Me arrependi de ter enchido a cara assim que abri os olhos. Junto com a visão embaçada veio aquela dor de cabeça de ressaca. Eu odeio ficar de ressaca, acho que todo mundo odeia. Esfreguei meus olhos ainda deitada na cama, porque eu tinha a impressão que se eu fizesse o mínimo de esforço a minha cabeça explodiria. Espera, cama? Era uma puta de uma cama macia, mas as paredes azuis, a bagunça na escrivania, as roupas jogadas de qualquer jeito dentro do guarda roupa que está com as portas abertas e o skate apoiado na parede atrás da porta denunciavam que eu não estava no meu quarto. Eu não me lembro como eu saí da festa ontem e por um momento senti meu corpo gelar.
Me sentei na cama quando ouvi uma respiração ofegante do meu lado, tinha alguém deitado ali com o cobertor cobrindo sua cabeça. Engoli seco. Por favor, que não seja um homem. Que não seja um homem, que não seja um... Tirei o cobertor da cabeça de quem quer que estivesse ali e senti um alivio inexplicável ao ver a Laís dormindo em sono profundo. Caralho, por pouco.
Me levantei da cama e tive a leve impressão que ela estava me puxando de volta para dormir, até porque o relógio digital na mesinha do lado indicava que ainda era muito cedo para eu estar acordada. 06h da manhã em ponto.
Só foi eu me levantar, que a tontura veio no mesmo instante e o meu estômago pareceu dar um 360 dentro de mim. Botei a mão na boca e corri para fora do quarto, por muita sorte a porta do banheiro no final do corredor estava aberta. Em menos de cinco segundos eu estava abraçada com a privada vomitando minha alma. Eu nunca mais vou beber.
Eu fiquei ali por tempo suficiente pra ter a impressão de que emagreci pelo menos 2kg só vomitando. Que nojo, cara. Fiquei encostada na parede fria do banheiro por mais um bom tempo até eu decidir me levantar e levar o rosto. Pelo menos a tontura foi embora.
Desci as escadas que levava até a sala e logo me dei de cara com o Gustavo e o Leonardo jogando vídeo game. Gustavo com uma olheira profunda absurda, que o deixava com uma cara de quem não dorme há uma semana e o Leonardo com o olho esquerdo com um leve tom de roxo, por causa do soco do Felipe ontem.
Estava tocando uma música bem baixinho, vindo do celular de um deles, e eu reconheci que era qualquer música do Wiz Khalifa. A casa estava com um cheiro horrível de... maconha? Só me dei conta de que o Gustavo estava segurando um cigarro de maconha com os lábios quando esfreguei meus olhos novamente.
Gustavo: A bela adormecida finalmente acordou.
Eu: Mano, que casa é essa?
Olhei em volta de novo, pra ver se eu reconhecia onde eu estava. Mas, não. Não era nenhum lugar que eu já tivesse estado antes. Do outro lado da sala tinha uma cozinha americana e da onde eu estava dava para ver perfeitamente a zona que estava lá também.
Leo: É minha.
Eu: Ah.
Agora faz sentido eu não ter reconhecido. Nunca imaginei que algum dia eu acordaria na casa do Leonardo. Aliás, a mãe dele não fica puta por causa dessa bagunça toda e pelo cheiro de maconha? Se fosse na casa da minha mãe, ela faria eu limpar a casa inteira com a língua.
Me sentei no último degrau da escada, que ficava de frente para onde os meninos estavam e segurei minha cabeça com as duas mãos. Caralho, como dói. Puta merda. Tenho um brother que falta comer a garrafa de pinga e ainda assim não sente ressaca nenhuma no dia seguinte. Não sei se é costume ou só sorte mesmo. Talvez a mãe dele enchia a mamadeira com Xiboquinha quando ele era bebê.
Eu: Vocês não dormiram?
Leo: Não.
Eu: Por que?
Gustavo: Dormir pra quê se daqui a pouco temos aula?
Eu: E tu ainda pretende ir pra escola hoje?
Gustavo: Tu não?
Claro que sim, apesar de não estar nem um pouco a fim. Como eu queria que hoje fosse sábado, pra eu poder simplesmente voltar pra cama e dormir até 14h da tarde. Isso que dá ir pra uma festa encher a cara em plena segunda feira. E se eu faltasse aula, meu pai me arrebentaria no cacete. Quando as aulas começaram, ele fez questão de pedir para a escola ligar pra ele toda vez que eu faltasse. Porque eu quase repeti de ano por conta das faltas e atrasos. Ele raramente está em casa, porque ele está sempre viajando a trabalho, então eu tenho muito mais vínculo e amizade com a minha mãe. Ela é de boa em comparação ao meu pai, ela não pega muito no meu pé. Só fizemos um trato: eu podia sair de casa e até dormir fora quantas vezes eu quisesse se mantesse a casa limpa sempre que ela chegasse do trabalho e se eu levasse meus estudos a sério e é isso que eu tenho feito. Por isso até agora ela não me ligou desesperada pra saber onde eu passei a noite, até porque ela com certeza deve estar pensando que tô na casa da Laís. Aliás, acho que ela surtaria se soubesse que eu estive em uma festa numa casa do Jardins ontem. Surtaria de inveja, no caso.
Gustavo passou o cigarro de maconha pro Leo, que deu um longo trago. Até fechou os olhos pra isso. Segurou a fumaça por um tempo em seus pulmões e logo em seguida a deixou sair por entre seus lábios, parecendo deixar todos seus problemas irem embora junto com a fumaça.
Leo: Quer?
Acordei da minha brisa quando reparei seu olhar em mim. Eu nem fumei com eles e parece que tô brisando mais que os dois juntos. Certeza que é por causa daquele cheiro fortíssimo de erva queimada. Ele passou o cigarro para o Gustavo, que fez o mesmo que ele.
Eu: Er... Não.
Leo: Sei lá, tu tá olhando muito. Pensei que queria.
Gustavo: Nunca vi alguém recusar um beck - falou sem tirar os olhos da TV - Leonardo, seu viado. Se tu me atropelar, eu fuzilo tua cara.
Leo: Então entra no carro, merda. Fica aí moscando.
Demorei a entender que eles estavam discutindo por causa do vídeo-game. Homens. Sempre exalando simpatia por onde quer que passam.
Gustavo: Mas é sério agora - ele olhou pra mim - Tu nunca fumou?
Eu: Não.
Leo: Tem a primeira vez pra tudo.
Gustavo: Que bonitinha, é virgem de beck. Toma!
Ele estendeu o cigarro pra mim, por um segundo eu quase peguei mesmo. Sempre tive curiosidade quanto à maconha. Todo mundo fala tão bem, todo mundo sempre diz as mesmas coisas, que maconha ajuda a relaxar, que te faz se sentir bem e blá-blá-blá. Era uma oferta tentadora, ainda mais pra uma pirralha de 16 anos que, apesar de ter muitos amigos maconheiros, nunca sequer segurou um cigarro de maconha antes. Até porque ninguém nunca me ofereceu e eu nunca tive coragem de pedir pra experimentar.
Eu: Acho melhor outro dia.
Gustavo: Medrosa pra porra, hein? O máximo que vai te acontecer é tu engasgar. É normal.
Mordi meu lábio. Mas é melhor não. Não hoje. Ainda tenho tempo pra isso.
Eu: Não quero ir pra aula chapada.
Gustavo: Hahahaha, eu só vou pra aula assim. É o único jeito de aturar aquela porra.
Gustavo: Toma aí. Ao menos experimenta.
A insistência dele tava quase me convencendo.
Gustavo: Eu te ensino.
Ele soltou o controle do vídeo-game no chão e veio engatinhando até onde eu estava sentada e parou ajoelhado na minha frente.
Gustavo: Primeiro vou te ensinar como bolar um beck, pra caso tu curtir e querer fazer em casa.
Leonardo riu.
Gustavo: Não tem segredo. É só dichavar a erva, jogar no papel, enrolar, acender e fumar. Simples.
Ele tirou uma caixinha de algo do bolso, que de longe pensei que fosse um Trident, mas ele tirou um papel bem fino de dentro.
Gustavo: Isso aqui é a seda, mas tem outras formas de fumar maconha também. Pode fumar na blunt, que é uma seda mais diferenciada. Mais marrom e mais grossa, estilo papel de charuto, tá ligada?
Fiz que sim com a cabeça. Eu não tava ligada, mas não queria interromper.
Gustavo: Tem gente que gosta mais de usar o pipe, que nada mais são do que cachimbos. Walter-pipe, bong, DAB e até comestíveis, que nesse caso sãos os famosos bolos de maconha e brigadeironha. Brigadeiro de maconha. Isso é pra galera mais fresca que não curte fumaça.
Até o Leonardo parou de fazer o que estava fazendo pra prestar atenção naquela aula maravilhosa de como entrar pro mundo da drogas.
Gustavo: Como somos mais humildes, vamos de seda normal mesmo. Tu pega tua erva, coloca no dichavador e dichava assim.
Enquanto ele falava, ele ia fazendo ao mesmo tempo. Ele botou a erva dentro de um negócio redondo, que imagino que seja o dichavador, fechou e ficou girando por um tempo. Achei legal que o dichavador dele era uma Pokebola.
Gustavo: Um beck bem bolado, é um beck bem dichavado.
Leo: Pode crer.
Gustavo: Depois de dichavar, você pega tua seda e bota a erva em cima, fazendo uma fileira. Em seguida tu vai enrolando a erva com o papel até ficar arrendodada, seguindo a forma do papel dobrado. Tem gente que usa cartão pra fazer isso, mas eu acho bem trabalhoso e não tenho paciência. Então tu bota uma das beiradas da seda na altura da erva e enrola bem devagar, até fechar. Assim que fizer isso, passa a língua na goma pra colar direitinho e já era.
Ele sorriu, orgulhoso de si mesmo. Eu já esqueci metade do que ele ensinou, mas achei legal a "aula".
Gustavo: E tu dá uma leve queimada na ponta da seda, bota na boca e acende. Voilà.
Ele fez exatamente o que falou e soltou a fumaça na minha cara.
Gustavo: Não dá vontade?
Eu: Mais ou menos.
Gustavo: Então toma aí.
Ele me ofereceu, fiquei olhando, olhando, tentando decidir se eu pegava ou não, mas preferi recusar. Ele tinha razão, sou medrosa pra caralho.
Eu: Vou pensar no teu caso.
Ele deu de ombros, piscou um dos olhos e voltou pro sofá da mesma forma que saiu, engatinhando.
Leo: Tu é um cuzão por incentivar a menina a fumar.
Gustavo: Ela quer. Quem sou eu pra impedir?
Leo deu risada, balançando a cabeça. Realmente, eu tô cercada de boas companhias... Só que não.
Gustavo: Tu não vai acordar tua Branca de Neve? Daqui a pouco temos que vazar pra aula.
Leo: Não, deixa ela dormir mais um pouco.
Eu: Do jeito que ela tá, duvido muito que ela acorde antes do meio dia.
Eles deram de ombros. Eu até poderia tentar acorda-la, mas não queria ser xingada por isso.
Eu: Tem alguma coisa pra comer? Tô com fome.
Leo: Deve ter na cozinha.
Ele apontou a direção da porta cozinha, como se eu fosse cega pra não notar uma cozinha americana. Fui até lá e tava uma zona da porra, parecia ainda mais bagunçado de perto do que estava de longe. Puta merda, que agonia. Não julgo muito, porque provavelmente se eu morasse sozinha não seria muito diferente, é nessas horas que é bom ter uma mãe por perto. A minha, por exemplo, mandaria comerem meu cu se eu deixasse meu quarto no mesmo estado que o Leonardo deixa o dele.
Abri os armários e tudo que encontrei foram biscoitos, panelas, pratos e copos. Na geladeira tinha só uma garrafa d'água e dois ovos que deveriam estar ali há muito tempo. Me contentei com os biscoitos mesmo e me encostei na porta da cozinha enquanto comia.
Eu: Teus pais não vão ficar putos com essa bagunça toda, não?
Leo: Não te preocupa.
Não me preocupo, mas é estranho. Sei lá.
De repente ouvi um barulhão no andar de cima, de algo caindo. Não muito tempo depois, os passos pesados e raivosos da Laís descendo as escadas, parecendo um elefante. Ela tava com sua bolsa, pronta pra ir embora, e com a cara pior do que a minha quando acordei.
Laís: Por que tu me trouxe pra cá?
Ela falou puta da vida, olhando para o sofá, provavelmente para o Leonardo. Assim que a viu, ele fechou a cara na hora, bem sem graça. Parei de mastigar e fiquei olhando pra ela com a boca cheia e olhos arregalados. Parecia que qualquer barulhinho que eu fizesse iria sobrar pra mim.
Laís: POR QUE? Eu te disse que eu precisava de um tempo.
Leo: Laís, eu...
Laís: "Eu" o caralho.
E saiu correndo pela porta da sala, fazendo questão de bater bem forte. Olhei pro Gustavo, que tava perdidão (pra variar) e revezei meu olhar pro Leo, que a essa altura já tinha largado o controle do vídeo game no chão e estava coçando a cabeça de forma impaciente. Aparentemente nenhum dos dois iria atrás dela.
Eu: Sério que tu não vai atrás dela?
Leo: Se eu for, a situação vai piorar.
Eu: Puta merda.
É claro que isso iria acabar sobrando pra mim. Revirei os olhos, joguei o saco de biscoito em cima da mesa e saí correndo por onde ela passou. Quando abri a porta da sala, consegui vê-la dobrando a esquina e corri até ela, mesmo com minha cabeça pulsando de dor a cada passo que eu dava.
Eu: LAÍS!
Gritei. Talvez ouvindo minha voz ela diminuíria a velocidade e eu não precisaria correr. Não aconteceu.
Eu: ESPERA! SOU EU!
Fiz o esforço de correr mais rápido, consegui a alcançar e a puxei pelo braço, a obrigando a se virar pra mim. Ela estava com o rosto todo molhado por causa do choro.
Eu: O que aconteceu?
Laís: Tu tava certa. Sobre tudo o que tu já me disse sobre o Leonardo. E eu não te dei ouvidos.
Ela falava de um jeito desesperado, tentando recuperar o fôlego. Aquilo me cortou o coração e eu a abracei.
Laís: Ele fica com outras meninas. Ele sempre tá com outra garota quando não tá comigo. Sabia que ele já pegou a Nath? Tu acredita que ele teve a coragem de me levar pra festa dela uma semana depois de eles terem ficado?
Uma semana depois? Se me lembro bem, ele tinha dito que a só ficou com a Nath na época em que ele e Laís ainda não tinham nada. Ou ele estava falando da tal Júlia?
Laís: E tu sumiu quando eu mais precisei de você.
Ela aumentou o tom de voz de repente e me empurrou com toda a força que ela encontrou. Olhei pra ela sem entender.
Laís: Tu sumiu! SUMIU! E ainda sumiu junto com aquela vagabunda. EU PRECISAVA DE VOCÊ!
A voz dela até fazia eco no bairro. Devia ser umas sete da manhã, por aí. Deduzi isso porque tinham umas crianças usando uniforme com mochilas nas costas passando do outro lado da calçada, e se assustaram com os gritos dela.
Laís tem uma voz fina que fica bem irritante quando ela grita. Então aqueles gritos entravam pelos meus ouvidos e pareciam facas perfurando meu cérebro, o que estava começando a me deixar puta. Eu odeio que gritem comigo sem eu saber o que tá acontecendo. Ela viu que eu fiquei sem saber o que responder e decidiu aproveitar:
Laís: Tu é uma amiga de merda. Eu te procurei pela festa inteira, porque eu precisava de você. ONDE TU TAVA QUANDO EU PRECISEI?
Eu: Laís.
Eu tava começando a ficar com falta de ar de tanto que eu estava me segurando para não manda-la calar a porra da boca. Eu sei que se eu fizer isso, vamos brigar feio e eu simplesmente não estou em condições disso agora. Não depois do show que o Felipe fez ontem.
Laís: Tu é um fracasso como melhor amiga.
Eu: Eu também precisei de você, sua imbecil. Onde tu tava enquanto eu brigava com o Felipe?
Ela fez cara de assustada, mas logo tentou disfarçar. Chega uma hora que cansa ser apenas o saco de pancadas durante uma discussão, por mais errada que você seja. Se eu fosse mesmo uma boa amiga, eu a deixaria desabafar e descontar toda a raiva em mim. Mas, para mim, isso não é ser boa amiga. É só ser idiota mesmo. Ela não é a única que teve problemas naquela merda de festa, e ela não sabe como a minha noite foi um lixo. Não sabe porque ela estava ocupada demais criando caso com as meninas que o Leonardo pega.
Não tive resposta.
Eu: Então não me enche a porra do saco. Minha noite foi uma merda e tu chorando pelas merdas que Leonardo faz, ao invés de a gente se ajudar. Até porque foi por isso que te chamei pra ir no Nathan comigo ontem, não pra tu convidar Leonardo pra encontrar com a gente. Não fode.
Laís: Quando tu vai enfiar na tua cabeça que eu gosto dele?
Só o fato de ela ter parado de gritar, pra mim já era uma vitória.
Eu: Quando tu vai enfiar na TUA cabeça que já passou da hora de tu seguir tua vida? Acorda, Laís. A vida não é a porra de um filme romântico clichê onde o moleque pegador vai largar a vida de vagabundagem pela mocinha.
Laís: Tu ficou com ele?
Eu: QUÊ?
Falei mais alto do que eu gostaria, por causa do susto. Olhei pra ela, puta da vida... mas logo depois simplesmente comecei a rir. A rir alto, na verdade. Eu não conseguia acreditar que ela estava me fazendo aquela pergunta. Eu só podia estar muito louca de maconha (que eu não fumei) pra ter ouvido aquelas palavras saindo da boca da Laís. Comecei a rir também porque me lembrei do Felipe surtando pelo mesmo motivo.
Laís: Eu vi vocês dois juntos na piscina.
Ela falava bem sério, mas eu tava até lacrimejando de tanto rir.
Laís: Vê se cresce.
Eu: Eu que tenho que crescer? - apontei pra mim, ainda rindo - Tu acha que furei teu olho só porque eu estava na piscina com ele.
Laís: É, ué. Por que ficar sozinha com ele depois de deixar claro que não suportava a companhia dele? Aposto que tu sempre quis ficar com ele, por isso não gosta quando estamos juntos.
MANO!!! Acho que ela ficou brisada enquanto dormia por causa da maconha do Gustavo. Não é possível que eu estava ouvindo aquilo.
Eu: A gente tava falando sobre você na piscina, sua idiota. E também porque o Felipe deu um soco na cara dele quando ele tentou me proteger.
Ela fez uma cara surpresa, dessa vez sem disfarçar.
Eu: Pois é, meu anjo. Teu ex saiu no soco com o meu ex. E onde tu tava? Só Deus sabe. E tu ainda acha que eu tinha que ficar a festa inteira te procurando depois de ter sido xingada de tudo que é nome na frente de um monte de gente? Bem provável de eu ter uma má fama no Rousseau por causa disso, e olha que eu nem estudo lá.
Ela abaixou o olhar, sem saber o que dizer. Arriscaria até dizer que ela estava um pouco sem graça.
Eu: Vamos fazer o seguinte.
Ela olhou de volta pra mim, mas se desviando do meu olhar.
Eu: Vai esfriar a cabeça. A gente conversa mais tarde, quando tu estiver mais tranquila e eu também. Eu não quero brigar com você, não tivemos uma noite legal como eu tava esperando e não quero piorar meu dia discutindo contigo. Nos vemos na escola.
Não esperei ela responder, apenas dei as costas e saí andando de volta pra casa do Leonardo. Por um momento até achei que ela viria atrás, mas não. Quando olhei pra trás, ela já tinha dobrado a outra esquina e sumido do meu campo de visão.
Leonardo estava deitado no sofá, cobrindo os olhos com o braço e o Gustavo ainda jogando. Fui até ele.
Eu: Tu ainda tem aquele cigarro aí?
Gustavo: Qual?
Eu: Aquele que tu me ensinou a fazer.
Gustavo: Tenho.
Eu: Ótimo. Mudei de ideia.
Ele demorou um pouco pra entender, de tão retardado. Não julgo. Ele estava parecendo um morto vivo e então imagino que a cabeça dele tá funcionando mais lentamente do que o normal. Depois ele abriu um sorrisão de orelha a orelha.
Gustavo: Boa!
Leo: Tu tá falando sério?
Eu: Tô precisando relaxar.
Gustavo: É possível os efeitos não fazerem efeito em você de primeira. Tem que ter muita sorte.
Sorte. Tá aí uma coisa que eu nunca tive.
Tinha sobrado um pouco menos da metade do cigarro que ele tinha bolado na minha frente. Ele acendeu e me passou.
Eu: Eu não sei como faz.
Gustavo: Bota na boca, traga, deixe a fumaça por um tempo em teus pulmões e depois solte.
Fiz exatamente o que ele disse. O gosto era horrível. Quando soltei a fumaça, ele fez um "não" com a cabeça.
Gustavo: Tá errado.
Eu: Como tu sabe?
Leo: Escuta o expert.
Então tá. Fiz de novo. Traguei com vontade e dessa vez comecei a engasgar que nem uma otária e o Gustavo começou a rir horrores. Me senti uma idiota.
Gustavo: Parabénssss!! Tirei tua virgindade de beck! Pode ficar com ele como recompensa.
Uau, hein, Gustavo. Muito obrigada. Fiquei tossindo por muito tempo. O máximo que o Gustavo fez foi dar risada e uns tapinhas nas minhas costas.
Gustavo: Vou tomar um banho. Quero evitar chegar atrasado.
Eu e Leo: Tá.
Depois que o Gustavo saiu da sala, só dava pra ouvir a ponta do meu beck queimando enquanto eu tentava tragar de novo, de tanto silêncio. Eu não estava sentindo nada de uau, só um gosto muito ruim na boca mesmo.
Leo: Tu conversou com ela?
Eu: Conversei.
Leo: E aí?
Eu: E aí que a situação piorou.
Ele deu de ombros, como quem estivesse dizendo "eu avisei". E eu deveria ter ouvido.
Leo: Acho que vou desistir.
Ele ficou olhando pro teto, pensativo e dramático.
Eu: Tu tá zoando com a minha cara?
Sacudi a cabeça em desaprovação. Só pode ser zoação mesmo.
Leo: O que? Por que?
Eu: Pff. Nada, vai.
Sério, eu tava de saco cheio. Parece que nossa conversa ontem na piscina não serviu de nada.
Leo: Não, agora eu quero saber.
Tá, não precisa insistir muito pra que eu fale o que eu penso.
Eu: Mano, a menina tá há um ano correndo atrás de você, porque gosta de você. E aí quando ela para, tu simplesmente quer desistir, sendo que tu nem sequer tentou. Lembra do que conversamos ontem sobre tu deixar de ser um babaca? Isso é uma das coisas que te faz um babaca.
Leo: Tu quer que eu fique indo atrás dela enquanto ela só me dá patada?
Eu: Eu não quero nada. Ela que quer. Tu fez merda, agora tu assume.
Ele respirou fundo.
Eu: Ela jogou na minha cara pela milésima vez que gosta de você. Quem não gosta sou eu e ainda assim tô aqui te incentivando a não desistir de alguém que nunca desistiu de você. Qual é o problema em assumir a menina, cara?
Leo: Não sei.
Eu: Se tu não sabe, então fodeu.
E fodeu forte. Acho que a Laís realmente deveria desencanar, por mais que ela goste dele. Não consigo imaginar o Leonardo deixando de ter essa atitude merda e também não consigo imaginar a Laís parando de acreditar no que ele diz. Tá foda.
Eu: E aquela festa surpresa?
Leo: Que festa surpresa?
Eu: Eu sonhei ou tu falou algo ontem sobre fazer uma festa surpresa pro aniversário dela?
Leo: Pode crer. Mas perdi a vontade.
Eu: Ah, vai te foder, brother.
Leo: É sério. Ela olha pra mim com ódio.
Eu: Tô nem aí. Tu vai fazer essa festa. Tu não quer que a guria fique de boa contigo? Então mostre a ela que tu se importa.
Na realidade, isso é uma ideia genial. Laís sempre tá reclamando que ninguém nunca a surpreende no aniversário dela. Acho que eu e Leonardo podemos organizar tudo isso pra ela. Pelo menos assim o clima entre eu e ela melhora e, quem sabe, o Leonardo para de ser um cuzão.
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