2. Os Quatro Elementos Estilaçados e Alunos Possivelmente Assustados
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Castelobruxo esconde uma terrível história. Tão terrível que os bruxos querem apenas esquecer mas não é tão fácil quanto parece; não quando aquela tragédia horrenda em 1845 ocorreu; ou quando os guardiões da floresta decidiram eles mesmos punirem o jovem bruxo. Bernardino tinha a capacidade para ser um grande e extraordinário bruxo, todavia, as trevas o consumiram, o mal tornou-se seu aliado e sua bondade apenas um ponto mínimo em seu ser. Por ser forte, era perigoso. Por ser perigoso, bem... não se deve falar sobre ele.
Há quem diga que, ao adentrar a floresta, no local mais profundo e escuro, onde as árvores podem ouvir e ver, os pássaros não existem e as trilhas não são protegidas por Curupira, está Bernardino, isolado, com sua magia tracanfiada e seu ódio exposto. Bernardino comanda o lado negro da floresta, tornando-a perigosa e inabitável. Ninguém jamais voltou de lá.
Mas bem, isso é uma lenda. Mas lendas têm suas verdades. Será verdade a lenda de Bernardino?
Não falam sobre isso. Não devem falar. Calados, todos vocês! De boca fechada, ganhamos mais tempo de vida. Se for verdade, será. Se não, apenas sussurrem nos ouvidos dos novatos na fogueira, os alertando.
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Ele nunca correu tanto em sua vida. A idade que lhe pertencia era de fato apresentável. O homem tinha, aos olhos de pessoas comuns, uma aparência estranha e inusitada e, nem falemos de suas roupas. Ah! Suas roupas eram sim as mais engraçadas.
O homem que corria era Luandino Siqueira, um bruxo. Exatamente, um bruxo! Ou você acha que bruxos não existem? Luandino é a prova viva de que eles existem sim! Mas isso ficará para outros tempos; o que Luandino queria mesmo era chegar a cozinha, onde o sítio ocorria.
Existia uma boa camada de farelhos de biscoito de leite em sua barba, que era aparada, lembrando vagamente até mesmo a barba de Robert Downey Jr., o ator americano. Luandino tinha olheiras também, pelas noites mal dormidas, levava a sério seu trabalho. Era alto, moreninho, os cabelos pretos e os olhos da mesma cor. Quem o olhasse, achava que era um índio, mas sim, ele realmente era um. Um bruxo índio. Um índio bruxo.
Suas vestes variavam em verde e branco. A capa que começava com verde e bem nas pontas era branca, com brezilhas brilhantes e bonitas, as botas marrom-clara, confortáveis para montaria, a calça verde e a blusa branca.
Ele entrou na cozinha em passos firmes enquanto dizia de forma autoritária:
— Que é que está havendo? Que bagunça é essa? Os alunos devem chegar logo e vocês estão fazendo o que?
— Mestre! — os elfos diziam ao mesmo tempo, jogando-se aos pés de Luandino que respirava ofegante. O homem deu um passo para trás, incomodado com aquela cena. Odiava aquela devoção exagerada dos elfos, era demais.
— Andem! Arrumem isso! — ordenou ele.
— Mestre! Saci-Pererê misturou pimenta em nosso pudim! O que fazer? O que fazer? — Quirk, um elfo que liderava alguns pontos da cozinha, choramingou aos pés de Luandino, que suspirou irritado e disse:
— Então não teremos pudim. Agora andem, faltam apenas duas horas para a chegada de alunos famintos! Quero tudo pronto e perfeitamente calculado. O Diretor ficará satisfeito de descobrir que tudo saiu conforme o planejado.
Dito isso, os elfos exclamaram eufóricos e foram aos seus afazeres. Luandino viu uma bacia de pudim ir para o lixo. Resmungou um pouco decepcionado: ele amava aquele pudim.
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Lucas estava tão ansioso. Junto aos novatos, ele olhava tudo com curiosidade em sua barca. O rio estava calmo e a brisa fresca. Ele podia ver ainda mais algumas vinte e quatro barcas, cada um levando uma série da escola de uma determinada tribo.
Em cada barco havia um professor responsável. No seu, havia uma mulher gorducha e com uma carranca. Se apresentou como Edna Pereira, a professora de herbologia. Lucas sentiu um súbito medo da mulher que encarava-o devolta com maestreza.
— Ei, olhe ali. — Cecília, uma menina de cabelos acaju que estava ao seu lado, apontou para uma das barcas que o ultrapassavam. Ela tinha a cor azul clara e alguns detalhes em ouro. Lá, os alunos cantavam animados; havia violões, gaitas, tambores, todavia, o que chamava a atenção era o canto belo das pessoas que ocupavam o espaço do transporte flutuante. Todos cantavam bem e tinham um ar artístico.
Vagner, um menino que estava sentado na frente deles, se virou para trás e explicou:
— Aqueles são os Iarianos. Eles são responsáveis por tudo que tem haver com arte na escola. Isso estava escrito no livro de Cassandra Souza, Castelobruxo: A História Entre Séculos. — disse e respirou fundo, continuando seus discurso. — Eu li ele nas férias, assim como Hogwarts: Uma História. As duas escolas são parecidas, mas Castelobruxo é muito mais cercada de magia.
Lucas se prendeu a cada palavra dita pelo menino. Como nascido-trouxa, era óbvio ele está curioso. Não havia recebido a carta de Hogwarts, mas ficou feliz ao ver um Tucano romper seu apartamento em Jacarepaguá com uma carta nas patas.
— É tão... bonito. — Cecília comentou meigamente. — Quero ir para essa tribo.
— Eu prefiro os Sacisus. — disse Vagner, ainda virado para trás. O rosto confuso de Lucas fez o menino incluir uma justificativa. — Eu não sei cantar.
— Não se precisa saber cantar para entrar nos Iarianos, sua besta quadrada. — uma outra voz sibilou ao lado de Vagner. — Existem outras tarefas para se fazer.
— Existe? — Lucas perguntou interessado. Uma menina de cabelos negros e olhos entediados se virou para trás também. Seu nome era Violeta.
— Existe Encantamentos, por exemplo. — falou Violeta e rolou os olhos por algum motivo. — Minha mãe me obrigou a ler esse livro de Cassandra Souza. Como se uma criança de onze anos como eu fosse usar aquelas informações para algo.
— Podem ser úteis. — Vagner retrucou e Violeta apenas ignorou, voltando ao seu lugar de origem. O menino resmungou, se esticou para Lucas e Cecília sussurando: —Quer apostar quanto que ela vai para a tribo dos Mulans?
— Apostas são erradas, sabem? — Cecília sussurrou devolta e deu um gritinho ao ver dois galeões voando no ar, culpa de Lucas.
— Dois galeões.
— Fechado. — disse Vagner e voltou seu lugar.
A viagem correu normalmente depois disso. Algumas outras barcas ultrapassavam eles de vez em quando. Uma em especial estava fazendo uma mini-guerrinha de jatos d'água. Lucas pôde ouvir Edna resmungar algo parecido com "Esses malditos Sacisus, sempre bagunçando tudo". Outra barca também surgiu, essa mais calma. Os alunos estavam lendo calmamente, outros observando a água com um leve sorriso.
Já estava escurecendo. O menino não se cabia de excitação quando avistou a grande construção dourada. Era um edifício impotente, parecia que algumas partes estavam de pé por conta da magia que irradiava ali. Lucas incrivelmente podia sentí-la e jurou que seus futuros colegas também compartilhavam da sensação.
Os portões se abriram e as barcas ultrapassaram-o, fazendo os novatos abrirem a boca e sibilar um "Oh!" para tudo que viam. Ao atracar, Edna levou os vinte e cinco novatos para o lado oposto dos outros alunos que residiam as outras vinte e quatro barcas.
As crianças se enfileiraram e seguiram a professora, que os levava para uma trilha serpentuosa e clara, afim de finalmente dar as explicações devidas. Ela parou, fazendo todos pararem com ela. Mais a frente havia um tipo arco quadrado, cheio de plantas trepadeiras. As construções a sua volta eram velhas, algumas estavam pela metade. Ao lado, havia uma escada que dava para algum lugar ainda desconhecido. Descendo as escadas elegantemente, vinha um homem de vestes elegantes e barba aparada.
— Alunos, apresento-lhes Luandino Siqueira, professor de Estudos Elementais e Vice-Diretor.
Luandino, como dito acima, era um homem curioso, mas não deixava de ser interessante. Ele estudou minuosamente cada aluno, seus olhos negros paravam exatamente menos de um segundo em cada um. Ele sorriu minimamente, como se quissese se fazer um enigma.
— Edna, pode ir. Eu tomo conta deles. — falou Luandino e a Professora assentiu, subindo as escadarias de pedra e sumindo em uma névoa esquisita que cobria quase tudo. — Boa noite. Hoje, uma nova etapa em suas vidas começa. Hoje vocês definitivamente se tornarão bruxos e bruxas e devo dizer, incríveis. Sinto isso, sabem? Talvez alguns de vocês já tenham ouvido falar que os bruxos mais sensíveis a magia vêm estudar em Castelobruxo e assim, aflorar esse dom. Ajudaremos nessa parte, eu sei que daqui sairão bruxos fantásticos.
Luandino deu uma pausa em seu discurso, observando a reação das crianças. Alguns seguravam suas varinhas com olhos brilhando, outros sorriam orgulhosos. A reação esperada de Professor Siqueira, então ele retornou a fala:
— Castelobruxo é dividida em quatro tribos: Boitigus, Sacisus, Mulans e Iarianos. Cada uma com sua importância e tarefas para quais foram designados por nosso fundador. — ele deu mais uma pausa. — Cada um é regente de um ser mágico e um elemento; Boitigus é fogo, Sacisus o Ar, Mulans a Terra e Iarianos a água. Veja bem, todos os elementos são necessários para viver. O que seria de nós no inverno sem o quente do fogo? Ou para cozinharmos algo? Como seria se as florestas não tivessem vento? A brisa da manhã é maravilhosa, não acham?
Alguns concordaram sorridentes.
— E a água, fonte de vida humana. Se sentíssimos sede, como ficaria? Não haveria irrigação, nem rios, e muitos menos existira um vasto mundo animal. E por fim, a Terra. O que seria de nós sem a terra? Nada nasceria, nenhuma planta existiria. Entendem a importância de cada um e como eles se ligam? É exatamente assim que nossas tribos funcionam. — Luandino agora apontou para o grande arco quadrado com plantas. — Esse é o Portal de Iniciação. Ao passar por ele, algum elemento se remexerá em volta, determinando sua tribo. Você subirá as escadas logo em seguida, onde encontrará o líder da sua tribo que consequentemente é um aluno mais velho. Entendidos?
As crianças concordaram, alguns apavorados com a ideia. Luandino retirou de sua capa um pergaminho, abrindo-o e sorrindo gentilmente para as crianças.
— Marta Escarlate.
A menina gordinha foi aos tropeços para o Portal e, ao pisar para dentro, um tremor repentino tomou conta do local. A menina arregalou os olhos, assustada com a ideia, porém Luandino apenas apontou para a escada e sibilou:
— Bem vinda a tribo dos Mulans senhorita Escarlate. Murilo, o representante da tribo vai receber você devidamente. — e apontou para a parte direita do uniforme verde limão, onde tinha um crachá com o símbolo da tribo.
— Zacarias Silva.
E a seleção seguiu-se. Vagner havia provocado uma ventania exagerada no local, indo para os Sacisus, assim como desejava. Antes de ir, ganhou dois galeões de Lucas, quando viu Violeta ir para a casa dos Mulans. Cecília fez um vaso d'água, que eram espalhados pelo local se quebrar, fazendo pingos molharem os amigos. A mesma foi para os Iarianos, Kitty Laufe, uma menina bonita de cabelos crespos e pele negra fez o arco pegar fogo, acabando na tribo dos Boitigus; Maria, Iarianos; Guilerme, Boitigus novamente.
— Lucas Vieira.
Lucas foi-se para o portal e fez exatamente como os colegas. Esperou, esperou e esperou. Luandino ergueu uma sombrancelha confuso com a situação, enquanto o menino se encolhia constrangido aos olhares.
Foi quando houve uma grande ventania, fazendo a capa do professor se remexer impaciente. Seguido disso, o arco pegou fogo como nunca antes visto, sendo apagado pelos vasos d'água que se quebraram fortemente, causando uma bagunça. Junto aos acontecimentos, um tremor forte que fez uma pilastra pela metade desabar no chão.
Na escadaria, Alana Fernandes desceu preocupada. A Boitigu olhava tudo de maneira curiosa.
— Professor Siqueira, o que foi isso? — perguntou.
— Senhorita! O que faz aqui embaixo? — Luandino sibilou, enquanto passava pelo portal para pegar Lucas pelo braço. O portal pegou fogo com o contato do professor, mas esse não ligou. Ao lado direito da capa do menino, o símbolo dos quatro elementos surgiam, entrelaçados um ao outro.
— Eu ouvir coisas estranhas. Os alunos ficaram curiosos. — Alana explicou, as bochechas vermelhas como tomates maduros. Luandino suspirou impaciente.
— Senhorita Fernandes, chame o Professor Thalles para mim, por gentileza? — pediu Luandino e Alana assentiu, subindo as escadas novamente. — Senhor Vieira, fique ao meu lado.
Lucas não entendia o que estava acontecendo. Certo, sabia que os quatro elementos se fizeram presentes em sua seleção, mas o que significava? Talvez o Portal estivesse quebrado, certo? Eram tantas perguntas que deixava o menino nauseado.
Professor Thalles desceu as escadarias apressado. Parecia um homem distraído e engraçado, pois usava correntes e miçangas por toda a parte e sua roupa era extremamente colorida.
— Luandino, meu amigo, o que ocorreu? — perguntou preocupado e Luandino suspirou.
— Continue a seleção? Preciso subir com o Senhor Vieira. — explicou. Professor Thalles deslumbrou o uniforme do menino e fez uma exclamação.
— Oh! Oh! Merlim!
— Eu sei. Faça o restante da seleção. Lucas, me acompanhe. — e Lucas finalmente se viu subindo as escadas, sob os olhares dos outros colegas.
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O Anfiteatro era um dos lugares mais barulhentos que podia-se encontrar em Castelobruxo. Era um grande pátio redondo, com arquibancadas. Bem no meio do pátio havia uma enorme fogueira, que aquecia a todos e não se apagava por causa da ventania. No canto direito, havia uma enorme mesa com comida, onde os alunos se serviam e os alimentos pareciam nunca acabar. Havia cantorias, brincadeiras, risos e conversas. Os professores sentavam-se em uma arquibancada diferente, conversando e bebendo alegremente.
Do lado esquerdo ficava a entrada. Nele, quatro alunos estavam parados a espera dos novatos. Esses, conversavam formalmente.
— Não acho que este ano tenha algo interessante para se fazer. Ano passado sim, teve aquela vez que Gabriel Cortez inundou a sala de poções. Aquele dia foi épico. — comentou Murilo gratuitamente. Os cabelos castanhos, grandes demais para o mesmo, teimavam em ficar em cima de seus olhos.
— Ah sim! — Teseu Montero falou com um sorriso nostálgico no rosto. Sua aparência hoje parecia mais charmosa do que nunca: os cabelos ondulados de maneira perfeita nas pontas; o tom ruivo que lembrava cor de fogo, o deixando com um ar charmoso e elegante; os olhos chamativos puxados a cor esverdiada e um pouco azul. Os dentes pareciam caninos, o que deixava ele ainda mais fofo; e uma pele branca, delicada como porcelana. — Eu me lembro desse dia.
— Como esquecer? Seu cabelo ficou totalmente encharcado. Nunca vi Teseu tão bravo, ou brava... — Aurora falou dando uma risada alta. Os cabelos vermelhos balançavam em sintonia com a risada, enquantos os olhos azuis claros fitavam Teseu, que quase abraçou seu cabelo.
— Chegava a dar pena. Sinto inveja do seu cabelo, Teseu. Você consegue ser mais feminina que as próprias meninas. — falou Katherine, uma ruiva com um rosto delicado e pequenas sardas, que destacavam seus olhos brilhantes e bonitos.
— É o objetivo de qualquer pessoa que seja um homossexual trap, Kat. — Teseu explicou calmamente, fazendo Katherine soltar uma risada pelo nariz e rolar os olhos.
— Ei galera, olha lá o Luandino. — Murilo, ou simplesmente Muca, interrompeu, apontando para o professor que subia a escadaria. Ao seu lado havia um menino com um rosto avermelhado e nervoso.
— Senhores, devo explicar que hoje tivemos um acontecimento inusitado. — Luandino explicou aos quatro alunos, tentando ser discreto, mas viu o anfiteatro se silenciar. O Diretor ergueu uma sombrancelha, confuso com aquilo. — Esse é Lucas Vieira, ele remexeu os quatro elementos no portal de iniciação.
Os cochichos foram inevitáveis. O Diretor se levantou de sua arquibancada e caminhou ao encontro dos alunos ali presentes. Os quatro representantes estavam boquiabertos com aquilo, então a lenda de Bernardino talvez fosse verdade, afinal.
— Alguma tribo terá que recebê-lo. — o Diretor falou enquanto fitava o menino com um olhar impasível. Os quatro representantes fitaram o chão, cada um pensando sobre como seria receber aquele menino.
— Ele será bem vindo aos Iarianos. — uma voz decidida se fez presente no silêncio incômodo do anfiteatro. Marina Oliveira se colocou ao lado de Teseu que deu um sorriso tímido. A pele bronzeada, os cabelos castanhos claros e levemente ondulados, o rosto oval e olhos também castanhos. Estes, encaravam Lucas com gentileza. — Receberemos ele como um de nós.
Lucas sorriu para as duas pessoas, que lhe responderam com o mesmo ato. Teseu estendeu a mão para o menino, que a pegou sem resitar. Ao longe, Lucas pôde ver Cecília sorrir animada.
— Então, é isso. — Luandino sibilou, olhando os outros três representantes meio decepcionado. — Lucas fará parte das tarefas oficiais dos Iarianos e aprenderá a conviver com eles.
A música voltou a tocar aos poucos, mas as conversas não cessaram. Lucas, naquela noite ficou conhecido como Reencarnação de Bernardino. Aquilo o incomodava, e muito.
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