- Rosella!
Um trovão me tira de mais um pesadelo. Quem derá terminasse com o abrir dos meus olhos, estou vivendo nele há um longo ano. Agora, um relâmpago corta o céu, trazendo as lembranças da pior noite da minha vida.
Desço as escadas rumo ao antigo quarto da minha filha, não mudei nada desde o acidente que a levou. Contra a vontade de todos, claro, escuto cochichos por toda parte. Coitada, enxerga a filha morta em todos os cantos. Ela acredita mesmo que a filha esteja viva? O único que faz esforço para acreditar é meu marido, apesar de saber que faz isso apenas para não me sentir sozinha, ou pior, louca. Para ele, a negação é mais fácil de lidar do que com a culpa. Ele quis fazer aquela viagem, ele quis levá-la, ele não quis me escutar. Independente de quem foi a culpa, os dois estão sofrendo.
Passo meus dedos no lençol sedoso, era como tocar nas suas madeixas, igualmente macios. Todos os dias penteava seu cabelo, mesmo dizendo que já era grande o suficiente para isso. A escova ainda guarda alguns fios, é a única coisa brilhante na escuridão desse quarto. E a única coisa que sobrou dela. Mesmo que eu queira, é cada vez mais difícil acreditar que esteja viva, Rosella podia se sentir dona de si mesma, mas ainda era uma criança. Como conseguiria nadar até uma ilha? Ou sobreviver em uma? As lágrimas não me dão resposta.
Pego o quadro onde está sua foto, como sinto sua falta. Ela estava radiante neste dia, o vestido tinha ficado perfeito em seu corpo franzino, lembro que não parava de rodar a saia azul. O contraste do loiro seu cabelo com a cor de sua roupa era perfeito. Mesmo a força, conseguimos que sentasse para tirar uma foto real, depois uma mais espontânea, que virou esta do quadro. Uma verdadeira princesa.
O vento frio invande o quarto, arrepiando meus pêlos, ao clarear todo o lugar, percebo que se trata de meu marido. Com olheiras que vão muito além de noites sem dormir, caminha até mim, tentando entender o que está acontecendo. Ela senta ao meu lado, analisando a foto em minhas mãos. É a primeira vez que entra aqui.
- Sinto falta desse sorriso - diz, baixo. É o único tom que tem usado - Não deveria tem imposto tanto à ela.
Parece que dessa vez a culpa está falando mais alto.
- Ela só era uma criança... - lágrimas descem por seu rosto
- E uma princesa também. Era nosso dever educa-lá para se comportar como tal.
- Eu nunca fui um pai para ela, fui um rei. De que isso me adiantou? - Sua voz está trêmula - me diga, onde está minha filha nesse reino?! - com força bateu sua mão na penteadeira
- Acalma-se, por favor... - peço, com medo do que possa fazer
- Estou farto das pessoas me pedirem isto! - levanta sem cautela - Não suporto cada cochicho, os olhares de pena toda vez que saio, até mesmo a compressão de alguns. Estou cansado de ter esperança. - fala por fim
Ele senta na cama de Rosella, afundando seu rosto em suas mãos. Seguro algumas lágrimas, não é o único cansado.
- Quando ela estava com medo, só tinha uma coisa que a acalmava - o deito em meu peito - uma canção.
Respiro fundo, antes que minha voz entale e não saia nada, além de soluços.
- Quando o Sol se põe e fim da a tarde
Vaga-lumes só piscam sem cessar
Fique aqui, que o sonho te invade
Como é bom sonhar - suas mãos tremem - Me faz bem te ter bem ao meu lado
Venha cá, me deixe te abraçar
E assim eu tenho o que preciso...
É o bastante para que desabe em meus braços, não precisamos falar mais nada.
No fundo, ainda queremos ter esperança.
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