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PARTE 2: A Primeira Infância do Chaves
O tempo passou como o vento da ventania que sempre bagunçava o cabelo da Dona Clotilde. Chaves cresceu na vila, e embora tecnicamente ainda morasse numa caixa de papelão dentro de um barril, ele considerava aquele lugar como seu verdadeiro lar.
Desde muito cedo, ele já dava sinais de ser diferente. Enquanto outras crianças da vila aprendiam a andar, Chaves já aprendia a cair. Era uma queda mais desajeitada que a outra, mas ele sempre se levantava, sorrindo, como se dissesse: “Não foi nada!”
O Professor Girafales decidiu cuidar da educação do menino. “É importante que ele saiba escrever pelo menos o nome”, dizia, empolgado, segurando um quadro-negro minúsculo. Mas sempre que escrevia “Chaves”, o menino lia “Churros”. E então gritava: “QUERO CHURROS!”
Dona Florinda revirava os olhos. “Esse garoto é um malcriado! Só pensa em comida!”
“E em quê mais alguém com fome pensaria?”, retrucava o Seu Madruga, que já começava a simpatizar com o garoto.
A Dona Clotilde, por outro lado, jurava que o menino tinha poderes. “Outro dia, eu vi ele falando sozinho com uma formiga. E a formiga respondeu! Juro!”
Mas quando foram ver, era só o Chaves brincando de novela mexicana com um graveto e uma folha.
Enquanto crescia, Chaves aprendeu a viver com pouco. Ganhava roupas velhas da Chiquinha, sapatos furados do Quico (que usava só uma vez por puro luxo), e comida… bem, comida era mais difícil. Quase tudo que comia era roubado — quer dizer, “achado” — de alguém distraído.
“Não se deve pegar o que não é seu, Chaves”, dizia o Professor Girafales.
“Mas se tá no chão, pertence à humanidade!”, respondia ele, com os olhos arregalados e um pão seco na mão.
A vila virou seu campo de aventuras. Corria de um lado ao outro, se escondia embaixo das escadas, subia na caixa d’água para ver “se dava pra ir até o céu”, e uma vez tentou plantar um sanduíche de presunto para ver se crescia uma árvore.
“Mas era só um experimento científico!”, ele dizia, depois de cavar a metade do pátio com uma colher.
Durante uma tarde nublada, aconteceu um de seus primeiros encontros com a justiça da vila: o Tribunal de Dona Florinda.
Quico, sempre cheio de brinquedos novos, apareceu com um ioiô luminoso que tocava música clássica quando girava. Chaves, encantado, pediu para brincar. Quico disse “não”, como sempre. Chaves insistiu. Quico fez beicinho. Chaves pegou o ioiô. Quico gritou.
Dona Florinda apareceu, bufando como uma locomotiva.
“Vim cobrar justiça!”
“E o aluguel”, disse o Seu Barriga, que coincidentemente chegava na vila com uma planilha enorme.
“Você bateu no meu filho!”, gritou Dona Florinda, já mirando o tapa.
“Foi sem querer querendo!”, respondeu Chaves, tapando o rosto.
Mas o tapa acertou o Seu Madruga. Sempre.
Chaves se escondeu no barril, tremendo, achando que tinha acabado com sua vida. Mas, para sua surpresa, uma mão esticou-se em sua direção. Era a do Seu Madruga.
“Vem cá, moleque. Não foi nada.”
Chaves olhou, desconfiado. Saiu do barril devagar. Aproximou-se. E, pela primeira vez, sentiu o que era algo parecido com um abraço de pai. Ranzinza, cansado, pobre… mas pai.
“Se você continuar por aí mexendo no que não é seu, vai acabar levando palmada. Mas se pedir direitinho… talvez ganhe um pão.”
Chaves sorriu. “Tem presunto?”
“Não.”
Chaves chorou. Mas chorou sorrindo.
Naquela noite, quando todos já estavam em casa, algo estranho aconteceu. Uma luz vermelha brilhou no pátio. Um trovão ecoou. O varal tremeu.
“Não contavam com minha astúcia!”
Chapolin Colorado reaparecia, flutuando com um paraquedas que mais parecia um lençol mal amarrado.
“Chapolin!”, gritou Chaves, animado.
O herói pousou (tropeçando, claro) e se aproximou. “Recebi um chamado de emergência! Um sinal de tristeza no coração de uma criança!”
“Fui eu!”, disse Chaves. “Achei que iam me expulsar da vila!”
Chapolin colocou a mão no ombro do menino. “Não temas, meu pequeno padawan… digo, meu pequeno vizinho. A coragem não está nos músculos, mas na barriga vazia que ainda consegue sorrir.”
“Isso quer dizer que vou ganhar um sanduíche de presunto?”
“Não. Mas talvez um conselho.”
Chaves suspirou, mas ouviu atento.
“Seja sempre você mesmo. Mesmo quando os outros disserem que você é estranho. Estranho é quem vive sem rir. E você tem um talento: faz as pessoas rirem sem perceber.”
“Mesmo quando eu caio?”
“Principalmente quando você cai!”
Chaves riu. Chapolin desapareceu numa explosão de confete e purpurina que deixou a vila com cheiro de festa infantil por três dias.
E foi assim que Chaves começou a criar raízes ali. Crescendo aos tropeços, aos tapas, às gargalhadas. Sempre faminto, sempre curioso, sempre sem querer querendo.
Mas já com o coração da vila todinho pra ele.
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