O sábado foi silencioso. Após atravessarem o túnel, com o sol nascendo, seguiram Alan de volta para a cidade e se separaram. O rapaz, Jaime, Daniel, Mário e Paulo foram deixar os amigos nas respectivas casas, e quando todos caíram na cama, já era perto das 9h.
Acordaram com a tarde já pela metade, e passaram o resto dela quietos, sem trocar muitas mensagens no grupo. Perto das 17h, foram todos tomar banho e se arrumar, já que precisavam estar às 19h30 na Escola, para que a colação começasse por volta das 20h.
─ Eu estou atrasado, para variar. ─ Adriano corria pela casa, abotoando a camisa ─ Mãe, você viu a minha gravata?
─ Você deixou ela na sua cama ontem à noite, e quando chegamos de madrugada ela estava detonada no meio da sala. E o Chulé e o Cadeirudo estavam do lado. ─ explicou Marisa, indicando o cachorro e o gato do filho, os dois deitados placidamente no sofá.
─ Qual é o problema deles de sempre destruírem as coisas? ─ reclamou o loiro.
─ Vingança por você ter chamado eles de Chulé e Cadeirudo. ─ Henrique saiu do próprio quarto carregando uma gravata.
─ Eram o nomes dos meus dois melhores amigos imaginários quando eu era pequeno.
─ Nós sabemos, filho, mas eu acho que eles dois não aceitam isso muito bem. ─ o homem parou em frente à Adriano, começando a amarrar a gravata nele ─ Nós te falamos para dar nomes mais tradicionais.
─ Eu devia ter mantido os nomes que eles tinham no abrigo, antes de eu adotar eles. Vocês preferiam seus outros nomes? Thor e Manchinha? ─ ele testou, e os dois animais ergueram a cabeça ─ Pelo visto sim.
─ Nós sabemos que você amava o Chulé e o Cadeirudo quando era criança, filho. Eles te ajudaram muito a encarar o mundo. ─ Marisa acariciou o rosto do rapaz ─ E mesmo quando eles “partiram”, você nunca deixou de sentir a falta deles.
─ Quando o Mário perdeu o Rabito, e a Kika falou sobre ele adotar um novo animal... Eu nunca vou conseguir outros amigos imaginários igual o Chulé e o Cadeirudo. E, não sei, nesse final do ano, com toda a incerteza, eu sentia que precisava de um ombro amigo. ─ explicou ele, emocionado.
─ Adriano, o Thor e o Manchinha te adoram. Eles não saem do seu quarto. Mas eles não são o Chulé e o Cadeirudo. E a cada vez que você os chama assim, ou que coloca expectativas neles de agirem como os seus amigos imaginários, eles sentem. ─ lembrou Henrique ─ Eu sei que crescer é difícil e assustador, filho. Mas é parte da vida. E encarar esse momento de peito aberto também é.
─ Eu acho que vocês estão certos. ─ suspirou o rapaz, encarando os animais ─ Que tal, Thor? Manchinha? Vamos começar de novo?
O cachorro de pelagem bege se levantou em um pulo, correndo e começando a se enroscar no meio das pernas do tutor. O gato se levantou de forma preguiçosa, se esticando e saltando para o chão, desfilando e parando próximo de Adriano, à espera de carinho.
─ Além do que, já imaginou você apresentando eles para a mocinha bonitinha que estava dançando com você ontem? Chulé e Cadeirudo? ─ perguntou Henrique, fazendo o filho corar ─ Não ia pegar muito bem...
─ Acho que é melhor nós irmos, não é? Ou vamos nos atrasar. ─ Adriano se levantou depressa, pegando a mochila e correndo para a porta, enquanto os pais riam.
~*~
Na casa da família Gusman, Alicia já estava pronta fazia um bom tempo, mas a mãe não acabava nunca de se arrumar. Geraldo estava na mesa de jantar, mexendo em algo no notebook, e ria da impaciência da filha, sentada no sofá.
─ Ela demorou tanto assim ontem? Tá mais enrolada do que as meninas, pelo amor de Deus. ─ resmungou a garota.
─ Você que é rápida demais, filha. ─ lembrou o pai ─ E ela precisou te maquiar. Demorou para começar a se arrumar.
─ Eu disse para ela que eu podia fazer isso sozinha.
─ Alicia, eu te amo, mas a sua habilidade para se maquiar continua a mesma que tinha aos 12 anos. E naquela época era OK você usar sombra colorida até a sobrancelha, mas agora você ia ficar parecendo um palhação. ─ Geraldo apontou, e ela não pôde retrucar ─ Se ela não vier em cinco minutos, eu vou lá e busco ela, ok?
─ Não precisa, já estou pronta. ─ Débora apareceu sorrindo ─ Dois impacientes, o pai e a filha.
─ Você que é enrolada, mãe. ─ Alicia riu, se levantando e indo abraçá-la ─ Mas está linda.
─ Você também, querida. E eu estou curiosa para entender o musical de vocês. Nunca imaginei que a sua roupa de colação de grau seria o uniforme de futebol da Escola Mundial.
─ Correção, o uniforme de futebol da Escola Mundial cheio de brilhos e penduricalhos. Quase bati na Maria Joaquina quando ela me entregou ele. ─ resmungou a skatista, encarando o traje ─ Mas eu entendo, é roupa de apresentação. Tem que ter brilho.
─ Bom, antes de irmos, eu e a sua mãe queremos te dar um presente de formatura. ─ Geraldo se levantou, pegando algo do bolso da calça ─ Aqui está.
─ Uma chave? ─ ela estranhou.
─ É do seu carro, Alicia. ─ ela arregalou os olhos ─ Quando... Quando o seu avô descobriu que estava doente, e foi internado, ele me fez um pedido. Ele disse que havia feito uma poupança para você, desde que você nasceu, para ser usada na faculdade. Ele pediu que nós te entregássemos o acesso à ela no dia da formatura.
─ Quando você anunciou que não faria faculdade, nós dois conversamos muito. ─ seu pai prosseguiu, vendo que a esposa estava emocionada ─ E as suas competições vão ser, em muitas vezes, fora de São Paulo. E nem sempre eu e a sua mãe poderemos te levar. Então, assim que você fizer 18 anos, entraremos com as coisas da CNH. E nesse meio tempo, se necessário, o Paulo pode quebrar o galho de motorista.
─ Eu não acredito nisso. ─ os olhos de Alicia estavam marejados.
─ Tem mais uma coisa. ─ Débora fez sinal para o marido, que tirou um envelope do outro bolso ─ Seu avô escreveu isso, quando você tinha quinze anos. Ele ia fazer esse discurso no seu aniversário, mas ficou com vergonha. Guardou, para te entregar quando você se formasse. Não deu tempo, mas nós faremos isso por ele. O carro e a carta, apesar de estarem sendo entregues pelas nossas mãos, são presentes dele.
Alicia encarou o envelope, suspirando alto. Ela abriu o lacre, tirando o papel dobrado de dentro. Não havia nada muito longo escrito, mas era a caligrafia inconfundível do Sr. Campos, e isso a fez soluçar. Sua mãe a abraçou pelos ombros, enquanto ela começava a ler em voz alta.
─ Para a minha menina maluquinha, Alicia. Eu me lembro até hoje do dia em que você nasceu. A bebê mais encrenqueira de toda a maternidade, não deixava as enfermeiras te darem banho, abria um escândalo. Me lembro de quando você deu os seus primeiros passos, tão pequena e destemida. Me lembro do dia em que uma borboleta pousou no topo da sua cabeça, quando você tinha três anos. Você ficou sentada, imóvel, vesga na tentativa de vê-la. E quando ela voou para longe, você ficou brava, gritando “vota borboleta, vota”. Sua mãe e sua avó (que Deus a tenha) que me perdoem, mas você é a menina mais bonita na qual eu já coloquei os meus olhos, e o meu coração transborda de amor a cada vez que te vejo chegar. Sua alma é de pura luz e cores, e o seu sorriso é capaz de alegrar até os dias mais cinzentos. Ser o seu avô é um grande presente. Mal posso esperar para ver o que você fará no futuro, minha neta, e tudo o que irá conquistar. Saiba que sempre que precisar, o vovô doidinho estará aqui para você. Te amo muito. ─ ela leu com a voz engasgada, e ao fim, percebeu que os três membros da família choravam ─ E ele estava certo... Ele está presente, aqui e agora.
─ E vai estar sempre, meu amor. ─ prometeu Geraldo, abraçando as duas ─ Mas chega de chorar, ou essa maquiagem vai estragar.
─ Nunca. ─ gritou a Gusman, desesperada ─ Uma pergunta... O meu carro já está na garagem?
─ Não, ainda está na concessionária, vamos buscá-lo na segunda. ─ avisou o pai, e ela fez bico ─ Hoje ainda vai precisar andar no carro dos papais.
─ Então vamos logo. Porque eu não aguento mais chorar. ─ resmungou a garota, mas os pais perceberam que ela colocou a carta na mochila, de forma discreta ─ Prontos?
─ Nós estamos... E você?
─ Nunca vou estar. Mas vamos.
~*~
Bibi estava sentada com as duas avós, no banco de trás do carro dos pais, mostrando a elas o anuário que havia ganhado da professora Helena no final das aulas.
─ Tem muitas fotos de você e do Koki quando eram pequenos. ─ apontou sua avó Rose, a americana.
─ É engraçado, se você parar para analisar. Eu e a Alicia não nos entendíamos bem, mas estávamos sempre juntas. E nós duas odiávamos o Paulo e o Koki, mas estávamos sempre com eles também. ─ explicou a ruiva, ouvindo os pais rirem ─ Definitivamente, havia fumaça nesse mato há muito tempo.
─ Tem muitas palavras em inglês pelas páginas. ─ observou a sua avó Maria ─ E aqui, Olavo... Por que o nome do seu avô está nessa página?
─ Eu disse para o Koki que, se nós tivermos um filho menino, eu quero dar o nome do vovô. ─ explicou Bibi, vendo a avó se emocionar ─ E as palavras em inglês... Vocês sabem que eu vivia misturando os idiomas.
─ Realmente, querida, você parou com isso do nada. ─ observou Will, seu pai ─ Nós achávamos very sweet da sua parte.
─ Eu sei, daddy, mas foi natural. Eu fazia isso como charminho, confesso. Mas conforme fui ocupando a minha cabeça com outras coisas, sobre a viagem e o blog, eu fui deixando isso de lado. ─ confessou a garota ─ Eu ainda penso nos dois idiomas, apesar de agora ter um pouco de italiano também.
─ Igual à quando você aprendeu a falar liquidificador. Você tentava, com toda a sua concentração, mas sempre saia liquidiquicador. Não importava o quanto nós te ajudássemos e corrigíssemos. ─ riu Maria ─ Até que um dia, sem prévio aviso, você acertou o jeito de falar. E nunca mais errou.
─ A cada vez que você ia nos visitar, algo estava diferente. ─ concordou Rose ─ O James ficava louco. Quase nos mudamos para cá uma vez, quando você tinha três anos. Você se lembra, Will?
─ Se lembro... Eu e a sua mãe te ensinávamos algumas palavras em inglês, baby girl, mas não adiantava nada te deixarmos fluente, porque você não tinha com quem conversar. Quando fomos passar as festas em Chicago, e o seu avô tentou conversar em inglês e você não entendeu quase nada, ele surtou. ─ riu o homem ao volante.
─ Não me lembro disso. ─ confessou Bibi, chateada. Lembrava muito pouco do avô James, que havia falecido quando ela tinha apenas seis anos.
─ Se não fosse pela Amy, que havia acabado de nascer, e a ajuda que sua auntie Susan precisava com ela e a Ashley, acho que teríamos vindo. Ao invés disso, seu grandpa decidiu que aprenderíamos a falar português para poder conversar com você sem a ajuda dos seus pais.
─ Vocês não falavam português?
─ Oh, não. Seu pai e sua mãe se conheceram no intercâmbio na Inglaterra, e foi com ela que ele aprendeu a falar português. Quando eles moravam em Chicago, ela falava em inglês conosco, e quando eles vieram para cá, depois de você nascer, ele falava em português com a Maria e o Olavo.
─ Mas eu e seu avô nunca aprendemos a falar inglês também, minha filha. Algumas palavrinhas, por sua causa. ─ explicou a avó brasileira.
─ Você sempre foi o melhor dos dois mundos, filha. ─ Denise se virou para trás, sorrindo ─ Fez americanos aprenderem português, e brasileiros entenderem inglês. Tudo para poder fazer parte da sua vida.
─ Eu não imaginava nada disso. Sempre foi tão natural a nossa dinâmica, que eu nunca parei para pensar que as coisas não eram assim antes de eu nascer. ─ confessou Bibi, emocionada, segurando as mãos de ambas as avós ─ Obrigada por isso.
─ You’re our treasure, baby girl. ─ Rose beijou seu rosto ─ Era isso o que o seu grandpa sempre dizia. Nós ficávamos com a Amy e a Ashley o tempo todo, e quando você chegava, com os cabelos vermelhos e as sardinhas no rosto... Ele ficava louco.
─ A mesma coisa que o Olavo. ─ riu Maria ─ Nós víamos o Matheus e o Gabriel quase todos os dias, lá em Campinas. Mas você... Duas ou três vezes por mês. E quando você chegava, a menininha dele, ele ficava louco.
─ Eu tive muita sorte de ter sido tão amada. E por esse amor ter sido tão libertador e geograficamente espalhado, né? ─ ela riu ─ Me deu forças para abrir asas e voar.
─ E nós sabemos que você vai voar muito longe, filha. ─ Will sorriu do volante ─ Mas se em algum momento sentir que vai fraquejar, saiba que tem muitos braços aqui para te segurar.
─ I know, daddy. E por isso eu tenho forças para levantar voo.
~*~
Dudu abriu a porta do apartamento, encontrando o pai ali com um sorriso. O garoto se atirou sobre ele, sendo erguido alguns centímetros do chão, os dois rindo.
─ Eu deixei você e a sua mãe aqui tem pouco mais de doze horas, garoto, não é possível estar com tanta saudade. ─ riu Frederico, entrando e fechando a porta atrás de si.
─ Eu sei, mas antes fazia duas semanas que eu não te via.
─ Depois do Natal você vai poder enjoar de mim quando for ficar comigo em Minas. Quinze dias, só os meninos. Vai dar para curtir bastante, não é?
─ Correção, sete dias só os meninos. Os sete primeiros, eu e o Dan vamos estar com vocês. ─ Carmen entrou na sala com a mãe.
─ Você falou certo: você e o Daniel vão estar juntos. E isso quer dizer que vão sumir e deixar eu e seu irmão sozinhos. ─ corrigiu o pai, fazendo a família rir.
─ Ele vai deixar eu e o Dudu com você e vai visitar uma tia que mora ao norte, perto da Bahia. Por alguns dias, realmente, vamos ser só nós três. Ele volta no dia 30, acho, para ficar o ano novo com a gente. Como os pais dele deixaram ele viajar com o carro, ele vai aproveitar.
─ Oras, então essa viagem está ficando cada vez melhor. Ter um tempo à sós, com os meus dois amores? O que mais eu poderia pedir? ─ disse Frederico, puxando a filha para abraçar ele e Dudu.
─ E enquanto isso, a mamãe aproveita as férias coletivas da empresa e vai para a praia com as amigas. ─ brincou Inês, animada ─ Nem sei qual foi a última vez que eu viajei sem precisar me preocupar com crianças.
─ Hey, eu já sou quase adulta.
─ Não, ainda é a nossa bebezinha. ─ corrigiu o pai, a abraçando ─ Espero que o Daniel esteja indo viajar ciente de que vai dormir na sala com o Dudu, e não com você.
─ Pai. ─ Carmen ficou da cor de um pimentão.
─ Já conseguiu constranger a menina, Frederico. ─ Inês riu, pegando a sua bolsa ─ Pronto para darmos o presente de formatura dela?
─ Eu vou ganhar um presente?
─ O quê? Você não achou que chegaria até aqui, como a melhor aluna da sua turma, sem nós te darmos nada. ─ Frederico parou ao lado da ex-mulher, que tirou uma caixinha da bolsa ─ É pequeno, mas é de coração.
Carmen pegou a caixinha, que reconheceu como de joalheria, e abriu. Dentro, encontrou uma correntinha de ouro com um pingente de coruja, delicado e com duas pedrinhas no lugar dos olhos.
─ Quando você se formar pedagoga, te daremos o anel. Mas, por agora, queríamos algo para representar essa vocação natural que você tem. E nós sabemos que professores gostam muito de corujas, são animais sábios. ─ explicou Inês, emocionada.
─ E é de ouro, filha. Nós... Nós derretemos as nossas alianças de casamento, para fazer. ─ ela ergueu os olhos, que marejaram depressa ─ Nós falamos sério quando dissemos que, para nós dois, o nosso casamento foi um sucesso em vocês dois. E sabemos que, apesar de o Dudu estar chateado, você é a pessoa que mais sofreu com tudo isso. Então quisemos deixar com você o símbolo físico do que foi a nossa união.
─ É perfeito. Eu amei demais. ─ Carmen disse, com a voz embargada ─ Me ajuda a colocar, por favor?
─ Vem aqui. ─ Frederico deu a volta, prendendo a corrente no pescoço dela.
Carmen então puxou a mãe para um abraço, ao mesmo tempo em que puxava o pai às suas costas. Inês puxou Dudu, e ficaram os quatro abraçados por algum tempo, em silêncio.
─ Obrigada por me permitirem viver tudo isso. Pelo esforço e sacrifício de vocês para que eu pudesse estudar em uma boa escola, apesar de todas as dificuldades, e nunca perdesse nenhum momento da minha juventude. O meu diploma, hoje, é dedicado inteiramente a vocês dois. ─ ela agradeceu em voz baixa, fazendo os pais se emocionarem.
~*~
Cirilo observava feliz a bagunça na sala de sua casa. Duas vans estavam do lado de fora, prontas para levar toda a sua família para a colação de grau. A maioria dos familiares vivia em cidades próximas de São Paulo, e tinham ido para o baile e a colação.
Seus pais tinham mudado de vida quando ganharam na loteria, anos antes, e ajudado muito os seus avós, tios e primos. Mesmo assim, Cirilo sabia que a vida deles não era fácil, e a maioria dos primos havia deixado a escola no início do Ensino Médio para trabalhar, ou então cursado de qualquer jeito, com muitas faltas e pouco aprendizado.
Ele era o primeiro a se formar em uma escola particular como a Mundial, e com certeza, o primeiro em muito tempo a ir para a faculdade. E isso era motivo de orgulho para todos, que quiseram estar presentes e celebrar isso.
─ Ansioso, filhão? ─ perguntou José, parando ao seu lado.
─ Bastante, pai. Acho que eles nunca me viram em um show, cantando. ─ o rapaz encarou a avó, sentada no sofá ─ A vó tá que não se aguenta de orgulho, desde ontem.
─ Sua avó não foi à escola, filho. E ralou muito para que eu pudesse ir. ─ explicou Paula ─ E mesmo assim, não terminei os estudos, para ir trabalhar de doméstica e ajudar em casa. A esperança dela eram os netos.
─ Aí o Luan, o Caio e o Niltinho deixaram os estudos de lado. A esperança dela ficou em mim e na Rafaela, né?
─ E ano passado, com o estudo remoto, a sua prima também deixou o estudo de lado. ─ concordou José, observando os sobrinhos ─ Eu e sua mãe oferecemos pagar escola para ela, mas os seus tios são orgulhosos, não querem.
─ Não deveria ser assim. Eles terem que escolher entre estudar ou ajudar os pais a colocarem comida na mesa. Eles têm tanto potencial. ─ se chateou Cirilo.
─ Infelizmente, filho, no país que a gente vive, no momento atual, nem mesmo ter uma faculdade é garantia que a vida vá dar certo. ─ lembrou Paula, chateada ─ Todo o sistema está quebrado e corrompido.
─ Queria que tivesse algo que pudéssemos fazer. ─ suspirou o formando.
─ Dar o exemplo, filho. Dar o exemplo de trabalho honesto, exemplo de retribuição para a sociedade e para os nossos, e o exemplo que você está dando hoje: do seu esforço. Quem sabe isso não ajude os seus primos mais novos a ter uma ideia diferente, e talvez insistir na educação. ─ José o abraçou pelos ombros.
─ Obrigado pelo esforço de vocês. Desde lá atrás, quando nós não tínhamos nada... ─ Ciirlo os abraçou, emocionado.
─ Não precisa agradecer, filho. ─ Paula beijou o seu rosto ─ Apenas honre o nosso, e o seu, esforço. Seja o grande homem que sabemos que você tem potencial para ser, e ajude a fazer desse mundo, cheio de injustiça, um lugar melhor para todos.
─ Pode deixar, mãe.
─ Hey, primo... Bora para esse musical aí! ─ Niltinho se aproximou ─ Eu e o Caio apostamos se tu vai dançar.
─ Vocês não perdem por esperar, cara. ─ riu Cirilo, se aproximando com os pais ─ Vamos para as vans? Não posso me atrasar.
─ Você vai com a Majo, o Miguel e a Clara, filho. Acho que eles já devem estar aí na frente. ─ comentou Paula, ouvindo uma buzina ─ Não caberíamos todos na van, e vai demorar um pouco para arrumar todo mundo. Assim você não se atrasa.
─ Sempre pensando em tudo, mãe. Nos vemos lá então. ─ Cirilo pegou a mochila, saindo correndo.
~*~
Daniel estava pronto, claro, com bastante antecedência. Havia inclusive ido abastecer o carro, já que estava cansado demais para fazer isso de manhã. Agora, aguardava os pais ao lado do veículo, conferindo o relógio de tempo em tempo.
─ Pontual como sempre, filho. ─ comentou Valentim, assim que ele e Amanda deixaram o elevador.
─ Estou um pouco ansioso, quero chegar logo na escola. Tentar passar a minha parte e da Carmen mais uma vez, antes de entrarmos no palco. ─ explicou o rapaz, jogando a chave para o pai.
─ Considerando a conexão mágica que há entre vocês dois, Daniel, eu tenho certeza que vamos nos emocionar mesmo que vocês errem tudo. Só de assistirmos a forma que se olham, isso já acontece. ─ Amanda abraçou o filho ─ Querido, que tal darmos uma paradinha rápida em um lugar antes?
─ Acho uma boa ideia, querida. ─ Valentim concordou, vendo a cara de desespero do filho ─ Se acalme, rapaz, fica no caminho. E você vai gostar.
Claro que ele foi quicando no banco traseiro. Reconheceu, realmente, a parte do bairro próximo à escola em que estavam, mas demorou para fazer a ligação. Só percebeu aonde estavam quando os pais pararam o carro em frente à um terreno baldio, o encarando.
─ Aqui... Essa era a casa abandonada, onde nós brincávamos quando pequenos. ─ ele comentou.
─ Sim. Foi demolida, alguns anos atrás. Mesmo com os protestos de vocês. ─ lembrou Valentim ─ Bom... Ela é sua, Daniel. Pelo menos, o terreno é.
─ O quê? ─ os olhos do rapaz se arregalaram, recebendo uma pasta do pai, contendo a escritura do local ─ Como assim?
─ Nós sempre achamos que esse lugar tinha um tipo de magia que não é possível explicar, Daniel. Uma vez você disse que queria fazer dele uma ONG, um lugar para ajudar carentes e em situação de vulnerabilidade. Sabemos que agora você optou por seguir no direito, e tentar ser juiz, para esse mesmo fim. Mas de toda a forma, queríamos ter a certeza de que, se em algum momento você decidir abrir a ONG, o terreno encantado dela estaria protegido de ser uma fábrica ou mais um prédio de luxo. ─ explicou Amanda ─ Então, está aí o seu presente de formatura.
─ Pai, mãe... Isso é incrível. ─ ele revirou a escritura, emocionado ─ Eu falei sobre isso com a Carmen outro dia. Como eu queria que um dia pudéssemos construir a Patrulha Salvadora aqui, mas que eu achava impossível, porque o terreno já devia ter dono.
─ Ele ainda estava em poder da prefeitura, para ir à leilão. Estávamos de olho faz tempo, e conseguimos arrematar com a ajuda dos seus avós. Então esse é um presente grande, mas um tanto coletivo. ─ explicou Valentim, rindo.
─ Um homem não pode mudar o mundo sozinho, filho, mas pode fazer a diferença na construção de um lugar melhor. Estamos te dando o primeiro tijolinho para a sua parte da construção. Siga o seu caminho com o mesmo respeito e princípios que teve até hoje, e sabemos que fará esse tijolinho se expandir mais e mais. ─ desejou sua mãe.
─ Prometo honrar a confiança de vocês em mim.
─ Bom, então vamos para a Escola? Acredito que temos um musical pela frente, antes de começarmos a salvar o mundo. ─ Valentim deu partida no carro, enquanto Daniel engolia em seco.
─ Acho que salvar o mundo vai ser mais tranquilo.
~*~
─ 24. Não passa disso.
─ Não, é muito cedo. Eu diria 27, talvez 28.
─ Ricardo, eles dois namoram desde que tinham 8 anos de idade. Se eles namorarem por 20 anos, antes de se casarem, vão bater algum recorde. ─ Isaac disse para o pai da nora, os dois sentados no sofá da sala dos Ferreira.
─ Mas você acha que eles terão estabilidade financeira para se casar antes disso, Isaac?
─ Vocês dois percebem que eu nem pedi a Valéria em casamento e vocês estão discutindo quando nós vamos nos casar, certo? ─ Davi tentava não rir, sentado na poltrona ao lado, encarando os dois homens.
─ Sim, porque vocês dois precisam começar a pensar nisso. Já se vai quase uma década que vocês estão juntos, Davi. ─ seu pai o encarou, sério ─ Claro, você tem a herança que a sua avó te deixou, mas deve começar a pensar de forma consciente desde já.
─ Seu pai está certo, rapaz. Nós vamos mantê-los durante a faculdade, então podem aplicar dinheiro de estágio, ir fazendo uma reserva. Quem sabe dar entrada em um apartamento. Mesmo que não se casem logo de cara, podem viver juntos.
─ Claro que não, Ricardo. Está nas leis do judaísmo, eles só podem dividir o leito após o casamento.
─ E você acha mesmo que eles vão esperar para consumar a relação até lá, Isaac?
─ Que diabos de conversa está acontecendo na sala da minha casa? ─ os três se viraram, encontrando Valéria, Rebeca e Rosa ali, de olhos arregalados.
─ Os dois começaram, inexplicavelmente, a discutir com qual idade nós iremos nos casar. E com isso, começaram a debater se devemos morar juntos antes e até se vamos ou não fazer sexo nesse meio tempo. ─ explicou Davi, rindo de nervoso.
─ Você não parou com essa neura, Isaac? ─ Rebeca repreendeu o marido.
─ E você, Ricardo? De novo com essas ideias? ─ Rosa fez o mesmo.
─ Então o surto não é de hoje? ─ perguntou Valéria.
─ Seu pai assistiu uma matéria no jornal, falando sobre como a vida dos jovens no futuro será complicada, entre estudar, arranjar emprego, comprar casa, se casar... ─ explicou Rosa, ouvindo Rebeca suspirar.
─ Então os dois viram a mesma matéria.
─ Pai, seu Isaac, eu nunca achei que diria isso, mas: por favor, parem de assistir jornal. ─ Valéria caminhou até o namorado, sentando em seu joelho ─ Vamos primeiro viver o dia da formatura, depois passar no vestibular, começar a faculdade... E aí nós voltamos a conversar sobre... Tudo isso.
─ Até porque, nós ainda temos um musical pela frente, a Valéria tem o discurso. O nosso futuro casamento pode esperar mais alguns anos, não é?
─ Crise de meia-idade é tão clichê. ─ Rosa reclamou para Rebeca, que riu.
─ Eu disse para você e as meninas que não devíamos deixar eles sozinhos no bar da formatura ontem. Segundo o Isaac, o Roberto começou a planejar com o Germano e o Geraldo como vão dividir as despesas do casamento do Mário e da Marcelina, e da Alicia e do Paulo.
─ Chega, essa conversa acabou. Eu sou a surtada dos shippers, eu dou um rim para ver os meus amigos casados, mas nós temos 17 anos e estamos nos formando no Ensino Médio. É cedo demais para termos essa conversa. ─ avisou Valéria, se levantando e puxando o namorado pela mão ─ Vamos para a escola, vamos passar pelo musical, pela colação, e depois vamos todos sair para comer. E vocês dois estão proibidos de beber, ou até o final da noite estarão indo bater na sinagoga e na igreja, para discutir com o rabino e o padre como fazer o nosso casamento.
─ Ai, caramba, tem isso também. Vai ser um casamento de duas religiões. ─ se lembrou Ricardo ─ Isaac, você acha que o seu rabino vai aceitar isso?
─ Espero que sim, ou eles vão viver em pecado pelo resto da vida?
─ Ai eu desisto. ─ suspirou Davi, saindo do apartamento com a namorada, enquanto sua mãe e sua sogra iam briga com os maridos.
~*~
Kika estava sentada no sofá da casa do namorado, ao lado de Thales, namorado de Jonas. Os dois, como sempre, riam e se divertiam da dinâmica sempre caótica da casa dos Palilo.
─ Mãe, você viu a minha camisa? Essa aqui está justa demais. ─ gritou Jaime do quarto.
─ Você está usando a minha camisa de novo, seu tapado? ─ Jonas saiu do banheiro, só de calça social, a mão suja do mousse que usava para arrumar o cabelo ─ Eu deixei ela passada no cabide!
─ Então é sua mesmo. ─ Jaime saiu do quarto parecendo um manequim adulto usando uma roupa infantil ─ Você é mirrado demais, Jonas.
─ Você que é parrudo demais, Jaime.
─ Parou vocês dois, ou eu esquento a orelha de vocês na frente dos seus namorados. ─ Rafael saiu do próprio quarto, vestindo um terno desalinhado.
─ Pai, o terno que você usou no baile ainda está aqui, usa ele. Esse seu terno é da época que eu estava no Ensino Fundamental. ─ lembrou o primogênito, com cara de desgosto.
─ Eu usei esse terno nas formaturas de quinto ano de vocês, de nono ano, na sua do Ensino Médio e da faculdade. E vou usar na do seu irmão também. ─ o dono da casa bateu o pé, sentando na cadeira de sempre.
─ Não garanto que esse terno vá sobreviver a outra lavagem, mas ele não precisa saber disso. ─ Eloisa disse baixinho para o filho, enquanto levava a camisa de Jaime para ele ─ Pronto, gordinho, tá aqui.
─ Sacanagem chamar de gordinho, mãe.
─ Jaime, a Kika e o Thales estão sempre aqui em casa, eles com certeza já viram que você é pançudo. ─ atiçou Jonas.
─ E que você é um esqueleto igual o vilão do HeMan. Mas quem está comparando, não é?
─ Graças a Deus você vai levar esse daí embora, Thales. Eu não aguento mais esses dois se pegando igual cão e gato. ─ Rafael disse para o genro, que riu.
─ Minha relação com os meus irmãos melhorou muito depois que eles saíram de casa, seu Rafael. Provavelmente vai acontecer a mesma coisa com o Jonas e o Jaime. ─ avisou Thales.
─ Eu torço para que sim. Ou eu vou acabar torcendo a orelha de dois marmanjos barbados. ─ bufou o homem ─ Jaime, você não tinha que estar a caminho da escola?
─ Falou certinho, pai. Estou atrasado. ─ ele apareceu esbaforido, terminando de abotoar a camisa.
─ Parece quando tinha oito anos, todo desmiolado. É a sua formatura, moleque, se ajeita. Arruma essa camisa, e esse cabelo. E limpa essa maionese do rosto. ─ gritou Rafael, fazendo Kika e Thales explodirem em risos.
─ Vem aqui, sol, eu te ajudo a se ajeitar. ─ Kika se levantou, indo até o namorado ─ Fica calmo, vocês vão arrasar. Está lindo.
─ Eu sei, eu estou calmo. Só estou... Emocionado. ─ confessou ─ Eu fico pensando no túnel, na luz do sol entrando por ele, nos gritos dos meus amigos... Nós estamos prontos.
─ É claro que estão. Pensa assim, Jaime: hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas. Hoje começa um novo capítulo, mais lindo e mais maluco do que o anterior.
─ Escuta o que a maluquinha da sua namorada diz, Jaime. Apesar de chamar ela de lua, ela tem a cabeça mais no lugar do que você. ─ resmungou Rafael, recebendo um beliscão da esposa ─ E tá tudo muito bonito, mas estamos atrasados!
─ Eu preciso passar a minha camisa de novo, o Jaime engomou ela inteira. ─ Jonas gritou do quarto.
─ Pega a caminhonete e vai com a Kika, Jaime. Nós vamos depois com o frescurento do seu irmão. ─ avisou Rafael.
─ Podem ir com ele se quiser, seu Rafael.
─ Tá maluco, Thales? Se eu não fico no pé do Jonas, vocês dois chegam para a formatura da faculdade do Jaime.
─ Vai indo, filho, nós alcançamos vocês. ─ pediu Eloisa, revirando os olhos ─ Boa sorte no musical!
─ Valeu, mãe... Nós vamos precisar.
~*~
─ Estou pronto. ─ Jorge desceu as escadas, impecável em seu terno ─ Já aviso que essa não é a minha roupa para o musical. Mas como vamos sair jantar com os meus amigos depois, estou indo com ela para usar na pós-colação.
─ Lindo e estiloso como sempre, querido. ─ sua avó se levantou, indo abraçá-lo ─ Será um príncipe em meio aos plebeus.
─ Mãe. ─ Alberto reclamou, revirando os olhos.
─ Estou mentindo?
─ Vovó... Agradeço o elogio, porque sei que o está fazendo por amor. Mas peço que respeite os meus amigos. Garanto que são mais nobres do que muitas pessoas de sangue azul por aí. ─ o loiro beijou a testa da senhora, que lhe sorriu com afeto.
─ Essa sua florzinha realmente fez surgir um jardim no seu peito, não é? ─ elogiou, e o rapaz corou ─ Não vou dizer que concordo com a sua colocação, mas não irei discutir. Acredito que após todo esse tempo, os conheça melhor do que eu.
─ É claro que ele os conhece melhor do que você, Georgina. Você viu os meninos meia dúzia de vezes na vida. ─ Onofre, do sofá, revirou os olhos ─ Rosana, querida, pode chamar a governanta? Queria beber mais uma dose de conhaque antes de sairmos.
─ Pai, a garrafa está ao lado do senhor. É só se servir. ─ Alberto pediu, irritado ─ Querida, os seus pais?
─ Já pedi para o motorista levá-los direto para a escola, para evitar voltas desnecessárias. ─ avisou a mulher, apanhando a bolsa ─ E é melhor irmos também, ou o Jorge irá se atrasar.
─ Ora, não vão começar nada sem ele. O garoto deve ser o protagonista do musical. ─ Onofre fez pouco caso, se servindo de conhaque.
─ Bom, acho que podemos ir à frente. Iremos em carros separados, de toda a forma. ─ lembrou Alberto ─ Pai, termine o seu conhaque, e então você e a mãe vão com o Nelson.
─ E vocês irão com quem?
─ Eu vou dirigindo o meu carro, mãe. ─ avisou o homem, indicando que a esposa e o filho saíssem ─ Nos vemos na escola.
Ainda puderam ouvir Georgina cacarejar alguma coisa, mas saíram batidos. Logo o carro estava à caminho da escola, e seus integrantes em silêncio. Até que Jorge não conseguiu se segurar:
─ Eu era vazio e asqueroso que nem eles dois?
─ Nós todos éramos, filho. ─ concordou Rosana, pensativa ─ Eu bem mais do que você e o seu pai.
─ Seus avós, Jorge, infelizmente, vieram de um tempo ainda mais segregado do que o nosso. Em que ricos ficavam com ricos, e pobres com pobres. Uma época em que, realmente, o saldo da conta bancária e o sobrenome era tudo o que importava.
─ É só que... Depois de tudo o que nós vivemos no ano passado, com a pandemia, e o isolamento, e o quanto nós todos nos aproximamos... Eu achei que eles poderiam ver o mundo de uma forma diferente. ─ desabafou o rapaz.
─ Não é fácil ensinar truques novos a um cachorro velho, Jorge. Você mesmo vê isso com a Maria Antonieta. ─ ele riu baixinho ─ Mas é... Tanto a Georgina quanto o Onofre, e os meus pais também... Eles viveram tudo isso, foram tocados por tudo isso. Mas já estão presos demais aos próprios conceitos para se permitir enxergar algo novo.
─ O bom é que nós não estamos. ─ Alberto segurou a mão da esposa, sorrindo ─ Você mudou muito ao longo desses anos todos, Jorge, e nos ajudou a mudar também. E depois que a Margarida entrou na sua vida, isso melhorou ainda mais.
─ Ela é realmente a minha santa milagreira. ─ ele sorriu como bobo ─ Obrigado, pai.
─ Pelo que, filho?
─ Por ter me mostrado o caminho. Mesmo que ainda não soubesse qual era ele. ─ agradeceu o rapaz, os olhos fixos no céu pela janela.
─ De nada, filho. De nada.
~*~
Na casa dos Mishima, Kokimoto foi pego por uma surpresa inesperada, momentos antes de saírem para ir à Escola.
─ Como assim vocês vão se mudar para o Japão?
─ Filho, entenda... Seus avós estão idosos, não conseguem mais se cuidar sozinhos. E na casa da sua tia, não cabem eles dois. E não tem como a sua tia ir viver com eles, porque a família dela não cabe na casa deles. ─ explicou o seu pai, tranquilo ─ Eu já consegui um emprego por lá, muito bem remunerado. E a sua mãe... Por hora ela vai ficar em casa, para cuidar deles dois.
─ Mas... E eu?
─ Você? Que vai para a Irlanda em 20 dias? ─ riu a sua mãe, fazendo-o corar ─ Filho, nós nunca teríamos tomado essa decisão se não fosse a sua decisão de partir.
─ Isso quer dizer que a culpa é minha?
─ Não tem culpa, Kokimoto. ─ os pais seguraram a sua mão ─ Há anos que conversávamos sobre ir para lá, para poder cuidar dos meus pais. Mas a sua vida era aqui, junto com os seus amigos e a Bibi, e nós entendíamos e respeitávamos isso. Cogitamos ir quando você fosse para a faculdade, deixar você viver sozinho, em uma república... E quando você e a Bianca anunciaram o seu desejo de abrir asas... Vocês nos permitiram abrir as nossas também.
─ Acho que nós nunca pensamos por esse lado. Que podemos estar prendendo vocês. ─ ele confessou, envergonhado.
─ Quando um casal se torna pai e mãe, eles assumem um compromisso, Koki: zelar e fazer o melhor por aquele ser que lhes é confiado. E foi isso que, ao longo dos últimos 17 anos, eu e o seu pai temos tentado fazer. E é o que faremos sempre, não importa quantos anos você tenha. ─ prometeu a sua mãe, beijando a sua mão.
─ Mas agora, você vai começar uma nova jornada na Irlanda. E seria quase burrice nós dois ficarmos aqui, preocupados com os seus avós lá no Japão, simplesmente mantendo o ninho quentinho para caso você decida voltar. ─ seu pai completou.
─ Eu não tinha pensado nisso. E se não der certo, pai? E se... E se... ─ os olhos do rapaz marejaram.
─ Filho, vai dar certo. Nós dois temos certeza disso. ─ sua mãe também estava de olhos molhados ─ Você acha que nós, Will e Denise deixaríamos vocês dois usarem as economias da faculdade, emanciparíamos vocês e ajudaríamos a alugar um apartamento em outro continente, se não confiássemos no amor de vocês e no futuro que querem construir juntos?
─ Claro que não temos a certeza de nada, Kokimoto, mas temos muita fé na criação que demos para vocês dois. E é só o que podemos fazer. Segurar as nossas mãos e observar vocês caminhando até a beira do ninho, para içar voo... E rezar para que dê tudo certo!
─ Mas se algo der errado, nossos braços estarão abertos te esperando, lá no Japão. Para te ajudar a curar as feridas e se reerguer para voltar para cá, para a sua casa, e começar de novo. ─ prometeu sua mãe, e os pais o abraçaram.
─ Eu aprendi que o nosso lar é onde estão as pessoas que amamos. ─ Koki disse baixinho ─ Minha casa agora vai ser na Irlanda, com a Bianca. Mas o meu lar é no Japão, com vocês e a nossa família; e aqui no Brasil, com a outra parte dela. E aqui também, com os meus amigos.
─ Você e a Bibi são filhos do mundo, Kokimoto. Por mais assustador que seja para nós, seus pais, admitirmos isso, nós sabemos que são. ─ seu pai o encarou, sorrindo ─ A casa de vocês será para onde as suas asas os levarem, mas você está certo sobre uma coisa: seu lar é onde o coração de vocês estiver. E como bons filhos do mundo, um pedaço dele está para cada lado.
─ Se cerquem de pessoas que vocês amam, meu filho, e assim vocês sempre estarão em alguma lugar que podem chamar de lar.
~*~
─ Laura, já é a oitava vez que eu preciso retocar a sua maquiagem, minha filha. Você precisa parar de chorar. ─ sua mãe bronqueou, ajeitando a base no rosto da filha ─ E você está usando essas sombras cheias de brilho, isso dá trabalho para arrumar.
─ Como você consegue não estar emocionada, mãe?
─ Eu estou, querida, mas estou me segurando para você não chorar ainda mais. ─ riu a mulher, se afastando para analisar o trabalho ─ Amadeu, terminei a maquiagem. Liga o carro e coloca o Alan dentro. Vamos sair antes que a Laura chore de novo.
─ Não precisa de tanto, Bete. ─ o homem entrou no quarto da filha, rindo ─ Mais calma, minha romântica sentimental?
─ Não fale assim, papai, ou eu vou chorar de novo.
─ Se essa maquiagem borrar de novo, você quem irá arrumar. ─ Bete ameaçou o marido, saindo do quarto.
─ Não imaginava que a dona Bete era tão brava. ─ brincou Alan, parando na porta.
─ Vai aprendendo, garoto. Elas parecem fofas, carinhosas... Mas tem uma ferinha escondida aí dentro, só esperando a hora de mostrar as garras. ─ Amadeu avisou o genro, saindo do quarto.
O casal ficou em silêncio, se encarando, e Laura sentiu as bochechas queimando.
─ O que foi?
─ Só admirando como você está linda. Condizente com o destaque que vai ter. ─ ele se aproximou, a ajudando a se levantar ─ Vou fazer questão de, na hora do seu solo, dizer em alto e bom som que eu sou seu fã número 1.
─ Assim como você disse no acampamento? ─ ela perguntou, passando os braços pelo pescoço dele.
─ Sou seu fã número 1 desde aquela época. Primeiro de maneira respeitosa, e depois... ─ ele lhe deu um beijo ─ Vou sempre ser o seu fã número 1, Laura, em tudo o que você queira fazer.
─ E quando eu lançar o meu primeiro livro?
─ Faço questão de ter o primeiro exemplar assinado quando isso acontecer.
─ Vai ser em um futuro breve. ─ ele arqueou as sobrancelhas, surpreso ─ Eu tive uma ideia diferente para um livro, Alan... É sobre um grupo de amigos que se reencontram depois de muitos anos, e resolvem viajar juntos. E eles atravessam um túnel, ao amanhecer. E quando chegam ao outro lado, são novamente adolescentes. E têm a chance de mudar as coisas que deram errado nas suas vidas.
─ Eu acho que essa foi a ideia mais maravilhosa que eu já ouvi na minha vida, Laura. ─ garantiu Alan, sorrindo largamente ─ Mal posso esperar para ler.
─ Você é perfeito, garoto, não é possível. ─ ela o beijou, antes de sorrir travessa ─ Te contei que o par romântico principal é bem interessante?
─ Ah é?
─ Uhum... É uma menina muito romântica e sentimental, e um rapaz todo engajado em cuidar do meio ambiente... ─ ele fez cara de pensativo ─ Os nomes deles são Alina e Lauro.
─ Me parecem gente boa, mas um pouco conhecidos. Não sei dizer de onde...
─ Se beijem logo e vamos para a escola. A minha diabetes está subindo. ─ Amadeu apareceu na porta, assustando os dois ─ É tanta melação de cueca.
─ Não ligue, querida, é só ciúme de pai. ─ Bete apareceu atrás do marido, o puxando ─ Estamos esperando no carro. Não demorem porque já estamos atrasados.
E o casal saiu, com a esposa ralhando e o marido implorando a Deus que baixasse a taxa de açúcar em seu sangue. No quarto, Alan e Laura ficaram aos risos, antes de se encarar.
─ Vamos para a última aventura da turma do Carrossel na Escola Mundial. ─ chamou ele, observando os olhos da namorada marejando ─ Ah não... Dona Bete, ajuda aqui!
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