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História Black Hole (Uranus2324) - Como é misterioso o tempo


Escrita por: MxrningStar

Notas do Autor


Gente, olá. Como vocês estão? Olha, eu sei que sumi. Passei e ainda sigo passando por problemas pessoais, acabou que juntou isso com a cagada que fizeram com Limantha em As Five e a história em si que, ao meu ver, deixou pontos a desejar nessa segunda temporada... Minha inspiração pra continuar fanficando sobre elas foi pra debaixo do subsolo. Sigo acompanhando as atrizes individualmente (a Manoela mal mostra a cara, mas bora lá rsrsr), mas, no momento, seguir com o universo de As Five está me pegando.
Em contrapartida, no começo desse ano eu encontrei uma série tailandesa (Gap), que me encantou pela leveza, e, sobretudo, a química absurda das atrizes. As duas estão em vários projetos juntas, incluindo um filme que deve sair ano que vem e cujo piloto foi lançado recentemente. Se chama Uranus2324 e tem um plot foda! Decidi dar o pontapé inicial na minha primeira fic com as personagens (Kath e Lin). Tenho umas fics sobre Mon e Sam (Gap The Series) no making, mas ainda sem coragem de postar. Enfim, quem quiser acompanhar vai ser muito bem-vindo. Quem não, fiquem à vontade para não ler ou ignorar, sem problemas. Pra quem se interessar, procurem sobre Freen Sarocha e Becky Armstrong (as atrizes de Gap e Uranus) e se deleitem com química das duas rsrsrs. Personifiquem nelas as personagens. Fanficando as personagens, pelo amor. Deixem as atrizes com as vidas pessoais delas e amém,

No mais, eu agradeço a quem me acompanhou até aqui na escrita e nas pausas intermináveis dela. Muito obrigada e vamos que vamos!

Sobre Uranus: Kath (Becky) e Lin (Freen) foram inspiradas no que vi do piloto do filme. Está disponível na página da Velcurve Studios, a produtora. Aqui o link pra quem quiser ver: https://www.youtube.com/watch?v=E_3Dw4oxaqM&t=139s

Capítulo 1 - Como é misterioso o tempo


O quão misterioso pode ser o tempo? Talvez fosse ele a força mais implacável existente. Poderoso e, ao mesmo tempo, perigoso. Cruel. Apaziguador. Capaz de curar, mas também de abrir ainda mais feridas nunca verdadeiramente tratadas. Medir forças com ele? Impossível. Deixá-lo seguir o próprio curso na esperança de que um dia as coisas melhorem? Uma opção aceitável. Dizem que o tempo resolve tudo. Mas e quando essa resolução reside justamente na não resolução?

Voltar do tempo, avançar no tempo, tentar interferir nele de qualquer forma é perigoso, dizem. Pode machucar, deixar sequelas. Há quem tente pausá-lo, dominá-lo de alguma forma. É como tentar domesticar um animal selvagem: ele se volta contra você mostrando o quão minúsculo você é. Um grão de areia no deserto, uma gota de água no oceano, poeira espacial. Nada com coisa nenhuma dentro.

Fazia um tempo que Kath se sentia exatamente assim: com uma espécie de vácuo interno onde o tempo, ele já não fazia tanta diferença. Cada dia a mais era uma vitória, lhe diziam. Ela nada respondia, porque sabia que cada dia a mais era um dia a menos e só... tempo perdido. Ela checou o relógio de pulso que sempre levava aonde quer que fosse. E ele seguia ali, de ponteiros parados esperando a hora certa de voltarem a marcar o tempo.

Só que essa hora nunca chegou.

Ela nunca chegou. Se foi para não voltar mais. E era aí que residia a tal da ferida que dizem que tempo nenhum sara: ela era o próprio tempo. No caso, uma indefinição do tempo, uma eterna interrogação, uma pausa constante e interminável que machucava a ponto de dilacerar a cada segundo não contado.

23:24 – 08/08/2013.

O dia do aniversário dela. O dia em que o tempo, para Kath, entrou em pausa. Uma pausa que, dez anos depois, seguia sem previsão de fim. Pena que ela não conseguia refrear os efeitos de um tempo incontrolável: em seu relógio, os ponteiros seguiam parados. Mas seu coração, fisicamente falando, continuava pulsando e lhe tomando milésimos, segundos, minutos de vida. Fisicamente, porque sentimental e mentalmente, ela já havia desistido há um bom tempo: entrara no automático. Como o tic-tac incessante das horas passando. Mero tic-tac que, para ela, já não se traduzia em nada.

- Senhora? Chegamos.

A voz grave do motorista lhe tirou do torpor em que havia entrado. Suspirando, ela agradeceu, relanceou uma última vez o relógio em seu pulso e desembarcou. Era estranho pisar ali de novo. Ela mudara fisicamente. As expressões se tornaram mais maduras e firmes, nada hesitantes. O andar, a postura, tudo nela gritava que aquela menina sonhadora e disposta a enfrentar o mundo ficara lá atrás nas ruínas de um tempo perdido, tempo pausado e nunca recuperado.

Kath andou cinco passos antes de parar diante do prédio antigo da loja de seu pai. O espaço, hoje, era o retrato do abandono, muito embora o nome gravado no alto da sacada ainda tentasse resistir às intempéries dos últimos anos. Julian sempre fora um sonhador. Transferira, talvez por sangue, essa curiosidade pelo mundo e pela vida à filha mais nova. Costumava dizer que Katherine era seu maior legado na Terra. Para desespero de Patrick, seu filho mais velho.

- Pat é muito prático. Nós, sonhadores natos, preferimos as nuances que a vida nos dá do que um caminho único.

- E quais são os outros caminhos, papai?

- Você tem que descobrir e percorrê-los. Esse mundo é gigante, Kath. Explore-o. Ele é todo seu.

Kath seguira o conselho do pai. Explorara o mundo, mas também quando ele resolveu cobrar o preço por sua entrega, fora implacável. Lhe deixara sem chão, sem nada em que se agarrar exceto as próprias expectativas transformadas em frustrações, em mágoas e desespero.

- Precisa que eu espere pela senhora? – de novo o motorista. Kath esquecera que não estava sozinha. Acenou negativamente com a cabeça sem tirar os olhos da construção à frente. Tirou os óculos escuros e, em mais quatro passos, alcançou a porta de ferro velha e carcomida pelo tempo. Ergueu-a com certo esforço para ser engolida por um sopro violento de poeira. Tossiu algumas vezes, dissipou o incômodo com as mãos e aprumou a vista. Tudo ali dentro permanecia intocado.

Como se também ali o tempo tivesse sido pausado. Como se aguardasse algo. Algo que nunca veio e que, agora ela sabia, nunca viria.

Kath se pôs a passear entre os balcões e máquinas antigas do pai. A percorrer os espaços pelos quais passara boa parte da vida. Se escondia de Pat detrás da máquina registradora. Costumava ficar ali ao lado de Julian enquanto ele operava aquela geringonça gigantesca revelando foto atrás de foto para turistas animados demais em explorar os arredores. Ela se lembrava bem da primeira foto que revelara. Não tinha como esquecer. Não mesmo.

Coisas que o tempo não apaga.

Ali ao lado, estava a pequena caixa de ferro vermelha coberta pela poeira do tempo e com algumas teias de aranha. Kath a segurou firme, depositando-a cuidadosamente sobre o balcão, sentando-se diante dele. Abriu tendo plena consciência de que não tinha sido para isso que havia ido até ali. Mas também não podia lutar contra. O que aquele pequeno objeto guardava era muito mais do que pequenos empecilhos no meio de uma agenda pré-programada de burocracias. Era sua vida pedindo para ser confrontada depois de tanto tempo.

Cuidadosamente, Kath retirou lá de dentro um pequeno rolo de filme. Imagens a serem reveladas e que nunca tinham visto a luz do dia pelo simples fato de que ela não tinha coragem. Se acovardara. Mas também não era para ser julgada: quando a pancada é muito forte, a gente tende a se esconder e recuar. Manter aquilo guardado era o recuo de proteção de Kath.

Ela analisou o rolo de filme por alguns breves instantes à luz antes de decidir que talvez mexer no passado fosse uma forma coerente de lidar com o próprio presente em pausa e tentar projetar um futuro sem tantos traumas. Com um único movimento, ela retirou a capa empoeirada que cobria a antiga máquina de revelação de filmes de seu pai. Ligou-a na tomada e acionou o sistema. Mas a coisa parecia quebrada. Com um pontapé, ela a fez pegar em um tranco.

O ronco das engrenagens funcionando rapidamente se desfez no clique da bandeja de fotos se abrindo para receber a primeira imagem revelada. Ela mesma, dez anos atrás. Uma foto sorridente de um momento aparentemente feliz.

Aparentemente não: era um momento feliz. Um segundo em que o mundo parecia perfeito e que foi eternizado naquele frame por ela. Ela que.... Kath tentou conter o pinicar dos olhos quando a primeira lágrima ameaçou brotar. Percorreu a ponta dos dedos sobre a imagem como se analisasse a si mesma. A si mesma sob a ótica dela. Um ponto de vista perdido no tempo e no espaço. E até hoje, de tão efêmero que foi, Kath não sabia dizer se fora real ou não.

Clique!

Ela se assustou quando ouviu o barulho da máquina ali do lado. Se virou sobressaltada. Perdida no limiar entre o que era concreto e o que era sua imaginação, acabou se perdendo.

 

- Você acha que consegue revelar essa aqui até o fim da noite?

- Você me deu um baita susto. Não custava se anunciar – um sorriso lindo se abriu em seus lábios.

- Oi, sou eu. Lin – ela fez uma mesura engraçada e tirou outra foto – Consegue revelar essas duas até o fim da noite?

- Para com isso. Você sabe que eu não sei mexer nessa coisa. Só meu pai que lida com isso – ela seguia rindo. Rir na presença dela era extremamente fácil.

- Você tem duas mãos e um cérebro aí dentro. Tenho certeza que ele te ensinou a revelar. Pode revelar essas até o fim da noite?

- Lin...

- É só apertar um botão, Kath. Não deve ser tão difícil assim.

Não, não era difícil. Difícil era manter a compostura diante dela. Lin tinha essa estranha habilidade de simplesmente fazê-la questionar até a própria capacidade de fala. Fora assim desde o dia em que se viram pela primeira vez. Kath passeava pela orla da praia aguardando pacientemente na esperança de que seu pai convencesse sua mãe a deixa-la mergulhar com um grupo de turistas que havia acabado de chegar da capital.

Explore o mundo, dizia Julian. Kath queria levar aquela sentença ao pé da letra e explorar não só o que era visível, mas também aquilo que os olhos não conseguiam alcançar. Desde criança tivera essa curiosidade latente em conhecer o mundo abaixo da linha d’água do mar. Começara fazendo pequenos mergulhos assistidos pelo pai. Terminara fazendo parte do grupo de mergulho da escola local. Um óculos e um cilindro de oxigênio era tudo que ela precisava para entrar no próprio mundo.

Até sair da água e entender que seu mundo também estava aqui na superfície aguardando-a pacientemente em forma de mulher. A mais linda em que ela já tivera a honra de pôr os olhos. Lin tinha uma beleza que chamava atenção pela naturalidade com que se expressava. Os olhos mais marcantes que alguém tinha o direito de ter, escuros como se guardassem a imensidão do universo.

Hoje, Kath tinha raiva dessa imensidão.

O sorriso mais lindo que a estrela mais brilhante do firmamento.

Kath sentia ódio todas as vezes que erguia os olhos à noite e encontrava alguma estrela brilhante. O que lhe era harmonia se tornara agonia da noite para o dia. As estrelas, ela as via como donas de um cárcere. Guardiãs de um universo impiedoso, cruel em sua beleza intocada.

E o erro talvez tenha sido esse: o afã em querer conhecer tudo, tocar tudo, provar de tudo. Sempre que mergulhava, Kath retornava à superfície para seu sopro de vida. Lin não teve a mesma sorte: se atreveu a ir alto demais. E de tanto subir, acabara perdendo o caminho de volta. Acabara perdendo o caminho para ela.

- Por que você gosta tanto de Urano?

- Urano fica a 2.870.658.186 quilômetros de distância e, mesmo assim, foi descoberto antes de descobrirem o Polo Sul da Terra. Tem vinte e sete luas conhecidas e treze sistemas de anéis. É conhecido como Gigante de Gelo. É a prova de que, por mais complexo que algo possa parecer, sempre vai estar ali pronto para ser encontrado e vivido. Como eu e você: tem gente que não entende, mas só a gente, que vive, consegue compreender. Nós sabemos o suficiente sobre o que temos e não importa a distância ou quão complexas nós sejamos: a gente sempre vai se encontrar. Sempre.

Kath entendeu aquilo como uma promessa. Uma pena que promessas podem ser quebradas, complexidades possam ser destruídas e que nem sempre aquilo que está predestinado a ser acaba sendo. Se se tornar uma realidade, ela não dura.

O tempo, ele é implacável: some com sonhos, dissipa desejos, traz indefinições, nos deixa à deriva. Kath ficou anos à deriva sabendo que não era a única. Não adiantou gritar para o alto, suplicar às estrelas, chorar em desespero enquanto aguardava por algo em troca. Uma resposta que fosse.

Assim como ela, Lin decidira explorar o mundo... fora do mundo. Ela mergulhou. Lin voou. Ela emergiu. Lin nunca aterrissou de volta.

“A AGÊNCIA ESPACIAL AMERICANA EMITIU UM COMUNICADO INFORMANDO QUE PERDEU CONTATO COM A SONDA URANITUS. À BORDO DA MISSÃO HAVIAM TRÊS ASTRONAUTAS, DENTRE ELES A TAILANDESA LINLADA SASINPIMON. A JOVEM DE VINTE E CINCO ANOS EMBARCARA EM SUA PRIMEIRA MISSÃO PARA EXPLORAR O PLANETA URANO. AS AUTORIDADES INFORMARAM QUE ESTÃO TOMANDO AS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA RESTABELECER O CONTATO, MAS, ATÉ O PRESENTE MOMENTO, O QUE SE SABE É QUE A TRIPULAÇÃO DA MISSÃO URANITUS ESTÁ VAGANDO SEM DIREÇÃO PELO ESPAÇO.

23h24 – 08/08/2013”.

 

Kath perdera as contas de quantas vezes ouvira aquele informe na rádio e na televisão. E a cada nova atualização sem algo novo propriamente dito era como se o vácuo em seu peito se avolumasse e lhe consumisse. Lhe tornasse menor que um grão de areia, lhe tornasse nada com coisa nenhuma: uma existência automática, pausada na eterna arte da espera.

Nas primeiras semanas, a esperança se fazia presente. Nos primeiros meses, ela dava lugar ao desespero. No primeiro ano, o desalento começou a se fazer amigo. Passados três anos, o último fio a que Kath se agarrava foi quebrado com a sutileza de uma facada.

 

“A NASA INFORMOU QUE INTERROMPEU AS BUSCAS PELA TRIPULAÇÃO DA SONDA URANITUS, QUE SE PERDEU EM MISSÃO PARA O PLANETA URANUS EM OITO DE AGOSTO DE DOIS MIL E TREZE. ESTA ERA A DATA LIMITE PARA RETORNO DA TRIPULAÇÃO À TERRA APÓS A CONCLUSÃO DA MISSÃO. SEGUNDO A AGÊNCIA ESPACIAL AMERICANA, A PARTIR DE HOJE, TRÊS ANOS APÓS O DESAPARECIMENTO, O SISTEMA DE OXIGENAÇÃO DA SONDA SE TORNA INOPERANTE, O QUE SIGNIFICA QUE AS CONDIÇÕES DE SOBREVIVÊNCIA DENTRO DA NAVE SE TORNAM INÓSPITAS. OS TRÊS TRIPULANTES DA MISSÃO URANITUS FORAM DADOS COMO MORTOS”.

Uma consideração a mais sobre o tempo: ele pode acabar a qualquer momento e não costuma avisar. É isso que nos torna reféns dele: ou o vivemos ou o vemos passar. A escolha é uma faca de dois gumes: viver é assumir riscos de findar nosso tempo de maneira precoce. Não viver, por outro lado, é se entregar ao tempo e permiti-lo fazer conosco aquilo que não temos coragem de fazer. De uma forma ou de outra: impiedoso e implacável.

(...)

- Oi, mãe. Umhum, acabei de chegar aqui. Assim que eu resolver tudo, volto para Nova York. Te mantenho informada. Beijo, te amo.

Kath desligou o celular e se pôs ali observando a máquina terminar de revelar fotos. Recolheu uma por uma, depositou-as de volta na caixa e levou o objeto consigo. Deixou a antiga loja de seu pai falando ao telefone com o pretenso comprador do imóvel. Sua missão ali era só se certificar de que o local continuava de pé e em condições de ser repassado para alguém que fizesse bom uso. Combinaram de se encontrar em um restaurante na praia para fecharem o contrato e ela esperava que, com isso, aquela página de sua vida fosse de fato virada. Já havia dado tempo demais ao tempo. Era hora de voltar a fluir com ele e não à mercê dele.

Ela só precisava ter certeza de que seria capaz disso. De voltar a viver, no caso. A resposta veio no segundo seguinte, quando entendeu para onde seus pés a guiavam. A instabilidade dos saltos na areia a fez retirar os sapatos e caminhar de pé no chão sentindo os pequenos grãos tocarem-lhe a pele quentes e macios. O vento que lhe soprava os cabelos com o cheiro de mar lhe trouxe um breve frescor. Tomada pelo relaxamento, Kath cerrou os olhos se permitindo respirar direito depois do que parecia uma vida.

E quando abriu os olhos novamente, pôde sentir que talvez, só talvez, seu corpo e sua mente não estivessem tão em sincronia assim. Ouviu as vozes animadas de um grupo de adolescentes correndo na praia. Se permitiu rir quando um deles e saiu rolando até a beira, se molhando inteiro. Pequenas liberdades.

 

- Você pode ir, eu vou ficar aqui mesmo. É mais seguro.

- Você está com medo?

- Eu? Com medo? Claro que não! Eu sou uma futura astronauta, não tenho medo de nada! É só que nunca se sabe que tipo de criaturas você pode encontrar debaixo da água.

- É só um recife de corais, Lin. Não tem nenhum tubarão, se é disso que você tem medo. Hoje não.

- Por que você não fica aqui comigo na beira fazendo castelinhos de areia? Viu? É uma ótima ideia – ela tentou puxá-la pelo braço.

- Para com isso! – ela soltou a gargalhada presa na garganta – Mas que coisa! É só um mergulho de dez metros. E nós não vamos sozinhas. Tem instrutores.

- Eu confio mais em boiar na borda mesmo – mas Lin estava irredutível.

- Francamente, Lin! Desse tamanho e com medo do mar! A pessoa voa à gravidade zero e tem medo de nadar com uns peixinhos!

- Ao menos a gravidade zero não tem três fileiras de dentes afiados e devora gente! Valeu, eu passo. Vou ficar aqui na beira mesmo fazendo castelinho. Cuidado, vai, mas volta. Se ver um tubarão, nada pro outro lado.

Kath riu com gosto, mas foi calada com um beijo. Ela amava as formas gentis e gostosas com que Lin conseguia acalmá-la. Em segundos a frustração pelo convite recusado se esvaíra.

- Te amo, minha mergulhadora.

- Te amo, minha astronauta.

 

- A gravidade zero te tirou de mim – Kath suspirou derrotada – No fim das contas não foi nem um tubarão.

Negando com a cabeça, ela seguiu o passo até um quiosque atrás de algo para beber. Não mentiria que se sentiu tentada a se aproximar do grupo de mergulhadores embarcando em uma lancha só pela curiosidade de saber aonde eles iriam descer. Ninguém conhecia aquelas águas melhor do que ela. Mas desconfiava de que seu conhecimento ainda valesse de alguma coisa: o tempo, quando passa demais, nos leva ao esquecimento. Dez anos depois, Kath mergulhava por lazer e não por ofício. Decidira que não tinha como fazer daquilo sua vida depois que se mudara na intenção de deixar os fantasmas para trás.

Hoje, administrava os estaleiros da família ao lado de Pat. Na verdade, Kath se dedicava mais ao que chamava de “parte criativa da coisa”. Como boa desenhista que era, decidiu investir nisso e se tornara engenheira náutica. Projetava embarcações e, vez por outra, se atrevia a pilotar algo grande demais para o que a sensatez permitia.

- Nós vamos construir o novo Titanic!

- Claro. Com esse nome, ninguém vai querer entrar. Parabéns – ela debochava enquanto mexia em seus esboços na empresa.

- A gente muda o nome – Pat analisou os esboços – Kath, você está desenhando navio ou foguete? Isso aqui é pra ser um submarino? Estreito demais.

- Mens robusto e mais leve. Estou pensando ainda.

- Lin 1?

Sem titubear, ela arrancou o projeto das mãos do irmão.

- Não começa.

- Kath...

- Eu falei pra não começar – ela cortou – Pode me dar licença?

Sem dizer mais nada, Pat se retirou. Não sem antes lança-la um olhar condescendente. Kath odiava piedade, não suportava ver a pena alheia quando lhe encaravam. Pobre menina traumatizada pela morte precoce da namoradinha. “Outros amores virão. Basta você se permitir”, sempre lhe diziam. Ela demorou a entender, mas vinha tentando praticar isso. Uma pena que nenhum amor substitua o outro. Cada um é singular à sua maneira.

A singularidade que ela queria... Bom, essa já não existia mais.

- Deseja alguma coisa para acompanhar a água de coco? – o garçom do quiosque apontou o cardápio.

- Ah, não. Obrigada – ela ensaiou um sorrisinho e deixou o líquido doce gelado amenizar a quentura por dentro. Errara quando decidira visitar uma cidade praiana de calça e camisa social. Enquanto observava o vai e vem das ondas, Kath tentava ignorar as notificações no celular. Até que uma das mensagens se tornou uma ligação.

- Atrapalho?

- Não. Estou dando um tempo na praia antes de ir para o hotel.

- Deixa eu adivinhar... já se arranjou com algum mergulhador.

Kath riu e negou com a cabeça.

- Por incrível que pareça, não. Mas só porque fugir de tubarões usando roupa social não é uma boa ideia – ela suspirou e emendou – Tudo certo por aí?

- Umhum. Só saudades.

Kath riu e cerrou os olhos, respirando fundo.

- Em cinco dias eu volto. Só preciso terminar de resolver tudo pra não ter que voltar depois – mentalmente ela completou a frase dizendo a si mesma que voltar não era bem uma opção. Memórias demais que aquele lugar suscitava.

- Estamos com saudades.

Kath riu maior ainda.

- Lembrem-se que nada de grandioso se faz sem minha presença.

- Claro, claro.

Estenderam a conversa por mais alguns minutos até que ela teve que desligar para responder a uma mensagem do comprador do imóvel. Mas era bem isso: nada de grandioso se fazia sem ela, principalmente se o assunto fosse Emily e Alex. Os grandes amores da sua vida. As três mosqueteiras, uma por todas e todas por uma. E ainda bem que haviam elas duas. Ainda bem que haviam elas.

No auge dos vinte e nove anos, Kath decidira que era hora de seu retorno à vida se fazer acompanhada. Cansada de anos de solidão entregue às traças das lembranças interminadas com Lin, ela decidira que era hora de seguir à diante. Se permitiu, como muitos insistiam que ela devia fazer. Se deixou fluir com o tempo dando a ele todas as condições para que seu corpo e sua mente se recuperassem do baque sofrido com a confirmação da perda do amor de sua vida. Kath nunca fora de relacionamentos casuais: na verdade, sua vida afetiva lhe tinha sido bastante traumática, isso sim. O primeiro namorado lhe traíra e terminara por mensagem. E então veio Lin.

Essa deixou um vácuo a ser preenchido, anos depois, por Alex Montgomery. As duas se conheceram em uma conferência sobre segurança da navegação da qual Kath e Pat participaram como representantes dos Estaleiros Overseas. Alex era bióloga marinha e, não mentira, quando dissera que se inscrevera no evento só para “assistir aos donos do PIB do mundo estudarem a melhor forma de acabarem com o que resta da parte azul do planeta”. Os embates entre as duas acabaram se tornando uma tensão latente. A tensão explodiu em um desejo irrequieto, que desaguou em uma relação prazerosa de confiança, respeito e, agora, unidade.

A aliança que Kath levava na mão direita deixava claro para quem quisesse prestar atenção que ali havia alguém comprometido e disposto a se manter assim: Alex havia feito o pedido duas semanas antes depois da formatura do ABC de Emily.

Ah, Emily.... Essa foi a grata surpresa que um passado agora distante havia lhe deixado. Havia seis anos desde que Kath tinha pisado naquela cidade pela última vez. A ocasião fora uma espécie de fechamento de ciclo, embora ela duvidasse que houvesse de fato encerrado ele de verdade. A conversa que tivera com Prin, a mãe de Lin, fora mais choro do que de fato resolução. De um lado, alguém despedaçado pela ausência da filha. Do outro, um coração todo remendado tentando seguir em frente sem ter tido respostas suficientes.

Quando um filho perde um pai, se torna órfão. Quando alguém perde o companheiro ou companheira, se torna viúvo. E quando um pai perde um filho, que nome se dá a isso? A dor se torna milhões de vezes pior, porque aquilo que não conseguimos nomear foge do nosso controle. Se foge do nosso controle, como evitar que nos consuma? O estado de Prin era de fazer pena pela falta da filha sentida em uma presença constante.

- Eu queria saber o que dizer – Kath não sabia sequer controlar a própria dor, que dirá consolar a dor alheia – Prin....

- Tudo bem – a mulher assou o nariz. Atrás dela, um pequeno altar eternizava de forma quase mórbida as lembranças da filha. Fotos, cartas de dia das mães, flores.... A materialização da dor de uma mãe que não teve sequer a chance de enterrar quem ela pôs no mundo – Eu só queria que você soubesse que onde quer que a Lin esteja, está olhando por todos nós. Ela nunca deixaria de estar com você, mesmo sem ser fisicamente. Ela está aqui – apontou para o coração de Kath. Como se precisasse de um lembrete – Ao menos minha filha se foi deixando algo de bom para a gente.

Kath pensava que ela estava falando dos ensinamentos, da alma inquieta que instigava nas pessoas o movimento, a inconformidade, a curiosidade, o perseguir sonhos. Prin, no entanto, se referia a algo prático.

- O-o que foi que você disse? – Kath pensou ter entendido errado – A Lin... A Lin, ela....

- Congelou os próprios óvulos. Deixou uma parte dela aqui como se adivinhasse que algo ruim aconteceria. Minha filha sentia, Kath. Ela sentia. Sentia tanto que....

Agora, vamos lá: Kath havia ido ali para fechar um ciclo. Acabou por perceber que, por mais que fizesse, talvez ainda não fosse aquela a hora. Nunca um voo foi tão cansativo e longo quanto aquele de Bangkok para Nova York. Foram dias, semanas com aquilo martelando na cabeça até que, em um momento de resolução, ela entendeu que fugir não seria bem uma opção. Não quando a outra alternativa era agir porque queria.

E Kath queria.

- Filha, você tem certeza? Você não deve nada à Lin, sabe? Não precisa agir como se....

- Mãe, não vai ser por obrigação. Meu filho não vai ser por uma responsabilidade que eu assumi por alguém que não está mais aqui. Eu quero fazer isso, eu quero gerar essa criança. Era o legado que eu e a Lin deixaríamos no mundo. Infelizmente ela não conseguiu realizar esse sonho, mas deixou todas as possibilidades pra que eu fizesse isso pela gente. E eu vou fazer. Vou porque eu quero. E acredite, eu vou amar essa criança mais que tudo no mundo.

E ela amou sim. Amava. Emily era uma parte sua, mas também era uma parte da mulher que um dia fora o amor da sua vida. Foi por amor que ela deu à luz a filha de Lin e era por amor que todos os dias ela se doava com tudo que tinha bom em si para ela. Emily era a razão de sua vida, seu infinito, seu universo inteiro. Um universo lindo, enorme e acolhedor. Não aquele que levou quem ela amava, mas aquele que personificava quem ela amava.

Por hábito, Kath checou as horas no relógio de pulso parado. Suspirou e debloqueou o celular. Entre as notificações de e-mail e redes sociais, havia uma newsletter que ela sequer lembrava de ainda estar inscrita. Pairando na tela havia o ícone da Agência Espacial Norte Americana. Franzindo o cenho, ela tocou no ícone que se abriu em um e-mail com as últimas notícias daquele universo. Literalmente daquele universo.

Foguetes decolando, documentários filmados em parceria com canais de TV sobre a vida em uma estação espacial... Kath não entendia porque ainda recebia aquilo. Ou entendia sim e só não quisesse admitir. Era sua fraqueza que mesmo depois de uma década ainda alimentasse esperanças de que...

 

“A NASA ESTÁ INVESTIGANDO UM SINAL RECEBIDO DA REGIÃO ONDE A SONDA URANITUS DESAPARECEU EM AGOSTO DE 2013. SEGUNDO AS EQUIPES DA AGÊNCIA ESPACIAL AMERICANA, O SINAL SE CONFIGURA COMO UMA TENTATIVA DE CONTATO. O PORTA-VOZ DA NASA AINDA NÃO SE PRONUNCIOU SOBRE O QUE SERIA ESSE SINAL: SE SERIA ALGUM EQUIPAMENTO EMITINDO ENERGIA DE FORMA ALEATÓRIA OU ALGUM COMPORTAMENTO HUMANO”.

 

Kath nauseou. Sentiu o chão sob seus pés rodopiar e se apoiou na mesa quando tentou se levantar. De repente o mundo pareceu ficar de ponta-cabeça e nada, simplesmente nada nele (e nela inteira) fazia sentido. Como assim sinal recebido de onde a sonda com Lin desaparecera? Esse... lugar no espaço não deveria estar vazio? Inabitado? Povoado somente por restos de lixo espacial?

Kath buscou ar, mas não conseguiu. Seus pulmões pareciam ter congelado e se recusavam a obedecer seus comandos. Ficou branca. A última coisa da qual se lembrava foi de ter visto a imensidão azul do mar se estender diante de si como um manto, até que esse manto se tornou um borrão indecifrável e virou... nada. Escuridão.

(...)

- Senhorita. Senhorita – ouviu vozes ao longe. O cheiro forte de álcool em seu nariz a fez tontear. Kath gemeu como se seu corpo estivesse pesando mil toneladas. A mente parecia ligeiramente entorpecida como ainda estivesse voltando de um baita reset. E então a realidade lhe atingiu como um raio: a mensagem no newsletter da NASA. Sinal recebido do local onde a sonda havia se perdido. Lin.

- E-eu...

- Katherine?

A voz suave e aguda lhe trouxe de volta à realidade com um puxão. Ao abrir parcamente os olhos e deixa-los serem invadidos pela claridade, Kath encontrou o rosto preocupado de Prin, mãe de Lin. Fazia anos que ela não a via: a expressão, apesar de sempre ser serena, carregava uma espécie de sombra e ela parecia castigada pelo tempo.

- P-Prin?

- Oi, querida... Você desmaiou. Os barraqueiros a trouxeram para cá e como você não parava de chamar pela minha filha, eles mandaram me pegar.

Claro que a história de alguém como Lin ganharia a pequena região. Não é todo dia que uma astronauta simplesmente se perde no espaço, ainda mais se a pessoa em questão é uma menina no auge da juventude e conhecida na área pela presteza, talento e rebeldia. Lin adorava chocar. Normal que marcasse as pessoas.

- Prin... – Kath ainda estava tonta, mas se ajeitou na pequena cama do postinho e respirou fundo tentando se aprumar – Eu recebi uma mensagem. Um e-mail da...

- Eu também recebi – Prin encurtou – Já entrei em contato com o governo daqui, eles disseram que já procuraram o pessoal de lá pra se informar melhor, mas confirmaram.

- C-confirmaram?

- Confirmaram – Prin não conseguiu esconder aquele fio de esperança despedaçado se remendando aos poucos – Minha filha pode estar viva, Kath. Nossa Lin, ela pode estar viva!

(...)

- Me mantenha informado – Bill baixou o telefone e suspirou, recostando-se à cadeira e afrouxando a gravata. Recebia olhares apreensivos de sua equipe aguardando seus comandos. Um porta-voz, a assessoria de imprensa e seu homem de confiança. Não precisaria de mais ninguém ali – Nós vamos enviar uma equipe para refazer a rota da Sonda Uranitus. Preciso que mapeiem toda aquela área e que direcionem os nossos equipamentos de varredura para aquela direção. E eu sei que já fizemos isso outras vezes – ele emendou quando eu assessor fez menção de abrir a boca – Mas desta vez não estamos às cegas. Tem sinal sendo emitido e nós vamos rastreá-lo. Se tem alguém com vida para emitir ondas, nós vamos localizar – e ao porta-voz – Informe que a missão Uranitus II vai ser retomada com toda a tecnologia de ponta que não tínhamos há uma década. Não adiante resultados, mas deixe claro que não é um tiro no escuro. Desta vez não é.

(...)

- Mamãe, qual a cor do universo?

- O céu é azul. Então acho que seja azul.

- Mas de noite ele fica preto. Por que fica preto?

- Ah, porque... não tem o sol para iluminar.

- Então ele não é azul. É preto. Só fica azul porque o sol ilumina.

- Mas a luz revela as coisas como elas são, Lin.

A menininha colocou a mão no queixo pensativa... Pensava demais para uma criança de sete anos. Aliás, tudo em Lin era demais: a curiosidade, a sede por respostas, as perguntas infindáveis.... E ela amava deixar os adultos sem respostas. Fazer as mentes deles funcionarem a todo vapor a ponto de quase entrar em combustão. Nutria esse sonho de um dia ter todas as respostas para todas as perguntas do universo e não precisar mais perguntar para ninguém.

A ânsia por respostas a fez sonhar com aquilo que não conseguia ver. Conjecturar cenários, criar hipóteses, observar e analisar tudo sabendo que por trás sempre havia mais coisas inauditas e prontas para serem descobertas. Lin tinha essa fama de viver com a cabeça na lua, de imaginar lugares que ninguém nunca tinha visitado, realidades ainda inexploradas. Ela seria a primeira, ela chegaria lá.

Quando fora questionada na feirinha de profissões da escola sobre o ofício que gostaria de exercer e respondeu “astronauta” com firmeza... Alguns riram, outros acharam fofo uma criança com grandes sonhos. Pobre criança com grandes sonhos e chances de menos de realizar. Em um futuro não tão distante, ela venderia seus sonhos para pagar o aluguel, viria seu afã de ser substituído pela necessidade de ter. O mundo, ele destrói nossos desejos mais profundos para transformá-los em números a serem pagos, números a serem gerados.

E quando alguém sonhador surge no meio dessa atmosfera permeada de urgências e datas de vencimento, é visto como louco. Lin fora vista como louca quando decidira cursar Física ao passar com apenas dezesseis anos para a melhor faculdade pública do país. A mãe teve que entrar na justiça para que o governo a aceitasse tão nova no meio dos mais experientes. Aos dezenove anos, ela terminava uma graduação quando muitos ainda estavam começando ou decidindo o que fazer da vida.

Lin transformou um sonho em seu propósito. Aos vinte e um anos, estava terminando um mestrado em Astrofísica e Astronomia. Aos vinte e dois, ingressou no Programa de Jovens Cientistas da Agência Espacial Norte Americana. Tanto currículo para tão pouca idade a fez se tornar o um investimento e tanto em seu país de origem, para onde ela retornou aos vinte e três anos como uma jovem astronauta em formação.

- Um astronauta só se torna realmente astronauta quando embarca na primeira missão, Lin – seu orientador sempre repetia – Guarde isso.

Ela guardou sim. Guardou muito bem para poder gritar aos quatro cantos do mundo que se tornaria a primeira astronauta mulher de seu país a embarcar em uma missão de exploração em outro planeta. Levaria a Tailândia para Urano! Olha só!

Mas Urano é o Deus do Céu.... E o céu, ele é implacável.

- Perdemos contato com a base – o chefe da missão anunciou o que seria só o começo de um pesadelo – Estamos com nossa comunicação cortada e sem qualquer tipo de orientação. Por mais que tenhamos condições de viver aqui pelos pró....

- Mas senhor, eles sabem onde estamos, não sabem? – o piloto da nave quis não demonstrar tanto desespero.

O silêncio dele foi a resposta.

Lin também era boa em ficar em silêncio quando recomendado. E ali tudo que não deviam fazer era gastar energia à toa. Tinham mantimentos para um bom tempo, oxigênio para um bom tempo, então era isso: daria ao tempo o que ele mais pedia no momento: tempo.

Mas a demora se tornou tortura com o passar dos dias. As conversas foram se tornando cada vez mais escassas e o silêncio foi se tornando rei absoluto entre a tripulação. Tomado pela pressão de ter dois astronautas sob sua responsabilidade em uma missão falida, o chefe desligou o próprio oxigênio em uma noite quieta. Tomado pelo desespero de não saber o que seria, o piloto da nave desistiu de tentar e se deixou sucumbir.

A Lin ainda restava um último fio de esperança: não haviam chegado tão longe na missão, mas a sonda, sem comunicação, permanecia vagando sem rumo pelo infinito. E em uma sucessão eterna de não deixar o corpo físico colapsar, não deixar a mente desistir, lembrar que havia um lugar para onde voltar, para quem voltar... ela simplesmente parou de contar.

Horas, dias, meses, anos... Quanto tempo Lin permanecia ali vivendo no automático, ela não sabia dizer. Partira para viver seu sonho, ele acabou se transformando em um pesadelo. Perderia quem mais amava no mundo para poder conquistar o universo. Mas de que valia galáxias inteiras, planetas inteiros quando o único lugar onde ela queria estar era exatamente onde não estava?

- O universo não é azul nem preto, mãe. É bege – ela respondeu um belo dia enquanto rolava o filme na máquina e segurava entre os dedos o cordão de safira d’água que Kath um dia lhe dera para não esquecê-la.

Sim, o universo era bege. Bege remetia a acolhimento, casa, lar. Mas Lin estava a anos-luz dela. De quem era seu verdadeiro lar, sua casa. O coração batendo acelerado no peito, o calor dos braços.... Ela estava só em metade ali. Sua outra parte havia ficado com os pés bem fincados no chão.

E ela esperava que ela não a esquecesse. Porque não havia um dia em que Lin não pensasse nela.

(...)

- Boa tarde a todos – o porta-voz da Agência Espacial Norte-Americana parecia impessoal demais naquele terno escuro perfeitamente alinhado. As dezenas de câmeras apontadas em sua direção não o intimidavam nem um pouco. A notícia em si não era ruim – A NASA vem a público informar que conseguimos localizar recentemente e com cem por cento de certeza, a sonda espacial Uranitus, que estava desaparecida desde o dia 08 de agosto de 2013, quando emitiu o último sinal de contato com nossa equipe.

O burburinho que tomou conta do recinto deixava claro a importância e o peso daquela informação.

- Informações sobre a tripulação? – um repórter afoito perguntou atropelando o restante do pronunciamento.

- Estabelecemos contato com um tripulante. Um contato rápido e de caráter emergencial para tomada de providência. Sabemos... – as vozes se exaltaram – Por favor, senhores, pedimos calma – o homem se interrompeu – Sabemos que, no presente momento, a sonda Uranitus é povoada por apenas uma pessoa.

- Mas foram três!

- Quem? – Alguém emendou lá de trás – Quem é o tripulante em questão?

- A astronauta tailandesa Linlada Sasinpimon.

O burburinho que tomou de conta do recinto se tornou um emaranhado indistinto de vozes. Sobretudo para quem não estava ali.

Kath estava sentada à própria mesa no estaleiro assistindo à coletiva de imprensa pelo tablet. Ao ouvir as últimas palavras proferidas pelo porta-voz, a única coisa que conseguia processar era o fato de seu cérebro parecer ter derretido feito gelatina.

“A astronauta tailandesa Linlada Sasinpimon”.

Lin estava viva e aparentemente inteira a ponto de conseguir formar frases conexas. Como era possível alguém até então dado como morto sobreviver há cento e vintes meses vagando sem rumo pelo espaço? Como era possível que os últimos dez anos vividos por ela em agonia e desespero tivessem, em cinco palavras, se tornado em um mero borrão como se tudo não passasse de uma falha na Matrix? Um ponto fora da curva que agora retornava para sua trajetória inicial como se ela nunca tivesse sido interrompida? E Lin? Estava bem? Como ela estaria? Como...? Kath se pegou em completo martírio e desespero. Apertou os punhos sentindo as unhas se cravarem em sua palma quase a ponto de machucar. O relógio em seu pulso apertando como uma algema estreita demais da qual ela precisava se livrar.

Ouviu um bipe enjoado vindo dele enquanto dava tudo de si para não desabar bem ali. Ergueu os olhos vermelhos, o rosto rúbeo, para encará-lo e flagrá-lo em pleno funcionamento.

23h25... 23h26... 08/08/2013. E contando.

Seu coração voltando a bater na pulsação do tic-tac. Seu tempo voltando a contar como se a pausa tivesse finalmente terminado. Como se só agora Katherine Walker voltasse à vida. Como se tudo, todo o tempo sem Lin fosse só... um vácuo.

É... como é misterioso o tempo. 


Notas Finais


Pois bem, eis aí o piloto da fic. A quem leu, obrigada. Opinem, digam se tem rumo ou se "tá doida? Volta pra Limantha e se vira pra consertar o que não fizeram com elas" rsrs. Espero voltar pra Limantha, mas por enquanto, vou soltar minha imaginação com Kath Lin. No mais, agradeço pela leitura e, a quem ficar, nos vemos no próximo capítulo. Mesmo esquema: tentativas de atualização semanais às sextas ou sábados.

Obrigada.


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