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História A vizinha do 516 (CaitVi - Lightcannon) - Garota surtada


Escrita por: Agata_Arco-Iris
e illumitroxa

Capítulo 1 - Garota surtada


Fanfic / Fanfiction A vizinha do 516 (CaitVi - Lightcannon) - Garota surtada

CAITLYN P.O.V. ON:

 

Estava eufórica aquela manhã, terminava de encaixotar minhas coisas em meu quarto e sentia um arrepio gostoso em minha nuca. Afinal, hoje é sexta-feira, mas na semana que vem, eu irei me mudar de vez da casa dos meus pais.

— Tem certeza que você precisa ir, filha? — Tobias, meu pai, me perguntava com uma cara chorosa — É que essa casa é tão grande, você poderia passar a vida inteira aqui se quisesse, tem espaço para um batalhão em nossa casa.

— Já conversamos sobre isso Tobias — Cassandra falava olhando a janela, estava triste, porém conformada — Nossa filha quer seguir o próprio caminho, andar com as próprias pernas, querido.

Parei de empacotar, e logo falei:

— Nossa, vocês estão agindo como se eu estivesse saindo da cidade, ou até do país… Eu vou estar me mudando literalmente para umas sete quadras daqui — Cruzei os braços e olhei os dois chorosos e carentes — Deve ser uns dez minutos de carro se você quiser.

— Quando você for mãe, você vai entender — Minha mãe falou pegando um pouco de chá — Não estou achando ruim, só doi ver meu “filhote” saindo do ninho mesmo.

Suspirei, sabendo que seria inútil argumentar. Eles sempre foram assim, superprotetores e, ao mesmo tempo, tão adoráveis comigo. Mesmo que estivesse prestes a ganhar minha independência, eu sabia que nunca me livraria completamente daquela sensação de ser a “menina dos olhos” deles, e isso é muito reconfortante.

— Prometo que vou visitar sempre, tá? — Disse, sorrindo para tentar aliviar a tensão — Além disso, vocês podem passar por lá em casa para jantar quando quiserem. Mas com aviso prévio, por favor? Nada de aparecer de surpresa, porque pode acontecer de eu nem estar lá em casa também.

Outro motivo de eu me mudar, é que eu quero estar mais perto da delegacia que eu trabalho.  Meu pai bufou, fazendo um drama exagerado enquanto se sentava ao lado de mamãe cabisbaixo.

— Jantar? Você sabe que não sei viver sem o chá da tarde que você faz, Caitlyn. Quem vai cuidar de mim agora?

Revirei os olhos, pegando uma almofada e atirando nele.

— Para de drama, pai!!! Não é como se eu estivesse te abandonando — Falei, rindo — E eu duvido que a cozinheira vá permitir que você morra de fome.

Minha mãe, que observava tudo com aquele olhar melancólico de quem estava tentando não desabar, sorriu com a minha tentativa de aliviar o clima.

— Só não esquece de comer direito, não exagerar no trabalho e... — Ela começou a lista, e eu já sabia exatamente onde aquilo ia parar.

— ...e de trancar a porta antes de dormir, tirar o lixo às terças e quintas… sim, mãe. Eu sei — Interrompi, rindo. Ela me olhou com fingida indignação antes de desviar o olhar, um pequeno sorriso no canto da boca — E se eu esquecer, tenho certeza que você vai puxar a minha orelha, e me lembrar.

— Eu não, você já é mulher feita — Mamãe falou fechando o semblante — Seu pai, por outro lado… Bom, vai cuidar da menininha dele como se ela fosse um bibelô.

Meu pai não disse objeções, mas também não pareceu gostar da fala. Fiquei mais um tempo encaixotando as minhas coisas, por mais que não vá embora hoje, estou já levando as coisas para meu novo apartamento.

Antes de sair, dei uma última olhada no meu quarto quase vazio, que agora parecia tão diferente. Todos os posters, as estantes cheias de livros e os pequenos detalhes que tinham feito daquele espaço o meu refúgio durante anos agora estavam empilhados em caixas de papel craft, prontos para serem levados para o novo apartamento. Era uma sensação agridoce: eu estava animada com a nova fase, mas sabia que sentiria falta da segurança daquele lar.

Meu pai me ajudava a carregar as caixas mais pesadas até o carro, o caminho até o apartamento foi tranquilo, embora tenhamos ficado num silêncio estranhamente acolhedor, mas que brota quando ninguém sabe exatamente o que dizer. Papai insistiu em dirigir, mesmo sabendo que eu já era plenamente capaz de conduzir meu próprio carro sozinha. Ele não admitiria, mas aquilo era uma desculpa para passar mais um pouco de tempo comigo antes de eu sair debaixo do teto deles (mesmo sabendo que dormiria com eles até domingo). 

— Olha, parece um bairro bom, não tão bom como o nosso, mas bom — Papai comentou de repente, enquanto dobrava a esquina — Tem até uns mercadinhos por perto, só quinhentos metros... A segurança também parece boa, é tranquilo.

— É, pai. Foi exatamente por isso que eu escolhi esse lugar. NO MEIO DO CENTRO DA CIDADE!! — Respondi com um sorriso divertido.

Sei que já estou acostumada a esses comentários disfarçados de sutis críticas que ele fazia. Ele duvidava se eu tinha feito a escolha "certa", mas, no fundo, acho que era só a maneira dele tentar se confortar na ideia de me ver morar sozinha.

Chegando ao prédio, meu pai parou o carro em frente e saiu primeiro, olhando ao redor como um inspetor de segurança. Eu ri internamente ao ver seu olhar atento, como se o lugar precisasse passar no "teste de Tobias" antes de ser oficialmente aprovado.

 

— Bem, parece… Ughh... Velho… — Viu que estava depreciando o prédio histórico que eu escolhi para morar, então rapidamente ele retrocedeu — Mas seguro… E limpo — Ele comentou enquanto eu abria o porta-malas — É o que importa.

 

— Parece porque é — Respondi, puxando a primeira caixa — Você acha que eu escolheria qualquer lugar, pai? Tem certificado da vigilância sanitária, peguei os relatórios de análise estrutural, segue as normas de acessibilidade de Piltover, dentre outras especificações.

 

— Só estou garantindo, sua mãe é melhor nisso que eu, mas… — Ele murmurou, pegando uma das caixas maiores, me poupando de esforço — Não posso deixar minha filha num lugar que não seja bom o suficiente.

 

— Pai, o prédio está ótimo, já chequei tudo. E se não estivesse, você acha que mamãe me deixaria mudar também? Certeza que ela pesquisou até a ficha dos moradores do prédio antes de eu fechar negócio.

A policial pode até ser eu, mas mamãe era a general da casa; se algo não fosse perfeito, ela já teria encontrado um jeito de sabotar a minha saída.

Começamos a levar as caixas para dentro, infelizmente o elevador estava em manutenção, o jeito foi subir as escadas. A escadaria parecia infinita, embora o apartamento fosse no terceiro andar, meu pai subia em silêncio, talvez cansado ou talvez só perdido em seus próprios pensamentos. Quando finalmente chegamos à porta, encostei uma das caixas no chão e comecei a procurar as chaves na bolsa. Ele, por outro lado, continuou carregando outra pilha, insistindo em fazer mais do que precisava, como sempre.

— Você tem certeza que quer fazer isso sozinha? — Ele perguntou pela milésima vez, parando ao meu lado enquanto eu destrancava a porta.

— Absoluta — Respondi, sorrindo e empurrando a porta — Relaxa, pai. Sei que o senhor e a mamãe nunca vão me deixar sozinha de verdade, mas… Olha, eu vou sobreviver. Prometo.

Assim que entrei, senti o cheiro de tinta fresca e o leve eco de um espaço ainda vazio, mas cheio de possibilidades junto aos mobiliário novo, encapado por lençois. Coloquei a caixa no chão e olhei ao redor. O apartamento era pequeno, mas acolhedor, com luz entrando pela janela da sala e uma cozinha compacta no canto. Já imaginava como seria decorar tudo do meu jeito, apesar de já estar tudo pronto para morar, só faltava 

— Hum… Bem iluminado — Meu pai observou — Mas vê se lembra de trancar essa janela à noite, perigoso entrar pombos.

— Sim, pai… Juro que não vou esquecer. — Respondi, rindo e tentando não revirar os olhos — Pela milésima vez, eu consigo.

Passamos mais algum tempo subindo e descendo com as caixas, até que a última foi finalmente colocada no chão do meu novo lar. Meu pai parecia hesitante em ir embora, mas eu sabia que ele não me deixaria em paz. Então, eu tomei a iniciativa.

— Você deve estar cansado. Obrigada por ajudar, pai — Sorri e tentei ser o mais simpática possível —  De verdade, agora vai pra casa e descansa, tá? Eu cuido do resto. Depois volto antes do jantar, fica tranquilo.

Ele me olhou por um instante, como se quisesse protestar, mas no fim apenas suspirou e acenou positivamente com a cabeça:

— Qualquer coisa, me liga — Ele disse, apontando para mim antes de se virar para sair — Qualquer coisa mesmo. 

Eu o acompanhei até a porta, assistindo enquanto ele descia as escadas. Por um momento, o silêncio tomou conta do apartamento, e eu senti o peso daquela mudança. Uau!! Aquilo era real, eu estava sozinha agora, no meu próprio espaço. Sorri para mim mesma, ansiosa para começar essa nova fase.

Depois de organizar algumas coisas, decidi que merecia um momento de descanso. Resolvi preparar um chá para me acalmar. Sempre foi meu ritual para pensar e colocar as ideias no lugar, tomar chá preto com bolacha de maisena. Fui até a cozinha, conectei o fogão na saída de gás com cuidado e procurei fósforos… Engraçado, eu jurava que tinha guardado uma caixinha no bolso da blusa… Mas pelo visto me equivoquei, que não tinha trazido nenhum.

— Ótimo, Caitlyn. Excelente planejamento — Murmurei para mim mesma, frustrada. 

Olhei para a porta e suspirei, escutei o som da porta batendo e murmúrios de palavras, com certeza vinha da casa ao lado da minha. A solução parecia óbvia: pedir ao vizinho.

Saí de casa, ajustando a camisa levemente amarrotada pelo esforço de carregar caixas, e bati na porta ao lado. Esperei por alguns segundos, sem saber bem o que esperar. 

 

— Já vou!! — Uma voz feminina falou lá de dentro.

Não pensei em muita coisa, mas a voz parecia familiar. Eis que quando a porta se abriu, fiquei paralisada. 

— Você?! — Exclamei, reconhecendo imediatamente a mulher de cabelo rosado bagunçado e o sorriso debochado que me encarava.

Vi ergueu uma sobrancelha, surpresa e divertindo-se com a situação.

— Tá me seguindo, mulher? — Ela perguntou, com um tom que misturava provocação e sei lá mais o quê — Olha, se quer pedir perdão… Esquece, eu não vou te dar o prazer de me ouvir te perdoar.

Levei um segundo para processar o que estava acontecendo, porque, claro, Vi tinha que ser minha vizinha. O universo parecia ter um senso de humor peculiar quando se tratava de nós duas.

— Não… Por favor me diz que você não mora no 516 — Falei a olhando de cima a baixo, olho ainda roxo e lábio cortado, após nosso último encontro.

Ela me sorriu com uma cara engraçada, depois respondeu quase em ironia:

— Eu moro aqui… Me diz que você não é a nova vizinha do 515…. — Vi perguntou.

— Então… Infelizmente vou ser sim… — Respondi olhando o chão com desdém — Eu não tô te seguindo, eu juro.

— Pior que eu acredito mas… Porra, Cait!! Me larga, Cupcake, o tanto de prédio para você se mudar nessa cidade, você tinha escolha justo o meu, e o apartamento vago ao lado do meu???— Ela falou me mostrando o roxo em sua face — Cê já fudeu minha cara… O que você vai fuder depois? Minha buceta ou meu coração?? Me esquece, garota…

— Urgh… Você nem é meu tipo, Vi — Falei meio em choque.

O silêncio no corredor foi quase ensurdecedor após minha resposta. Vi me olhou por alguns segundos, e para a minha surpresa, ela simplesmente deu uma risada curta, como se aquilo fosse exatamente o que esperava de mim.

— Ah, é? Eu não sou seu tipo? — Ela inclinou a cabeça, cruzando os braços enquanto se escorava no batente da porta — Interessante, porque desde a época da academia de polícia…. Parece que toda vez que nos esbarramos você não consegue desgrudar de mim.




 

— — — — — 

Sei que você deve estar se perguntando: De onde ela conhece essa mulher?

E a resposta mais adequada seria: Diretamente do quinto dos infernos!!

A resposta real é… É complicado… Nos conhecemos há muito tempo.



 

Acho que a primeira vez que vi a Violet, tínhamos apenas dez anos. Era um daqueles dias quentes e abafados de verão aqui em Piltover, e meu pai tinha me arrastado para um daqueles compromissos que ele insistia em chamar de “reuniões importantes”. A realidade era que ele queria conversar com o pai da Vi, uma homem de Zaun, importante para a comunidade local na época e um meio importante para aprovação e aceitação dos projetos de saneamento na cidade gêmea de Piltover. A ironia, claro, era que enquanto ele fazia sua pose de filantropo, eu era deixada sozinha no corredor, que Vander insistiu em chamar de jardim na casa deles, ou seria aquilo um bar? Bom, de toda forma, eu fui instruída a “ir brincar e fazer amizade”. Mas com quem?? As pedras?

Foi ali que eu a vi pela primeira vez.

Ela estava sentada no canto do “jardim”, o cabelo rosado bagunçado e os joelhos arranhados, vestindo uma camiseta velha e um short surrado. Eu, com meu uniforme impecável de aluna da escola de Piltover, fiquei parada por um momento, segurando meu distintivo de brinquedo. Meu pai sempre dizia que eu tinha que ser gentil com todo mundo, mas, na época, eu não sabia bem como me aproximar de alguém tão diferente de mim.

— Oi — Disse finalmente, ajeitando o distintivo de brinquedo no peito — Quer brincar comigo?

Vi olhou para mim, os olhos estreitados em suspeita, ela parecia medir cada detalhe da minha aparência antes de finalmente cruzar os braços.

— Não posso.. Tô de castigo… Eu meio que prendi minha irmã na dispensa… — Vi falou — Sem querer, claro…— Ela falou isso olhando com uma cara de psicopata, eu assustei na hora — Mas ei, você está brincando de quê? — Perguntou com um tom desconfiado.

— De polícia, claro! — Respondi, animada — Tô treinando pra quando eu for uma grande policial… Quer brincar comigo? Eu sou a policial, você pode ser o ladrão.

Ela se levantou, com uma expressão irritada, e deu um passo na minha direção, o que me fez recuar instintivamente.

— Tá me chamando de ladrão só porque eu sou zaunita, é? — Ela perguntou, com um tom ácido que eu não esperava ouvir de uma criança.

Fiquei paralisada. Na minha cabeça de garotinha de dez anos, eu não fazia ideia de como responder a algo assim. Nunca foi minha intenção ofender, senti meu rosto corar, e gaguejei:

— N-não! Não é isso… Eu só… só achei que seria mais divertido! Mas você pode ser a policial, se quiser. Eu não me importo… Só não quero ficar sentada no chão sem fazer nada.

Vi me observou por um momento, como se tentasse decidir se eu estava sendo sincera ou apenas tentando escapar da situação. Finalmente, ela deu de ombros e pegou um galho do chão, como se fosse um cassetete.

— Tá bom. Eu sou a policial então — Disse, girando o galho na mão — Mas, se você tentar roubar alguma coisa, eu vou te prender de verdade.

Eu ri, nervosa, mas aceitei a brincadeira. Passamos o resto da tarde correndo pelo corredor, eu tentando escapar enquanto ela me “prendia” com seu galho improvisado. Foi uma das tardes mais estranhas e, ao mesmo tempo, mais divertidas da minha infância.


 

As nossas famílias acabaram mantendo contato por causa do trabalho do meu pai em Piltover e da influência que Vander tinha em Zaun. As duas cidades dependiam uma da outra, mesmo que fingissem o contrário, e Vi, querendo ou não, continuava aparecendo na minha vida de tempos em tempos. O próximo encontro marcante aconteceu quando tínhamos 15 anos, afinal, ela é apenas alguns meses mais velha que eu.

Foi numa daquelas festas sociais insuportáveis que minha mãe adorava organizar. Gente importante da elite piltovence desfilava pela casa como pavões em período de acasalamento, cada um tentando mostrar que era mais relevante e  cheirando a ouro que o outro. Foi quando eu percebi Vi no meio da multidão, com uma expressão que parecia misturar irritação e tédio. Minha mãe, obviamente, havia convidado Vander e, por tabela, Vi e Powder, sua irmã mais nova.

Eu tinha um plano. Minhas amigas e eu estávamos conspirando para escapar da festa e fumar um cigarro escondido nos fundos do jardim. Eu estava determinada a ser “rebelde” por uma noite, mesmo que fosse uma rebeldia completamente superficial. Tinhamos bebida umas cervejsa nos fundos da casa e aquela ideia idiota pareceu um máximo.

Eu estava indo com elas, mas voltei para ir no banheiro lavar o rosto antes, claro, a Vi apareceu e decidiu estragar tudo.

— Ei, Cait — Ela apareceu do nada, me observando com aquela expressão provocadora — Onde você tá indo? A festinha é lá dentro…

— Lugar nenhum — Respondi, tentando manter a calma.

— Sei... — Ela cruzou os braços, inclinando a cabeça de leve — Então me diz porque a  princesinha de Piltover cheira a álcool e vai sair escondida no meio da festa? Que ousada.

— Me deixa em paz, Vi — Resmunguei, tentando passar por ela.

Ela bloqueou meu caminho com facilidade, uma sobrancelha arqueada e um sorriso travesso.

— Sabe o que é engraçado? Aposto que seu pai ficaria tão orgulhoso de saber que você está tentando fumar escondida no jardim — Ela fez uma pausa dramática, como se pensasse em algo — Ou não, né? Ainda mais um cigarrinho do capeta.

— É só tabaco, Vi — Revirei os olhos, tentando parecer mais irritada do que estava apavorada.

— Nope… Quer dizer, não foi o que eu vi… — Violet falou com as mãos no bolso — Toma cuidado com essas companhias, essas aí tão sempre indo lá na minha área procurando não só maconha, mas coisas bem piores. Isso não combina com você, Cait.

— O que você quer, Vi? Tá se divertindo estragando minha noite?

Ela deu de ombros.

— Só tô me divertindo vendo você tentando ser algo que não é. Fumar? Sério? — Ela riu, balançando a cabeça — Você é melhor do que isso, Cupcake.

Foi a primeira vez que ela me chamou assim. Na hora, aquilo me irritou profundamente, mas, por algum motivo, o apelido ficou. 

 

Anos depois fizemos a academia de polícia juntas, e foi lá onde minha rivalidade com Vi começou de vez. Se antes ela era só uma presença inconveniente que surgia esporadicamente na minha vida, agora ela estava sempre lá, me desafiando a cada passo, ou talvez fosse eu que insistia em desafiá-la. 

Mas era impossível evitar. Ela era talentosa, sem sombra de dúvidas, mas tinha essa maneira irritante de fazer tudo parecer fácil, como se nem precisasse se esforçar. Enquanto isso, eu passava noites em claro estudando, treinando, me esforçando para ser a melhor.

E, por mais que fosse difícil admitir, ela me fazia querer melhorar. Cada vitória dela era um lembrete de que eu precisava ser mais rápida, mais forte, mais precisa. As semanas de testes na academia sempre significavam confronto. Atirar, correr, lutar, escalar… Para nós tudo era uma competição. E naquele dia não foi diferente.

A manhã começou com a prova de tiro. Eu sabia que era a minha melhor chance de ganhar, porque, apesar de Vi ser boa com as mãos e os punhos, a precisão com armas de fogo não era exatamente o forte dela. Enquanto eu ajustava minha posição e alinhava minha mira no estande e checava minha arma, senti aquele olhar dela sobre mim.

— Não vale roubar, hein, Cupcake — disse ela, chegando no meu cangote com um sorriso provocado e sussurrando — A arminha cara do papai é trapaça… Ela faz todo o trabalho por você.

Eu arrepiei, mas nem me dei ao trabalho de responder. Meu foco estava no alvo. Respirei fundo, alinhei a mira e disparei. Cada tiro encontrou o centro do alvo no final da sala, em uma sequência quase perfeita. Quando a pontuação foi anunciada, um sorriso de satisfação tomou conta do meu rosto. Perfect Score!!! Era uma vitória.

— Uau, parabéns. Parece até  que você passou horas abraçada com essa arma, hein? — Vi me zombou, enquanto ajustava as luvas para a próxima prova — Cuidado pra não enfiar ela no seu rabo hein….

— VI!!! — Eu censurei — Que merda você tá falando?

— Ah, não seja puritana… Sei que você não sai com ninguém… Deve tá se aliviando com o cano dessa arma… Num é possível, você atira bem demais — Vi falou e eu não sabia se ela me criticava ou no fundo me elogiava. Mas depois falou —  Pena que você não vai durar no circuito de resistência.

— Ah, porque a maromba vai ter mais fôlego que eu…. — Dei um empurrão na sua barriga — Seus músculos são tão grandes que vão te atrapalhar a correr, baby!

Claro, ela estava certa… Mas eu não iria deixar ela saber disso.

O circuito era o inferno disfarçado de teste físico, escalar paredes, rastejar na lama, correr por quilômetros com peso nas costas. O que eu tinha velocidade, Vi tinha resistência. Eu até disparei a correr na frente, mas na metade do percurso até a metade, ela passou por mim como se fosse uma força da natureza. Quando finalmente terminei, ofegante e suja de lama, ela já estava esperando com um sorriso vitorioso e um copo de suco de manga.

— Então, como é o gosto da derrota, Cait? — perguntou, fingindo limpar a sujeira das unhas — Deve ter gosto de lama, pela sua cara…

— Não fica tão confortável, Vi. Ainda temos provas teóricas. E você sabe que eu sempre te deixo para trás nelas — Respondi, me forçando a recuperar o fôlego e a dignidade enquanto limpava o rosto com um lencinho.

Vi apenas deu de ombros, mas o sorriso desafiador nunca saiu do rosto.

A tarde trouxe as provas escritas, onde, como previsto, conseguimos notas idênticas… Mesmo eu estudando mais do que ela, no final das somatórias, nenhuma de nós conseguiu sair na frente. Era frustrante, e, ao mesmo tempo, empolgante. Porque, por mais que eu quisesse vencer, havia algo viciante naquela competição. Vi me irritava, mas ela também me empurrava para frente.

No final do dia, estávamos as duas no sofá do salão comunitário do dormitório, ambas quebradas. As pernas jogadas para o ar, os corpos exaustos depois de horas de esforço. Eu tinha resquício de lama seca no cabelo; ela, um arranhão no braço. E, mesmo assim, a discussão continuava.

— Admito, Cait, você manda bem no tiro — disse ela, balançando uma garrafa de água quase vazia na mão — Aiwwn… Mas o circuito de resistência? Pufft, esquece… Nunca vai chegar perto de mim… Sempre vai comer minha poeira.

— Não preciso chegar perto de você nisso — respondi, sem nem olhar para ela, os olhos fixos no teto — Eu compenso em coisas mais importantes. Como Estratégia, foco, controle. Você é só... força bruta. Eu vou ser sua chefe um dia, e você sabe disso.

Ela soltou uma risada curta.

— É, deve ser seu sonho “controlar esse corpinho aqui”... Admite, você só compete comigo, porque sabe que eu nunca “cairia nas tuas graças”... Fazer o que se eu tenho bom gosto e você é.. Tão chaaataaahhh!!

Eu bufei.

— Essa história de novo??? Eu não daria pra você nem que eu gostasse… Aliás, provavelmente você é só uma passivona na cama, e fica aí com essa marra.

— Ui… Ela tá achando que eu sou um macho gay?… Querida, eu gosto é da bagunça… Mas sendo sincera, você teria é muita sorte… — Ela levantou a camisa e mostrou o tanquinho — Se essa gostosa aqui tivesse querendo te dar… Ah palhaçada, sabe!! — Vi se virou para me olhar, apoiando o cotovelo no encosto do sofá — Tá bom, “Miss Preparada pra tudo”. Vamos retomar o assunto e resolver isso de uma vez. Quem é melhor: eu ou você?

Eu a encarei, arqueando uma sobrancelha.

— Já pra mim já tínhamos resolvido isso. Oxi… Claro, que sou eu — Respondi com um sorriso satisfeito.

Vi gargalhou, jogando a garrafa vazia na minha direção, mas eu desviei com facilidade.

— Você só pode estar brincando — A violet rindo debochadamente —  Eu te derrotei hoje! No circuito principalmente, eu acabei com você ainda na escalada.

— E eu te derrotei no tiro. Ah Vi, para de inventar…. Tecnicamente, empatamos na teoria. — Cruzei os braços — Então, no final, acho que o placar tá a meu favor.

Ela balançou a cabeça, ainda rindo.

— Você é tão iludida, garota…

Ficamos em silêncio por um tempo, o tipo de silêncio confortável que só acontece quando você conhece alguém bem o suficiente para não precisar de palavras. 



 

Quando finalmente nos formamos, achei que tinha ganhado um pouco de paz. Vi voltou para Zaun e começou a trabalhar na delegacia 17 do distrito central de lá. Era o lugar perfeito para ela, no coração do caos, onde podia usar aquela droga de impulsividade dela sem que ninguém questionasse muito. Enquanto isso, eu estava na delegacia do porto de Piltover, um lugar mais tranquilo (coisa da minha mãe) e, para ser honesta, um pouco entediante. 

Mas, como sempre, a calmaria não durou.

Após algum tempo, consegui me transferir para a delegacia 51, num ponto mais central de Piltover, onde o fluxo de casos era maior e as investigações mais desafiadoras. Estava animada, sentindo que finalmente estava onde deveria estar. Só não esperava encontrar ela ali, a Violet.

Vi estava sentada em uma das mesas do andar principal, mordendo uma rosquinha como um animal, de boca aberta e cara de tédio. Quando me viu, deu aquele sorriso característico,com aquele charme irritante e barato dela.

— E aí, Cupcake. Sentiu minha falta? — perguntou, apontando para a cadeira ao lado da mesa dela.

Eu fiquei paralisada por um momento, tentando processar o que estava acontecendo. Achei que ela estivesse em Zaun! Por que ninguém me avisou que ela tinha se transferido para Piltover?

— Por que você tá aqui? — perguntei, tentando manter o tom neutro, mas provavelmente soando mais irritada do que pretendia — Pensei que você não iria mais sair de Zaun, depois da formatura.

Vi deu de ombros, como se fosse óbvio.

— Piltover paga melhor. E, bom, a galera daqui adora meu “jeitinho zaunita” de resolver as coisas, Cupcake — Ela piscou para mim, o que só piorou meu humor — E você?? Tava com saudades de mim, amor? — Ela piscou para mim, me provocando.

— Saudades de você?? — Falei arrumando outra mesa para sentar, um pouco mais distante, sem pensar que ela poderia ter um dono ou não — Eu quase fiz uma festa e soltei fogos de artifícios quando percebi que não iria mais ver sua cara feia todo dia… 

— Mentira, você deve ter chorado por semanas quando percebeu que não ia ter mais essa baixinha na sua vida, Cupcake — Ela se esticou na cadeira, me deu uma piscadinha e levantou os braços.

— Não, mas tô pensando em chorar agora que te vi de novo… — Respondi sem muito ânimo.

Eu sabia que trabalhar no mesmo ambiente que ela seria um desafio, mas tentei me focar no trabalho. Isso, no entanto, era mais fácil dizer do que fazer.

 

O problema começou com as mesas.

Eu era organizada, metódica, cada papel e arquivo no lugar. Vi, por outro lado, parecia viver em um caos constante. Ela se sentava duas mesas à minha frente e sempre que olhava para a mesa dela, via rosquinhas meio comidas, xícaras de café abandonadas e papeis amassados com anotações que pareciam ter sido feitas por alguém em uma crise de criatividade frenética. Para piorar, ela tinha o péssimo hábito de desaparecer no meio do expediente. Quando voltava, geralmente trazia comida, para ela mesma, claro, e agia como se não tivesse acabado de abandonar o posto.

Me irritava mais porque parecia que ninguém se incomodava com os métodos da Violet, somente eu. Mas ela poderia tranquilamente ser uma traficante, disfarçada de policial naquela delegacia. Não estou falando que seja, mas ela é muito desleixada.

E no começo da semana, a pior coisa que poderia acontecer, ela mexeu nas minhas coisas sem a minha autorização. Eu estava no meio de uma investigação importante. Minha mesa estava coberta de documentos e evidências. Passei a noite toda analisando os dados, até que acabei dormindo sobre os papeis, estava exausta demais para sequer voltar pra casa. E quando acordei, tinha uma manta sobre minhas costas e Vi estava... limpando minha mesa.

Simplesmente pegando meus documentos, empilhando-os de qualquer jeito, e jogando fora alguns papeis que, para ela, pareciam "irrelevantes", mas era prova para mim.

— O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO?! — eu gritei, ainda meio sonolenta, mas já nitidamente alterada.

Vi olhou para mim, segurando um copo de café na mão, completamente relaxada.

— Você estava dormindo, Cait. Achei que podia ajudar. Sua mesa parecia um campo de batalha. E, sinceramente, metade disso aqui é lixo — Ela apontou para a pilha de papeis que tinha acabado de reorganizar.

Eu senti meu sangue ferver. Ela tinha mexido nos meus documentos, invadindo meu espaço sem pedir nem permissão para fazer isso. Porra, eu não descansava a dias e ela vem e estraga o meu trabalho assim do nada??? Levantei num impulso, com a raiva transbordando, e, antes que pudesse pensar direito, pulei em cima dela.

— Cait nÃAWWOO  — Ela bem que tentou advertir.

Vi mal teve tempo de reagir quando eu a derrubei da cadeira. Meu punho encontrou o rosto dela com força antes que eu a empurrasse contra o chão e apertei minhas mãos ao redor de seu pescoço.

— POR QUE VOCÊ NÃO SAI DA MINHA VIDA???? — eu gritei, fora de mim — E QUEM VOCÊ PENSA QUE É PARA MEXER NAS MINHAS COISAS???

A delegacia inteira parou. Colegas correram para nos separar, mas não antes que Vi conseguisse me empurrar de volta, tentando se livrar do meu ataque ela sorriu pra mim. Por que ela sorriu pra mim?? A cachorra tava me provocando por acaso? Quando finalmente nos separaram, Vi estava com o lábio cortado e eu, com o rosto vermelho de raiva.

O silêncio que se seguiu foi desconcertante, o olhar de Vi era sério, mas também carregava uma pontada de tristeza, eu diria, mas isso de alguma forma, me irritou ainda mais. ELA TÁ TRISTE COMIGO??? Ah vai cagar, Vi!!! Você estava pedindo por isso a muito tempo já.

Como era de se esperar, fui chamada à sala do capitão logo em seguida. A bronca foi dura, e, como esperado, recebi uma semana de suspensão por comportamento inadequado no trabalho. Para piorar, Vi foi quem registrou o boletim de ocorrência sobre o incidente. Claro que ela fez questão de incluir todos os detalhes, inclusive uma descrição dramática sobre como eu "perdi completamente o controle".

Acho que era isso que ela queria, fazer todos me verem como uma completa surtada.

Quando deixei a delegacia naquele dia, estava furiosa. Não só com Vi, mas também comigo mesma. Como pude me deixar levar pelos meus sentimentos assim?? Isso geralmente é coisa da Violet, não minha.

— — — — —



 

Mas voltando ao momento presente, eu estava de pé na frente da porta da minha nova vizinha, que na verdade era minha colega de trabalho, mas também uma rivalidade antiga da faculdade. E no começo da semana ainda agredi ela.

— Tá bom, fala o que você precisa? — Violet perguntou suspirando e recostando as costas na porta — Se você está de mudança, deve estar precisando de algo…

— Fósforos… Esqueci de pegar na casa dos meus pais — Respondi sem graça.

— Hummm… Posso te arrumar uma caixinha, mas você vai ter que fazer um favor, tá legal? — Violet falou olhando nos meus olhos.

— Manda… — Falei sorrindo, tentando ser neutra — O que quer que eu faça?

Ela tirou uma caixinha de fósforos do bolso da camisa e me jogou, então foi saindo de cima da porta e falando séria:

— NÃO BATE MAIS NA MINHA PORTA, CAIT!! — E como ironia, ela bateu a porta na minha cara logo em seguida.

“BLAAAAM” - A porta gritou estridente, e a brisa rápida movimentou meu cabelo.

 


Notas Finais


Olha, quem me conhece, saiba que de um tempo pra cá não quero mais atrapalhar a experiência do leitor nas notas iniciais. Então quem quiser me ouvir, venha aqui no final, se tiver algum aviso, tá aqui.

Gente, eu não sei o que aconteceu, só sei que tava conversando com o @illumitroxa, ele tava me contando uma ideia dele, eu fiquei obcecada por essa... E escrevi do nada essa história. Se alguém gostar disso, agradece o rapaz, que o brabo que o mérito de eu ter começado a escrever essa história é do brabo (e pelo hype de Arcane também)


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