Acordo com meu braço latejando. Acho que a ferida infeccionou. Mas era impossível ir no médico aquela hora da noite. Na noite anterior ao menos Gaston fez o possível para eu melhorar.
Me levanto e vou ao banheiro, como usual.
Visto meu casaco velho que Gaston devolveu.
Desço as escadas pronto para levar uma bronca por não poder trabalhar hoje.
- Senhor, bom dia, eu sinto muito mas...
- Não se preocupe Lefou, está tudo em ordem. Gaston passou aqui hoje bem cedo, lavou os pratos, copos, limpou o bar inteiro. Até me assustei.
- G-Gaston? Mas ele não te ameaçou? Não te deu uma surra nem algo do tipo para me deixar sem trabalhar hoje? - Pergunto, incrédulo pela atitude positiva do Gaston.
- Por incrível que pareça, não. Ele parece melhor Lefou. Você precisa ver ele mais tarde. - Ele disse, terminando de guardar alguns copos. - E vá ao médico já, essa ferida está feia. - Ele aponta para o meu braço.
- Sim senhor, obrigado.
Corro para a porta e logo chego ao médico, que passa alguns antibióticos e bandagens melhores no corte.
Saindo de lá, observo a vila. Tudo está em paz, pássaros cantando, a padaria já estava aberta e a sua tabuleta de pães estava cheia.
Ainda tinha sangue seco no lugar onde os bandidos me encurralaram, mas nenhum sinal deles. Espero que não voltem.
Vou até a casa do Gaston. Bato algumas vezes na porta mas ninguém atende.
- Gaston! Sou eu... Você está aí? - Pergunto, tentando olhar pelo buraco da porta.
- Ele saiu. - Um senhor fala, afiando sua faca.
- Ah sim, obrigado...
- Me conhece? Sou o senhor John. Dono do bar que fica ao lado do ferreiro.
John. Era o velho que tinha mandado os bandidos atrás de mim?
- Me desculpe, o alvo de ontem não era você, era Gaston. Meus meninos se "empolgaram", sinto muito. Leve isto para custear os machucados. - Ele tira do bolso algumas notas e me entrega. - Gaston me pagou a dívida. Estamos quites.
- Certo. Obrigado.
Não queria conversar muito com aquele cara. Ele realmente não parecia uma boa pessoa.
Ando a passos lentos pela vila em busca do Gaston. Onde um homem daquele tamanho poderia se esconder?
Até que vejo as três irmãs gêmeas espremendo seus peitos na janela de uma loja de roupas masculinas. Elas sempre estão atrás do Gaston.
Me esgueiro e vejo o mesmo, escolhendo alguns casacos lá dentro. Ele me percebe ali fora e faz sinal para que eu entrasse.
É muito estranho. Gaston nunca sai sozinho, finalmente criou coragem.
As garotas morrem de inveja ao me ver entrar na loja. Elas foram proibidas de entrar ali pelo dono, pois segundo ele elas são "barulhentas" de mais.
- Lefou! Que ótimo que chegou. Eu estava escolhendo um casaco novo. Esse ou este? - Ele levanta dois casacos, um preto azulado e um marrom com um toque de vinho.
- Acho que o marrom combina mais com você. - Digo, me sentando na cadeira perto ao vestiário.
A loja estava vazia, apenas o vendedor e Gaston ali. Tocava uma música agradável de fundo.
- Você acha que esse é o mais bonito? Você usaria? - Ele pergunta, apontando para o marrom.
- Sim, eu acho. Usaria sem problemas.
Olho pela janela enquanto Gaston faz sua compra, vendo as garotas me encarando com raiva e cavalos passando pelo que sobrou da neve.
Gaston coloca a mão em meu ombro, segurando uma sacola com a outra.
Já estou tão acostumado a carregar suas coisas que já estendo a mão para pegar a sacola, mas ele nega.
- Vamos Lefou. Agradeço, Debuor. - Ele se despede do vendedor, que olha surpreso para Gaston.
Ele anda do meu lado, mas guia nosso caminho. Nós caminhamos até o riacho no meio da floresta.
- Para onde vamos, Gaston? - Pergunto, subindo algumas rochas do riacho.
Ele me ajuda segurando minha mão esquerda, contrária da que eu tinha machucado.
- Quero conversar com você. - Ele diz, sério.
Chegamos até a casa de pesca do Gaston. Costumamos pegar nossas coisas de caça aqui.
Ele segura meu braço e me ajuda a subir no banco alto, me segurando próximo a ele.
Aquele lugar é lindo. O som da água, dos peixes pulando, as folhas caindo com o vento.
Ele deixa a sacola em cima da mesa e se apoia com os braços na mesa, olhando o horizonte.
- Seu braço melhorou? Foi ao médico? - Ele pergunta.
- Sim, fui sim. E encontrei o senhor John no caminho. Ele me deu dinheiro para pagar os remédios... E disse que você já pagou ele.
- Já sim. E o dono da casa noturna também. Não devo mais nada a ninguém.
Dou um sorriso, e ele devolve outro.
- Lefou, se você veio me ver hoje quer dizer que tem algo para dizer, certo? - Ele pergunta, sem raiva em sua voz.
- Sim. Eu pensei bastante sobre o que você disse também. Eu admiro você Gaston, muito. E eu senti verdade nas suas palavras. Você tem certeza que consegue mudar? Para melhor?
- Com certeza. Você pode me ajudar?
Dessa vez ele realmente pergunta, e não faz uma exigência como sempre fez.
- Claro, Gaston... É o que eu faço.
- Sabe, eu não quero mais lembrar da Bela ou das irmãs... Eu quero me tornar uma pessoa melhor, Lefou. Quero ser admirado, venerado, mas por honra, por merecer. Vai ser muito melhor, não é? - Ele sorri, me empurrando de lado na cadeira.
- É o que eu estava falando, Gaston. Vai valer a pena, você vai ver.
Nos encaramos por um breve momento. Vejo um brilho em seus olhos que nunca vi antes. Ele parecia feliz.
Ele pigarreia e olha para a sacola, estendendo o pacote de papel em minha direção.
- É seu. - Ele diz, me entregando.
- Meu? Mas você não comprou para você?
- Não... Bem, o seu está bem surrado, sei que se você não tivesse pago minhas contas teria comprado um novo então foi o que eu fiz. Ah! E a partir de hoje não se preocupe, eu mesmo pago todas as minhas dívidas. Consegui um emprego no bar também. Vamos trabalhar juntos, o que acha?
Isso enche meu coração de alegria. Nem parecia o mesmo Gaston de antes.
Deixo o saco na mesa, desço da cadeira e abraço apertado Gaston, que devolve o abraço.
Me afasto um pouco, olhando em seus olhos.
- Tenho muito orgulho de você, Gaston. - Digo, sorrindo ladino para ele.
Seus olhos enchem de água.
- Orgulho? Mesmo? Eu... Nem sei se um dia alguém sentiu orgulho de mim. - Ele diz, não conseguindo mais se segurar e caindo em prantos.
Enxugo suas lágrimas com meu lencinho de bolso e fico em sua frente, apenas olhando seu rosto emocionado.
Quando percebo, uma brisa leve passa por nós. Talvez choveria. Os olhos de Gaston não se desgrudavam dos meus e vice-versa.
Ele se aproxima lentamente de mim, como se analisasse meus movimentos.
Uma de suas mãos toca meu rosto, apertando carinhosamente meu queixo e inclinando meu rosto para cima.
Uma queimação cobre meu corpo. Do nada sinto um calor interior.
Ele se aproxima até que nossos rostos estejam próximos, e então ele desvia seus olhos para... Minha boca? Acho que estou sonhando.
Não me movo nem um milímetro. Ao mesmo tempo que meu corpo ferve, ele também arrepia de emoção.
- Gaston! Queremos ver seu casaco novo! - Uma voz feminina nos interrompe, e eu imediatamente me afasto de Gaston, fingindo estar fazendo outra coisa.
Não sei se ele faria o mesmo, mas ele apenas olhou para o chão, envergonhado, e depois deu atenção as irmãs.
- Olá meninas, o que posso fazer por vocês hoje? - Gaston pergunta, com uma voz desanimada.
- Oh Gaston! O mais perfeito... Nossa mãe disse que um dia você escolherá uma de nós para se casar! - A de vestido verde diz.
- E claro que será eu! - A de vestido vermelho fala, em alto tom.
- É claro que não, Gaston vai ME escolher! E ponto final! - A de amarelo diz, zangada.
- Se acalmem garotas, eu ainda não penso em casamento. Estou trabalhando, e tentando mudar meu jeito para melhor. - Gaston diz, colocando as mãos na cintura.
Elas formam um uníssono triste.
- Poxa, eu queria muito me casar nesse mês. Veja meu corpo, poderíamos ter lindos bebês! - A de vermelho fala.
Olho de canto. As bochechas de Gaston coram e ele ri.
- Sinto muito desapontar moças, mas realmente não é o que eu quero por enquanto, certo? Voltem para casa, está muito frio.
Por enquanto? Então... Isso queria dizer que Gaston um dia quer mesmo se casar com uma delas?
Elas reclamam, murmuram, e então vão embora cambaleando pela neve.
Eu pego minha sacola com o casaco e vou até ele.
- Preciso ir para casa, Gaston. Vejo você mais tarde. - Digo, envergonhado.
- Você está zangado comigo?
- Não, não, claro que não. Eu só preciso descansar, depois nos vemos.
Ele fica em silêncio, cabisbaixo.
- Agradeço pelo casaco, eu adorei.
Pego meu rumo e passo pelas casas, vendo o movimento da vila.
Sei que deve ser difícil tentar mudar, mas Gaston está fazendo um ótimo trabalho. Eu sei que ele consegue.
Fico surpreso quando vejo Bela descendo a ladeira de carruagem, cumprimentando todos a sua volta.
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