A neve caía sem trégua, deixando toda a paisagem tingida de um branco imaculado que chegava a arder os olhos.
Olhei para o lado esquerdo da cama e observei Josuke recém-adormecido devido ao efeito do antitérmico que eu dera a ele mais cedo, meu coração apertado ao constatar que sua respiração estava difícil.
Ele quase nunca ficava doente. Sempre fui eu o mais suscetível às mudanças de clima, começando a cuidar melhor de mim mesmo no momento em que nós dois nos tornamos um casal propriamente dito, logo depois de ele ter sido aceito na polícia de Morioh. Ele enfim se tornara um adulto, e eu continuava o mesmo de sempre, embora estivesse feliz por vê-lo realizar um de seus sonhos.
Foi graças ao meu doce noivo que passei a me alimentar de forma mais saudável, fazendo as refeições nos horários corretos. Eu ainda me rendia à cafeína para me manter acordado, mas era com menos impaciência que aceitava seu convite para jantarmos juntos ou simplesmente fazer uma pausa no trabalho e lhe dar alguma atenção, já que os horários de um policial não eram exatamente ideais.
Fazia um tempo ameno quando me despedi dele na porta há dois dias. Ele estava saindo para o trabalho e nem pensou em levar um agasalho. Josuke sempre foi calorento e dormia com pouca roupa, algo que eu nunca achei ruim. Nesse dia em específico, ele se despediu de mim com um beijo nos lábios e trabalhei o dia todo cheio de inspiração, ansioso pelo momento em que estaríamos juntos de novo.
Porém, por volta da hora do almoço, o tempo virou bruscamente. Uma vez que minha casa dispunha de um sofisticado sistema de calefação, só percebi o frio que fazia quando precisei sair para atender um entregador. Ele tinha vindo trazer uma encomenda de Josuke, mais um dos produtos capilares miraculosos que ele insistia em comprar na internet e que davam tanto resultado quanto qualquer um que ele adquirisse na Kameyu.
“Está um frio dos diabos hoje, ainda bem que saí prevenido de casa!” - O jovem disse, sorridente enquanto aguardava que eu carimbasse o recibo de entrega - “Eu sempre ando com um casaco a mais no baú da moto, nunca se sabe quando o tempo vai virar…”
Assenti, pegando a caixa em seguida e lhe desejando um bom trabalho. Só então me dei conta de que Josuke não tinha o mesmo dom da premonição do gentil entregador e que provavelmente chegaria em casa irritado por causa do frio.
Eu estava certo. Quando Josuke veio ao meu encontro no estúdio assim que chegou, ele estava tão gelado quanto um iceberg e foi direto para o banho depois de me dar apenas um selinho. Saudoso de meu companheiro, resolvi lhe fazer companhia no banho e o peguei dormindo no ofurô, a cabeça pendendo para o lado. Notei que ele respirava pela boca e que seu nariz parecia levemente entupido, então resolvi acordá-lo, uma vez que dormir assim só pioraria algo que já não estava tão bom.
Com algum sacrifício, incentivei-o a terminar o banho e insisti para que ele vestisse um dos pijamas quentes que comprei para ele e que viviam esquecidos do seu lado do closet, já que Josuke preferia usar roupas velhas para dormir.
Devidamente trocado, meu companheiro me acompanhou no jantar e se alimentou sem maiores problemas, elogiando minha comida e me deixando feliz.
Como eu não pretendia trabalhar mais, fomos dormir cedo de forma completamente inocente. Josuke parecia cansado demais para fazer qualquer coisa, então só tentei mantê-lo quentinho, permitindo que ele dormisse abraçado a mim.
Porém, durante a madrugada, Josuke começou a tossir. Dei a ele pastilhas para a garganta e, como ele pareceu se sentir melhor depois de chupá-las, não me preocupei muito. Voltamos a dormir e no dia seguinte ele acordou no horário, tomou sua ducha e arrumou-se da maneira habitual, me acompanhando no café da manhã e saindo para trabalhar, como todos os dias.
Mais uma vez, passei o dia absorto em meu trabalho, só parando quando ouvi o barulho da campainha. Xingando Josuke mentalmente por imaginar que se tratasse de outro entregador, foi com surpresa que vi Nijimura à porta, trazendo Josuke amparado em seu ombro, visivelmente passando mal.
“O que aconteceu?” - Puxei-os para dentro de casa, o frio gelando até meus ossos.
“Josuke não está bem, sensei. Ele tossiu o dia todo na delegacia, mas insistiu que não era nada de mais. Como as coisas estavam tranquilas, ficamos fazendo trabalho burocrático e dei por falta dele um pouco antes do almoço. Procurei-o por todo canto e o encontrei deitado dentro de uma cela, respirando com dificuldade. Levei ele ao médico que o examinou e disse que Josuke está com uma gripe forte, mas que não é grave, basta ficar de repouso. Então eu o trouxe…”
Olhei para meu noivo apreensivo e ele tinha um sorriso fraco nos lábios, os olhos azuis brilhantes de febre e o penteado de que ele tanto se orgulhava semi-desmanchado, os fios se soltando uns dos outros teimosamente, como se nem a quantidade imensa de gel que havia neles fosse capaz de deter a lei da gravidade.
“Eu estou bem, Rohan. Oku é exagerado…”
Nijimura revirou os olhos, irritado.
“Deixe de ser idiota, Josuke. Você ouviu o médico, tem que ficar de repouso. Vou ajudá-lo a ir até o quarto, tudo bem, sensei?”
“Claro…”
Josuke se soltou de Nijimura e, em vez de ir para o quarto, foi direto para o banheiro. Imaginei que ele quisesse tomar um banho antes de se deitar ou talvez de comer alguma coisa, então pedi desculpas a Nijimura e me despedi dele, agradecendo pela ajuda.
Percebi que ele definitivamente não estava bem quando o vi se escorando no boxe, sem forças até para ligar o chuveiro. Ajudei-o como pude e o levei para nosso quarto com algum esforço, sentindo meu coração doer ao ver que ele pegou no sono direto, sem nem ao menos ter jantado.
E agora ele estava ali, adormecido ao meu lado e suando por causa da febre.
- Por que você é sempre tão teimoso…?
Ele não respondeu. Coloquei a mão em sua testa e pescoço, querendo que existisse alguma forma de acelerar o efeito daqueles medicamentos. Que Heaven’s Door tivesse a capacidade de fazer sua enfermidade sumir ou que Crazy Diamond despertasse alguma nova habilidade que o protegesse de todo o mal.
Mas Josuke sempre foi assim. Alguém que pensava nos outros antes de si mesmo, então é claro que a natureza de seu stand seria igual. Poder curar e nunca ser curado.
Um poder bondoso e altruísta, idêntico ao seu dono.
Enquanto acariciava seus cabelos tentando dar a ele algum conforto, ele abriu os olhos azuis e me encarou, sorrindo de canto.
- Oi… - Sua voz estava rouca e cansada, o esperado de alguém que estava com pouco mais de 38°C de febre.
- Como se sente…? - Perguntei apenas por hábito, sabendo perfeitamente que ele ainda não estava bem.
Ainda sorrindo, ele esticou o braço e segurou minha mão, trazendo-a para perto de seus lábios e depositando um beijo tímido na ponta de meus dedos.
- Cansado… mas vou sobreviver…
Sorri ao ouvir algo tão dramático. Era engraçado ver alguém que sobrevivera a tantas batalhas mortais e que protegia a cidade de Morioh de qualquer um que ousasse lhe fazer mal derrubado por causa de uma gripe.
- Claro que vai… e logo estará em cima de mim como um cãozinho pidão que quer atenção enquanto o dono trabalha…
Josuke então se virou de lado e esticou os braços, tentando abraçar meu tronco. Como não teve sucesso em sua tentativa, me compadeci dele e ajeitei sua cabeça em meu colo, desembaraçando seus cabelos macios com meus dedos enquanto ouvia o barulho de seu peito chiando e aguardava ansiosamente que o remédio fizesse efeito.
- Não devia ficar cuidando de mim, Rohan… - Ele falou sem encarar nada em particular, parecendo infeliz por achar que estava me dando trabalho - Não quero que você fique doente…
Tão gentil… Típico desse garoto de coração de ouro que entrou na minha vida de mansinho e me fez alguém incapaz de imaginar minha vida sem tê-lo ao meu lado.
- Não vou ficar doente, mas, se for o caso… - Me inclinei e beijei sua testa ainda quente, sorrindo ao ver que ele fechou os olhos para aproveitar aquele breve carinho - ...fique bom logo e cuide de mim.
Os olhos azuis então me encararam novamente, cheios de amor.
- Eu sempre estarei com você, Rohan… Me desculpe por ter ficado doente.
Apertei sua bochecha de leve, achando adorável aquele rubor em suas bochechas que eu sabia não ser proveniente da febre. Às vezes, meu companheiro parecia voltar à adolescência, demonstrando certa timidez quando eu fazia determinadas coisas que não eram meu hábito.
- Não se desculpe. Apesar de sermos usuários de stand, somos seres humanos. É natural que fiquemos doentes às vezes.
Ele abriu os olhos, manhoso, falando com a voz rouca já arrastada de sono.
- Então... posso pedir uma coisa?
Assenti. Quem poderia negar um pedido tão doce?
- O que quer, Josuke?
Meu companheiro voltou o olhar para a estante que tinha no quarto e em que eu guardava todos os volumes encadernados de Pink Dark Boy, minha primeira série na Jump.
- Pode… ler para mim? - Arregalei os olhos, surpreso. Josuke já lera aquele mangá inúmeras vezes, a ponto de saber um monte de falas de cor - É que… queria te ouvir contando sua primeira história… Você estava publicando esse mangá quando nos conhecemos… Eu… - Ele fechou os olhos, quase caindo de sono - ...gosto dele, apesar de ter dito que não ligava.
Percebi que ele estava delirando de leve, já que parte de sua frase não parecia estar conectada à época em que vivíamos agora. Para não desacomodá-lo, invoquei Heaven’s Door e pedi a ele que pegasse os dois primeiros volumes, uma vez que eu desconfiava que Josuke não conseguiria se manter acordado até o fim do primeiro capítulo.
Assim que recebi os mangás das mãos de meu fiel amigo, aconcheguei Josuke melhor em meu colo e comecei a ler, sem deixar de acariciar seus cabelos.
- Um grito cortou o ar em meio a uma amena noite de outono…
Ele respirou fundo, fechando os olhos. E, tal como eu havia previsto, já dormia profundamente antes da metade do primeiro capítulo.
Fechei o mangá e o coloquei na mesinha ao lado de nossa cama, ajeitando meu companheiro direitinho na cama e apagando a luz, deitando de frente para ele em seguida.
- Durma bem, Josuke… vai se sentir melhor quando acordar.
Ele murmurou, sonâmbulo.
- Sim… porque você está aqui comigo…
Aproximei-me mais dele e deixei que se recostasse em meu peito, abraçando-o apertado e levantando as cobertas, tentando nos manter aquecidos.
Enquanto ouvia seu gemido de contentamento que mais parecia o ronronar de um gato… me dei conta mais uma vez de que eu finalmente encontrara alguém que me inspirava mais do que a realidade que se estendia diante de mim todos os dias.
Mesmo que ele não estivesse 100% agora, logo Josuke estaria bem. E não havia sensação melhor no mundo do que a de saber que eu era o responsável por aquele sorriso em seus lábios…
...e de que minha vida sem ele era como uma página de um mangá em branco.
Algo intolerável para um grande mangaká como eu.
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