No dia seguinte, logo cedo, Yashamaru estava de pé, a caminho do escritório do Quarto kazekage, no centro de Sunagakure. Seu objetivo era entregar mais um relatório semanal a respeito do “experimento Shukaku”. Era assim que o kazekage chamava aqueles relatórios sobre os desdobramentos da vida de Gaara, e Yashamaru particularmente achava aquele nome um tanto quanto desnecessário e um pouco ridículo também, como se fosse título de um filme de ficção científica, e dos ruins.
O jovem ninja bateu na porta com uma das mãos; com a outra segurava a papelada.
— Entre.
Yashamaru arrumou a postura e ficou o mais sério possível. Ele não podia ser a mesma pessoa que era com Gaara diante do kazekage. Tanto que, todas as vezes que tinha algum assunto com Rasa, usava suas típicas roupas de ninja: basicamente calças e camisa pretas e um colete amarronzado por cima, além de seu protetor de testa azul com aquele símbolo da Areia: a ampulheta. Além das roupas, seu vocabulário tinha que ser o mais formal possível, o mais sério, sem espaço para nenhuma palavra ou atitude gentil.
— Com licença, kazekage-sama. Está pronto o relatório a respeito do Gaa... Do jinchuuriki, senhor.
Rasa fez um aceno de cabeça, sinalizando que queria que Yashamaru se sentasse na cadeira em frente à sua mesa. O ninja o fez, estendendo os papéis na direção do kage.
Ele, com o semblante fechado de quase sempre, começou a folhear os escritos, passando os olhos por todos os parágrafos de cada página. Enquanto esperava, Yashamaru ocupou-se em observar a mesa do líder da aldeia: além dos livros, pergaminhos e papéis costumeiros espalhados por ali, o jovem notou uma garrafa de bebida, já aberta. “Ele já está bebendo a essa hora da manhã?” pensou ele. Yashamaru procurou por um relógio de parede: sete horas, em ponto.
O kazekage pigarreou e o ninja voltou à atenção para seu líder.
— “Comportamento instável. Pouca ou nenhuma interação social. Baixa autoestima...”– O kazekage lia em voz alta alguns aspectos da descrição que Yashamaru escrevera sobre Gaara.
Aquela parte do texto era um conjunto interminável de rótulos, que começava mal e terminava ainda pior. Só Yashamaru sabia o quão doloroso era para ele escrever cada palavra daquelas. Onde estava a descrição simples e agradável que ele apresentou a Tomoyo a respeito do menino? Onde estava a palavra “gentil” ou “inocente”? Onde foram parar características como “inteligente” ou “carinhoso”? Bom, elas simplesmente não cabiam naquele tipo de escrito ridiculamente intitulado como “experimento Shukaku”.
O kazekage suspirou fundo, abaixando o relatório e o colocando sobre a mesa. Yashamaru observou errado ou era um olhar de tristeza no semblante pálido de Rasa?
— Bom, eu vou examinar os papéis cuidadosamente mais tarde, como sempre.
— Hai, kazekage-sama.
— Mas existe algo que você queira pontuar? – Rasa voltou a folhear as páginas. — Talvez o tal incidente no pátio da escola? Já estou sabendo disso.
— Sim, senhor. Página 19.
O kazekage buscou a página e mais uma vez começou a ler em voz alta o que estava escrito. Yashamaru sentiu-se desconfortável com aquilo.
— “Aos quinze dias do mês de agosto, o jinchuuriki Gaara episodiou mais um incidente perigoso, onde não conseguiu controlar o poder de seu bijuu, colocando em risco alguns moradores de Sunagakure...” – por cima dos papéis, Rasa voltou os olhos para Yashamaru, que engoliu em seco. — Ouvi dizer que dessa vez foram crianças, certo?
— Sim, senhor. Está mais detalhado no decorrer do documento. Porém, não houve nenhuma vítima, nem sequer um ataque aconteceu. Eu mesmo estava lá e parei o jinchuuriki antes que algo mais grave pudesse acontecer.
— Entendo – o kazekage se remexeu em sua cadeira. Franziu as sobrancelhas antes de perguntar: — E como você conseguiu pará-lo, Yashamaru?
— Como? – o jovem ninja não entendeu em que aspecto Rasa lhe perguntava. Acho que foi por isso que ele respondeu a pergunta de forma tão sincera.
A resposta que deu início a tudo:
— O Gaara confia em mim.
Pronto. Seu destino começava a ser traçado a partir dali.
O kazekage levou a mão ao queixo, parecendo pensativo.
— Sei... Ele confia em você. Mas o que você fez exatamente para impedi-lo de atacar?
— Bom, eu disse que ele não podia fazer aquilo. E ele recuou.
— Ele recuou...
Houve um momento de silêncio enigmático, um encarando o outro, olhos castanhos encarando olhos violetas e a quietude ainda ali; em seguida, Rasa se levantou e começou a passear pela sala.
Voltando a falar, o kage perguntou a respeito dos estranhos assassinatos nos desertos perto de Suna e se Yashamaru suspeitava de Gaara.
— Como o senhor mesmo já deve saber, os assassinatos estão sendo investigados ainda e muitos especulam que animais fizeram aquilo, animais ferozes do deserto.
— Entendo – disse Rasa, com a atenção voltada à uma janela aberta em sua frente. — Mesmo assim, seria melhor que Gaara não ficasse perambulando à noite pelas ruas de Suna. Pouco me importa se ele não pode dormir e fica entediado em casa de madrugada. Não quero aquele garoto rondando minha aldeia à noite, fui claro?
— Sim, senhor. Quanto a isso, já tomei algumas providências – respondeu Yashamaru, referindo-se ao castigo que impôs sobre Gaara no dia anterior.
— Fez muito bem, então – o kazekage voltou para seu lugar de costume, estendeu a mão à Yashamaru; os dois apertaram as mãos se cumprimentando. — Está fazendo um bom trabalho com o garoto, Yashamaru. Na verdade, sempre soube que você faria. Continue assim!
— Arigato, kazekage-sama.
O jovem ninja se levantou indo em direção à porta. Parou ao ouvir a voz de Rasa mais uma vez. Não gostou nada do que ouviu.
A má notícia para Gaara:
— Apronte o garoto para mim; vou leva-lo hoje à tarde.
***
A manhã se foi apressadamente e agora já passava do meio dia.
Gaara e Yashamaru faziam sua segunda refeição juntos sentados à mesa da cozinha. Ambos estavam em silêncio como sempre, não falavam muito durante as refeições. Mas naquele dia em especial, o tio fazia tentativas para mudar essa prática, até porque, ele precisava encontrar o modo mais delicado de avisar ao sobrinho que seu papai kazekage queria vê-lo à tarde.
— O almoço está gostoso?
— Sim.
— É, eu sei que carne vermelha é uma de suas comidas preferidas, certo?
Como resposta, Gaara apenas sorriu, para desânimo de Yashamaru.
— Certo... Bom, o meu prato favorito é...
— Sopa de tomate! – o menino completou a frase, limpando o canto da boca com as mangas de sua blusa.
— Isso mesmo! Você é muito observador, sabia disso?
Depois desse elogio, os dois voltaram a comer em silêncio. Mais uma vez, Yashamaru tentou puxar algum assunto descontraído, antes de dar a má notícia a Gaara.
— Eu estou separando alguns livros para você lá no trabalho – disse ele, e levou um pouco de comida à boca.
— Domo – Gaara respondeu. — Mas faz tempo que eu não leio um livro para crianças.
— Você tem razão, Gaara. Vou comprar um livro infantil para você essa tarde! Podemos ler juntos à noite, o que acha?
— Seria ótimo – respondeu o menino, afastando um pouco o prato vazio depois de terminar seu almoço.
Pediu permissão para sair da mesa; como parecia que não haveria outra forma de falar aquilo, Yashamaru simplesmente avisou que seu pai estava vindo busca-lo essa tarde, assim, de maneira bem direta.
A criança sabia o que aquilo significava e nunca era algo muito agradável, em sua opinião. Durante essas tardes em que Gaara tinha que encontra-lo, o kazekage sempre o fazia treinar exaustivamente, só terminavam quando ele estava completamente exausto ou quando conseguia executar perfeitamente alguma técnica com a areia. Nessas visitas, Rasa brigava com ele e não parava de gritar. Às vezes lhe fazia um mundo de perguntas cujas respostas Gaara nunca sabia dar, e quando tentava, sempre estava errado, de acordo com o pai. Eram perguntas sobre o próprio Gaara, mas que nem mesmo ele sabia responder ao certo.
Esse na verdade, era outro ponto que estava sendo negligenciado até por Yashamaru: explicações. Gaara ansiava por inúmeras explicações sobre sua própria vida. Coisas bem simples, do tipo: por que as pessoas o evitavam tanto? Por que as outras crianças não podiam ou não queriam brincar com ele? Por que Gaara não tinha permissão para ficar junto de seus irmãos Kankuro e Temari? Por que ele morava com o tio e não com o pai e com os irmãos? Por que os aldeões o chamavam de aberração, monstro e aquelas outras palavras ruins? E por que aquela areia o perseguia o tempo todo?
Infelizmente, ninguém lhe esclarecia nada.
Se Gaara pudesse escolher a respeito de visitar o pai ou não, ele com certeza diria um não bem audível. Ele não entendia porque o pai lhe tratava tão mal, e das poucas vezes que esteve junto aos seus irmãos, deu para perceber que aquele tipo de tratamento ríspido e arrogante era exclusivamente para ele. Gaara adoraria sair com o pai para fazer outro tipo de coisa, para passear ou brincar ou qualquer outra atividade agradável. Mas isso nunca iria acontecer de verdade. Era mais um item na coleção de sonhos de Gaara, empilhados numa estante, pegando poeira.
O menino não disse nada, apenas assentiu com a cabeça e pediu novamente a permissão de Yashamaru para sair da mesa.
— Tudo bem, vá se arrumar então, querido.
Gaara saiu da cozinha e Yashamaru o seguiu com os olhos, observando-o ir direto para o quarto; socou a madeira da mesa e empurrou seu prato de comida para frente. Perdeu a fome.
Perto das duas da tarde alguém bateu à porta. Tratava-se de Baki, um dos principais guerreiros de Suna, membro do Conselho e homem de confiança do kazekage; sua aparência podia ser descrita como bruta: ele era alto e forte, tinha pele morena e usava um manto branco na cabeça que cobria metade de seu rosto; a outra metade visível era mal encarada e severa na maioria das vezes; Baki explicou em poucas palavras que Gaara deveria acompanha-lo até a casa de Rasa, no centro da aldeia.
Um detalhe sobre Baki:
Ele tentava não demonstrar, mas sentia uma pontinha de carinho por Gaara. Não sabia de onde aquele sentimento vinha, por esse motivo, preferia reprimir qualquer demonstração de afeto pela criança. Então, por conclusão, acabava agindo com indiferença, assim como as outras pessoas. No entanto, Yashamaru sabia que Baki não era um homem sem coração; é que os dois se conheciam desde a infância e de alguma forma, Yashamaru tinha certeza de que Baki cuidaria de Gaara se fosse necessário.
O jovem ninja enciumado chamou Gaara e lhe explicou que dessa vez o menino iria para a mansão do kazekage e não para a Academia da vila nem para algum lugar afastado dali. Dessa vez era a casa do homem.
Antes de ir, Yashamaru lhe passou as instruções de sempre; toda a vez que Gaara ia para a mansão do kazekage, o tio lembrava a Gaara tudo o que o menino podia e não podia fazer.
— Então você sabe que se encontrar Temari ou Kankuro por lá, não pode ir falar com eles, não sabe? – Yashamaru ajeitava as roupas do garoto distraidamente, abaixado em sua altura.
— Eu sei – respondeu Gaara, entre os dentes. Se tinha irmãos, por que não podia falar com eles? Nem brincar... Nem nada?
— Certo... Mas se eles vierem até você e falarem com você, aí sim, os três podem conversar.
Gaara fez que sim sem demonstrar nenhuma alegria nisso. Não era assim que os irmãos deviam se ver, ele pensava.
Yashamaru, relutante por dentro, entregou o sobrinho a Baki.
— Fique tranquilo. Eu vou estar de olho nele pra você, Yashamaru — Baki, deixando escapar um pouquinho da prova de que mesmo sendo o braço-direito do tirano kazekage, ele tinha coração.
— Isso seria ótimo, Baki. Obrigado.
Yashamaru despediu-se de Gaara com um beijo em sua testa. Ficou olhando os dois caminharem para longe dali. Só fechou a porta quando a figura de seu sobrinho sumiu de sua vista completamente.
— Droga! – o jovem exclamou, resmungando. Odiava ter que dividir Gaara com o pai.
No entanto, agora ele precisava voltar ao trabalho no hospital e simplesmente esperar o dia terminar para ter o sobrinho de volta ao seu lado.
***
Kankuro assistia Temari caminhar de um lado para o outro em seu quarto. Aquilo já estava deixando-o tonto. Enquanto lustrava uma de suas marionetes sentado no chão de seu amplo quarto, o garoto questionava os motivos da ansiedade da irmã.
— Como assim, “por que estou tão ansiosa”? –Temari parou, encarando o irmão. — Você não se lembra do que o papai disse mais cedo? O Gaara virá treinar aqui hoje, no nosso dojo particular!
— Ah, então é isso – Kankuro deu de ombros e voltou a dar atenção apenas ao seu boneco.
— Não finja que não se importa com isso, otouto. Faz muitos meses que não vemos o Gaara, você sabe.
— Eu sei... Eu também tenho um pouco de medo dele, para ser sincero.
Temari jogou-se na cama do irmão. Suspirou.
— Não é por isso que eu estou assim... Quer dizer, ter ele aqui tão perto me assusta também – a menina fez uma breve pausa e em seguida, buscou a face de Kankuro mais uma vez. — Mas é que... Eu gostaria de passar um tempo com ele, gostaria de conhecê-lo melhor. Você não acha que ele parece sempre tão triste, Kankuro? Eu queria saber por quê...
— Ah, não é por menos, Temari! O garoto é um jinchuuriki, esqueceu? Eu também estaria depressivo se fosse um! – Kankuro riu de sua própria fala, o que não fez efeito no humor ansioso e agora um pouco abatido de sua irmã mais velha.
Ele resolveu largar sua marionete e sentar-se ao lado de Temari.
— Olha maninha, mesmo que você queira, nós sabemos que o papai não nos deixa ter contato direto com nosso irmão. Ele diz que é muito perigoso agora que o Gaara está atacando as pessoas. — Temari só pôde concordar com um aceno de cabeça. — Além disso – Kankuro continuou —, não é bom ir contra as ordens do grande kazekage!
— Tem razão. Ao menos o tio Yashamaru está com Gaara... Ele lembra muito a mamãe, não acha? – a menina de olhos verdes e tristes suspirou fundo. — Tenho saudades do tio Yashamaru... E da mamãe também.
Kankuro detestava ver Temari daquele jeito. Mesmo sendo uma garota séria na maioria das vezes, seu lado sensível e delicado tocava Kankuro. Nessas horas, era Temari que o fazia lembrar-se de Karura, a mãe que ele perdeu ainda tão jovem, mas que sempre amou.
O irmão se colocou de pé, com um sorriso largo nos lábios.
— Então, o que você acha de tentarmos falar com Gaara hoje, ehm? Não sei, puxar alguma conversa, talvez...
— Ótima ideia! Podemos fazer isso quando o papai não estiver por perto!
— Exatamente. Faremos isso então: assim que o papai sair, nós vamos até Gaara e passamos um tempo juntos, nós três.
Temari levantou-se da cama; abraçou Kankuro com força, mostrando a ele o quanto aquilo era importante para ela.
— Domo, otouto!
Kankuro apertou mais o abraço fraterno.
— Por nada, maninha.
Uma pena que aquele encontro tão bem arquitetado por aquelas duas crianças duraria tão pouco.
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