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História As Visões de Dimash - Olimpico


Escrita por: stellamont

Capítulo 11 - Olimpico


Fanfic / Fanfiction As Visões de Dimash - Olimpico

Parte Um

Chegamos em Lima. Tudo correu como esperado. Chegada no aeroporto. Recepção das dears com flores, presentes, canções. Ida para o hotel. Desde que chegamos, eu e Dimash estamos juntos. Já me tornei quase a sua sombra, fazendo a tradução de todos os seus contatos durante a viagem e na recepção das dears. No início, minha presença constante junto ao Dimash criou alguma estranheza entre as dears, muitas fofocas, muitas querendo saber se eu era mais uma de suas “primas”. Sei que muitas saíram investigando até mesmo minha vida pessoal antes de chegar ao Cazaquistão. Mas acabaram se convencendo de que eu era apenas mais uma pessoa comum trabalhando pra ele.

Os ensaios começam. O concerto dele será daqui a quatro dias e, até lá, haverá muito trabalho a ser feito. Há também entrevistas. Todo o processo de divulgação do Dimash na América Latina é fundamental para estabelecer sua carreira aqui. Quando vejo Dimash nas entrevistas, fico me perguntando se ele realmente quer ser famoso. Eu sei que ele quer ser ouvido por muitas pessoas, fazer seus concertos pelo mundo. Ganhar um Grammy. Será que ele quer mesmo ganhar um Grammy? Para isso, não basta ser um cantor incrível. É preciso ser famoso, ser uma estrela, que é algo diferente. Às vezes acho que Dimash vai construindo sua carreira de uma forma bem flexível, deixando que as opções criativas que vão aparecendo guiem sua carreira. Acho que foi assim com sua colaboração com Igor Krutoy. E depois com o álbum cazaque lançado no período da pandemia.

Seria bom estarmos bem tranquilos, mas não é isso que está acontecendo. Desde que chegamos à Lima, eu tenho tido flashes de cenas perturbadoras e acho que Dimash também. Som de freios, uma criança na rua, um rapaz no meio de livros. Essas coisas me incomodam, mas, no caso do Dimash, acabam atrapalhando demais, já que ele precisa muito manter a concentração. E, mesmo ele tentando esconder esses momentos de dispersão, alguns membros da sua equipe já perceberam. Alguns comentam que ele pode estar doente. Não sei se será possível esperar passar o concerto para buscarmos uma solução pra isso.

Por fim, estamos na antevéspera do concerto e Dimash decide que precisamos conversar. Estamos os dois preocupados com o que pode acontecer no concerto. Será que Dimash corre o risco de ficar sem voz novamente? E o que pode acontecer no momento em que ele tiver que cantar Daybreak? Tão logo termina o ensaio geral, eu e Dimash vamos para o hotel. Precisamos ficar a sós. Como vamos fazer isso? Sinto saudade do Cazaquistão e de Alma-Arasan.

Dimash tem uma ideia. Não é uma ideia muito boa, mas pode dar certo. Pelo menos pode evitar alguma fofoca entre os membros da equipe. Fico pensando que algumas pessoas já devem ter percebido nossos olhares, mesmo que estejamos sempre nos vigiando para não dar oportunidade para comentários. De qualquer forma, a posição do Dimash quanto a não falar da sua vida pessoal intimida muitas pessoas. Se alguém percebe alguma coisa, ninguém comenta.

Dimash pede a uma das pessoas da sua equipe de comunicação que me chame para que eu faça junto com ele uma comunicação que ele quer fazer à mídia. Quando eles me ligam, me perguntam se eu me importo em ir até o quarto do Dimash, já que Dimash já está se preparando para descansar.

Bato na porta do Dimash levando uma pasta de documentos e algumas anotações. Ele abre e pede que eu entre, muito formal. Mas tão logo ele fecha a porta, ele segura minha mão.

- Que bom que você está aqui. Quando estou com você assim, tudo fica mais tranquilo...

- Eu também, você sabe disso. Mas não teremos muito tempo. Eu sei que você também está tendo os mesmos flashes que eu, não está?

- Estou.

- Acho que não vamos poder esperar. Vamos tentar nos conectar e conseguir mais alguma informação. Quem sabe, assim, as visões desapareçam por um tempo...

Estamos um pouco inseguros. Não estamos no Cazaquistão, mas do outro lado do mundo num quarto de hotel, com a sensação de não termos nenhum lastro emocional com a terra dele ou com a minha. Não sabemos o que pode acontecer ou se conseguiremos nos conectar como antes.

Dimash e eu nos damos as mãos. Dimash decide cantar Golden e nossa mente se enche rapidamente de imagens do rapaz na mesma sala de livros. “They are always looking at you like you're some kind of freak, like it's better if you disappeared. Think that you can't hear them but with every word you speak we can see our vision crystal clear”. Pessoas que passam por ele. Ele não fala, elas não falam. “Eles estão sempre olhando para você como se você fosse algum tipo de aberração como se fosse melhor se você desaparecesse, pense que você não pode ouvi-los mas com cada palavra que você fala podemos ver nossa visão cristalina...” Dimash está no meio da sala. Olha para os lados. Lá está a frase que vimos antes na parede. Mas há algo mais. Uma pequena placa: “Ciudad Dorados”. A canção termina.

- Achamos o nome da cidade! A cidade se chama “Dorados”. Será mais fácil encontrá-lo. Vamos ver aqui.

Pesquiso na internet. Há uma cidade perto daqui com esse nome. Mas não é uma cidade pequena. Somente com essa informação não conseguiremos encontrá-lo.

- Precisamos tentar com Daybreak. Sei que é doloroso pra você, mas não vejo outra solução...

- Dimash, eu tenho sentido essa tristeza o tempo todo desde que tivemos essa primeira visão. Vamos tentar.

Novamente, nos damos as mãos e Dimash canta Daybreak. Agora, o que vemos é uma criança sozinha. O sol clareia tudo, mas sinto frio. Está tudo em silêncio. Estou bem em pé, no meio da rua. Olho para os lados. Carros seguindo apressados, um ônibus parado num ponto. Na frente do ônibus, leio “Mañanas”. Manhãs. E, de repente, sinto um impacto no corpo, como se tivesse sido atropelada. Meu corpo está na rua e não consigo me mexer. Estou paralisada. Não consigo falar nada. Desmaio.

 

Parte Dois

Abro os olhos. Estou deitada no sofá. Mais uma vez desmaiei. Mais uma vez vejo o olhar preocupado do Dimash sentado ao meu lado.

- Eu nunca vou me acostumar com isso. Ver você desmaiada. Sentir seu corpo gelado. É enlouquecedor.

- Eu também não gosto da experiência, mas pelo menos conseguimos mais algumas informações. “Mañanas” pode ser um bairro, uma rua... Mas é na cidade de Dorados, com certeza. E aquela mulher caída, ela pode ter sido atropelada. Com isso, talvez consigamos encontrar o rapaz. Vamos precisar ir até lá. Precisaremos de um plano pra driblar os jornalistas e as dears. Algo parecido com o que fizemos no México.

Faço menção de sentar no sofá, mas há algo errado. Não sinto minhas pernas. Não consigo mexê-las. Dimash percebe aterrorizado.

- Você não consegue se mexer?

Não sei o que dizer, nem o que fazer.

- Não sinto minhas pernas.

- Eu não devia ter proposto Daybreak. Eu quero que você se concentre. Você vai voltar a andar. Nós vamos fazer isso juntos, como fizemos quando eu perdi a voz.

- Mas e se der errado? E se for você a ficar assim? Nós não sabemos como você retomou sua voz... Talvez eu volte a andar daqui a pouco... E você tem um concerto pra fazer amanhã.

- Você deve estar maluca se acha que eu vou deixar você ficar assim, sem tentar nada.

- Pois eu acho que podemos esperar um pouco. Eu posso ficar aqui mais uma ou duas horas e...

- Eu retiro o que eu disse de nunca odiar você. Faça isso e eu vou odiar você. Muito.

Dimash tem um olhar tão feroz que me dá um pouco de medo. Eu nunca o vi assim. Sua revolta é tão forte que fico sem fôlego. Estamos num impasse. Não quero arriscar que ele fique assim e acho que podemos esperar. Já Dimash não consegue nem considerar a opção. Mas a ameaça dele me assusta muito.

- Como poderíamos fazer isso aqui? Quando foi com você, estávamos num concerto. Foi uma situação cercada de tensão.

- Tensão? Mais do que estou sentindo agora? Meu corpo inteiro está doendo de tensão, pode acreditar. E chega de conversa. Me dê sua mão. Agora.

O olhar do Dimash não deixa dúvidas: ele pode, sim, me odiar. Dou minhas mãos pra ele.

- Eu sei que há uma canção que você ama. Percebi naquele dia em que você me ouviu pela primeira vez e depois em cada concerto. Quando eu canto essa canção, sua energia sempre me atinge em ondas... Você vibra e eu sinto sua vibração. Passei a amar o momento de cantar essa canção, só porque eu posso sentir sua presença de forma tão forte...

Olimpico. É uma canção poderosa.

- E como você pretende cantar essa canção nesse quarto sem despertar todo o hotel?

- Você acha que eu não consigo cantar essa canção de outra forma, de uma forma mais intimista, só pra você? Você me subestima...

Um sorriso passa rapidamente pelo seu rosto. O mesmo sorriso que adoro ver na apresentação dele de SOS lá em 2017. Amo esses momentos em que vejo como Dimash é confiante na sua arte. Não é um sorriso arrogante. É um sorriso de quem sabe do que é capaz.

- “Sei forte, sai... E non aver paura... Sei forte, sai... Tu sei più forte dei tuoi guai”. “Você é forte, você sabe... Seja corajoso... Você é forte, você sabe... Você é mais forte do que seus problemas...”

Dimash me abraça e canta bem ao meu lado. Uma versão forte, mas suave ao mesmo tempo. Vou me perdendo na voz dele... Arrepios percorrem meu corpo como eletricidade, como se cada célula do meu corpo acordasse e se transformasse em energia. Sinto o calor do corpo dele e me aninho ainda mais nos seus braços. É como se fôssemos um só. Dimash termina a canção e me olha ansioso. Ele me ajuda a sentar e consigo novamente mexer as pernas.

Eu e Dimash estamos exaustos. Primeiro Dimash perde a voz; agora, eu perco o movimento das pernas... Mal posso esperar pra encontrar esse rapaz e acabar com essas visões!

- Vamos em busca desse rapaz no dia seguinte ao do meu concerto. Nem mais um dia!

O concerto. Será que sobreviveremos a esse concerto sem mais nenhuma surpresa?

 

Parte Três

Eu acordo mais cedo. Dimash deve estar ainda dormindo no seu quarto. Não consigo relaxar depois do que aconteceu primeiro com Dimash e depois comigo. Como ficarmos “imunes” àquelas visões pelo menos durante o concerto? Dimash precisa do seu país. É lá que ele recarrega suas energias. É lá que estão suas raízes. Mas Dimash não é só cazaque. Ele se sente parte do mundo. A América Latina tem uma força muito grande no seu povo, nas suas origens. Será que seria possível conectarmos esses mundos tão distantes?

Encontro Dimash depois do café da manhã. Não costumo participar desse momento do dia dele porque é o momento que ele reserva sempre para estar com sua família. Depois do café da manhã, sua família aproveita para passear e somente o Sr. Kanat permanece nos ensaios, entrevistas e outras atividades profissionais do Dimash. Preciso falar com Dimash. Tive uma ideia.

- Fiquei pensando em como tentarmos evitar mais uma daquelas situações horríveis que vivemos nesses dias. O que nos alimenta, nos dá energia, nos deixa mais fortes? O Cazaquistão é o seu lugar. Mas não é somente o local, o espaço. É o povo cazaque. Você está cercado de sua família e de cazaques aqui. Você vai cantar canções cazaques, você vai tocar a dombra. Mas isso não está bastando pra nós dois. Todas as imagens que nos invadem são daqui, do povo latino-americano. Meu povo. Minhas raízes. Somos complementares, certo? Acho que precisamos colocar isso em prática no concerto. Haverá uma multidão de dears latinas. Elas podem ser nosso escudo, nossa proteção.

- Como fazer isso?

- Você precisa abrir o concerto conectado com essa terra! Acho que você deve abrir o concerto com música e imagens da América Latina. Eu vi que você ganhou das dears uma camisa de tear com uma padronagem andina. Você deve usá-la. Você precisa se conectar com a força dessa terra por meio das dears latinas que amam você. Eu estarei na plateia junto com elas. Eu estarei conectada com elas e com você. Nós todas juntas poderemos proteger você.

- Eu entendo o que você quer dizer. Acho que pode dar certo. Mas temos um pouco mais de 24 horas para fazer alterações no concerto. Isso não é possível.

- Você não vai precisar mudar o concerto. Lembra-se daquela mensagem que você gravou para sua turnê D-Dynasty em Shenzhen? Vamos criar uma mensagem daquela com você falando em espanhol.

- Espanhol? Bem, se eu consegui gravar em mandarim, em espanhol não deve ser tão difícil. O problema é que temos pouco tempo.

- Faremos dar certo. Precisamos de um texto e de um estúdio para gravar.

Dimash e eu começamos a rascunhar um texto. Dimash chama sua equipe e explica o que ele quer fazer. O resto do dia é uma loucura. Enquanto a equipe providencia todos os requisitos técnicos, eu trabalho com Dimash cada frase do texto em espanhol. Ainda bem que ele já cantou em espanhol mais de uma vez e já estávamos trabalhando em sua pronúncia para cantar “Gracias a la Vida”.

Vamos para o estúdio. Gravamos a mensagem e logo depois sentámos com a equipe técnica para editar o vídeo e deixá-lo preparado para amanhã. Ficou bonito e forte! Eu acho que pode dar certo.

 

Parte Quatro

O concerto vai começar. Estou ansiosa. Estou sentada bem próxima ao palco. Somos muitas aqui. Cerca de 15 mil dears aguardando o início do concerto. De repente, as luzes se apagam e ouvimos o som de uma flauta peruana. Em seguida surge o rosto do Dimash no telão falando em espanhol. No fundo uma imagem da Cordilheira dos Andes.

- Minhas queridas dears da América Latina! Finalmente nos encontramos. Vocês não sabem o quanto eu esperei por esse momento. Vocês estão felizes esta noite?

Toda vez que atuo no palco eu acho que é o resultado do vosso esforço incansável. Obrigado pelo vosso amor puro e cuidado generoso. Obrigado por não pouparem esforços para tornar o meu sonho realidade e deixar que eu as conheça. O seu amor me faz feliz e me inspira.

Eu quero fazer um acordo com vocês durante esse concerto: que nós fiquemos livres de todas as inibições, que confiemos uns nos outros.

Eu preciso da emoção de vocês. Eu preciso do apoio de vocês. Eu preciso da força e da energia de vocês, desse povo forte e corajoso dessa terra!

E na tela, por fim, essa declaração de amor: “Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde, amo-te diretamente sem problemas nem orgulho: amo-te assim porque não sei amar de outra maneira...” (Pablo Neruda)

Por um momento, tenho a sensação de que o estádio em que estamos vai vir abaixo. O frenesi que se forma entre as dears com a mensagem do Dimash cria uma onda de energia que se sente no ar. Logo depois, acendem-se os holofotes dourados e lá está Dimash, lindo! Eu já havia me esquecido de como era assisti-lo assim: eu na plateia e ele no palco. Mas não é mais como era antigamente. A conexão que tenho com ele me atinge por completo.

Olimpico. Meu corpo vibra numa eletricidade que não sei explicar. Pensar que ele está sentindo essa mesma vibração, que ele já amava essa música porque era capaz de sentir meu prazer mesmo antes de me conhecer, me dá uma felicidade indescritível.

O concerto corre sem problemas até o final. Nada de visões. Nada de sofrimento e de dor. Só prazer e alegria descontraída. Saio do estádio junto com as outras dears que estão muito felizes. Não estou com vontade de ir até as coxias. Dimash não vai precisar de mim hoje. Tem sua família, seus amigos.

Vou direto para o hotel. Novamente anônima. Novamente sozinha. Deixo uma mensagem para o Dimash no seu celular para que ele não fique preocupado e desligo o celular. A cozinha do hotel ainda está aberta. Peço um chá e biscoitos. Não tenho o Dimash elegante na caixinha pra me fazer companhia. Melhor ir dormir. Amanhã iremos atrás do rapaz para descobrir, finalmente, qual nossa participação no destino dele ou dele no nosso destino.

 

Parte Cinco

Mal amanheceu e alguém bate na porta. Abro já sabendo que é o Dimash. Ele está encostado no batente da porta já barbeado e vestido para viajar. Ele parece irritado.

- Você fez isso de novo.

- Deixei uma mensagem pra você dessa vez.

- Verdade. Uma mensagem fria de uma funcionária avisando que vai faltar ao trabalho.

- Primeiro, funcionárias não mandam mensagens à meia-noite. Segundo, você queria que eu deixasse que tipo de mensagem? E se alguém ouvisse minha mensagem pra você? Seja razoável.

Quando vejo Dimash assim, penso nele em suas entrevistas, tão tranquilo, comportado e contido. Que diferença desse homem parado na minha porta. Por um lado, é meio assustador. Mas por outro, consigo entender como ele pode ser esse verdadeiro camaleão no palco.

Dimash sorri.

- Eu posso sim ficar contrariado. Você esqueceu a entrevista para o canal russo em que o entrevistador insiste em me chamar de estrela e em saber porque eu não me comporto como outros cantores que consideram “aproveitar a vida” beber e ir a boates?

- Eu ri muito quando vi essa entrevista.

- Você tem um senso de humor esquisito, viu? E você vai me deixar entrar ou vamos ficar batendo papo aqui no corredor com você de pijama?

Estou de pijama. Nem percebi.

- Entra logo! Vou colocar uma roupa pra viagem e podemos tomar um lanche antes de sairmos.

Vamos viajar para Dorados em busca de informações. Minha esperança é que encontremos o rapaz das nossas visões. Já que em todas elas vemos uma sala cheia de livros, talvez seja uma biblioteca em Dorados. Há uma em um bairro chamado “Mañanas”, e é por lá que começaremos. Dimash não quis contratar um guia, quem sabe o que acontecerá enquanto estivermos procurando por esse rapaz? O que nós não precisamos com certeza é ter alguma visão com testemunhas. Além disso, quanto mais pessoas souberem da nossa saída, maior o risco de sermos surpreendidos com jornalistas na porta. Por isso eu mesma vou dirigir e usaremos o GPS. Dimash até queria dirigir, mas ele está cansado e, convenhamos, eu sou melhor motorista. Afinal, pilotar o carro a não sei quantos quilômetros por hora em Astana, sem contar a estrada de terra, não é pra qualquer um...

Enfim, saímos novamente escondidos, driblando jornalistas e dears acampadas diante do hotel. Apesar da ansiedade, não dá pra ignorar o dia bonito que está lá fora. Eu nunca estive nessa região e é um prazer ver como tudo aqui é tão pitoresco e colorido. Dimash está cochilando. Gosto de vê-lo dormindo. Ele tem um rosto tão bonito e sereno quando dorme. E eu posso pensar o que eu bem entender sem correr o risco de ele estar se intrometendo na minha mente...

Já estou dirigindo há quase duas horas quando vejo a placa de Dorados. Acordo Dimash e vamos seguindo o GPS até a biblioteca. Ao chegarmos lá, vejo a rua e a reconheço imediatamente. No mesmo momento, passa um ônibus. Mañanas. Estamos exatamente no lugar que vimos nas nossas visões. Estamos bem na porta da biblioteca.

Ao entrarmos, lá está o rapaz das nossas visões. Exatamente no mesmo lugar, cercado de livros. O que faremos agora? Não imaginávamos que seria tão fácil encontrá-lo. Devemos ir diretamente até ele? E se ele se assustar e for embora?

- Vou conversar um pouco com a bibliotecária, quem sabe consigo alguma informação.

Dimash resolve sentar na mesa próxima ao rapaz e pega um livro. Eu sorrio. Se for em inglês, quem sabe ele ainda entende alguma coisa. Se não, melhor ser um livro de figurinhas. Dimash me olha entre bravo e divertido. “Há muitas “figurinhas” nesse aqui. Não se preocupe.”

A bibliotecária parece bem gentil e muito disposta a contar a história dele.

- Aquele rapaz me parece conhecido. Ele vem sempre aqui?

- Diego? Todos os dias por anos. Ele gosta muito de ler e está sempre cercado de livros que ninguém mais aqui consegue ler. Somos uma biblioteca pequena. No início, ele leu todos os livros que tínhamos. Depois, as pessoas da cidade começaram a trazer livros pra ele. Todo tipo de livro. Ciências, Política, Literatura, Matemática, Física. Ele simplesmente devora qualquer coisa. É incrível. E está sempre tomando muitas notas, escreve muito em cadernos que as pessoas dão pra ele, mas não mostra a ninguém.

- E a família dele mora aqui perto?

- Diego não tem família. A história dele é muito triste, na verdade. A mãe dele sempre o trazia aqui. Ele ficava aqui lendo enquanto ela ia trabalhar na loja na outra rua. Era só ele e a mãe. Um dia, a mãe dele deixou ele aqui, como sempre, mas nesse dia Diego queria ir com ela. Quando ela saiu, ele foi atrás dela. Ele chamou a mãe e foi atravessar a rua sem olhar. Vinha um carro e a mãe dele conseguiu empurrá-lo a tempo de evitar o atropelamento, mas acabou sendo atropelada no lugar e morreu na hora. Ele tinha somente 6 anos. Com a queda ele bateu a cabeça e ficou desacordado por dias. Acho que ficou em coma ou algo assim. Quando ele acordou, já não falava mais. Era um menino alegre antes. Depois disso, vive com o olhar perdido, enfiado nos livros.

- E ele mora com quem?

- Diego mora num orfanato do governo na rua ao lado. E a situação dele está bem complicada porque ele acaba de completar 18 anos e nessa idade ele não pode mais ficar lá. Alguns acham que ele deveria morar num desses asilos para loucos, sabe? Mas eu o vejo todos os dias e sei que ele não é louco.

- E ele não fala com ninguém?

- Não. Pelo menos eu nunca o vi falar com ninguém, nem mesmo com as pessoas do orfanato...

Então, graças à disposição da bibliotecária de falar sem parar, agora sabemos a história dele. Mas o que devemos fazer agora? “Vamos voltar para o carro”. Talvez seja melhor mesmo.

- E agora?

- Há algo interessante nele. Os livros que ele está lendo parecem ser livros de Ciência e de Política avançada. E parece que ele realmente está entendendo o que está lendo, ele fez muitas anotações. Eu não sei o que ele escreveu, mas, de alguma forma, eu senti que ele estava elaborando as informações.

- A bibliotecária disse que o orfanato fica na rua ao lado. Poderíamos ir até lá.

Dimash e eu vamos ao orfanato. Depois de conversar com a direção lá, precisamos tomar uma decisão. A direção confirmou o que já sabíamos e, o mais importante, confirmou o fato de que ele já devia ter saído desse orfanato dois meses atrás, mas que eles não tinham conseguido um lugar pra ele, nem tinham coragem de colocá-lo na rua.

E se ele viesse conosco? Quer dizer, não com Dimash, mas comigo para o Brasil? Lá ele poderia passar por uma avaliação médica e psicológica, quem sabe poderíamos ajudá-lo. Afinal, tinha que haver uma boa razão para todas aquelas visões. Havia algo importante relacionado ao Diego. Nós só não sabíamos o que era ainda.

- Poderíamos ligar para Dr. Mukhtar. Sei que ele está no Cazaquistão. Mas quem sabe ele se dispõe a nos ajudar? A viajar para o Brasil?

Dimash não parece muito animado com a ideia.

- Dr. Mukhtar é um ótimo neurologista e já trabalhou no Brasil. Com certeza deve ter amigos lá que possam nos ajudar. Ele fez tanto por mim. Sei que você pediu que ele me visitasse todos aqueles dias em que fiquei em observação... E ele foi tão gentil. E divertido. Se alguém pode nos ajudar é ele.

- Eu não pedi que ele a visitasse.

- Sério? Mas um motivo então. Que médico iria visitar uma paciente só pra ver se ela está bem por dias seguidos?

- Realmente, que médico faria isso...

Dimash parece chateado com alguma coisa. E eu não consigo sentir o que o está incomodando. Ele me bloqueou. Que coisa irritante. Depois de alguns minutos em que ele parece estar pesando prós e contras, ele concorda com a minha ideia.

- Mas como vamos levá-lo ao Brasil? Quer dizer, como convencê-lo a ir conosco?

 

 

 


Notas Finais


1. O trecho “Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde, amo-te diretamente sem problemas nem orgulho: amo-te assim porque não sei amar de outra maneira...” faz parte do soneto XVII de autoria do poeta chileno Pablo Neruda https://www.pensador.com/frase/MzMxMDI/

2. A entrevista: https://youtu.be/A4_p7_G1Q80

3. A flauta peruana de Leo Rojas: https://www.youtube.com/watch?v=uOIHHMnI_Ig

4. Depoimentos para as fãs feitos pelo Dimash
https://www.youtube.com/watch?v=DNoPhbx3NpQ&feature=youtu.be
https://m.facebook.com/groups/489252714916301?view=permalink&id=722111661630404
https://youtu.be/aoguLlGSM-M


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