje em dia uma nota de milhão
Disse afinal que o que é liberdade
Ninguém mais hoje liga
Isso é coisa da antiga, oi na tina
Na tina, vovó lavou .....
Hoje o olhar de mamãe marejou só marejou
Quando se lembrou do velho, o meu bisavô
Disse que ele foi escravo mas não se entregou à escravidão
Sempre vivia fugindo e arrumando confusão
Disse pra mim que essa história do meu bisavô, negro fujão
Devia servir de exemplo a "esses nego pai João"
Disse afinal que o que é de verdade
Ninguém mais hoje liga
Isso é coisa da antiga
Oi na tina
Na tina, vovó lavou .....
Essa é quase exclusiva para os saudosistas, se você não sabe o que é engomar vai ter que se informar.
Um dia Nei Lopes estava procurando parceiro para letrar uma de suas melodias, o Délcio Carvalho falou para ele: "Vem cá que vou te apresentar um sujeito que põe música até em bula de remédio", esse sujeito era Wilson Moreira, formava-se então uma das mais geniais duplas da história da música brasileira, e entre várias músicas saiu “Coisa da Antiga”.
E podem me chamar de saudosista também, mas me parece bem melhor as premissas: “tinha-se mais amizade e mais consideração” e “a palavra de um cidadão valia mais do que um milhão”.
Na mesma linha e como a mesma qualidade, desta parceria também saiu “Goiabada Cascão”, vou listar duas comparações desta música:
“Vida na casa de vila, correndo tranquila, sem perturbação
Hoje só tem conjugado que é mais apertado do que barracão”
“Rango de fogão de lenha na festa da penha comido com a mão
Hoje só tem misto quente, só tem milk-shake, só tapeação”
E aí? Qual vocês escolhem? Eu? Nenhuma das duas, minha preferida é:
“Samba de partido-alto com a faca no prato e batido na mão”
O PEQUENO BURGUÊS
Felicidade, passei no vestibular
Mas a faculdade é particular
Particular, ela é particular
Particular, ela é particular
Livros tão caros tantas taxas pra pagar
Meu dinheiro muito raro,
Alguém teve que emprestar
O meu dinheiro, alguém teve que emprestar
O meu dinheiro, alguém teve que emprestar
Morei no subúrbio, andei de trem atrasado
Do trabalho ia pra aula, sem
Jantar e bem cansado
Mas lá em casa à meia-noite tinha
Sempre a me esperar
Um punhado de problemas e criança pra criar
Para criar, só criança pra criar
Para criar, só criança pra criar
Mas felizmente eu consegui me formar
Mas da minha formatura, não cheguei participar
Faltou dinheiro pra beca e também pro meu anel
Nem o diretor careca entregou o meu papel
O meu papel, meu canudo de papel
O meu papel, meu canudo de papel
E depois de tantos anos,
Só decepções, desenganos
Dizem que sou um burguês muito privilegiado
Mas burgueses são vocês
Eu não passo de um pobre-coitado
E quem quiser ser como eu,
Vai ter é que penar um bocado
Um bom bocado, vai penar um bom bocado
O personagem desta música não é o compositor (nem vou citar o nome porque simplesmente não precisa).
O compositor serviu o exército, já o personagem da música foi o seu sargento.
Na época, um fardado que conseguisse conciliar o trabalho duro do exército com uma graduação era raro, mas o sargento Xavier conseguiu e se formou. Os companheiros orgulhosos, combinaram de ir na formatura, entretanto ninguém foi convidado.
Após o baile eles decidiram “dar um gelo” no sargento, que ficou conhecido como “o pequeno burguês”, por não convidar os amigos pobres para a formatura.
Sem entender o que tinha acontecido, Xavier se encontrou com o “compositor” e perguntou o motivo de todos o excluírem das conversas. Depois de muita insistência, o “compositor” resolveu contar que todos estavam ofendidos por não terem sido chamados para o baile de formatura.
Ao saber da história, Xavier, bastante surpreso, explicou que não tinha convidado a todos por um simples motivo: ele também não tinha ido, afinal, a faculdade era particular e ele não tinha como pagar o aluguel do terno, preço de buffet, o anel de formatura, etc. Ele ainda informou que o canudo com o diploma só foi retirado dias depois na secretaria da faculdade.
Martinho (ih! Falei!) transformou a história em música.
Essa história retrata a vida de muitos brasileiros até hoje. Os anos se passaram e a coisa parece que não mudou. Quer outro exemplo, ouçam “Saco de Feijão” de Francisco Santana.
DOCE REFÚGIO
Sim (ora, se sim!!!)... é o Cacique de Ramos,
Planta onde, em todos os ramos,
Cantam os passarinhos nas manhãs
Lá (oi, é lá) o samba é alta bandeira
(Eu falei pra você que é alta bandeira)
E até as tamarineiras são da poesia guardiãs
Seus compositores aqueles
Que deixam na gente aquela emoção
Seus ritmistas vão fundo
Tocando bem fundo em qualquer coração
É uma festa brilhante
Um lindo brilhante mais fácil de achar
É perto de tudo, é ali no subúrbio
Um doce refúgio pra quem quer cantar
É o Cacique
Sim (ora, se sim!!!)... é o Cacique de Ramos,
Planta onde, em todos os ramos,
Cantam os passarinhos nas manhãs
Lá (oi, é lá) o samba é alta bandeira
(Eu falei pra você que é alta bandeira)
E até as tamarineiras são da poesia guardiãs
É o cacique pra uns a cachaça pra outros
A religião
Se estou longe o tempo não passa
E a saudade abraça o meu coração
Quando ele vai para as ruas
A vida flutua num sonho real
É o povo sorrindo e o Cacique esculpindo
Com mãos de alegria o seu carnaval
É o Cacique
Luiz Carlos da Vila e Ubirany bebiam uma cerveja e papeavam descontraidamente debaixo da tamarineira na Quadra do Cacique de Ramos, quando uma folha de tamarindo caiu dentro do copo de cerveja do Luiz Carlos, poeta nato, inspirou-se na hora e daí surgiu "Doce Refúgio" que se transformou no Hino do Cacique de Ramos.
É uma singela homenagem ao lugar onde tudo começou...
Acho que a única música que remete tanto ao que acontece lá na Rua Uranos, além de “Doce Refúgio”, é “Caciqueando”. Ambas não podem faltar em nenhum show do Fundo de Quintal, grupo fruto da tamarineira.
A Tamarineira (em maiúsculo mesmo) é um capítulo à parte. Ela é vista pelos membros do Cacique como produtora de sorte, o sucesso originado no local se deve a ela. Dona Conceição de Souza Nascimento, mãe do Bira Presidente e mãe de santo, colocou na árvore um patuá, que traz a inspiração para aqueles que possuem grandeza de espírito, a lista dos que receberam a benção é tão grande que não dá nem para citar, então vamos para as proezas dos seus principais frutos:
Ubirany, filho da Dona Conceição, irmão do Bira Presidente, inventou o repique de mão a partir do repinique de escola de samba, tirou a pele de baixo, rebaixou o aro, instalou abafadores e aí foi possível tocar com a mão ao invés de baquetas.
Almir colocou braço de cavaquinho no banjo. Isso porque o cavaquinho não se fazia ouvir, uma vez que a roda não utilizava amplificadores.
Dizem que a preguiça fez o homem inventar a roda. Sereno inventou o tantã para não carregar peso, no caso o surdo.
Falando em invenção, eu acho que a roda (de samba) foi a melhor invenção da humanidade.
SEJA SAMBISTA TAMBÉM
Não, negligência não
Se for apanhar meu violão
Cuide dele com carinho
Toque nas cordas macio
E tente cantar samba
Sei que o início
Até pode ser difícil
Mas fazendo um sacrifício
Será bem recompensado
Pois o samba marca como um giz
É eterno porque é raiz
Pois o samba marca como um giz
É eterno porque é raiz
Não quero dizer que viver é só sambar
Mas sambar é viver
É saber se encontrar
Só o samba faz a tristeza se acabar
Só o samba é capaz desse povo alegrar
Ser sambista é ver com olhos do coração
Ser sambista é crer que existe uma solução
É a certeza de ter escolhido o que convém
É se engrandecer e sem menosprezar ninguém
Aconselho a você que seja sambista também
Aconselho a você que seja sambista também
Aconselho a você que seja sambista também
“Não estou dando, nem vendendo, como o ditado diz, o meu conselho é pra te ver, feliz”.
Começo com o trecho final da música “Conselho” de Adilson Bispo e Zé Roberto, exatamente porque “Seja Sambista Também” é um dos mais sábios conselhos dados pelo Fundo de Quintal. Na letra está o embasamento da tese:
“Ser sambista é ver com olhos do coração
Ser sambista é crer que existe uma solução
É a certeza de ter escolhido o que convém
É se engrandecer e sem menosprezar ninguém”
Por isso:
“Aconselho a você que seja sambista também”
A música começa pedindo cuidado com o violão, instrumento magistralmente tocado no grupo, na época, por Cléber Augusto.
O título dela também deu nome a um dos álbuns do Fundo de Quintal.
Esta letra foi a primeira parceria do Arlindo com Montgomery Ferreira Nunes (quem?), ganhador de 10 prêmios Sharp da música.
Sacanagem. Montgomery é o grande, famoso e querido = SOMBRINHA!
BOCA SEM DENTE
Aquela boca sem dente que eu beijava
Já está de dentadura
Aquela roupa velha que você usava
Hoje é pano de chão
Mandei reformar o barraco
Comprei geladeira e televisão
E você me paga com ingratidão
Mas o que mais me revolta
É que não reconhece o que eu fiz por você
Obra da fatalidade eu ser desprezado
Sem saber por que
Você zombou de mim
Só fez me aborrecer
Sinceramente eu hei de te ver sofrer
A 1ª desta música, nasceu numa tendinha no morro. Pedrinho da Flor, Almir Guineto e Gelcy do Cavaco estavam fazendo samba nessa tendinha e havia uma mulher perturbando-os, atrapalhando o samba, enchendo o saco mesmo! Almir percebeu que ela não tinha um dente sequer na boca, aí Pedrinho já começou a cantar “aquela boca sem dente que eu beijava ......”. Gravaram essa 1ª numa fita K7, e continuaram a beber e cantar.
Terminaram a música (a 2ª) dentro de um fusca de um policial, indo para uma festa na casa da Alcione. E essa história eu vou ter que contar....
Almir passou na casa do Pedrinho com o seu Passat para pegá-lo para ir exatamente para a festa na casa da Alcione, mas decidiu antes ir na casa do Gelcy pegar a fita K7 com a 1ª da “Boca Sem Dente”. Estava chovendo. No morro é só ladeira. O Pedrinho avisou: - “Almir vai devagar e não pisa no freio, senão o carro derrapa e você vai parar no poste no final da rua”.
Foram até a casa do Gelcy, pegaram a fita, e na volta, indo para a Alcione, Almir esqueceu do conselho e piso no freio, resultado, abraçou o poste com o seu Passat. E aqui temos uma grande ironia, visto que “Conselho” é a música que Almir mais cantou na vida.
Tiveram que pegar carona no fusca de um policial conhecido, onde foram ouvindo a fita e fazendo a 2ª.
Pedrinho da Flor não assinou esse samba, mas o próprio Almir em vida reconheceu oficialmente a autoria do mesmo.
CABELO NO PÃO CARECA
Bolo na padaria, Maria pulava igual perereca
Pão doces e broas viraram peteca
Pegaram o padeiro e quebraram a munheca porque
Porque encontraram cabelo no pão careca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Sonho virou pesadelo, brigadeiro perdeu a patente
Confeitaram o confeiteiro
Com a massa de pão para cachorro-quente
Deixaram o gerente, um tal de clemente, sem uns cinco dentes
E só de cueca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Porque encontraram cabelo no pão careca
E o pastel que passava quis se inteirar no assunto
Escorregou na manteiga e tropeçou no presunto
Saiu com a cara cheia de torrada, iogurte, coalhada
E ganhou um sapeca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Porque encontraram cabelo no pão careca
O camburão foi chamado para acabar com o racha
O soldado soltou do partamo distribuindo bolacha
Jogaram farinha de trigo no teco que foi pro boteco
Pra comer panqueca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Porque encontraram cabelo no pão careca
Barbeirinho, o compositor da música, foi buscar pão e na padaria viu uma “dona” reclamando, mostrando uma mexa de cabelo em um dos pães.
Só isso? Sim, só isso já foi suficiente para toda a invenção acima. Ele tinha esse dom, pegar coisas banais e transformar em letras irreverentes, outros exemplos são “Parabólica”, “Conflito”, “Dona Esponja” e “Caviar”, esta última contada neste livro.
Mas não acabou não. Aqui também temos uma história dentro da história......
Carlos Roberto Ferreira César, o Barbeirinho do Jacarezinho, era filho de barbeiro, daí o apelido. Mas também não é só isso. Quando era criança, primeiro pegou a tesoura do pai para cortar o cabelo do irmão, cortou um pedaço da orelha, mas não desistiu, na segunda tentativa pegou uma das navalhas para fazer a barba dos amigos na rua, como os amigos não tinham barba, ele então cortou a sobrancelha de um deles, a mãe do “depilado” arrumou uma baita confusão, ele levou uma surra da mãe e abandonou precocemente a profissão (de barbeiro), mas o apelido de Barbeirinho ficou.
Pão careca, na gíria, é uma forma pejorativa para dizer que o cabelo de alguém é duro.
TALARICO. LADRÃO DE MULHER
Eu não falo mais com Talarico
Talarico roubou minha mulher
Eu não falo mais com Talarico
Talarico roubou minha mulher
Talarico era um cara confiado
Chegou todo aprumado, eu não fiz fé
Terno de linho branco engomado
E com pinta de quem nada quer
Quando cantou um samba sincopado
Minha nega danou dizer no pé
Eu não falo mais com Talarico...
Malandro 171 que não trabalha
Mas no bolso sempre tem um qualquer
Só aperta cigarro de palha
E se vem com pó é só rapé
Mas se chega uma fêmea se atrapalha
Preta, loira morena o que vier
Pois não pode ver rabo de saia
Ricardão perto dele é Zé Mané
Eu não falo mais com Talarico...
Talarico chegou na minha casa
E nem tinha um trocado pro café
Me contou que tinha um caso novo
E me pediu que lhe desse uma colher
Emprestei a chave do biongo
Aí que foi embora meu axé
Além de pelar todo o meu barraco
O safado levou minha mulher
Eu não falo mais com Talarico...
Quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? A mesma dúvida paira sobre o Talarico. Muitos acreditam que o termo só começou a ser utilizado como sinônimo de ladrão de mulher após a música em questão. Hoje até no dicionário Talarico é sinônimo de “fura olho”.
Foi escrita em terceira pessoa para não sujar a barra do compositor.
Quem ouve essa música logo pensa: “ííí alguém roubou a mulher do Zeca”. Mas o que aconteceu de fato foi exatamente o contrário, o talarico dessa história foi o próprio Pagodinho, que roubou a namorada de um rapaz. A peripécia chegou ao ouvido de Serginho Procópio que de imediato mandou o ocorrido para o papel.
A gíria aparece também em “Vida Loka – parte 1”, Mano Brow é categórico ao afirmar que não é Talarico: “ando certo pelo certo, como 10 e 10 é 20”.
Salve Brow, salve Ice Blue, salve Edi Rock, salve KL Jay.
LAMA NAS RUAS
Deixa,
Desaguar tempestade,
Inundar a cidade,
Porque arde um sol dentro de nós.
Queixas,
Sabes bem que não temos
E seremos serenos.
Sentiremos prazer no tom da nossa voz.
Veja o olhar de quem ama.
Não reflete um drama, não.
É a expressão mais sincera, sim.
Vim pra provar que o amor, quando é puro,
Desperta e alerta o mortal.
Aí é que o bem vence o mal.
Deixa a chuva cair, que o bom tempo há de vir.
Quando o amor decidir mudar o visual
Trazendo a paz no sol.
Que importa se o tempo lá fora vai mal?
Que importa
Se há tanta lama nas ruas
E o céu é deserto e sem brilho de luar?
Se o clarão da luz
Do teu olhar vem me guiar,
Conduz meus passos
Por onde quer que eu vá.
Esse samba foi gravado e fez sucesso na voz de Almir Guineto, anos depois Zeca também gravou.
Ambos estavam em São Paulo e Zeca tinha um encontro com uma menina que morava na Serra da Cantareira. No dia do encontro choveu muito e a menina cancelou o encontro devido ao lamaçal que ficou o bairro onde ela morava.
Zeca voltou para o hotel triste e contou o ocorrido para o Almir, aí vocês sabem como é cabeça de sambista, tudo é motivo “pra” virar samba.
A letra é a cantada que Zeca usou para tentar manter o encontro.
O encontro não aconteceu mas a música sim, foi um grande sucesso desses poetas da vida real.
Nesta transição do Rio para Sampa, temos duas curiosidades sobre Almir:
Morou em Tupã, cidade do interior de São Paulo entre 2002 e 2011.
E novamente aparece a figura de Mano Brown, que faz uma participação mais do que especial, incluindo várias mãos, na música “Mãos” do Almir, que se já era inteligentíssima, agora não tem nem superlativo para classificá-la.
COISA DE CRIANÇA
Por que maltratar sua linda flor?
E apagar enfim o meu sorriso de criança?
É demais saber que te satisfaz
Corrigir um erro castigando sem clemência
O meu coração não guarda rancor
Só lhe tem amor se quer saber
Não sou de abusar, procure entender
O meu mundo é colorido, complicado pra você
Vem fantasiar esse sonho meu
Alegrando o meu viver
Só quero...
Quero que você me dê a mão
Já me valeu essa lição
Eu sei que sou seu bem querer
Seu bem querer
E sou tão inocente pode ver
Mas consciente pra saber
Que mesmo assim amo você
Essa música foi gravada pelo grupo Sampa, fez sucesso na voz de Douglas Sampa, mas é uma composição de Marquinhos PQD em parceria com Jairo Barbosa.
Muitos ou quase todos acham que essa música fala de amor, mas não. Vamos a história: Marquinhos PQD deu um tapa em sua filha de aproximadamente 3 anos na época, o tapa com certeza doeu mais nele do que nela.
Depois de “assentada a poeira” ele tentou imaginar o que se passava na cabeça da menina.
A letra da música é a filha falando tudo para o pai.
AGUARDENTE
Só porque eu cheguei tarde
A nega zangou comigo
Me chamou de atrevido
Armou uma tempestade
Num corpo de aguardente
Disse que eu me afoguei
Só porque eu sorridente
No meio da noite cheguei
E de castigo
Queria que eu fosse
Sozinho dormir no sofá
E te mandou cavalgar
No cavalinho do bar
Me expulsou do barraco no morro
Te ofertou a casa do cachorro
E me deixou no sereno
Da noite ao sabor do luar
Refrão
E de castigo
Bebida em casa agora é só guaraná
Nunca te deixa sair
Se saio não posso entrar
Não adianta que o pau vai quebrar
Não adianta se arrepender
Eu vou voltar pro pagode
E o couro vai comer
Refrão
Essa música entrou pela irreverência da letra é claro, mas principalmente pela recorrência com que os fatos acontecem com quase todos os sambistas.
Qual é o sambista que nunca chegou tarde em casa e encontrou a patroa de cara feia? E apesar de todos os castigos não largou a boemia, “eu vou voltar pro pagode e o couro vai comer”. Será que quando minha mulher ler isso eu “vou pro sofá”?
A recorrência dos fatos é comprovada pela também recorrência do tema em músicas, outro exemplo é a SENSACIONAL “Alma Boêmia” do Toninho Geraes e Paulinho Rezende. Outro é a “Dona Encrenca”, história real que Marquinhos Diniz enfrentou com a esposa, pelo menos a parte da água quente e do cachorro.
“Aguardente” é cantada por um paulista, Biro do Cavaco, ex-integrante do grupo Originais do Samba, e foi composta por dois paulistas (Carica e Luisinho SP) e um carioca (Prateado).
O TEMPO EM QUE EU ERA CRIANÇA
Me lembro do tempo em que eu era criança
Descalço na grama, no asfalto e na areia
Brincando de tudo fazendo lambança
Quebrando vidraça pela vizinhança
Jogando pelada com bola de meia
Armando alçapão pra caçar passarinho
Fazendo barquinho de rolha e cortiça
Subindo nas arvores pelo caminho
Brincando demais de bandido e mocinho
Andando no muro, pulando carniça
Eu ia também pro quintal da vizinha
Tinha uma menina que eu era seu fã
Brincava de médico atrás da cozinha
E quando ela via um adulto que vinha
Dizia pra mim:
-Pera, uva ou maçã (ou maçã?)
Se eu ia pro banho levava revista
De mulheres nuas, vedetes, artistas
Por mim só saia amanhã de manhã
Pião que eu rodava era feito de tasco de toco
Botão do meu time era casca de coco
Bolinha de gude era bilha, era massa
Cerol pra pipa era vidro moído no trilho do bonde
Brincava de pique, bandeira e de esconde
Rodava meu arco entre os bancos da praça
Já fiz patinete, carrinho de roda de bilha
E cabelo cortado era selo, carimbo, estampilha
Eu fui feliz
A lembrança no fundo me deixa sentido
Ah! Se eu soubesse o que eu sei do mundo
Não tinha crescido.
Os dessaudosos que me desculpem mas não tem como ouvir músicas como essa e não ter saudade, eu tenho e muita, “Que saudade do meu tempo de criança”! Está entre aspas pois além de ser minha afirmação, é também o primeiro verso da música “Sr. Tempo Bom” do Thaíde e DJ Hum. Esta música tem a mesma temática e ainda cita os Originais do Samba e a “Saudosa Maloca” de Adoniram. Também cita os bailes da Chic Show, não sou palmeirense, mas adorava ir no Palmeiras por causa desses bailes, o Clube da Cidade, também na Barra Funda, mas isso é outra história, e nem é de criança.
Voltando para a “O Tempo Que Eu Era Criança”, a mesma foi composta por cariocas, mas o relato se aplica para qualquer lugar do país. Brincar descalço, subir em árvore, qual criança do século 20 não fez isso?
Há variações em termos utilizados, cerol ou cortante, carrinho de roda de bilha ou carrinho de rolimã, mas no fundo as brincadeiras são as mesmas.
“Se eu soubesse o que eu sei do mundo, não tinha crescido”.
Só não entendi esse negócio de levar revista pro banho. rssss
A música fez sucesso em São Paulo também, gravada pelo Quinteto em Branco e Preto. Antes o grupo tinha outro nome, Beth havia batizado de Quinteto Café com Leite, mas foi descoberto que já havia um grupo com esse nome (e um grupo de música de péssima qualidade por sinal), com isso a cantora sugeriu Quinteto em Branco e Preto.
DO LADO DIREITO DA RUA DIREITA
Do lado Direito da rua Direita
Olhando as vitrines coloridas eu a vi
mas quando quis me aproximar de ti não tive tempo
num movimento imenso na rua eu lhe perdi
Cada menina que passava
para o seu rosto eu olhava
e me enganava pensando que fosse você
e na rua direita eu voltarei pra lhe ver
Do lado Direito da rua Direita
Olhando as vitrines coloridas eu a vi
mas quando quis me aproximar de ti não tive tempo
num movimento imenso na rua eu lhe perdi
Cada menina que passava
para o seu rosto eu olhava
e me enganava pensando que fosse você
e na rua direita eu voltarei pra lhe ver
laialaialaialaialaialaiala
laialaialaialaialaialaiala
Não importa se é reta ou sinuosa, ou seja, se é direita ou torta, toda rua que ficava à direita da principal igreja da cidade era nominada como Rua Direita, isso é um costume português que veio para o Brasil com os colonizadores, a da música é reta, fica muito próxima ao pátio do colégio e claro, à direita da Catedral da Sé.
E por que não tem Rua Esquerda? Porque Jesus está sentado à direita de Deus.
Esta é mais um exemplo de música feita por cariocas, sobre São Paulo, que fez enorme sucesso no Brasil inteiro, assim como Os Originais do Samba.
Antes de gravar houve certa resistência, principalmente do Mussum, mas não teve jeito, mesmo com uma letra longe de ser poética, o forte apelo popular levou a música para os primeiros lugares em todas as rádios.
Se fosse gravada hoje o título provavelmente seria “No dia 24 na 25” (de março).
Dica para os que estão ouvindo as músicas: ouçam a cantada no programa Manos e Minas, tem muito mais swing e a cuíca está maravilhosa.
Gostou? Se gosta desta mistura de samba com rap outra dica é procurar pelas parcerias dos Originais com Happin’ Hood, que iniciou essa mistura com a música “Sou Negrão”, com participação da Leci Brandão.
CLAREOU
A vida é pra quem sabe viver
Procure aprender a arte
Pra quando apanhar não se abater
Ganhar e perder faz parte
Levante a cabeça, amigo a vida não é tão ruim
Um dia a gente perde, mas nem sempre o jogo é assim
Pra tudo tem um jeito, e se não teve jeito
Ainda não chegou ao fim
Mantenha a fé na crença se a ciência não curar
Pois se não tem remédio então remediado está
Já é um vencedor quem sabe a dor de uma derrota enfrentar
E a quem Deus prometeu nunca faltou
Na hora certa o bom Deus dará
Deus é maior, maior é Deus
E quem tá com ele nunca está só
O que seria do mundo sem Ele
Deus é maior, maior é Deus
E quem tá com ele nunca está só
O que seria do mundo sem Ele
Chega de chorar
Você já sofreu demais agora chega
Chega de achar que tudo se acabou
Pode a dor uma noite durar
Sei que um novo dia sempre vai raiar
E quando menos esperar clareou
Clareou
Clareou
Clareou
Clareou
Peço espaço para um parêntese. Um parêntese obrigatório para quem gosta de samba.
Várias vezes o Pepe disse que ele é o maior artilheiro do Santos de todos os tempos, isso porque: - “Pelé não conta!”. Seguindo essa mesma regra, vou excluir Arlindo Cruz, mas preciso falar do Meriti.
Sergio Roberto Serafim, criado em São João de Meriti, daí Serginho Meriti, na minha opinião, o Pepe do samba.
A música escolhida foi “Clareou”, gravada, só por, Diogo Nogueira, Xande de Pilares, Paula Lima e acreditem, Padre Fábio de Melo. Mas poderiam ser tantas outras, “Trajetória”, gravada por Maria Rita e Elsa Soares, “Vida que Segue”, “Negra Ângela”, “Cuca Quente”, só poesia! Inspiração inexplicável!
Serginho já gravou com todos os sambistas que podemos imaginar. Não há um disco ou CD do Zeca que não tenha música do Meriti. O hino extraoficial do Brasil (Deixa a Vida me Levar) é dele, além de tantas outras: “Quando eu Contar” (Iaiá), “É tanta”, “Meu Bom Juiz”, “Quem me Guia”, só aqui temos gravações com Só Preto sem Preconceito, Bezerra e Almir Guineto.
Meriti é a verão masculina da Leci Brandão, é o carioca mais paulista que existe. Clareou, é uma parceria com Rodrigo Leite, paulista.
ME PERDOA POETA
Quas quasquasquas quas
Quas quasquasquas
Quas quasquas quasquas
Poeta falou
Que São Paulo enterrou o samba
Que não tinha gente bamba
E não entendi por quê?
Fui a Barra Funda
Fui lá no Bixiga
Fui lá na Nenê
Me perdoa poeta, mas discordo de você
(Mas é que eu fui lá)
Fui a Barra Funda
Fui lá no Bixiga
Fui lá na Nenê
Me perdoa poeta, mas discordo de você
Vou lembrar madrinha Eunice, tia Olímpias é soldados
Caiapós primeiro grupo, do samba mais respeitado
Barra Funda os boêmios, no Bexiga os teimosos
Paulistano lá da glória desprezados caprichosos
Refrão
Lavapés primeira escola, cavaquinho e pandeiro
Nenê da Vila Matilde, de primeiro de janeiro
Seu Inocêncio Tobias, Pé Rachado e Carlão
Xangô da Vila Maria, Dona Sinhá a tradição
Refrão
Zeca da Casa Verde, Geraldo Filme talismã
Os Demônios da garoa, o saudoso Adoniram
Botecão ao bar da Beth, o guru está demais
JB tem só pagode ou então Originais
Em 1960, durante uma apresentação de Johnny Alf na boate Cave, na rua da Consolação, o público não parava de falar alto e atrapalhar a apresentação do pianista; Vinícius de Moares, presente no local e irritado com a situação, disse bem alto a famosa frase “São Paulo é o túmulo do samba”. Na boate também estava presente um jornalista que publicou a frase em sua revista, de forma descontextualizada, levando então à polêmica.
Em forma exatamente de samba, Leci Brandão compôs e gravou a música em questão numa forma de resposta ao poeta, citando três das mais tradicionais escolas de samba de São Paulo, são elas: Camisa Verde e Branco (quanto diz que foi à Barra Funda); Vai-Vai (no Bixiga) e Nenê da Vila Matilde. Além de diversos outros nomes da boêmia paulistana.
Na música “Não É Só Garoa”, do Quinteto em Branco e Preto, citada na introdução deste livro, há uma frase que sintetiza bem a realidade: “Mas nem todos sabem de fato o que é um bom samba
Isso acontece em qualquer lugar“. Com toda humildade o Quinteto reconhece que em São Paulo tem samba ruim, mesmo não sendo o caso deles, mas também “tem bamba, tem samba e muita gente boa, não é só garoa, Camisa, Bexiga ou na vela o samba ecoa, não é só garoa”.
Alberto Alves da Silva (“Seu Nenê”) - saudades
ACENDEU A VELA
Acendeu a vela
O samba já vai começar
Ela é quem chama
Que é viva a chama
Pro povo cantar
A fé que não cansa
Mantém a esperança do nosso viver
O samba da vela está esperando você (bis)
Venha pra cá pra cantar
Venha pra cá pra se ver
Numa só voz embalar
Pra nunca mais esquecer
Venha fazer a história
Venha com a gente aprender
O samba da vela está esperando você
Acendeu a vela... (2x)
A luz do samba reluz
Conduz à inspiração
Seduz a todos induz
A união de irmãos
Queremos um canto forte
Pra ver o samba vencer
O samba da vela está esperando você
Entre tantos sambas cantados na Vela como por exemplo “Pra Vela Não Se Apagar” ou “O Povo da Vela”, esse é o que mais sintetiza o que é e o que representa essa roda de samba.
A ideia da vela foi para marcar o tempo, a roda acontece de segunda feira e não tinha hora para acabar, prejudicando quem tinha que acordar cedo no dia seguinte para trabalhar, e a vela é quem passou a determinar a hora do samba acabar, a vela apaga o samba acaba, e? o que acontece? A Comunidade Chora (guardem isso).
Trata-se de um verdadeiro culto ao samba, lá as pessoas geralmente ficam sentadas e raras vezes vê-se alguém dançando. Quem frequenta não precisa se preocupar em saber as músicas de cor, assim como em uma missa, todos recebem um caderno com as letras que serão cantadas durante a noite, fora os improvisos é claro, coisa que o Chapinha adora fazer. Aliás é ele quem comanda os trabalhos, fundador, é o maior incentivador da galera, sempre pedindo que todos acompanhem, pelo menos “na palma da mão”.
No local não são vendidas bebidas, mas ao final tigelas com sopas e caldos são oferecidas aos frequentadores.
A Vela, como é carinhosamente chamada a roda, é um espaço aberto aos compositores que não tem espaço da mídia, não à toa ela acontece dentro de uma Casa de Cultura, a de Santo Amaro.
Assim como no Cacique de Ramos, sempre foi frequentada pelo que há de melhor no samba, famosos e anônimos, sem distinção, reverenciando os antigos, dando espaço aos novos. De lá saíram para o sucesso dois gênios do samba de São Paulo, Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira, integrantes do extinto Quinteto em Branco e Preto e hoje como Os Prettos.
José Alfredo Gonçalves de Miranda (“Paqüera”) – fundador – “o Presidente” - saudades
COISA COMUM
Não quero tirar um barato
Tão pouco fazer zum-zum-zum
Só quero fazer meu relato
Mas sem preconceito nenhum
E apesar de ser fato
Problema de cada um
O gato na casa do pobre é uma coisa comum
O gato na casa do pobre é uma coisa comum
A água da minha torneira
A luz da geladeira – é gato
O filé da minha churrasqueira
Não é de primeira – é gato
Meu papagaio manhoso
Fala fanho que nem pato
No DNA descobri que o pai dele tem bico chato
É gato, o meu papagaio, é gato.
Até o meu pitbull
Tem dois metros de altura
E tem medo de rato
É gato, o meu pitbull, é gato
Meu vizinho japonês
Se casou com uma loira
E tem um filho mulato
O camisa dez do meu time não tem vinte anos
E já tem vinte e quatro (é gato, é gato)
Tô vendendo uma tartaruga
De tamanho de um carrapato (é gato, é gato)
Já vi muito partideiro
No terreiro imitando o Gugu Liberato
Uma coisa muito comum na segunda metade do século passado era a chegada de famílias nordestinas em São Paulo. José Marilton da Cruz, o Chapinha, foi mais um Cearense que veio para São Paulo tentar a vida. Nasceu em Uruburetama, e segundo ele mesmo diz, só o nome da sua cidade natal já dá samba. Outra coisa comum e que acontece muito com ele é exatamente a discriminação por ser nordestino, enfrentou muitos obstáculos para ser reconhecido no mundo do samba como um talentoso compositor que de fato é.
Conquistou seu espaço, foi integrante da ala de compositores da Vai-Vai por 20 anos e depois passou a se dedicar ao Samba da Vela, do qual foi fundador. Compôs diversas músicas, sozinho e com parceiros, mas é claro que na minha seleção entrou, algumas, só das mais irreverentes.
Conversei com ele algumas vezes em Viradas Culturais ou apresentações em unidades do Sesc e posso afirmar com conhecimento de causa, é uma das pessoas mais simples e simpáticas que conheço, bater papo com ele é extremamente agradável e prazeroso.
Essa primeira música escolhida, o título e o conteúdo, comprovam minha afirmação.
Eu, ele e tenho certeza de que muitos de vocês, já viveram um desses “gatos”. Quem nunca comeu “um gatinho” no churrasquinho da esquina?
Essa música é a mais pura realidade do brasileiro, transformada em letra de samba.
Como Chapinha teve a ideia de fazer essa música? Da maneira mais comum possível. Ouvindo uma notícia na televisão, após um incêndio em uma favela causado devido aos “gatos” que são feitos para roubar energia, o Luciano Faccioli comentou: - “isso é coisa comum”.
TUDO LOTADO
Peguei o busão, tava lotado
Peguei o metrô, tava lotado
Fiz baldeação, tava lotado
E na lotação, tudo lotado
Trabalhei o mês inteiro
Recebi meu ordenado
Entre uma compra e outra
Ficou tudo no mercado
Água, luz e telefone
Em casa tudo cortado
Por falta de pagamento
Isso aí não tem fiado
Já não consigo dormir
Com um calor arretado
Comprei um ventilador
Porém só vive quebrado
Mas que vontade de ser pobre um dia
Porque ser todo dia
Está complicado (bis)
Peguei o busão .....
O piso da minha goma
Esburacado
O colchão da minha cama
Despedaçado
O meu gás se acabou
Era emprestado
Comer carne lá em casa
Só de pensar é pecado
Mas que vontade de ser pobre um dia ......
GUIA TURÍSTICO
A minha prima tirou férias em São Paulo
Muito bonita um tremendo avião
Eu a levei para conhecer a cidade
E fiz questão de lhe mostrar o minhocão
E no Viaduto do Chá, á, á ,á, á
Depois na praça da Sé, é, é, é, é
E no parque do Anhembi, i, í, í, í
E na Freguesia do Ó, ó, ó, ó, ó
No Vale do Anhangabaú
A minha prima pelada
E eu completamente nú
E foi aí.
E foi aí, que o pai dela quis cortar o meu pipi
Com nove meses assou a minha batata
Nasceu um cabeça chata
E eu tive que assumir
E na cidade de Mauá, á, á, á, á
ABDC e Santo André, é, é, é, é
E em Mogi e Jundiaí, í, í, í, í
Passei com ela no Cipó, ó, ó, ó, ó
Lá na cidade de Embú
A minha prima pelada
E eu completamente nú
E foi aí.
E foi aí, que o pai dela quis cortar o meu pipi
Com nove meses assou a minha batata
Nasceu um cabeça chata
E eu tive que assumir
DOROTÉIA
Dorotéia já foi, bastante atraente
Hoje tá zuada, de cara quebrada, sofreu um acidente
Falta-lhe alguns dentes
Êita mulher valente
Fez um abaixo assinado
Pra combater a lei seca
Que não lhe deixa arrumar namorado
O dó
Que dó
Com essa lei bico seco
Quem mais perdeu foi Doró (bis)
Pra sair do prejuízo
Mostrar que tem sangue na veia.
Ela fundou a UMF
União da Mulher Feia
Ela quer ir ao forró
E não ser chamada de esquisita
Se for liberado o goró
Novamente Doró voltará a ser bonita
Que dó
Que dó
Com essa lei bico seco
Quem mais perdeu foi Doró
Três músicas do Chapinha na sequência (e poderia ser mais), todas elas falando, com muito bom humor, sobre situações rotineiras da cidade de São Paulo.
A primeira, é uma salada do nosso dia a dia. Quem depende do transporte público da cidade com certeza se identificou de cara com a música. A descrição do que acontece com o salário, e a situação em casa, é de chorar, mas ainda assim conseguimos achar graça, assim é a vida do trabalhador, assim é o paulista, o brasileiro, assim é o Chapinha.
A segunda é um passeio muito divertido, sem segundas intenções, por lugares da grande São Paulo. Para quem não é da cidade, quero deixar claro que “minhocão” é o nome popular do Elevado Presidente João Goulart, anteriormente Elevado Presidente Costa e Silva, tem 3,4 Km de extensão, por isso é chamado de minhocão. A gravidez que aconteceu no final do passeio é só coincidência.
A terceira é sobre a Lei Seca, mais precisamente de uma moça “prejudicada” por essa lei. Leitor? Leitora? Você já precisou dar uma calibrada maior para encarar? Pois bem!
Pela primeira vez neste livro, a história virá antes da música, é proposital, pois é preciso primeiro entender o contexto para então entender a música. A mesma será contada na íntegra:
“numa determinada cidade os namoros estavam muito esculhambados, ou esculhambudos, depende da região, aí o padre ficou indignado com aquele negócio, porque o cara tava fudendo na porta da igreja, aí o padre viu aquilo alí e foi falar com o delegado:
- seu dotô, tem que dar um jeito! porque tá feio esse negócio.
Aí o delegado falou para o padre:
- o senhor vai falar com os deputados e tal, eu é difícil, porque se não tiver uma lei como é que eu vou?
Aí o padre fez a correria”
A história narrada é mais uma do Chapinha. Vamos então para a música.
AQUILO NAQUILO
Oh! seu doutor...vamos ter que dar um jeito
Que os namoros na cidade está uma falta de respeito
Eu, outro dia....vi o Zé com a Tereza
Na maior pouca vergonha, bem na porta da igreja
Eu, outro dia....vi o Zé com a Tereza
Na maior pouca vergonha, bem na porta da igreja
Oi, Seu vigário eu sou um bom delegado
E prometo pro senhor que irei trabalhar no caso
Vou mandar o seu juiz, ir falar com os deputados
Pra aplicarem uma multa nos casais de namorado
Vai ser assim
E mão na mão, não precisa pagar nada
Mas mão naquilo, a multa fica pesada
Aquilo na mão a coisa fica mais feia
Se aquilo tiver naquilo, vai direto pra cadeia
Se aquilo tiver naquilo, vai direto pra cadeia
E aquilo por trás daquilo dá prisão perpétua
Porque a sacanagem já passou dos limites
MADRINHA
É ela,
Que a todos revela
Logo que sente um valor
Por nosso samba, nossa chama conduz
Não vê barreira a transpor
Madrinha de bambas coragem, respeito, amor
As suas vitórias
São sempre vitórias de um povo
A benção lhe pede
O seu afilhado mais novo
O verde, amarelo ganham brilho
Enchem de orgulho
O coração de seus filhos
Você é união, é comunhão, é aquarela
Beth carvalho, ô ô ô
Madrinha do samba da vela
Você é união, é comunhão, é aquarela
Beth carvalho, ô ô ô
Madrinha do samba da vela
Eu sou obrigado a classificar essa música como um pleonasmo. Acho que concordamos que o nome dela nem precisaria ser citado na letra.
Leci, Meriti, Reinaldo, são cariocas que sempre exaltaram o samba de São Paulo, agora foi a vez dos paulistas exaltarem uma das melhores coisas que aconteceram no samba carioca.
Esta música nada mais é do que o reconhecimento a uma deusa do samba, madrinha do Fundo de Quintal, madrinha do Zeca, madrinha do Arlindo, madrinha do Luiz Carlos da Vila, madrinha do Beto Sem Braço, madrinha do Magnu, do Maurílio, de todo Quinteto, de toda comunidade da Vela, esse últimos, são todos os “seus afilhados mais novos”.
A repetição da palavra madrinha é proposital, a letra é clara, “é ela que todos revela”.
Revela e revitaliza, além de alavancar o sucesso dos citados e muitos outros, foi ela quem trouxe para os holofotes do sucesso Cartola e Nelson Cavaquinho, regravando algumas canções de ambos e tornando-as um sucesso muito maior do que já eram.
Falando especificamente dos integrantes do Quinteto em Branco e Preto, depois que eles foram “descobertos” pela Beth, passaram a fazer parte da banda da cantora, acompanhando-a em diversos shows, inclusive no exterior.
Também faziam parte do Quinteto, e também são afilhados: Everson Pessoa, Victor Hugo e Yvison Pessoa, integrantes do Berço de Samba de São Mateus.
SAMBA ZUMBI
Foi Zumbi. Foi Zumbi
Defensor de uma raça que sofreu mas tá aí
Zumbi foi capturado
Oprimido e acorrentado
Não perdeu sua raiz
Novamente honrou o seu passado
Ganga Zumba se entregou
Mas Zumbi foi protetor
Calaram a sua voz
Mas ficou o seu legado
Foi Zumbi. Foi Zumbi
Defensor de uma raça que sofreu mas tá aí
E assim, no quilombo que criou
Não temeu seu opressor
Foi coroado
Lutou, até a morte lutou
Não se entregou
Apesar da humilhação
Graças a ele hoje é miscigenação
Graças a ele hoje é miscigenação
Foi Zumbi. Foi Zumbi
Defensor de uma raça que sofreu mas tá aí
Se eu dissesse que esse samba foi escrito por Ismael Silva, Paulinho da Viola ou Walter Alfaiate vocês provavelmente acreditariam. É aquele tipo de música para ouvir com os olhos fechados, o tipo de música que mexe profundamente com os sentimentos e que depois de ouvir você fica horas repetindo o refrão.
Eu sou amante do sambão, da batucada, mas neste caso, só um cavaco já é suficiente para emocionar.
Em poucos versos, de forma simples e ao mesmo tempo magnífica, Felipe Doro e Tiago Império conseguiram resumir a história de um dos principais heróis brasileiros.
A título de informação, Ganga Zumba foi o primeiro líder do quilombo dos Palmares, era o tio de Zumbi. Ele aceitou um tratado de paz oferecido pelo governador Pedro de Almeida, Zumbi desafiou o tratado e se revoltou com o tio. Há um filme de Cacá Diegues sobre sua história com a participação do Cartola.
Quer mais? Então ouça também:
“Tributo a Martin Luther King” de Wilson Simonal e Ronaldo Boscoli
“A Cor de Deus” do Branca Di Neve
“Mãe Preta” de Caco Velho e Piratini
IRACEMA
Iracema, eu nunca mais eu te vi
Iracema meu grande amor foi embora
Chorei, eu chorei de dor porque
Iracema, meu grande amor foi você
Iracema, eu sempre dizia
Cuidado ao travessar essas ruas
Eu falava, mas você não me escuitava, não
Iracema você travessou contramão
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nosso Sinhô
De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos
Iracema, eu perdi o seu retrato
Iracema, fartavam vinte dias pra o nosso casamento
Que nóis ia se casar
Você atravessou a rua São João
Veio um carro, te pega e te pincha no chão
O chofer não teve culpa, Iracema
Você atravessou contramão
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nosso Sinhô
De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos
Iracema, eu perdi o seu retrato
Ninguém retratou São Paulo tão bem como ele. Adoniran tinha um palavreado inigualável para registrar o cotidiano do povão, um morador de maloca, um passageiro de trem, frequentadores de samba no Brás, ele tinha uma capacidade incrível de tornar divertidas histórias banais, como por exemplo uma simples mariposa.
Com tanta história engraçada, escolhi uma triste, talvez a música mais trágica de todas. Os versos finais são de tristeza profunda, não são nem cantados, são falados, no melhor estilo dos melhores sambas de breque.
Versão 1: No bar que Adoniram frequentava havia uma Iracema que não dava bola para ele. Irritado ele disse aos amigos que iria matar Iracema, deixando todos preocupados é claro. No dia seguinte ele chegou com a música.
Versão 2: escrita a partir de uma notícia de jornal, notícia sobre o atropelamento de uma mulher na Av. São João, que Adoniram nem conhecia, muito menos sabia o nome.
Agora pensemos, a que ponto chega a loucura ou genialidade de um compositor para acreditar no potencial comercial de uma música com enredo fúnebre? Nair Belo, atriz e comediante, era amiga de Adoniran e foi uma das primeiras a ouvir a música, a sentença foi: "Você está louco?! O que é isso, fazer um samba sobre mulher atropelada? Ninguém vai gostar disso". O tempo mostrou que Nair estava errada.
Quando ele se refere ao motorista como “chofer”, a primeira coisa que me veio à cabeça é aquela São Paulo de antigamente, onde ainda transitavam os bondes. Quem já foi a uma cantina no Bixiga, ou a um dos muitos restaurantes com estilo retrô em São Paulo, com seus quadros em preto e branco nas paredes, sabe bem do que estou falando.
SAMBA ITALIANO
Falado:
"Gioconda, piccina mia,
vai a brincar nel mare,
nel fondo,
ma attenzione col tubarone!
Hai udito?
Hai capito?
Meu San Benedito!"
Piove, piove,
fa tempo que piove quà, Gigi,
e io, sempre io
sotto la tua finestra,
e voi, senza me sentire,
ridere, ridere, ridere
di questo infelice quì.
Ti ricordi, Gioconda,
di quella sera in Guarujá
quando il mare te portava via
e me chiamaste:
"Aiuto, Marcello!
La tua Gioconda
ha paura di quest'onda!"
Ti dico: "Andiamo noi,
come ha detto Michelangelo."
Oi, Oi, Oi, Oi, Oi, Oi, Oi!
Piove, piove,
fa tempo que piove quà, Gigi,
e io, sempre io
sotto la tua finestra,
e voi, senza me sentire,
ridere, ridere, ridere
di questo infelice quì.
São Paulo é uma colcha de retalhos, tem gente do mundo inteiro, entre todas, a cultura italiana é uma das que mais se destaca, ainda mais se falarmos do Bixiga meu!
Eu com esse sobrenome, se não incluísse esse samba, com certeza seria deserdado.
Também não posso deixar de falar nos maiores intérpretes do mais famoso compositor paulista. Demônios da Garoa, o mais antigo grupo de samba do mundo. Entraram no livro com a música que melhor reflete o estilo do samba deles.
O personagem da música estava embaixo da janela da Gioconda porque chovia, típico de São Paulo. Mas eu prefiro acreditar que pelo verso “e você sem me ouvir”, o personagem estava embaixo da janela fazendo uma serenata para Gigi, imaginem uma serenata com samba....
O italiano desta música não é correto, e o português das outras também não. João Rubinato, o Adoniran, costumava dizer que fazia músicas para o povo, por isso essa mistura, essa linguagem propositalmente informal.
Adoniram e os Demônios da Garoa se conheceram em 1949 durante a gravação do filme O Cangaceiro, e deste casamento que em mais dois anos vai completar bodas de brilhante, temos um filho que qualquer brasileiro conhece, não há ninguém, de qualquer idade, que não saiba cantar, pelo menos uma parte do “Trem das Onze”.
NÃO DEIXE O SAMBA MORRER
Não deixe o samba morrer
Não deixe o samba acabar
O morro foi feito de samba
De samba pra gente sambar
Quando eu não puder
Pisar mais na avenida
Quando as minhas pernas
Não puderem aguentar
Levar meu corpo
Junto com meu samba
O meu anel de bamba
Entrego a quem mereça usar
Eu vou ficar
No meio do povo espiando
Minha escola perdendo ou ganhando
Mais um carnaval
Antes de me despedir
Deixo ao sambista mais novo
O meu pedido final
Antes de me despedir
Deixo ao sambista mais novo
O meu pedido final
Não deixe o samba morrer
Não deixe o samba acabar
O morro foi feito de samba
De samba, pra gente sambar
Essa música fala sobre a importância do samba para o brasileiro.
É o apelo de um sambista para que o samba permaneça vivo, afinal o ritmo é a função da vida deste sambista e de muitos que vivem no morro. Ele diz que o morro nasceu para sambar, portanto, o mais brasileiro dos ritmos não pode morrer jamais.
Entregar o anel de bamba é como a passagem da coroa do rei para o príncipe, mas diferente da monarquia, o anel nem sempre é dado ao filho mais velho e sim àquele que merecer, por isso quem recebe esse anel pode até inovar, mas precisa ter bebido na fonte, conhecer as raízes, ele não pode ignorar a velha guarda, sob pena do samba acabar. Após a passagem do anel, o antigo detentor, despido de qualquer vaidade, vai para o meio do povo, com certeza para o lugar de onde ele veio.
A música também ressalta o carnaval e sua importância. Para um sambista, não importa se ele desfilará ou não, ele sempre continuará torcendo por sua escola de coração, ouvindo o samba de sua escola e nada mais o fará tão feliz. E essa é a deixa.
AQUARELA BRASILEIRA
Vejam esta maravilha de cenário
é um episódio relicário
que o artista num sonho genial
escolheu para este carnaval
e o asfalto como passarela
será a tela do Brasil em forma de aquarela
Passeando pelas cercanias do Amazonas
conheci vastos seringais
no Pará, a ilha de Marajó
e a velha cabana do Timbó
caminhando ainda um pouco mais
deparei com lindos coqueirais
estava no Ceará, terra de Irapuã
de Iracema e Tupã.
Fiquei radiante de alegria
quando cheguei na Bahia
Bahia de Castro Alves, do acarajé
das noites de magia do candomblé
Depois de atravessar as matas do Ipu
assisti em Pernambuco
a festa do frevo e do maracatu
Brasília tem o seu destaque
na arte, na beleza e arquitetura
feitiço de garoa pela serra
São Paulo engrandece a nossa terra
do Leste por todo o Centro-Oeste
tudo é belo e tem lindo matiz
o Rio dos sambas e batucadas
dos malandros e mulatas
de requebros febris.
Brasil, essas nossas verdes matas
cachoeiras e cascatas
de colorido sutil
e este lindo céu azul de anil
emolduram aquarelam meu Brasil
Lá rá rá rá rá Lá rá rá rá rá
Sobre o Samba: Em forma de passeio, esse samba percorre alguns estados destacando belezas naturais, períodos históricos importantes, além de versar sobre lendas e costumes da nossa cultura. Foi inspirado em “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso.
Há quem diga que Silas de Oliveira ignorou a região sul do país, mas não é verdade. Primeiro podemos levar em consideração que ele se baseou nos pontos cardeais, “do leste por todo centro-oeste”, e não há região leste no Brasil. Depois nem todos os estados são citados, se há “representantes” para cada região, São Paulo representa a região sul, lembrando é claro que quando este samba foi composto, na divisão política do Brasil São Paulo pertencia ao Sul. O fato é que a Império tirou uma nota 8 no quesito samba enredo, o jurado alegou que a letra não falava de Minas Gerais.
Não tem refrão, e na gíria do carnaval é classificado com um “samba de lençol”. O termo é utilizado para sambas grandes, com letras extensas que cobrem todo o enredo.
Foi para a avenida duas vezes, em 1964 e 2004.
Sobre Silas de Oliveira: Em 2002, em eleição realizada pelo jornal O Globo, com a participação de 70 especialistas, Silas emplacou três sambas entre os cinco melhores sambas da história do carnaval brasileiro, além deste entraram também “Heróis da Liberdade” (1969) e “Cinco bailes tradicionais na História do Rio” (1965).
Seu nome foi dado à principal rua da comunidade do Morro da Serrinha, e ao viaduto que faz a ligação entre os dois lados da linha do trem de Madureira.
Sobre o Império Serrano: também entrou para a história do Carnaval em 1965 ao quebrar a barreira machista que dominava a tradição popular. Nesse ano, Dona Ivone Lara consagrou-se como a primeira mulher a compor e assinar um samba-enredo, o já citado “Os Cinco Bailes da História do Rio”, parceria com Silas de Oliveira. Antes já havia composto outros, mas exatamente pelo machismo foram assinados pelo seu primo o Mestre Fuleiro.
MEU LUGAR É CERCADO DE LUTA E SUOR.
ESPERANÇA NUM MUNDO MELHOR.
O SHOW TEM QUE CONTINUAR!
Samba de arerê pra você voltar
Zona Norte é Madureira
Ando louco de saudade
Olha o povo pedindo bis
Ainda é tempo pra viver feliz
Não subestime um filho de Xangô
A recompor a vida
O alujá ecoa forte no rum
E o ylê de Ogum, convida
O ídolo parceiro, companheiro, irmão
Símbolo maior do samba em minha geração
Gênio, pai herói no clarão da Lua cheia, candeia
Nos versos que ele semeou
Gira bailarina, seu eterno amor
A porta bandeira, frutos na tamarineira
Lalaia laia laia
Com o banjo no peito
Sambista perfeito, o mestre imortal
Lalaia laia laia
O samba agradece
Floresce no fundo nosso quintal
Aos olhos graciosos de Oxalá
Serrinha marejou o seu olhar
Que brilha na coroa imperial
Um lume imponente e divinal
Da lança de São Jorge protetor
A esperança de um quixote sonhador
É voz dos humildes por um pedaço de chão
Voz dos humildes por um pedaço de pão
Favela de gente sofrida
Mas que valoriza a própria raiz
Aquela, que sente na pele, as chagas da vida, a dor do país
X-9 a cantar, conduz, até seu lugar, a luz
Pra continuar, o show de Arlindo Cruz
É clichê, mas tem que ser: Justa homenagem!
Se eu for discorrer sobre Arlindo teria que ser um outro livro, só para falar dos mais de 550 sambas que ele compôs e foram gravados. Eu adjetivei ele como o Pelé do Samba, isso porque ele joga em todas as posições, compõe, canta, toca, versa e ainda arrisca um miudinho. Isso em todas as variações possíveis, ele manda muito bem no samba tradicional ou raiz, no samba enredo, partido alto, samba dolente. No palco, na roda de samba, no bar, no Olympia em Paris e no Anhembi.
Vamos então focar nesse enredo primoroso da X-9 Paulistana. Escrito em época difícil e de superação do homenageado. A agremiação da Zona Norte de São Paulo foi taxativa na “1ª parte”, “não subestime um filho de Xangô”, demonstrando de onde vem a força para lutar pela vida e a certeza da vitória.
Os veros seguintes são autoexplicativos em todos os adjetivos que a ele foram dados, “símbolo maior do samba, gênio, pai herói, ídolo, parceiro, companheiro”, Arlindo foi isso e muito mais.
Cabe detalhamento para “gira a bailarina, seu eterno amor”, aqui estamos falando de Barbara Cruz, sua esposa, ex porta bandeira da União da Ilha e da Mocidade Independente de Padre Miguel. Se conheceram no samba é claro, daí “frutos da tamarineira”. Babi, você é phoda!!!
No “refrão do meio”, citação a um de seus instrumentos preferidos e claro o agradecimento.
Na “2ª parte” temos a Serrinha, um de seus berços musicais. A “coroa imperial” faz alusão ao símbolo de sua escola de coração, a Império Serrano.
No miolo desta 2ª parte temos uma anáfora perfeita e linda, “é voz dos humildes por um pedaço de chão, voz dos humildes por um pedaço de pão”.
E fecha com “pra continuar o show de Arlindo Cruz”, continuar a vida e referência à música “O Show Tem Que Continuar”, um de seus maiores sucessos.
O “refrão principal” é referência a um outro samba magnífico dele, “Samba de Arerê”, em parceria com Xande de Pilares e Mauro Jr. E já cita de cara o bairro de Madureira, reduto de sambista, casa de Arlindo Cruz, ou com ele mesmo disse: “Meu Lugar”.
A última nota de rodapé vai para Ivan de Oliveira Sposito, meu segundo guri, ritmista da Tubatuque (surdo de 1ª). No carnaval de 2019 (enredo em questão) estava ao meu lado na avenida. Só orgulho!
A COMUNIDADE CHORA
Quando a vela acender
Eu vou cantar meu samba até prevalecer
A luz que ilumina o compositor
Que tem a luz nos olhos seus
Eu rezo pra essa chama tão crepuscular
Durar mais um minuto nessa hora
Ah! Porque senão a comunidade chora
A comunidade chora
Chora, chora
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Chora, chora
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Quando a vela se apagar e o samba terminar
Saudade não me deixa ir embora
Meu peito vazio implora
Que uma luz me ilumine agora
Chora, chora
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Chora, chora
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Chora porque a vela se apagou
Porque o samba terminou
Chora, chora
A comunidade chora
A comunidade chora
Dedico esse livro em primeiro lugar para Ofélia, minha mãe, pelo simples fato de ser mãe, mãe é mãe, simples assim. E porque ela passava os dias cuidando de mim e dos afazeres domésticos com o rádio ligado, e vez ou outra eu acabava ouvindo Jair Rodrigues, Benito de Paula, Matinho da Vila, etc.
Depois a Rolando Boldrin, foi graças a ele que comecei a gostar dos "causos". Seus programas eram recheados de "causos" e eu sempre gostei de ouvir. Os programas com participação do Germano Mathias eu assisti umas 10 vezes. Sempre achei uma delícia essas histórias contadas entre músicas, melhor ainda se fossem sobre seus compositores. Essa foi a semente desse livro, foram tantas histórias... e tantas outras que nem foram contadas, “Disritmia” do Zé Katimba ou “Retalhos de Cetim” do Benito por exemplo.
Quem sabe ainda serão contadas......
FONTES
LIVROS
Zeca Pagodinho – Deixa o Samba me Levar – Jane Barboza e Leonardo Bruno – Editora Sonora
171-Lapa-Irajá: casos e enredos do samba – Nei Lopes – Editora Folha Seca
Partido-alto, samba de bamba - Nei Lopes – Editora Pallas
Candeia Luz da Inspiração – João Baptista M. Vargens – Editora Almadena
PROGRAMAS DE TELEVISÃO E INTERNET
O SOM DO VINIL – CANAL BRASIL
ENSAIO – TV CULTURA
ESQUENTA – REDE GLOBO
SAMBA NA GAMBOA – TV CULTURA e TV BRASIL
RESENHA MUSICAL
SR. BRASIL – TV CULTURA
CANAL F - Programa do Fantástico na internet
TV MAXAMBOMBA – Projeto Puxando conversa
CLAQUETE MUSICAL – Canal ABI
PAPO MUSICAL
SITES
www.wikipedia.org www.mestresdampb.com.br
www.sambando.com www.bonashistorias.com.br
www.musicasbrasileiras.wordpress.com www.carnavalize.com
www.veja.abril.com.br www.recantodasletras.com.br
www.som13.com.br www.band.uol.com.br
www.guiadoscuriosos.com.br www.veja.abril.com.br
www.diariodaregiao.com.br www.mediu.com/araetá
www.diariodaregiao.com.br www.dicionariompb.com.br
www.geledes.org.br www.geografiaparatodos.com.br
www.dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br
IMAGENS
https://krunner.home.blog/2022/01/13/o-uso-do-instrumento-surdo-nas-escolas-de-samba/
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