HONGSEOK
Acordei com Hyunggu me cutucando de leve. Ele foi buscar Hangyeol na escola, e eu vim o mais rápido que pude do set de filmagens porque queria preparar algo para eles. Desde que Hyunggu chegou dos EUA, não temos conseguido muito tempo juntos, e queria compensar de alguma forma. Mas acabei dormindo no sofá, de tão exausto.
— Tem que ir trabalhar arrumado desse jeito? — pergunta ele, acariciando meus cabelos.
— Sou diretor...
— Mas são muitas horas por dia.
— Ainda assim, é só pensar que pros atores é muito pior.
— Tem razão. Hangyeol está na cozinha fazendo sanduíches com o Wooseok, não quer tomar um banho?
Sentei-me e Hyunggu sentou ao meu lado. Estou moído. A rotina tem acabado comigo, inclusive no ânimo. Mas Hyunggu não reclamou nenhuma vez desde que voltou. Ainda é estranho, embora tenha que admitir que gosto dessa versão mais madura dele.
— Olha — disse ele, apontando o celular pra mim. Na tela tem uma foto do Hangyeol sorridente sentado entre dois vasos grandes de plantas com terra, no quintal aqui de casa. É fofinho porque ele está com uma janelinha pela perda de um dos dentes da frente, então tem evitado sorrir por vergonha, mas na foto ele parece genuinamente alegre — Passa pro lado — Passei, e tem mais quatro fotos do Hangyeol, com roupas diferentes, sentado entre os mesmos vasos de planta.
— O que é?
— Fiquei pensando numa maneira de ter algo nosso. Meu e dele. Porque quero estar mais próximo dele, sabe? Não quero ser só o tio que ele via como um herói... quero que me veja como pai.
— U-hum.
— Então a gente estava voltando do supermercado e ele viu umas plantas numa floricultura e me falou o nome de uma porção.
— Ele faz isso.
— Fiquei assustado!
— Eu também, das primeiras vezes.
— Um tempo atrás vi um pai que fotografava a filha todos os dias, por vinte e um anos. Achei fofo. Mas achei que Hangyeol não se sentiria tentado a ser fotografado todos os dias — ri, porque é verdade — A não ser que eu unisse isso a algo que ele goste. Então pensei em cuidarmos de plantinhas juntos. Ele mesmo escolheu as espécies. Pelas explicações do florista, elas ficam grandes. Então plantamos lá atrás.
— E aí você está tirando fotos todos os dias?
— Sim. Estamos acompanhando o crescimento das plantinhas.
— Amor... — fiz uma cena, falando em tom sério, olhando-o como se fosse chamar sua atenção.
— Que foi? — ele pareceu preocupado.
— Essa é a ideia mais fofinha que já ouvi.
— Ai, seu idiota! Achei que tinha feito alguma coisa errada!
Abracei-o, e ficamos em silêncio por um pouco, ouvindo o som de Hangyeol falando sem parar, vindo da cozinha.
— Tem dias que ele fala pelos cotovelos — disse Hyunggu.
— Especialmente agora que você está aqui. Você não acredita porque é ciumento, mas ele esperou tanto por isso quanto eu.
— A mãe dele virá de novo?
— Sim. Os advogados aconselharam a fazer dessa forma. Ela continua sendo a mãe, e pros juízes não pode restar dúvida da vontade de pôr o menino para adoção.
— Mas que saco.
Encolhi os ombros. Meus olhos queimam. Levanto-me, trôpego pelo cansaço, e me arrasto até o quarto. Quando Hyunggu está aqui, esse quarto é um cômodo completamente diferente. Parece que tem vida em cada milímetro, e parece que guarda ele também, em cada milímetro, um pouco do seu jeito de ser. Tem desenhos feitos por Hangyeol colados com fitas adesivas nas paredes e roupas jogadas na cama. Eu jamais colaria fita adesiva na parede, porque estraga a tinta. E dentre mim, Hyunggu e Hangyeol, só Hyunggu deixa roupas jogadas na cama. E sobre cadeiras, e emboladas no banheiro. Os sapatos dele nunca estão na sapateira, sou sempre eu a guarda-los no lugar. Uma risada silenciosa me escapa, porque amo esse caos. E amo ser o ponto de equilíbrio do caos. Metódico, mas não tanto quanto Hangyeol, mas nem de longe caótico como Hyunggu.
Quando penso naquele dia que encontrei Jinho no jardim municipal, o dia em que ele ficou decepcionado comigo por ainda ser tão acomodado com a vida, parece que em algum momento daquele dia até hoje, eu renasci. Nunca me imaginei sendo o porto seguro de alguém. Nunca me imaginei equilibrando alguém. Sei que Joji se orgulha do Hongseok de hoje em dia. Talvez, pela primeira vez, eu seja uma inspiração pra ele, ao invés do contrário.
Paro em frente aos desenhos colados na parede, ao redor da mesa de estudos. Descolo com cuidado um deles que me chamou atenção. Na barra da folha está escrito Interior da escola na letra do Hyunggu. Sinto Hyunggu abraçar minha cintura.
— O que foi?
— Ele usou régua?
— Não.
Inclino a cabeça.
— É tudo quadrado...
Hyunggu aponta outros desenhos. Vários são estranhamente geométricos.
— Não são só as fotos que resolvi fazer com ele — começa ele, mas interrompe para uma risada — Ele gosta dos livrinhos de colorir, então resolvi ensiná-lo a desenhar. Li em algum lugar que ajuda crianças que tem dificuldade com leitura e escrita, e Hangyeol é bem lento com isso, já percebi.
— Mas ele ainda é novo...
— Sim, mas já dá pra perceber que tem dificuldade. Mas é visual, ele guarda as coisas com imagens — fiz que sim — Resolvi ensiná-lo a desenhar porque li que é uma forma de ensinar a codificar as coisas. Só que Hangyeol é muito engraçado. Expliquei que é possível representar qualquer coisa partindo de formas geométricas. Que a base de tudo são formas geométricas. E agora ele está obcecado em desenhar tudo assim. É muito engraçado. Olha esse aqui.
Hyunggu descolou outro desenho geométrico, formado por triângulos verdes.
— É uma folha?
— Sim! Ele mesmo percebeu que se fizesse triângulos partindo de uma linha ele conseguia desenhar essa folha — ele riu outra vez e puxou mais um desenho da parede — E aí olha a árvore que ele desenhou.
A árvore é um retângulo marrom, e a copa da árvore é formada por um infinito de triângulos bem pequenininhos, verdes.
— Ele desenhou folha por folha?
— Sim! Como triângulos! Não sei dizer quantas horas ele gastou nessa árvore.
Gargalho, balançando a cabeça. Colo os desenhos de volta na parede, e observo mais alguns. Daqui dá pra ouvir Hangyeol e Wooseok na cozinha. O pequeno não é muito barulhento, muito pelo contrário, mas todos nós aqui em casa somos, então ele acaba entrando na pilha, quando está empolgado. Wooseok tem uma voz especialmente alta, então é possível ouvir muito claramente as brincadeiras entre os dois.
Fecho os olhos, me abraço ao Hyunggu. Ele me abraça de volta, seus cabelos cheiram a shampoo de frutas, os fios fazem cócegas na minha bochecha. Wooseok e Hangyeol cantam uma canção de algum desenho infantil que não sei qual é, mas Hangyeol só assiste os mesmos em looping, então provavelmente serei apresentado em algum momento. Pela letra, é alguma coisa a ver com dinossauros. Wooseok está trocando as palavras da música por outras que rimam, e Hangyeol está o corrigindo em todas elas, entre risadas, e Wooseok finge que não foi de propósito em todas elas.
Sorrio.
Esqueço que estou assim tão cansado.
Definitivamente amo esse caos.
Agora, com Hyunggu de volta, esse é certamente meu lar.
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