Uma família estaria em luto naquele dia. Aquele homem não era alguém importante, então talvez sua morte não gerasse comoção na cidade, mas os criados, assim como as autoridades que o encontraram ali, sabiam quem havia sido seu algoz.
A flecha de aparência característica era a assinatura de um mercenário de rosto desconhecido, não se sabe quando chegou à capital, seus delitos eram conhecidos há anos e acreditava-se se tratar de um “posto” passado de mestre ao pupilo. O nome dado a ele esporadicamente corria pelas noites da capital, não aceitava qualquer serviço, mas sua rara aparição e sua eficiência em realizar o que lhe era encomendado e desaparecer eram notórias e chamava a atenção de muitos.
Um arqueiro habilidoso, o qual diziam que nunca errou um alvo sequer, um ladrão ágil e furtivo, que se espreitava pelas ruelas e becos sem ser descoberto, onde coletava seus pedidos e pagamentos por meio de terceiros, e também, de onde observava seus alvos e objetivos traçando um plano para a execução.
Seus feitos variavam desde roubos, entrega de cartas e flechas não letais atiradas como ameaça, até a despacho e entrega de objetos comprometedores. Contudo, aquela era a segunda vez que uma vida havia sido ceifada sob seu nome durante este meio século.
Nada se sabia da aparência deste mercenário, alguns dizem já terem visto sua sombra sobre os telhados durante a noite, passando veloz e silencioso sob suas vestes pretas, cobrindo todo o corpo, incluindo seu rosto. O que mais chamava atenção eram suas flechas peculiares, tingidas de um branco pérola e adornadas com penas brancas, o que junto ao fato de realizar o que lhe “mandavam” sob o luar, lhe fez ser conhecido com o nome de Cão da Lua, ou na língua nativa, Tsuki no Inu.
Eram poucos que tinham coragem e dinheiro para contratar seus serviços, pouco se sabia sobre como contatá-lo, o que era de conhecimento geral é sobre o primeiro, e talvez único, contato onde deveria se deixar uma carta em um envelope vermelho com o seu pedido e, claro, as especificações necessárias onde encontrar o objeto ou pessoa em questão, junto de certa quantia de peças de ouro em uma bolsa de cetim.
Não se sabia quanto ao certo deveria ser ofertado, se fosse um valor baixo, o pagamento era recebido e o pedido era ignorado, não tendo nenhum retorno, mas se fosse um valor aceitável conforme a demanda, uma pena branca era deixada no local após a coleta.
Ninguém ousava mexer no dinheiro ou no envelope vermelho. Temiam que o mercenário fosse reaver o que lhe havia sido dado e precisasse pôr um fim ao curioso que leu o conteúdo do envelope, apenas alguns oficiais que em raríssimas ocasiões encontraram o envelope a tempo e que tinham coragem para abri-lo, tentando descobrir quem era o remetente da carta ou, com sorte, a identidade do destinatário. Não houve sucesso nenhuma vez. As autoridades tentaram até mesmo contratar seus serviços, planejando uma armadilha, mas em suas tentativas, o envelope e o dinheiro nunca foram coletados.
Os investigadores da capital interpretaram o último ocorrido como a gota d’água, declarando estado total de alerta. Um homem que acertou precisamente uma flecha em um, pequeno e extremamente ágil, pássaro raro de um dos nobres da cidade, quando “acidentalmente” o mesmo foi solto de sua gaiola, não teria tirado a vida de alguém por acidente ou um erro de pontaria.
Era a pessoa de mais alta recompensa do reino, não existia perdão para seus crimes, procurado vivo, para que seu julgamento e sentença fossem expressamente ditos em praça pública, mesmo que todos já soubessem que seria condenado a pena máxima.
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Rin era a primeira princesa, filha do primeiro casamento do rei Touga, e tinha uma irmã proveniente do segundo casamento de seu pai. Como o governante não havia tido filhos homens, para ocuparem o título de príncipe herdeiro e ascenderem ao trono, assim como não tinha irmãos e nem tios vivos, a princesa primogênita foi proclamada princesa herdeira e seu casamento seria realizado para fins políticos, onde o conselho real escolheria seu noivo, que seria o novo rei da dinastia.
Sua madrasta, Yura, foi a única pessoa descontente com a situação. Continuava a tentar engravidar de um menino desde o nascimento de sua filha, Ayame, contudo, o rei lhe procurava com menos frequência e o pronunciamento real de que Rin seria coroada rainha mediante o casamento gerou um ciúme ardente e profundo.
Sua relação com a enteada não era necessariamente ruim, poderia ser dita como indiferente, a garota havia sido criada por Kaede, a dama da corte de Izayoi, a primeira rainha, e Yura nunca fez questão de tentar se aproximar durante os anos, ela tinha a certeza de que daria ao rei um príncipe herdeiro e que Rin seria apenas uma sombra que ela deixaria bem escondida no castelo ou, se possível, a casaria com algum nobre da cidade mais distante dali.
Porém, dada a situação, Yura fez algo impensável, movida pelo desespero e ambição. Assim como todos na cidade, ela conhecia o nome Tsuki no Inu e sua fama, assim como seu sigilo. O mercenário que ao longo dos anos nunca foi pego, nunca foi exposto, assim como nenhum de seus clientes.
A rainha Yura então mandou uma de suas criadas — que além de não saber ler ou escrever, nasceu com uma severa deficiência nas cordas vocais, fazendo dela incapaz de gerar mais do que sons curtos e baixos — colocar o envelope com o nome de Rin e uma farta quantia de ouro em um dos becos da capital. No dia seguinte, a mesma criada passou pelo local e no lugar do envelope havia uma pena branca, dando o sinal de que o pedido tinha sido aceito.
Semanas se passaram, a criada foi mandada para outro país, a pedido da rainha, para supostamente procurar tratamento médico para sua condição, de onde ela nunca mais voltaria.
Yura aguardava pacientemente que sua encomenda fosse atendida, ainda havia alguns meses até o casamento da princesa herdeira, o conselho ainda debatia sobre os possíveis pretendentes. Rin continuava sua vida no palácio normalmente, estudava diversos conteúdos, visando se tornar uma rainha sábia para aconselhar e apoiar o futuro rei, praticava canto e instrumentos e, quando ninguém estava olhando, tinha lições de combate com espadas com seu guarda pessoal e amigo de infância, Kouga.
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Em algum canto da cidade vizinha, bem longe das vistas do castelo na capital, dois homens com uma relação conturbada e de difícil compreensão tinham uma discussão. Ambos eram nada menos que o próprio Tsuki no Inu, em suas diferentes identidades.
— Você é uma vergonha — dizia um homem com ferocidade —, um frouxo, eu não lhe treinei para isso. Sua habilidade no arco e flecha é um desperdício se a usa somente para caçar passarinhos.
— Sabe muito bem que não concordo com esse tipo de conduta — A voz de Sesshoumaru era baixa, porém firme.
— Então me diga, quantas vezes mais vou ter que me intrometer no seu serviço? Não se cansa de sujar minha reputação? As pessoas falam… Tsuki no Inu era um nome a ser temido, você transformou um nome de peso em um ladrãozinho que esconde a roupa suja de quem pode pagar por isso. — O homem cuspiu no chão ao lado, ao concluir, em desdém.
— Eu não sou um assassino! — declarou Sesshoumaru. — Se queria continuar com a fama que conquistou machucando pessoas e até tirou uma vida há vinte anos, deveria ter me deixado na rua. O que fez com aquele homem semanas atrás… — hesitou com a lembrança. — É inaceitável.
— Ouça bem, moleque. Eu lhe dei tudo o que tem hoje, eu tirei você das ruas, te acolhi e te criei, o mínimo que deveria fazer por mim, é honrar meu legado enquanto estou incapacitado. Sabe o quanto eu tive que me esforçar para fazer aquele serviço? — O homem tocou o ombro. — Ainda não consigo me mexer sem sentir dor, mas como você é um covarde, precisei intervir. Pedidos assim são raros, normalmente quem pede para tirar uma vida, tem homens de confiança para tal, não precisam se arriscar num pedido que pode ser encontrado nas ruas, pagando a alguém “sem rosto”, principalmente se tratando de pessoas com poder aquisitivo de pagar por tal serviço.
— Escute, Taigokumaru, estou mantendo o nome Tsuki no Inu ativo, não se preocupe. Mas matar pessoas não é algo que eu esteja disposto a fazer. Não há o que diga que me fará mudar de ideia e, se eu fosse você, eu rasgaria esse envelope — Sesshoumaru apontou para o papel vermelho sobre a mesa —, assim como eu fiz com todos os que continham esse tipo de demanda nos últimos sete anos.
O velho homem de longos cabelos brancos passou as mãos por algumas madeixas e grunhiu de dor com o movimento, seu ombro estava enfaixado junto de uma tala que limitava seus movimentos. Após alguns segundos olhando para o envelope, um sorriso maldoso tomou conta de seu rosto no lugar da expressão de dor.
— Você diz que eu não tenho nada que lhe fará mudar de ideia… Eu planejava lhe falar sobre isso quando eu me recuperasse por completo, assim você poderia dar a sua vida o rumo que quisesse, mas acho que vou lhe dizer agora… — Taigokumaru encarou Sesshoumaru com malícia. — Sua mãe está viva.
Sesshoumaru que estava de costas para o velho a essa altura, se virou, pálido.
Havia sido abandonado nas ruas na infância, seu pai morreu de doença e sua mãe não conseguiu lidar com a perda e, supostamente, sucumbiu a tristeza, vindo a óbito. Órfão e sem parentes conhecidos, ele não teve como se manter, nenhum conhecido da família o acolheu e então, após o dinheiro que restava acabar, seu destino foi fazer pequenos serviços nas ruas em troca de alimento, até que Taigokumaru o encontrou.
— O que disse? — perguntou ainda incrédulo. — Após vinte anos, quer que eu acredite? Você está blefando…
— Ora, será que estou? Eu a encontrei por acaso em uma das últimas vezes que saí a serviço, antes de me machucar. Tenho certeza que era bem parecida com a mulher da pintura que você guarda dos seus pais — o sarcasmo e provocação eram evidentes em sua voz —, será que estou blefando?
A possibilidade de sua mãe estar viva era perturbadora. Se fosse verdade, queria saber o porquê dela o ter deixado. A perda de seus pais fez de sua vida complicada, rodeado por coisas que não concordava, preso a este homem vil a sua frente por um elo de gratidão que nem ele sabia explicar, onde ele não conseguiu se desvincular, onde, apesar de repudiá-lo, o homem era a figura paternal que o fez sobreviver até ali. Mas se realmente fosse verdade, Sesshoumaru precisava de respostas.
— Me diga onde ela está… AGORA! — Sesshoumaru se exaltou, caminhando em direção ao velho.
— Calma, moleque. Se merecer, eu lhe direi. Mas caso se recuse a trabalhar direito, vai ter que encontrá-la por conta própria. — Taigokumaru soltou uma risada seca. — O que me diz? Vai finalmente deixar de ser um covarde? — Arrastou o envelope na mesa em direção à extremidade mais próxima de Sesshoumaru.
Com a mente conturbada, movido pela esperança e ansiedade, Sesshoumaru tomou o papel vermelho em mãos e o abriu, lendo o pedido que dizia:
“Mate a primeira princesa, Rin. Pode ser encontrada diariamente no pátio da ala leste do castelo durante a tarde”.
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