Kyoto
Japão - 1935
Uma lágrima desceu silenciosa no rosto de porcelana da gueixa enquanto ela se olhava fixamente no espelho. Seus olhos negros piscaram algumas vezes até que ela finalmente voltou à realidade. Havia se perdido por um instante em uma lembrança, chegou a sentir a brisa daquela memória tocando o seu rosto. Suspirou. Ainda podia sentir o cheiro suave da cerejeira em suas narinas.
Não entendeu o porquê de seus sentimentos estarem tão confusos naquele dia. Desejou aquilo mais que tudo, treinou arduamente desde muito jovem, e finalmente completaria a fase final para se tornar uma gueixa completa.
– Mama, um homem quer falar com a senhora. - Mai informou enquanto olhava da porta a estonteante jovem que se preparava. A mulher idosa se levantou, imediatamente interessada. Provavelmente já estava esperando o tal homem.
– No que está pensando Milk? Se apresse, precisa estar pronta na hora certa. - A voz da mulher ralhou estridente e diminuiu enquanto se afastava às pressas.
Mai ainda ficou a olhando do batente da porta. Era uma maiko, e desejava um dia ser uma gueixa tão fascinante quanto Milk.
– Você está bem? - Perguntou, genuinamente preocupada ao ver a sua expressão distante.
A gueixa enxugou a lágrima que escorreu e pegou o pincel para começar a tingir o rosto de branco.
– Sim, estou bem. - Milk respondeu e sorriu. Deslizou o pincel na pasta de pó de farinha de arroz.
Mai sorriu de volta e se retirou. Sabia que o que quer que fosse, não abalaria as estruturas da bela jovem que mais se parecia com uma rainha guerreira.
Milk. Aquele foi o nome de gueixa que lhe foi dado assim que completou o seu treinamento, mas seu nome, o nome que guardava a sua verdadeira identidade, o seu verdadeiro eu era Chichi.
– Chichi. - De repente a voz daquele menino assombrou os seus pensamentos. Ele sempre a chamava em seus sonhos, mas naquele dia a sua voz era quase audível aos seus ouvidos.
– Chichi, olha que lindo. - O garotinho apontou o pequeno dedo para o rio Kamo que corria por baixo da ponte. As pétalas cor de rosa que caíam das majestosas Sakuras eram levadas pelas águas em leves ondulações. Parecia um mar de flores.
– É mesmo lindo. - A menina se colocou na ponta dos pés e se inclinou sobre o corrimão de madeira. Aquela era a sua estação favorita, a estação das cerejeiras em flor. - 'Pra onde será que elas vão?
– Eu não sei.
A brisa soprou o cheiro de primavera e agitou os cabelos da pequena e a fita vermelha que os prendiam em um rabo.
O menino se calou, apoiou o cotovelo e descansou o rosto em uma expressão pensativa. Chichi o olhou quando percebeu que ele estava silencioso demais.
– O que foi Goku?
– Hum. - Ele ergueu a cabeça e tirou de dentro da roupa uma pequena pedra em forma de esfera, com um dragão vermelho desenhado à mão. Era um presente do falecido avô do menino e ele o carregava para todos os lados como um amuleto para dar boa sorte. - Ontem eu pedi o papai para te levar para casa, mas ele disse que não podia.
Chichi sorriu e tirou a pedra da mão de Goku, a olhando e a girando por entre os dedos pequenos e delicados.
– Eu sei. A Mama disse que eu só vou poder sair de lá quando eu for grande e poder pagar a minha dívida. Eu não entendi bem o que ela falou mas acho que isso vai demorar.
– Hum. - Goku olhou distraidamente a sua pedra nos dedos de Chichi. - O que é uma dívida?
– Eu não sei, mas ela disse que eu preciso trabalhar para pagar. - Ela deu de ombros e se virou de frente para Goku. Ele parecia um pouco diferente naquele dia. Não estava agitado como sempre e tinha o semblante entristecido. Aquilo com certeza não era normal para ele. - O que foi? Comeu bolinhos de arroz demais?
Goku suspirou, tomando coragem para falar, mais para si mesmo do que para a garotinha que encontrava quase todos os dias quando saía da escola de artes marciais.
– Eu e o meu pai vamos embora de Kyoto.
Chichi arregalou os olhos. A cabeça inocente de criança tentando absorver o que acabou de ouvir.
– Por que?
– O papai disse que são coisas de adulto, e que aqui não é mais seguro. Eu não entendo os adultos. - Seus bracinhos se cruzaram e uma expressão carrancuda atravessou o rosto infantil. - Eu pedi para ele te levar também mas ele disse que não podia. - O garotinho abaixou os olhos, lágrimas se formavam mas ele não podia chorar na frente de uma menina. - Vamos pegar o trem hoje. Eu… vim me despedir.
– Você não disse que ia casar comigo? - Perguntou a menina com um vinco entre as sobrancelhas, apesar de não saber direito o que significava casar.
– Eu vou voltar 'pra casar com você. Eu sou um homem de palavra. - Goku a olhou e tremeu. A garotinha tinha forte personalidade e ele sabia bem disso.
– Você não pode ficar? - A voz de Chichi embargou. Sentia o coração bater forte e as mãozinhas tremerem. Sentia como se o chão aos poucos estivesse desmoronando sob seus pés. Se Goku fosse embora ela não teria mais ninguém. Foi o único amigo que teve em sua vida, o que seria dela sem as suas conversas e brincadeiras que deixavam os seus dias duros mais leves? Além do mais o amava como a própria vida, mesmo sem entender o amor.
– Eu perguntei. Ele disse que não, que… - Goku tentou terminar mas começou a chorar dolorosamente. Ele também sentiria falta dela, mais do que sua mente de criança poderia entender.
Chichi, um pouco mais madura que o garoto, soube naquele instante que aquela seria a última vez que veria o seu amigo. Que não precisaria mais escapulir toda vez que era mandada para ir ao mercado apenas para brincar com o garoto bobo e corajoso.
Ela o abraçou e chorou junto. Choraram até que as lágrimas não fossem mais suficientes. Mas Chichi não queria se despedir, não queria ver o rosto de Goku pela última vez. Queria se lembrar dele com o sorriso gigantesco que ele sempre abria quando se encontravam. Ele tinha um sorriso radiante.
Chichi então selou os seus lábios rapidamente em um beijo inocente e saiu correndo sem olhar para trás. Afastou-se o mais rápido que pode, desviando como podia das pessoas com os olhos embaçados de tristeza. Mas ainda ouviu a voz dele já um pouco longe.
– Chichi, eu vou voltar para te buscar. Eu prometo.
Ela correu enquanto chorava, e não percebeu que o vento soprou mais forte e soltou a fita vermelha de seus cabelos. Muito mais tarde notou a esfera de Goku em sua mão, e sentiu muito por não ter devolvido mas a guardaria como sinal de esperança.
Chichi sorriu com a lembrança. Como sentia falta dele, de suas travessuras, de suas conversas bobas e sem sentido. Imaginou como estaria naquele tempo, se seus cabelos ainda seriam rebeldes, se ele ainda seria tão inocente e seu sorriso tão cativante. Ela o amava tanto, amava os dias que passou com ele. Seus dedos foram até os seus lábios e os tocaram de leve. Aquele beijo inocente foi o único de sua vida. Não sabia porquê o havia beijado, mas sentiu aquela necessidade no momento.
Se entristeceu de repente. Goku não cumpriu a sua promessa, nunca voltou para buscá-la.
Voltou a cuidar da maquiagem tentando se esquecer, apesar de saber que nunca esqueceria. Chichi se sentia boba na verdade. Eram apenas duas crianças ingênuas, já se passaram tantos anos. É claro que aquele garoto nem se lembraria mais dela. Durante um bom tempo ela alimentou esperanças de que ele a buscaria de verdade, mas quando começou o seu treinamento para ser gueixa, percebeu que aquilo nunca aconteceria de verdade.
Então se entregou ao seu destino, não queria acabar como muitas mulheres em Gion. Trabalhou duro para aprender a arte milenar da dança, do canto e da conversação. Aprendeu a tocar flauta e o shamisen, e acima de tudo, aprendeu a encantar com movimentos planejados e hipnóticos para seduzir os seus clientes. Ninguém manuseava os leques como ela, e ninguém servia o saquê tão sensualmente, deixando à mostra a parte interna de seu pulso delicado, atiçando a curiosidade dos homens sobre como seria o restante de seu corpo.
Chichi não sabe como foi parar ali naquela casa de chá, se lembra de sempre ter pertencido àquele lugar. Não sabe quem são os seus pais e nem se já teve uma família algum dia. A dona do okiya, a quem chamava de Mama, nunca lhe contou nada a respeito de seu passado e em um certo momento, a garota parou de perguntar.
Chichi seria serva a vida inteira, trabalharia duro naquele okiya para pagar pela sua estadia pelo resto da vida, se a sua beleza não chamasse tanto a atenção. Mama custeou os seus treinamentos como gueixa pois sabia que a menina seria uma linda mulher e lhe daria bons retornos, e não estava errada.
Não havia gueixa mais bela que Milk, que por dentro ainda era Chichi. Não havia beleza mais estonteante e fascinante que a dela. Os homens tropeçavam nas ruas quando ela passava, os longos cabelos negros balançando ao vento como fios da mais pura seda. Seus lábios rosados e bem delineados eram o objeto de desejo de muitos.
Chichi parou para se admirar. Sua pele sempre clara como a neve, se assemelhava muito à porcelana pintada de branco. Com um outro pequeno espelho pintou a parte de trás do pescoço com um desenho em forma de "w", sempre com muito cuidado para que sua pintura ficasse correta e impecável como aprendeu em seus treinamentos. Aquela era uma das poucas partes do corpo de uma gueixa que ficavam à mostra, e deveria ser atrativa aos olhos dos que viam.
Seus cabelos já estavam prontos com o penteado de gueixa, moldados perfeitamente como se fossem uma linda obra de arte. Haviam adornos dourados, presilhas e pentes, jóias caríssimas fixadas entre os fios negros com flores de cerejeira caindo em pendentes.
Com um pequeno pedaço de carvão de ponta fina pintou as sobrancelhas, misturando a cor com um tom de vermelho. Pintou ao redor dos olhos com delineados de preto e vermelho. Com o pincel desenhou os lábios, bem menores do que os seus verdadeiros para que parecessem pequenos e delicados. A tinta era extraída das flores, a benibana e o cártamo, misturada com água e coberta com açúcar cristalizado para dar brilho. E seus lábios eram mesmo como flores, lindos e delicados.
Mama entrou no cômodo assim que Chichi terminou. A ajudou a colocar as meias e o kimono de seda que fora dado à gueixa pelo misterioso homem que comprou o seu mizuage. Era de um tom vivo de vermelho, com uma cauda e mangas compridas que se arrastavam no chão. Haviam flores de cerejeira desenhadas em delicados fios dourados, com o obi no mesmo tom também cheio de bordados e tramas. Mama sabia que aquele kimono valia muito mais que seu okiya e tudo o que tinha dentro dele.
– Você está pronta. - Chichi não respondeu, ainda não acreditava que era ela quem vestia aquele traje tão fino. Mama a pegou pelos ombros e a puxou de frente para o espelho. - Olha 'pra você Milk. Erga esse queixo, olha quem você se tornou. - Chichi ergueu o rosto devagar e olhou o próprio reflexo de seu corpo inteiro à sua frente.
Seus lábios se abriram lentamente. Admitiu para si mesma, parecia uma pintura de tão surreal que era a sua aparência. Poderia ser confundida facilmente com uma rainha, ou uma deusa japonesa. A gola vermelha com detalhes brancos em breve seria completamente branca. Deixaria de ser uma maiko, uma aprendiz de gueixa para ser uma completa.
– Se lembre de onde eu te tirei garota, estaria limpando o chão agora mesmo se não fosse o que eu fiz por você. - Mama continuou o seu discurso, enquanto a olhava duramente através do espelho. - Você não era nada, e agora é a gueixa mais desejada de Gion. Você tem idéia de quantas mulheres gostariam de estar em seu lugar?
– Sim Mama. - Chichi a olhou nos olhos através do espelho, realmente sabia. A mulher idosa sorriu, o primeiro sorriso que a jovem viu naquele rosto direcionado à ela.
– Não se esqueça disso. - A idosa desviou o olhar, Chichi sentiu que ela estava diferente naquele dia. - Vamos. Não vá se atrasar.
– Sim senhora.
A gueixa respirou fundo e ergueu o queixo. Mas antes de sair pegou de dentro da caixa de maquiagens a esfera do dragão para lhe dar boa sorte, nunca andava sem ela, especialmente em momentos cruciais como aquele. Guardou dentro do kimono e se apressou, com pequenos passos mas rápidos.
Ao sair do okiya calçou os tamancos de madeira e Mama bateu duas pedras juntas criando uma grande e luminosa faísca para lhe dar boa sorte, uma tradição entre as gueixas daquele okiya.
– Boa sorte menina. - Mama a olhou nos olhos com uma expressão indecifrável.
Chichi partiu mas sentiu um grande impulso de olhar para trás uma última vez. Porém não o fez, apesar de sentir os olhos de Mama a acompanhando até sumir de suas vistas.
Chichi olhava a enorme porta de madeira com o coração acelerado e a respiração forte como uma tormenta. Tocou no lado esquerdo do peito onde a esfera parecia queimar a sua pele e respirou fundo buscando forças dela para se acalmar. Apesar de saber o que aconteceria ali dentro, ainda se sentia insegura, aquilo era completamente novo para ela.
Imaginou como seria o homem que comprou o seu mizuage, se era jovem ou velho, se era bonito e tinha um cheiro bom. Depois pensou que na verdade aquilo tudo não importava de fato. Mas o que mais a deixava intrigada, era que seu mizuage foi o mais caro que ela e Mama já ouviram falar. O homem misterioso que o comprou, se mostrou tão interessado que ofereceu um preço que nenhum outro homem em Kyoto jamais poderia pagar, ninguém ousou competir com ele. Chichi ainda não sabia quem ele era, Mama disse que o homem pediu sigilo, e também ainda não sabia quanto custou a sua virgindade, apesar de saber que era valiosa demais.
A gueixa respirou fundo e buscou do fundo da alma toda a coragem que ela sabia que tinha. Bateu com o punho duas vezes na porta e a abriu, entrando devagar e a fechando logo em seguida. Se perdeu por um instante quando olhou o grande quarto branco cheio de molduras em dourado, iluminado por dezenas de velas e com cheiro de incenso.
Logo seus olhos localizaram o homem parado há uma certa distância. Ele vestia um kimono preto muito fino que estava aberto no peito musculoso, onde um grande dragão negro desenhava a sua pele. Chichi se arrepiou. Homens com pinturas de dragões desenhados na pele normalmente faziam parte do Clã dos Dragões, uma família muito poderosa, e muitas vezes perigosa.
Tentou não pensar naquilo. Mama não a colocaria em perigo, ela tinha certeza.
A gueixa deixou os tamancos próximos à porta e se ajoelhou com as mãos no chão, se inclinando ao cumprimentar honrosamente o homem que comprou por tão alto preço o seu mizuage.
– Chichi… - Ela ouviu uma voz masculina embargada e seu coração acelerou.
Lentamente ergueu o tronco e o rosto, e olhou para a figura vestida de negro à sua frente que a chamava pelo nome. Ele deu um passo em direção à ela com a mão meio estendida.
– Chichi… ainda se lembra de mim? - Ele perguntou calmamente, a voz grossa suave, parecia com medo de assustá-la.
A respiração da gueixa ficou ainda mais forte. Ela viu os cabelos negros espetados e irregulares. Baixou os olhos e viu um homem jovem e belo, de olhos negros doces e sobrancelha marcante. Ela se lembrava sim, ele não mudara quase nada, além do fato de que cresceu e se tornou uma muralha de tão forte.
Chichi. Só uma pessoa além daquele okiya sabia aquele nome.
O homem à sua frente tremeu os lábios e lágrimas escorreram em seu rosto de feições bonitas. Ele também respirava forte, o peito e o abdômen subiam e desciam rápido.
Devagar Chichi se levantou, os lábios entreabertos, os olhos um tanto assustados absorvendo lentamente o que estava acontecendo. A adrenalina corria em suas veias, e seu corpo aos poucos se enchia de uma sensação quente e muito boa.
– Chichi… eu vim…
Ela então olhou bem pela primeira vez a mão do homem que estava estendida. Era uma fita vermelha, a fita vermelha que ela perdeu naquela ponte há tantos anos atrás.
– Eu vim buscar você.
Chichi tirou de dentro do kimono a pequena esfera e a fechou sob os dedos. Olhou o homem nos olhos e não teve mais dúvidas. Era ele, ele veio cumprir a sua promessa.
– Goku. - Ele sorriu um grande alívio, tão radiante quanto ela se lembrava. A gueixa segurou o kimono de qualquer jeito e correu até o menino que a fez chorar tantas noites de saudade.
– Chichi.
Se abraçaram apertado e choraram juntos, e choraram enquanto se apertavam no calor daquela saudade. Como sentiram falta um do outro, daquele amor que nasceu sobre a ponte do rio Kamo, cercado de cerejeiras.
Nem perceberam que deixaram cair no chão a esfera e a fita vermelha, esquecidos, pois o que passou já não importava mais.
Depois de um bom tempo naquele apego, Goku afastou o rosto devagar e segurou a face delicada de Chichi por entre as mãos grossas. A olhou com devoção, nunca se esqueceu de seus olhos expressivos.
– Que bom que está aqui. - Ela sussurrou entre lágrimas. Um sorriso se formando nos lábios pintados.
– Me perdoe por demorar tanto. - Goku sussurrou de volta. A voz cheia de pesar e culpa.
Chichi sorriu mais abertamente e baixou os olhos um tanto constrangida. Acabou de se lembrar de um detalhe. Era uma gueixa e Goku o seu cliente.
– Foi você quem comprou… o meu… - Não conseguiu terminar. Não sabia como perguntar se foi ele quem comprou a sua virgindade.
– Não minha princesa. Eu comprei a sua liberdade. Você está livre.
A gueixa o olhou um tanto assustada com a informação. Estava livre? Depois que aceitou o seu destino nunca pensou na possibilidade de um dia ser livre. O que significava ser livre?
Seu corpo reagiu ao que sua mente não entendia. Sorriu o maior sorriso que jamais dera desde que Goku tinha ido embora, e com o mesmo ímpeto da primeira vez o beijou nos lábios.
No mesmo instante percebeu que foi impulsiva mas foi imediatamente correspondida. Goku segurou a sua fina cintura com as duas mãos e a beijou de volta docemente.
Chichi se afastou completamente fascinada e extasiada com tudo o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos dele, tinha medo de os fechar e seu amor desaparecer.
– Posso… ver você de verdade? - Goku perguntou e Chichi entendeu o que ele quis dizer. Balançou a cabeça em concordância e sorriu.
Goku a puxou pela mão gentilmente e a sentou em uma cadeira. Devagar e delicadamente, tirou os adereços de seus cabelos, com todo o cuidado para não a machucar. Soltou os fios negros do penteado, deixando os longos cabelos soltos como uma linda cascata cor de ébano.
Chichi o olhava e sentia uma agitação no estômago. Como ele era lindo.
Goku pegou um pano branco e o molhou na água da bacia de prata. Deslizou devagar na pele de Chichi, limpando as lágrimas e tirando com cuidado a grossa camada de maquiagem que cobria o rosto da mulher com quem sonhou a vida inteira. Aos poucos ela foi aparecendo novamente, o rosto de boneca que se lembrava com perfeição.
Ficaram em silêncio, apenas se olhando nos olhos, deixando vir à tona o amor que começou quando ainda eram crianças.
Quando finalmente pode vê-la sem a sua máscara de gueixa, Goku suspirou e tocou o seu rosto novamente com as duas mãos, se abaixando para ficar da sua altura.
A admirou com doçura. Seus olhos mal podiam acreditar em tanta beleza.
– Você é mesmo linda, parece… que não é real. - Chichi segurou as suas mãos as mantendo ali. Fechou os olhos quando o menino da esfera do dragão a beijou suavemente nos lábios. - Me perdoe. - Ele abaixou a cabeça, envergonhado. Despejou as palavras de uma só vez. - Eu tento me aproximar há muitos anos mas ela não deixava, tinha medo por você. Eu não sou um homem perigoso, eu tive que...
– Não importa. Você está aqui agora. - Chichi o interrompeu e ele a olhou nos olhos. Ela sabia que ele não era perigoso, sempre fora bom.
Sua mão delicada se ergueu e tocou os cabelos rebeldes de Goku, ainda eram exatamente como ela se lembrava. Se perguntou se ele ainda era travesso e curioso como antes.
Goku se aproximou mais. Encostou o nariz no rosto de porcelana e inspirou o cheiro de sua pele.
– Eu te amo, desde o dia em que te vi pela primeira vez naquela ponte. Nunca tirei você dos meus pensamentos minha princesa. - Chichi sorriu de olhos fechados e deslizou as mãos nos ombros largos.
Subiu novamente as mãos até os cabelos de Goku e puxou o seu rosto para si. Se beijaram novamente, dessa vez mais profundamente e sem a inocência dos últimos beijos. Havia uma entrega mútua, uma vontade intensa de serem um do outro. Haveria tempo suficiente para conversarem sobre tudo depois.
Chichi se levantou e empurrou o kimono preto dos ombros de Goku, revelando o corpo esculpido no qual suas mãos passearam timidamente, mas com curiosidade.
Não importava mais se ele havia comprado ou não o seu mizuage, ela seria dele. Seria de Goku por pura e genuína vontade própria. Pertenceria de corpo e alma ao único amor de sua vida.
Sorriram juntos enquanto beijos e carícias traziam o desejo à tona. Chichi ainda conseguiu se afastar e dançar para Goku, o encantando e o seduzindo com a arte de ser uma gueixa, aquela era uma parte de si que talvez não esqueceria nunca. Depois deixou que ele lhe tirasse o kimono vermelho.
Goku a deitou sobre os lençóis de seda e a amou, com toda a gentileza e cuidado que guardou para a sua princesa. Chichi sorriu quando chegou ao ápice do amor que fizeram, foi diferente de tudo o que ela imaginou que poderia ser, mas sabia que só foi diferente porque foi com ele. Deitou no peito forte de seu amado, os longos cabelos esparramados e o corpo de porcelana perfeito suado.
Conversaram e riram, se beijaram e dormiram quando o dia já havia amanhecido.
Naquela tarde Chichi se vestiu com um dos vários kimonos que ganhou. Era de um lindo tom de azul com flores cor de rosa. Deixou os enormes cabelos soltos e livres.
Iriam embora naquele mesmo dia, mas antes Goku a levou na ponte onde se encontravam quando eram crianças, queria relembrar o lugar onde se apaixonaram.
As cerejeiras balançavam com os ventos que jogavam pétalas rosa no rio Kamo.
– Eu nem percebi que já era primavera. - Chichi fechou os olhos e respirou fundo o cheiro de sua estação favorita. Se debruçou sobre o corrimão e Goku a imitou.
– Eu deveria te pedir em casamento? - Perguntou em um tom divertido, já esperando um turbilhão.
– Você já pediu, não lembra? Eu já disse sim. - Os dois riram juntos quando se lembraram do dia de suas infâncias em que Chichi praticamente o obrigou a pedir a sua mão em casamento.
– Eu me lembro sim, quase fui jogado da ponte. Como poderia esquecer?
– Não exagera, não foi bem assim. - Riram alto mais uma vez, até que respiraram fundo e apreciaram as boas lembranças que aquele lugar trazia.
– Quer se despedir de Mama? - Goku perguntou de repente.
Chichi olhou para longe, como se pudesse de alguma forma ver o okiya onde viveu por tantos anos. Mama disse que ela deveria se lembrar de onde foi tirada, mas Chichi tinha convicção de que não lhe devia mais nada. Uma vida melhor esperava por ela, e o passado poderia ir embora com as águas do rio sob seus pés.
– Não. Já nos despedimos ontem. - Sorriu se lembrando da forma misteriosa com que Mama a olhava. A mulher sabia que Chichi não voltaria. Se lembrou de Mai, e pensou que talvez pudesse voltar para visitá-la algum dia. Desejava que ela encontrasse o amor também e pudesse ter uma vida feliz.
Goku abraçou a sua cintura de lado, encostando seu corpo ao dela de forma protetora e carinhosa. Enquanto Chichi olhava o rio ele a olhava fascinado. Teria muito tempo para contar o quanto lutou para agora ela estar em seus braços. Ele se casaria com uma gueixa, a mais bela e desejada de todas, e seria somente dele para sempre. Mas não queria só a gueixa, queria a mulher por trás dela.
– Não vai sentir falta de ser uma gueixa?
– A gueixa era só uma parte de mim, só… uma máscara. - Seus olhos se voltaram com intensidade à Goku. Descobriu naquele instante que um dos significados de ser livre era poder amar, o que não seria possível se fosse uma gueixa. O resto ela descobriria com o tempo. - Não preciso mais de nenhuma máscara. Eu tenho você, e você me tem por completo.
Ele sorriu e encostou a sua testa à dela delicadamente.
– É tudo o que eu quero.
– Eu te amo. - Ela sussurrou, sabendo com toda a certeza que era correspondida.
Goku sorriu mais ainda e a abraçou, inspirando o perfume inebriante de seus cabelos. A brisa soprou o cheiro de primavera, balançou os cabelos de Chichi e as pétalas da Sakura que mais uma vez foi testemunha daquele amor.
– Te amo princesa, e dessa vez estarei perto… para sempre.
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