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História Amor de Sangue - Único


Escrita por: MiaLehoi

Notas do Autor


Oneshot escrita com muito carinho para o evento de Halloween do Squad Crackships da MSP no Twitter!

Capítulo 1 - Único


Talvez Milena devesse ter pensado melhor antes de aceitar o convite para aquela festa. Ela não era supersticiosa, mas sua mãe havia falado tanto sobre o fato de ser noite de dia das bruxas, que poderia ter sido uma boa ideia levar isso em consideração antes de aceitar, ou pelo menos insistir mais um pouco para que a anfitriã a deixasse levar sua irmã junto, assim pelo menos seus pais ficariam mais tranquilos. Contudo, pensando bem, chegar com a irmã adulta numa festa do pessoal de sua turma seria ridículo demais e já era um milagre que tivesse sido convidada. Não que fosse uma completa loser, até costumava ter vários amigos, mas desde a mudança de cidade se sentia como se fosse invisível. Até quando conversava com os outros, era como se estivesse falando sozinha o tempo inteiro, que diabos? Bom, a festa de halloween na casa de Marina era sua chance de mostrar o quão estilosa e artística ela era. Também seria curioso ver seus colegas fora da escola, já que isso nunca tinha acontecido. Por mais que andasse pelas redondezas, passeasse pelo shopping, fosse ao cinema, procurasse todos os pontos onde jovens se reuniam no bairro, a turma do Colégio do Limoeiro nunca estava em lugar algum, nenhum deles.

Ela tentou não pensar muito nessas coisas enquanto cruzava o curto caminho entre sua casa e o local da festa. A antiga casa podia ser avistada de longe, e mesmo que a colega não parecesse rica ou esnobe nas aulas, dava para ver que era um lugar luxuoso, apesar de mal cuidado, com ervas daninhas demais no jardim e plantas que precisavam urgentemente de uma poda. A garota suspirou para tomar coragem, ajeitou a jaqueta de couro que usava por cima de sua roupa de Mulher-Aranha e subiu os cinco degraus que a separavam da calçada com o jardim até a porta da pitoresca casa. Lá dentro ela percebeu que deveria ter caprichado mais. Ainda que estivesse orgulhosa de seu esforço e soubesse que estava muito bem caracterizada, as maquiagens e o sangue falso da maioria dos convidados que lotavam a pista de dança eram tão realistas que chegavam a ser aterrorizantes. Era estranho como eles não pareciam se importar com o sangue respingando uns nos outros ou no chão, e mais estranha ainda a maneira com que os móveis estavam cobertos por lençóis velhos e empoeirados, como se ninguém arrumasse o lugar há muito tempo.

— Milena! — Mônica, uma das meninas mais simpáticas da turma, a cumprimentou enquanto vinha até ela, sorrindo sem se importar com o fato de que praticamente todas as suas unhas estavam quebradas e que um ferimento na parte de trás de sua cabeça jorrava sangue em seu vestido de Alice no País das Maravilhas. — Nós até pensamos que você não viria, mas que bom que veio, é uma ocasião especial. — Cas, chama a Magali e o Cebola! — ela disse, gesticulando para um de seus amigos. O garoto acenou animado, seu rosto parcialmente coberto por queimaduras graves que apareciam mesmo por baixo da máscara de Capitão Pitoco.

— Ih, não vejo a Magá há um tempão. Deve ter ido atrás dos gatos de novo. — deu de ombros — O Cebola… — deu uma pausa, fazendo uma careta preocupada.

— Ah não. Não, não, não! Cas, não me diga que ele saiu de novo! — o semblante de Mônica subitamente foi tomado por um terror preocupante.

— Eu posso não dizer, mas não vai fazer ele voltar, né… — ele abriu um sorriso sem graça — Mô, a gente sabia que isso ia rolar. Você sabe como ele é né, mó piração de se sentir culpado e tal… 

— Desculpa, Milly, a gente vai ter que ir resgatar o boboca. — ela suspirou pesadamente — A Mari que falar contigo! Acho que ela ainda tá no quarto. Só subir a escada e bater na segunda porta à direita! — anunciou, puxando o garoto pela capa da fantasia e sumindo tão rápido quanto apareceu. 

Milena esperou parada por alguns segundos, tentando se situar ao que via. Não reconheceu a canção que tocava, mas parecia uma das poucas a não saber a letra, já que muitos cantavam a plenos pulmões. Não entendia a necessidade de maquiagens macabras até nas fantasias mais corriqueiras, como a de Carminha Frufru, que usava um collant e orelhas de coelhinha, mas tinha uma grande ferida bem no meio do estômago, ou a de Xaveco, que obviamente sangrava por baixo do tapa-olho da fantasia de pirata. Quem quer que tivesse arranjado aquelas maquiagens havia sido realista até demais. Uma gritaria animada se seguiu quando Where Is The Love do Black Eyed Peas começou a tocar, como se aquela música fosse o mais novo lançamento do mundo pop. Cansada de tentar entender (e de procurar onde estavam as mesas de comes e bebes) a jovem abriu caminho por entre as pessoas até a escada e subiu os degraus praticamente correndo. Poucas pessoas estavam no corredor e não foi difícil encontrar a porta indicada, a única com uma placa com o nome “Marina” cercado de flores, todas com a tinta opaca e descascada. Bateu três vezes, logo ouvindo a voz feminina do outro lado. Anunciou então quem era e segundos depois a jovem apareceu.

Marina sempre era deslumbrante, com seus longos cabelos cacheados, olhos levemente puxados e sorriso constante, mas naquela noite se parecia ainda mais com uma princesa de conto de fadas. Usava um longo vestido branco tomara que caia, com uma saia rodada e cheia de tule que contrastava com o corpete todo bordado em pedrarias brancas. — Uau, esperei por você por tanto tempo e quando finalmente o momento chega eu não estou nem pronta! — ela riu alegremente, abrindo mais a porta e sinalizando para que Milena entrasse. — Pode ficar a vontade. — indicou a cama com uma colcha azul florida e acomodou-se na cadeira de uma penteadeira, voltando a prender os cabelos e um penteado cheio de grampos. Só então Milena reparou na gargantilha de renda no pescoço dela, com um pingente dourado, um relicário, pendurado. Estava claro que existia um corte profundo por baixo da gargantilha, completamente molhada de sangue, bem como o vestido cheio de manchas. — Eu… — a morena começou ao notar a jovem olhando, o que fez com que Milena desviasse o olhar.

— Você precisa me dizer onde conseguiram essas maquiagens. — disse, rindo sem graça enquanto encarava as próprias mãos.

— Você não… Você não sabe? — foi impossível ignorar o tom de surpresa na voz alheia. — Ah… — Marina virou-se para ela, agora já usando uma tiara com um suave véu de noiva em seus cachos parcialmente presos. — Nós… Nós estamos… — balbuciou nervosamente, levando as mãos até a parte de trás do pescoço para retirar a gargantilha.

Nada poderia ter preparado Milena para o corte descoberto e nada poderia ter preparado Marina para o olhar no rosto da outra. Não queria assustá-la, mas não fazia ideia de que a garota não sabia a verdade sobre si.

— O que houve com você? — ela perguntou, levantando-se da cama num salto e ajoelhando-se em frente à outra enquanto procurava desesperadamente algo para estancar o ferimento. — Fica calma, eu vou te aju…

— Está tudo bem. — Marina segurou suas duas mãos, colocando-as em seu próprio colo — Não dói mais. Pelo menos um lado bom nisso tudo. — ela sorriu tristemente.

— Mas antes isso… Doía? Te machucaram de verdade? 

— Já faz muito tempo. — respondeu, como se isso melhorasse as coisas. — Desculpa te assustar, Milena. Eu pensei que você soubesse.

— Que você foi esfaqueada enquanto seus amigos estão dançando Furacão 2000 lá em baixo como se nada tivesse acontecido? — questionou horrorizada, ainda escutando a música vindo da festa.

— Na verdade estava tocando Tribalistas. — ela respondeu, ligeiramente mais relaxada — E foi há 20 anos. 

— Quê? 20 anos tipo…? 2003?

— É. Você é assim, um sonho pra mim… E quando eu não te vejo eu penso em você desde o amanhecer até quando eu me deito… — cantarolou, olhando-a como se Milena fosse a coisa mais preciosa que ela já havia visto. 

— Eu nem era nascida! E você… — a menina piscou exageradamente, deixando-se cair sentada no chão tamanho o susto.

— Morri. — Marina finalmente disse — Todos nós morremos, na verdade. Todos nessa festa morreram na mesma noite. 31 de outubro de 2003. Menos você, é claro.

— Como assim morreram? E a escola? As aulas? As famílias de vocês? 

— A escola é uma espécie de purgatório. Todos temos missões que não conseguimos cumprir em vida, então ganhamos esse tempo extra, mas não podemos ser vistos fora de lá em nenhum outro dia do ano, só…

— No dia das bruxas. — Milena completou — Qual o sentido disso? Vai me dizer que as superstições idiotas da minha mãe são verdadeiras?

— Não! Quer dizer, não todas. Estamos aqui porque fomos mortos por uma bruxa com sede de vingança. A filha dela estudava conosco e morreu alguns meses antes e ela pensava que era nossa culpa, que nós não soubemos respeitar o luto dela. — Marina se olhou no espelho — A Ramona era uma boa pessoa, a filha da Viviane, que é a tal bruxa. Sempre quis ser amiga dela, sabe? Acho que esperei demais. Já perdeu a chance de se aproximar de alguém? — a pergunta esquentou o rosto de Milena, pegando-a de surpresa. A verdade é que desde que chegou ao Limoeiro sua maior vontade era se aproximar justamente da garota que lhe perguntava. Marina parecia ter um imã que a atraía, mesmo que nunca tivessem trocado muitas palavras. E agora, por mais estranho que pudesse parecer, ela sentia que a recíproca era verdadeira.

— Por que disse que esperou por mim? 

— Às vezes, quando duas almas gêmeas são separadas, elas só se encontram em outras vidas. Os anjos até permitem que as que permaneceram vivas se juntem com outras que também perderam seus pares para que elas vivam vidas felizes. — o sorriso sonhador nos lábios pintados de batom cor de rosa claro era a coisa mais linda que Milena já havia visto, fazendo-a até esquecer de todo o horror presenciado nos últimos minutos. — Mas não foi assim com você. O nosso anjo sabia que iríamos nos encontrar.

— Por que você parece triste com isso, Marina? Não sou o que você esperava?

Marina arregalou os olhos, empurrando a cadeira para trás e juntando-se à Milena no chão, suas mãos delicadas segurando o rosto da jovem com o maior cuidado.

— Eu me apaixonei por você no momento em que te vi! — confessou, lágrimas escorrendo de seus olhos castanhos. — Mas se você está nesta casa e consegue nos ver… — soluçou — Tive esperanças de que estivessem reconstruindo a escola e por isso você estivesse lá. Não temos como saber muito sobre o que acontece lá fora, sabe? Talvez você fosse sensitiva, não é a primeira vez que uma pessoa consegue ver alguns de nós. Só que essa noite, essa festa, essas músicas, todo esse sangue… É nossa maldição, Mi. Todos os anos nós revivemos a pior noite das nossas vidas, o momento em que a bruxa Viviane apareceu na festa, cega de ódio, nos prendeu aqui dentro e hasteou fogo em tudo, antes de ferir cada um de nós, um por um, e nos deixar sangrando e morrendo mesmo enquanto os bombeiros e paramédicos tentavam fazer alguma coisa. Só que somos fortes e decidimos transformar essa sina em algo bom. Decidimos festejar a segunda chance que recebemos, então sempre viemos, dançamos e curtimos. Nos outros quando saímos da escola somos invisíveis, lá é o santuário que os anjos criaram para proteger nossas almas, já que decidimos que só iríamos partir quando todas as nossas missões estivessem cumpridas e nossa turma estivesse completa.

— Faltava alguém?

Você. — ela deu uma pausa — Sua família ia se mudar para o Limoeiro em 2005, então nós teríamos nos conhecido se nossos destinos não tivessem sido interrompidos.

— Espera, eu… Não, não, em 2005 eu… — Milena tentou argumentar, dizer que deveria ser uma criança naquele ano, um bebê , na verdade. Porém de repente se deu conta de que suas memórias pareciam embaralhadas, como se ela não tivesse noção nenhuma do tempo. Tinha dezesseis anos, mas desde quando? Recordava-se de sua infância, da pré-adolescência e da transferência de seu pai para a nova clínica veterinária na outra cidade. Lembrava-se de estar no carro, ouvindo música no aparelho disc-man, embora não soubesse dizer qual era a canção. E de repente tudo era um borrão, com memórias de vários e vários anos, embora ela sempre estivesse sozinha e nunca mudasse. O mundo ao seu redor se transformava, mas as pessoas pareciam alheias à sua presença, sequer sabia dizer onde estavam seus pais e irmãos.

— Chamam de alma em negação. — Marina encarou o chão. — Quando alguém não percebe que… 

— O que aconteceu com meus pais? Meus irmãos? Como você sabe disso?

— Acho que estão vivos. O que você vê é fruto da sua imaginação. — a jovem abraçou as próprias pernas tristemente — Eu sei porque meu anjo da guarda fala mais do que deveria. Fofoqueiro... Ele me contou que eu precisava te encontrar e te trazer para nós, cumprir nosso destino. Eu só não sabia que também seria eu que te contaria que…

— Eu morri. — Milena repetiu — Foi um acidente, eu lembro agora. O carro deslizou na pista e eu queria proteger o Binho, sabe, meu irmão. Ele nunca parava quieto!

— É. O primo da Magali é melhor amigo dele até hoje. Eles levam flores para nós no cemitério, jogam água nas nossas sepulturas, menos na do Cascão porque ele odeia água. O Binho deixa uma carta na sua todo ano, no dia de finados. O Ângelo, nosso anjo, me trouxe todas para que eu te entregasse quando você descobrisse.

— Sério?

— Sim. Ele não pode interferir no seu processo.

— E você pode?

— Espero que sim, já que interferi… — o riso baixo foi acompanhado de um choro cada vez mais intenso. — O seu lugar agora é conosco, Milena. Sei que parece injusto e você deve preferir voltar para sua família, mas as nossas famílias estão juntas. E você é uma peça que faltava na turma, todos sabíamos disso.

— E sou sua alma gêmea.

— É, mas isso não significa que você tem que se interessar por mim, sabe? Não vou te obrigar, só quero te fazer companhia, te ajudar a encontrar seu papel na nossa missão, então não precisa se preocupar se…

— Ai Marina, eu fiquei doida por você desde que te vi na aula de química! — Milena disparou, necessitando de pelo menos um instante de felicidade, que logo encontrou na forma com que o rosto da outra se iluminou em um sorriso esplendoroso.

Marina riu alegremente, aproximando seus rostos e depositando um selar cálido nos lábios de Milena, que logo permitiu que o beijo se aprofundasse. Ah, a ironia que era dar seu primeiro beijo depois de morta… Mas havia valido a pena esperar. Aquela garota era a única pessoa que queria beijar por toda a eternidade.

— Sabe… Eu era apaixonada por um garoto em 2003. Um dos poucos sobreviventes do incêndio. Via alguns amigos meus que morreram junto com suas almas gêmeas e me sentia tão sozinha! Até que o Ângelo me contou sobre você e sobre como eu deveria esperar até a noite de hoje, longos vinte anos. 

— Ele não era sua alma gêmea?

— De certa forma era, mas não como você. O Frederico vai nos encontrar, mas só daqui a muitas décadas. Por enquanto ele tem coisas enormes pra fazer no outro plano. — riu — Eu e você temos que descobrir o nosso amor, Mi. E que salvar a humanidade, mas essa é uma história muito longa e acho que você já recebeu baques demais hoje…

— Salvar quem? Mas eu acabei de chegar!

— Eu sei. Hoje nós vamos dançar, podemos sair pra ver a noite mais tarde, podemos tudo. Amanhã ainda estaremos juntas.

— Você não vai cansar de mim?

— Nunca. Te esperei pelos últimos vinte anos, mal posso esperar para estar contigo por toda a eternidade.


Notas Finais


Ufa, como foi difícil escrever uma oneshot! Sou uma escritora de histórias longas, hahahaha. Mas gostei dessa, apesar de ter vários headcanons que poderiam render numa continuação. O que vocês acharam? Gostaria de saber se vocês tem hcs! Será que o Franja vai encontrar a Marina e a Milena depois de várias décadas tipo a Rose de Titanic encontrando o Jack? Ou serão apenas as duas juntas pela eternidade? A Magali saiu para resgatar gatos que poderiam ser sacrificados por ser sexta 13, já que infelizmente isso ainda acontece! E o Cebola foi espiar sua família, se sente culpado por alguma coisa. O que será? Várias pontinhas soltas pra deixar espaço pra imaginação 💜 Espero que tenham gostado!


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