Capítulo dois
Baekhyun, sentado próximo ao pai, mantinha os olhos baixos, concentrado no prato à sua frente. Ele cortava pequenos pedaços de comida, mas mal conseguia comer. Aquela noite não estava sendo nada como havia imaginado. Seu pai, o rei, conversava com os alfas de forma tranquila, perguntando amenidades sobre suas famílias e até mesmo preferências. O ômega apenas ouvia, concordando ou respondendo quando o assunto chegava até ele.
Contudo, sua verdadeira atenção estava sobre os olhos negros virados para si. Sentia a pele queimar durante todo o maldito jantar, e estava precisando controlar a vontade de se levantar e gritar com o herdeiro do fogo. Maldito era Park Chanyeol e seu sorriso debochado. Por que ele tinha de sentar em sua linha de visão? Respirou fundo e apertou o garfo com um pouco mais de força do que o necessário, seus dedos começando a doer sob a pressão.
Percebeu seu pai levar o olhar até sua ação, largando o garfo em seguida. Aproveitou o momento para levar a taça de vinho até os lábios, tentando se distrair, mas a sensação incômoda continuava. Era como se, aquele sorriso malicioso e os olhos negros, penetrassem sua mente, expondo seus pensamentos mais secretos. Chanyeol sabia exatamente o que estava fazendo e isso o irritava. O alfa estava jogando com ele, provocando-o sem uma única palavra, apenas com sua presença e aquele olhar ardente, que parecia consumir o ômega por dentro.
Tentou focar na conversa à sua volta, forçando-se a ouvir as palavras de Minseok, que contava sobre como suas terras eram vastas e como o clima era ameno. Baekhyun sorriu leve, sem mostrar os dentes. As palavras do alfa eram medidas, polidas, como era esperado em uma ocasião como aquela. Ele falava com confiança, mas não com arrogância, o que fazia Baekhyun se sentir um pouco mais confortável.
Entre os alfas que tentavam chamar sua atenção, Kim Minseok era o único que parecia mais seguro. Seus olhos felinos possuíam um brilho tranquilo, eram puxados, com um formato levemente amendoado, que lhe conferia um ar de mistério e astúcia. O cabelo, de um tom castanho escuro, estava perfeitamente arrumado, caindo suavemente sobre a testa, contrastando com a pele pálida do alfa. Minseok era discreto e, de certo modo, reconfortante.
Contudo, mesmo que suas palavras fossem agradáveis, Baekhyun não conseguia relaxar completamente. Não quando tinha aquele par de olhos sobre si. Esforçou-se ainda mais para ignorar a presença do Park, concentrando-se na história que o herdeiro do reino do norte contava.
— Cavalgar é definitivamente algo que gosto de fazer — Minseok disse, com um sorriso sincero. — Você cavalga? — perguntou ao ômega, que levou a mão à boca, pois estava terminando de beber.
— Oh, não sou muito bom com cavalos, mas sei o suficiente para não cair — respondeu Baekhyun, com um sorriso tímido, deixando a taça de vinho de lado. — Prefiro caminhar ou… admirar a paisagem de longe.
— Não há problema nisso. Às vezes, apreciar a vista é mais agradável do que a pressa da montaria — disse, os olhos ainda fixos nos de Baekhyun. — Especialmente se as paisagens forem tão belas quanto você. — O ômega sentiu o rosto corar no mesmo instante, baixando o rosto pela vergonha. — Me perdoe, não era minha intenção lhe constranger.
— Não… tudo bem — respondeu ele, a voz baixa, sem conseguir encarar o alfa diretamente.
— E quanto a você, Baekhyun. O que gosta de fazer? — foi Lee Jinki, príncipe do Reino das Montanhas, que perguntou. O Byun olhou para o pai, que apenas o incentivou a responder com o olhar.
— Eu gosto de coisas simples… — Sua voz era tímida. — Gosto de ler, passar tempo no jardim… Eu diria que gosto da tranquilidade, do silêncio… — Sorriu leve, tentando parecer o mais natural possível.
— Não gosta das festas que sua aldeia dá? — Jung Taehyun, general das Terras do Sul, perguntou. — Soube que o festival do Solstício de inverno no Reino do Gelo é lindo de ver.
— Oh… — O ômega se remexeu na cadeira, incomodado. — Eu fui apenas uma vez, quando criança. Não costumo comparecer aos eventos do reino.
— Que pena… — comentou Taehyun, com um toque de curiosidade na voz. — Festividades como essas costumam ser uma grande oportunidade para conhecer novas pessoas. — O príncipe herdeiro ia responder, mas foi interrompido pelo próprio pai.
— Baekhyun sempre foi mais reservado. Ele tem suas próprias maneiras de aproveitar a vida no reino. — Jonghyun sorriu. — Os festivais apenas não são seus eventos favoritos.
“Hipócrita”, Baekhyun pensou. Era o próprio rei que não o permitia sair. Perdeu as contas de quantas vezes implorou para que o homem lhe deixasse aproveitar as festas da aldeia. Claro, o pai havia permitido uma ou duas vezes, com a condição que fosse acompanhado dos sentinelas. Contudo, reservado, como realmente era, o ômega não gostava de chamar a atenção. Ele tinha conhecimento da própria beleza, sabia que ela já traria olhares o suficiente, assim como sua posição, não precisava atrair ainda mais atenção.
Chanyeol, que havia permanecido em silêncio até então, deixou a taça de vinho com suavidade sobre a mesa. Ele olhou diretamente para o rei, seu sorriso suave, quase imperceptível, surgindo em seus lábios. Contudo, a malícia era visível em seus olhos.
— Uma pena mesmo, Majestade, que o príncipe não tenha podido desfrutar dessas festividades. — A voz do alfa era baixa, mas carregava um tom sutil de provocação. — Festivais e eventos são uma excelente forma de aprender sobre o reino que se governa. — Fez uma pausa, seu olhar firme sobre o rei. — Afinal, o contato com o povo nos torna líderes mais sábios, não é? Deveria incentivá-lo a sair.
Baekhyun prendeu a respiração, os olhos azuis se arregalando ligeiramente ao sentir a tensão pairando no ar. Se colocou a encarar o alfa no mesmo instante, ainda chocado demais. O comentário de Chanyeol, embora cortês, trazia uma insinuação clara: a crítica velada à maneira como o rei o mantinha afastado, praticamente isolado. O rei sustentou o olhar do herdeiro do fogo, o sorriso permanecendo em seu rosto, mas os olhos levemente mais apertados.
— Claro, Chanyeol. — A voz do rei soou calma, porém carregada de segundas intenções. — Mas existem muitos tipos de sabedoria, não acha? Cada líder encontra seu caminho, uns com o povo, outros nas sombras da corte. O importante é que, no fim, o reino permaneça em boas mãos. Por isso estou buscando um bom casamento para meu primogênito, por isso você e os outros estão aqui.
Chanyeol ergueu uma sobrancelha.
— Casamentos são sempre importantes, mas… talvez os conhecimentos e sentimentos do próprio filho deveriam ser considerados… — Sorriu. — Acredito que Baekhyun poderia surpreender, caso lhe dessem as armas corretas. De todo modo… espero que esse parceiro saiba equilibrar força e liberdade... — completou, os olhos voltando na direção do ômega, cuja respiração agora estava mais pesada. — Porque um coração enjaulado... não é um coração que governa.
O silêncio que seguiu foi pesado, e Baekhyun sentiu os olhos de todos os alfas sobre si.
— Compreendo seu ponto de vista, herdeiro do fogo — Jonghyun continuou. — Mas o príncipe será um bom líder, independentemente dos festivais que ele frequente ou das pessoas que conheça. A vida na corte exige discrição e sabedoria. Nem tudo pode ser aprendido entre o povo. — Jonghyun lançou um breve olhar a Baekhyun, um toque de possessividade em seu gesto.
O ômega engoliu a seco, voltando sua atenção para o prato de comida à sua frente. Minseok, ao perceber o clima tenso que estava se formando, formou uma tosse. Era melhor mudarem o tópico daquela conversa, afinal, nada de bom sairia de egos feridos à mesa.
— Acredito que Baekhyun será um ótimo governante — o Kim falou, com um sorriso, atraindo a atenção de todos. Chanyeol riu para si, encostando o corpo na cadeira, voltando a apreciar sua taça de vinho. — O que acha de um passeio pelo jardim amanhã, Baekhyun? Você me daria a honra?
Baekhyun levantou os olhos com certa surpresa ao convite de Minseok. O tom suave e a expressão amigável do Kim, ofereciam um alívio bem-vindo à tensão que pairava sobre o jantar. Por um momento, ele hesitou, sentindo os olhares de todos sobre si, principalmente o de seu pai, e até mesmo de Chanyeol.
— Eu... — começou a dizer, com a voz baixa, mas tentou soar o mais natural possível. — Seria uma honra, Minseok. — Sorriu, ainda que timidamente.
— Um passeio pelo jardim é uma excelente ideia — o rei comentou, claramente satisfeito com a mudança do foco. — A tranquilidade do reino do gelo é algo que sempre admiramos. Será bom para vocês poderem se conhecer.
A conversa continuou, como se nada tivesse acontecido. Contudo, Baekhyun continuava a passar as palavras de Chanyeol em sua cabeça. “Um coração enjaulado, não é um coração que governa”. Após o jantar, a tensão ainda vibrava no ar. Quando todos se levantaram, Baekhyun sentiu o olhar de Chanyeol novamente sobre si, intenso, queimando-o.
O ômega desviou, tentando manter a compostura, mas não conseguia evitar que seus olhos fossem atraídos pelo maldito alfa. Céus. Por que ele lhe causava aquelas sensações? Ele era tão irritante, debochado, ousava até mesmo dizer que era mal-educado. No entanto, por um motivo que não conhecia, Chanyeol havia tomado suas dores. Ou ele era um observador nato, ou também possuía os próprios monstros. Talvez tivessem algo em comum, no fim das contas.
Com um último aceno educado, despediu-se dos convidados e caminhou em direção aos aposentos reais, acompanhado por um par de sentinelas, que seguiam cada um de seus passos. Tentou, com todas as suas forças, manter os pensamentos longe do alfa durante aquele percurso, mas havia sido em vão. Sentia-se cansado, mas não conseguia apagar a imagem do alfa de sua mente, aquele sorriso meio debochado, o olhar penetrante que parecia despir sua alma.
Quando finalmente chegou a seus aposentos, soltou um suspiro longo e pesado, despachando os sentinelas com um aceno discreto. Precisava de um momento de solidão, longe dos olhos curiosos e dos julgamentos silenciosos que o seguiam constantemente. Fechou a porta atrás de si e se encostou nela, deixando que a tensão acumulada durante o jantar finalmente o deixasse.
Park Chanyeol era uma verdadeira incógnita. Um livro que não conseguia ler. E isso o irritava profundamente. Ele estava ali para conquistá-lo, certo? Afinal, havia sido convidado por seu pai, junto aos outros alfas. Mas, como ele achava que conseguiria o apoio do rei, ou até mesmo sua mão, com aquele tipo de comportamento? Jonghyun não toleraria aquelas respostas afiadas por mais tempo, e isso estava claro na forma como o mais velho reagiu às provocações do príncipe.
Passou as mãos pelos cabelos, ainda bem penteados e negou com a cabeça. Aquilo não lhe importava. Que Chanyeol fosse expulso. Não se importaria. Seria até mesmo melhor, afinal, ele lhe incomodava, lhe tirava a paz. Andou pelo quarto e sentou-se na beira da cama, os dedos apertando o tecido macio da colcha enquanto tentava acalmar os pensamentos. Minseok, no entanto, era uma escolha segura. Ele era calmo e suas personalidades até mesmo se pareciam. Ele trazia consigo a promessa de uma vida estável e sem surpresas, algo que, em teoria, deveria ser reconfortante. Era isso.
Iriam se conhecer melhor. Se daria a chance de gostar de Minseok, de construir algo com ele. Afinal, o alfa havia se mostrado gentil e respeitoso, ao contrário de Chanyeol, que parecia querer desafiar o mundo apenas para irritá-lo. Bufou. Não se deixaria levar pelo herdeiro do fogo, nem por suas provocações. Contudo, mesmo enquanto tentava se convencer, uma pequena voz no fundo, de sua mente sussurrava dúvidas, minando sua resolução. Porque a verdade era que, apesar de tudo, havia algo em Chanyeol que o atraía como uma mariposa à chama.
— Ridículo — murmurou, revirando os olhos para si mesmo. Como poderia se permitir pensar em alguém tão inapropriado? Com um suspiro, levantou-se e caminhou até o espelho, encarando o próprio reflexo.
Amanhã, ele faria o que era esperado. Passearia com Minseok no jardim e o conheceria melhor. Se não desse certo, bem… ainda tinham os outros alfas no castelo. E céus, ainda havia o baile. Gemeu descontente. Seriam longas semanas até que finalmente decidisse quem seria seu consorte.
…
O sol mal havia surgido no horizonte quando Baekhyun despertou. A luz fraca da manhã penetrava pelas janelas do quarto, banhando os móveis em um brilho suave e dourado. Seria mentira se dissesse que havia dormido bem, a verdade era que mal havia pregado os olhos. Passou quase toda a madrugada remexendo-se na cama, inquieto. As sombras dançavam nas paredes enquanto ele tentava, sem sucesso, encontrar uma posição confortável.
O que o mantinha acordado não era a maciez do colchão, nem o calor dos cobertores. Eram as palavras que não conseguia esquecer, as sensações que não conseguia sufocar. Toda vez que fechava os olhos, o rosto de Chanyeol surgia em sua mente. Piscou os olhos algumas vezes, seu olhar focando-se no teto claro. Que inferno de alfa. Era melhor se levantar, de nada adiantaria continuar remoendo os próprios sentimentos conflituosos.
Levantou-se devagar, sentindo a preguiça por cada cantinho do corpo. A roupa de dormir, feita de um tecido branco e leve, caía suavemente sobre seus ombros e corpo, ajustando-se ao seu contorno de maneira simples e confortável. Os cabelos soltos, meio bagunçados, caíam ondulados pelas costas, deixando-o ainda menor do que era. Enquanto caminhava até a varanda do seu quarto, o ômega pegou um manto lilás, cobrindo-se com ele, apenas para se proteger da brisa do amanhecer.
Abriu as longas janelas de vidro com delicadeza, olhando todo o reino aos seus pés. Suspirou, aproximando-se da beirada. O reino de gelo se estendia à sua frente, um vasto campo de neve reluzente que se espalhava até onde os olhos podiam ver. As montanhas, cobertas de branco, formavam uma majestosa barreira ao redor, como sentinelas de pedra e gelo. Abaixo, os telhados das casas e palácios estavam cobertos por um manto espesso de neve, e pequenas trilhas de fumaça subiam das chaminés, um sinal de vida em meio à paisagem gélida.
Desceu um pouco o olhar para dentro dos muros do castelo, observando o vasto jardim. Mais perto de sua janela, seu jardim particular, um dos seus lugares favoritos. As flores, encantadas pelo frio, mantinham-se belas e intocadas, como se o tempo não tivesse poder sobre elas. Eram únicas, adaptadas ao rigor do inverno eterno, suas pétalas translúcidas como vidro, cada uma com um brilho prateado que captava a luz do sol fraco da manhã. Baekhyun sorriu contido. Seu reino era magnífico.
O vento fresco da manhã acariciava seu rosto, as cortinas balançavam suavemente atrás dele, enquanto observava aquele cenário que tanto amava. Os primeiros raios de sol pintavam o horizonte com tons de rosa e dourado, fazendo a neve brilhar como um tapete de diamantes. Baekhyun passou os dedos pelo parapeito gelado, a textura fria ajudou a ancorar seus pensamentos. O baile estava próximo. Tinha cada vez menos tempo. Em algum momento iria precisar tomar uma decisão, escolher um daqueles alfas, ao qual deveria conhecer durante a semana.
No baile, teria acesso a outras pessoas. Pelos deuses, sentia-se um objeto a ser leiloado. Tal pensamento fez com que o ômega apertasse o manto contra o corpo. Olhou novamente o horizonte, ciente de que em menos de um ano seria o próximo Rei, junto do futuro companheiro. O peso de tantas escolhas a fazer, o sufocava, mas Baekhyun sabia que não podia hesitar. Seu reino precisava de um líder forte e decidido, alguém que pudesse enfrentar os desafios de um trono frio e solitário. Um consorte que não fosse apenas uma figura ao seu lado, mas um verdadeiro parceiro.
Precisava levar aquele evento mais a sério. Precisava pensar no bem do seu povo. Mordeu os lábios. Um coração enjaulado, não é um coração que governa. Mesmo que não quisesse admitir, o herdeiro do fogo estava certo. Como seria capaz de governar, se nem ao menos conhecia o rosto do povo? O príncipe se afastou da janela, as mãos apertadas ao redor do manto lilás. Aquilo era algo que também precisava resolver, se quisesse ser um bom rei.
— Uma moeda de ouro por seus pensamentos. — Uma voz familiar ecoou do jardim abaixo da varanda. Baekhyun parou bruscamente, o coração saltando ao reconhecer a voz grossa. Aproximou-se do parapeito, e, ao olhar para baixo, encontrou Chanyeol encostado em uma das colunas de mármore, os braços cruzados e um sorriso travesso nos lábios.
— O que faz aqui? — O príncipe franziu o cenho, tentando esconder a surpresa em vê-lo.
— Não consegui dormir — respondeu o alfa, dando de ombros como se fosse a coisa mais natural do mundo. — Achei que seria bom fazer uma caminhada matinal, conhecer o castelo de gelo. Talvez eu desse sorte de encontrar algo interessante. E não é que encontrei?
Baekhyun estreitou os olhos, sem saber se a provocação de Chanyeol era intencional ou apenas parte de seu jeito natural.
— Interessante? — repetiu o ômega, a voz carregada de incredulidade. — Como sabia que esse era meu quarto?
— Acho que fui pego. — O alfa riu. — Bom, deduzi que, depois da noite de ontem, eu não seria o único que pularia da cama cedo. Pelo visto, eu estava certo.
— E isso lhe dá o direito de invadir o jardim particular do meu quarto? — disparou, sua voz carregada de desconfiança e frustração. — Devo mandar os guardas para escoltá-lo de volta ao seu alojamento? — Chanyeol riu, uma risada baixa e divertida, que ecoou pelo jardim coberto de neve.
— Ah, eu preferiria evitar esse tipo de problema logo cedo. Mas posso garantir que não vim com más intenções. — Ele descruzou os braços, dando um passo para mais perto, sem desviar o olhar do príncipe. — Só pensei que talvez pudesse ser uma companhia menos... previsível.
— E o que faz você achar que eu gostaria de ver sua cara pela manhã? — Ergueu uma sobrancelha. Se o herdeiro queria ser provocativo, que fosse. Jogaria o mesmo jogo, ou tentaria. Apenas estava decidido a não ceder ao alfa.
Chanyeol sorriu de canto, o brilho travesso ainda presente em seus olhos, enquanto se aproximava mais do parapeito.
— Ah, príncipe, não precisa admitir agora. — Sua voz era cheia de malícia. — Mas nós dois sabemos que, se realmente quisesse se livrar de mim, já teria feito isso. — Ele olhou para os lados, indicando o jardim vazio. — Ainda não vejo nenhum guarda correndo para cá. Estranho, não?
Baekhyun hesitou. Parte de si queria mandá-lo embora, manter-se distante daquele turbilhão que o alfa representava. Mas a outra parte, a que havia ficado acordada pensando nele, sabia que se afastar agora, não mudaria o fato de que o herdeiro do fogo já habitava seus pensamentos. E, talvez, apenas talvez, enfrentá-lo fosse melhor do que fugir.
— O que exatamente você quer, Chanyeol? — perguntou, tentando manter a voz firme.
— Conversar, talvez? Ou apenas observar a manhã se desenrolar. — O alfa ergueu as sobrancelhas, um brilho brincalhão em seus olhos. — Claro, se Vossa Alteza permitir.
— Não sei se consigo lidar com a sua “companhia menos previsível” agora — respondeu, a voz carregada de sarcasmo.
— Prometo me comportar... pelo menos até onde eu conseguir.
Revirou os olhos, lutando contra a vontade de sorrir diante do tom provocativo do Park. O alfa não se abalava com sua hostilidade, sempre encontrando um jeito de testar suas reações. Mas, para seu próprio desgosto, algo em Chanyeol o desafiava, o fazia querer mais — mais explicações, mais respostas, mais... presença. Suspirou, ciente de que aquela batalha verbal poderia durar horas, e ainda assim, não chegariam a lugar algum.
— Você é insuportável — Baekhyun disse, balançando a cabeça.
— Já ouvi isso antes — Chanyeol respondeu, com um sorriso que só aumentou sua aura de desafio. — E, curiosamente, ainda estou aqui.
— Contra a minha vontade. — Cruzou os braços, tentando se manter sério, mas a leveza em seu tom de voz era inegável. Ele estava, de fato, gostando da interação, ainda que se recusasse a demonstrar isso abertamente.
— Certo. — O Park deu de ombros, fingindo inocência. — Então, me mande embora, e eu irei. Simples assim.
Baekhyun o observou, seus olhos estreitos avaliando a sinceridade na proposta. Era um jogo arriscado, e Chanyeol sabia disso. Mandá-lo embora seria a coisa certa a fazer, colocaria uma distância entre eles e provaria que o alfa não o afetava tanto. Mas se concordasse em deixá-lo ficar, estaria admitindo que o herdeiro do fogo tinha mais poder sobre seus sentimentos do que gostaria.
— Faça o que quiser. — Desviou o olhar do alfa. — Mas saiba que eu não estou prometendo ser um bom anfitrião.
— Não esperava que fosse. — Chanyeol riu baixinho, claramente satisfeito. O ômega acabou soltando um leve riso, contra sua própria vontade, e revirou os olhos em seguida. Aquilo não seria fácil.
O silêncio entre eles era confortável. O alfa, que agora se encontrava junto de Baekhyun na varanda, apreciava a vista gélida que se estendia além do castelo de gelo. Os dois permaneceram lado a lado, sem a necessidade de palavras, o que surpreendeu Baekhyun. Estava acostumado a alfas que falavam demais, sempre tentando impressioná-lo, mas Chanyeol, ao menos naquele momento, parecia entender o valor do silêncio compartilhado. Agradeceu internamente por isso.
O príncipe do gelo puxou o manto um pouco mais contra o corpo, sentindo a brisa fria cortar sua pele. Chanyeol, por sua vez, não parecia se incomodar com o frio, talvez devido ao calor natural que emanava de seu próprio corpo, uma característica de sua linhagem de fogo.
— Nunca estive em um lugar como este — o alfa comentou, quebrando finalmente o silêncio, a voz baixa e tranquila. — É... impressionante. Frio, claro, mas há uma beleza que não se encontra em outros reinos.
Baekhyun o olhou de soslaio, surpreso pela mudança no tom do herdeiro. Não havia provocação ou deboche, apenas honestidade. Ele se permitiu relaxar um pouco mais, pensando que talvez não fosse tão ruim assim, passar aquele momento com o maior. Concordou levemente, voltando a admirar a vista.
O alfa não disse nada. Ele esperou pacientemente que o herdeiro do gelo dissesse algo. Já havia percebido que Baekhyun tinha seu próprio tempo, e isso não era algo ruim. Pelo canto dos olhos, pode vê-lo suspirar, encolhendo-se ainda mais contra o manto que usava. Aproveitou a deixa para se despir da própria capa negra que usava, colocando-a sobre os ombros do menor, que se assustou com o gesto inesperado. O ômega hesitou por um momento, segurando a capa com as mãos, sentindo o calor que ainda emanava do tecido.
— Eu... — começou a falar, sem saber como reagir. — Não precisava...
— Ah, precisava sim. — Chanyeol sorriu suavemente, inclinando-se um pouco mais próximo do príncipe. — Não posso deixar que o futuro rei do gelo congele bem na minha frente, não é? Seria uma mancha feia no meu currículo.
Para a surpresa de ambos, Baekhyun riu. Uma risada sincera e inesperada, que ecoou suavemente na quietude da manhã. Ele cobriu rapidamente a boca com as mãos, os olhos arregalados, como se estivesse envergonhado por deixar escapar uma reação tão genuína. Chanyeol estava com os olhos levemente arregalados, mas logo sua feição suavizou, dando espaço para o sorriso debochado, como de costume.
— Olha, ele sabe rir.
— Não enche… — seu tom de voz era envergonhado. Chanyeol, no entanto, apenas sorriu, seus olhos brilhando com uma satisfação divertida. Ele parecia se deliciar com cada pequena reação do príncipe do gelo.
— Sabe, sua Alteza, você deveria rir mais — ele disse, recostando-se com uma confiança natural no parapeito da varanda. — Faz bem ao espírito.
Baekhyun revirou os olhos, embora houvesse uma pequena curva nos lábios, quase imperceptível. Não queria dar o gostinho ao herdeiro do fogo de saber que, de certa forma, ele o afetava.
— Vou levar em consideração o seu conselho.
— Bom, se rir assim durante o passeio com Minseok hoje, tenho certeza que o conquistará — provocou. — Ele já parece bem preso aos seus encantos.
Revirou os olhos, ignorando a quentura nas bochechas. Arrependia-se de ter pensado que a companhia do Park podia ser boa. O comentário de Chanyeol foi feito com um tom despreocupado, mas havia uma provocação sutil, que o fez morder a língua para evitar uma resposta ríspida.
— Se bem que, parando para pensar, você não precisa fazer nada. Sua presença já é o suficiente.
— Se está insinuando que estou tentando competir pela atenção de Minseok, está muito enganado — Baekhyun retrucou, sua voz carregada de uma firmeza que ele esperava soar convincente.
Chanyeol deu uma risada baixa, inclinando-se levemente para mais perto.
— Competir? — ele repetiu, os olhos faiscando com diversão. — Eu jamais insinuaria isso, Alteza. Você é quem é a peça mais cobiçada deste jogo. Somos nós que estamos competindo.
O ômega apertou o manto com força. Céus, aquele alfa realmente não media as palavras. Só os deuses sabiam como não queria ser visto daquela forma, como um prêmio que todos almejavam, o futuro rei, que precisava de um consorte ao seu lado.
— Acredite se quiser, Park Chanyeol, este é um jogo que eu preferiria não jogar. — O alfa o observou por um instante, o sorriso suavizando levemente. Algo em seu olhar se tornou mais sério, menos provocativo.
— Ninguém gosta de estar no centro desse tipo de jogo, Baekhyun — ele disse, sua voz mais baixa agora. — Mas você está, queira ou não. E, se me permite um conselho... é melhor aprender a jogar antes que alguém decida jogar por você.
Baekhyun ficou em silêncio, engolindo em seco enquanto absorvia aquelas palavras. Havia algo de desconcertante na forma como Chanyeol o encarava, como se visse além das aparências, da fachada de príncipe impecável que ele sempre se esforçava para manter. Era raro alguém se dirigir a ele de forma tão honesta, sem a pretensão de agradar ou ganhar sua aprovação. Era quase como um aviso. Suspirou.
— De todo modo, não vim aqui para da competição, como você gosta de chamar. — Deu de ombros. — Assim como Minseok terá um tempo com você hoje, também queria passar um momento tranquilo com o príncipe do gelo. — Precisou controlar a gargalhada ao observar o olhar incrédulo do ômega. — O quê?
— Um momento tranquilo? — o platinado repetiu, sem conseguir esconder o leve sarcasmo na voz. — Até agora, tudo que você fez foi me provocar.
— Talvez você tenha razão — disse, se aproximando do ômega, levando as mãos em sua cintura. Baekhyun arregalou os olhos, tentando se afastar no mesmo instante. Tentou abrir a boca para protestar, mas foi impedido pela respiração do alfa em seu pescoço. — Eu provoco porque quero ver mais do verdadeiro Byun Baekhyun, aquele que está por trás de toda a formalidade.
Chanyeol aproveitou que o menor estava paralisado para deixar um beijo calmo no pescoço branco, sentindo o aroma de orquídeas que o menor exalava.
— O que... — Baekhyun começou a dizer, mas a voz saiu fraca. — O que você pensa que está fazendo?
— Não vou ultrapassar seus limites. — Ele se afastou, o sorriso debochado no rosto. — Acho que já roubei o suficiente do seu tempo por hoje — acrescentou, pulando com calma a bancada que levava ao jardim privativo.
Baekhyun ficou estático, o coração batendo descompassado enquanto observava Chanyeol se afastar com aquela confiança despreocupada, que o irritava profundamente. A sensação do beijo ainda queimava em sua pele, o aroma de lavanda do alfa, misturado ao seu próprio, parecia pairar no ar ao redor dele. Precisou se segurar no parapeito, ofegante, perdido. Levou uma das mãos ao próprio pescoço, a raiva começando a se tornar presente.
Como o alfa ousava tratá-lo daquela forma? Como se pudesse simplesmente entrar, bagunçar seus sentimentos, e sair ileso, sem qualquer consequência?
— Arrogante... — murmurou entre dentes, as palavras mal passando pelos lábios.
Não era apenas a provocação que o irritava, mas o fato de que, seu corpo havia respondido, e isso o deixava ainda mais furioso. Fechou os olhos com força, controlando a respiração. Não deixaria aquilo se repetir. Chanyeol não brincaria mais consigo, caso contrário, daria um soco bem dado naquele rostinho bonito. Endireitou-se, afastando-se do parapeito, tentando reorganizar os pensamentos.
Dentro de algumas horas, estaria em um passeio com Kim Minseok, sendo cortejado pelo mesmo. Deveria se concentrar nisso. Não havia espaço para distrações, muito menos para um alfa como Chanyeol, que claramente fazia pouco caso de seus sentimentos, tradições e vida. Enquanto caminhava de volta para dentro do quarto, sentiu o calor da capa do moreno ainda sobre seus ombros.
Com um gesto rápido, tirou a capa, jogando-a sobre uma cadeira próxima, como se o tecido tivesse sido contaminado pela presença do alfa. Mas, mesmo ao se livrar dela, o aroma suave de lavanda ainda parecia impregnado no ar.
Maldito alfa.
…
A manhã avançava devagar, e o castelo parecia mergulhado em uma calma fria. O vento gélido que soprava do lado de fora, não chegava até Baekhyun, que mantinha as janelas fechadas enquanto se preparava para o passeio com Minseok. Após o encontro com Chanyeol na sacada, o ômega deitou-se novamente na cama, irritado e pensativo. Poderia, facilmente, ter ficado ali durante horas, mas foi interrompido por leves batidas na porta, e uma das criadas entrou, o lembrando do encontro com o herdeiro do Reino do Norte.
Suspirou desanimado ao perceber, que não seria Yixing que lhe ajudaria naquela manhã. Também pudera, o Shith era casado, possuía a própria vida agora, não estava mais todos os dias ali. Estava parado em frente ao espelho, encarando a roupa cuidadosamente escolhida, com a ajuda da beta. O manto longo de seda fluida em tons de azul glacial, cinza-prateado e toques de branco perolado, descia dos seus ombros com um brilho suave, que lembrava a luz da lua refletida na neve fresca.
Os detalhes delicados no tecido, pequenos bordados prateados de flocos de neve e cristais de gelo, davam à vestimenta uma aura angelical. As mangas largas, que se abriam elegantemente ao longo dos braços, eram decoradas com símbolos de ventos congelados e vinham acompanhadas de um cinto detalhado com correntes finas de prata e cristal, que caíam suavemente sobre os quadris, realçando a realeza serena e fria que ele representava. Por baixo da túnica, as calças ajustadas em um tom azul-acinzentado davam um contraste perfeito à leveza do manto, e as botas altas, reforçadas com detalhes de prata e gelo esculpido, completavam a figura.
Cada movimento seu, fazia a roupa fluir como uma brisa fria, e o som sutil das correntes cintilavam ao seu redor, lembrando o toque delicado de cristais de neve caindo sobre o solo congelado.
— Está perfeito, vossa Alteza — a beta disse, e Baekhyun sorriu de leve, apenas para não deixá-la sem graça. Sentia-se como se estivesse se preparando para o abate.
Seus cabelos, muito bem penteados, estavam trançados em uma intrincada obra de arte, com cada mecha se entrelaçando em perfeição. O penteado começava com grossas tranças no topo da cabeça, que desciam e se afunilavam em uma trança única no centro, caindo suavemente pelas costas como uma cascata. Pequenos cristais de neve, presos com precisão ao longo das tranças, brilhavam como estrelas.
Baekhyun precisou morder os lábios para não suspirar novamente. Constatou que o melhor amigo estava certo, suspirar estava se tornando a droga de um hábito. Virou-se uma última vez em direção ao espelho, passando a mão pela roupa, uma tentativa de afastar o nervosismo. Tomando um último fôlego de coragem, caminhou em direção à porta com passos medidos, o som de suas botas ecoando suavemente sobre o mármore frio.
Assim que a porta se abriu, foi recebido pelo leve murmúrio dos criados no corredor, que imediatamente cessaram ao vê-lo aparecer. Todos sabiam de sua posição, e todos, silenciosamente, reverenciavam sua presença. Sorriu para eles, como sempre fazia. Mesmo que já tivesse ouvido do pai, que precisava ser mais impassível. À medida que avançava pelos corredores do castelo, o ar parecia mais pesado. Talvez fosse apenas coisas da sua cabeça criativa demais, mas tinha a sensação de que todos por quem passava, o olhavam por tempo demais.
Era como se soubessem o que estava indo fazer. Na realidade, sabiam. Todos do castelo e do reino, sabiam que o príncipe Byun Baekhyun estava sendo cortejado e que, em breve, estaria apresentando seu marido para o povo. E, quando o casamento enfim acontecesse, todos deveriam esperar pela coroação dos novos regentes do Reino de Gelo. Suspirou, mais uma vez, enquanto suas botas produziam leves ecos pelo corredor de mármore, cada passo o levando mais próximo dos jardins do castelo.
O sol pálido filtrava-se pelas grandes janelas, lançando sombras longas no chão, como se o inverno estivesse espreitando cada movimento. Ao virar o último corredor, a ampla porta de vidro que levava aos jardins principais, surgiu diante dele. Do outro lado, o cenário era de uma beleza severa — os arbustos perfeitamente aparados, as fontes congeladas, e os caminhos de pedra que serpenteavam em meio às estátuas antigas. Mesmo de longe, podia ver o ponto de encontro, uma pequena clareira cercada por árvores altas, onde Minseok o aguardava.
Empurrou a porta de vidro com delicadeza, saindo para os jardins. O frio cortante o recebeu como um velho amigo, fazendo com que cada centímetro de sua pele se arrepiasse sob as camadas de roupa. Endireitou a postura, sentindo o manto deslizar levemente enquanto avançava, e começou a caminhar em direção ao coração do jardim. A neve rangia sob seus pés, enquanto ele caminhava. Seus passos eram lentos, não tinha pressa. O lugar estava silencioso, exceto pelo som distante de pássaros e o barulho do vento. Poderia morrer de frio caso já não estivesse acostumado com a baixa temperatura.
Ele podia ver a figura de Minseok à distância, em pé sob a sombra de uma das grandes árvores que marcavam o centro do jardim. O alfa parecia estar imerso em pensamentos, os braços cruzados, olhando para o horizonte coberto de neve. Baekhyun sentiu uma leve pontada de nervosismo ao se aproximar, mas não se deixou levar. Quando os olhos felinos caíram sobre si, o ômega se sentiu nu. Era a primeira vez que o herdeiro do norte lhe lançava um olhar desejoso.
— Vossa Alteza! — A voz de Minseok rompeu o silêncio do jardim, fazendo uma leve reverência. — Está belíssimo. Por alguns minutos, fiquei sem palavras.
— Obrigado, Minseok — respondeu, com a voz calma, mas com um toque de hesitação que não pôde disfarçar totalmente. — Espero que não tenha aguardado muito. O tempo está bem mais frio hoje…
— Não, não muito — Minseok respondeu, seu tom firme. Ele ergueu a cabeça, observando Baekhyun com uma intensidade quase desconcertante. — A espera, devo admitir, foi agradável com um cenário tão... encantador.
— Fico feliz que tenha gostado dos jardins… — O ômega se posicionou ao lado do alfa, sentindo o leve toque de suas vestes roçando a neve enquanto caminhavam. — Sempre achei que eles ficavam mais bonitos nessa época do ano.
— O Reino de Gelo não é sempre assim?
— Em partes. — Sorriu sincero. — A diferença entre as estações aqui é sutil, mas sempre há algo de especial no inverno mais rigoroso. É como se o reino inteiro respirasse melhor sob o manto de neve. Para mim, é reconfortante.
Minseok fez uma leve careta, embora tentasse disfarçar. O alfa admitia, era lindo e de tirar o fôlego, contudo, não era o maior apreciador da estação.
— Deve ser cansativo para quem não está acostumado — comentou Baekhyun, notando a reação discreta do alfa. — Para mim, o frio é um velho amigo. — O alfa deu um sorriso envergonhado, como se houvesse sido pelo em flagrante.
— O Reino do Norte também é frio, mas aqui parece... eterno. Como se o inverno nunca fosse embora.
— E não vai — disse Baekhyun, com uma risada suave. — Mesmo no verão, ainda há gelo nas montanhas e neve nos campos. Acho que é isso que eu amo tanto nesse lugar. Não há flores que morrem, apenas flores que esperam para florescer de novo. A beleza do gelo é que ele preserva, protege.
— Você realmente se sente confortável com isso, não é? — o herdeiro do norte perguntou, seu tom possuía uma mistura de curiosidade e admiração.
— Bom, nasci e fui criado aqui… aprendi a amar cada cantinho do meu reino.
— Não sente frio? — Baekhyun podia jurar que viu Minseok estremecer. Riu baixinho.
— Claro que sinto, mas já estou acostumado. — Deu de ombros.
Minseok observava o ômega com certa devoção. O sorriso sempre presente nos lábios. O príncipe do gelo era uma verdadeira joia, bela de se admirar, cabendo perfeitamente naquele ambiente. No início, quando o pai lhe falara sobre estar na hora de arrumar um ômega, o Kim protestou, não queria casar com qualquer pessoa. Contudo, ao receber o convite do Rei Jonghyun, para que comparecesse ao castelo e conhecesse seu filho, a curiosidade falou mais alto.
As notícias e fofocas corriam rápido e, desde que se entendia por gente, ouvia histórias de como Baekhyun era um dos ômegas mais lindos de toda antiga Elan. Precisava conhecê-lo. Vê-lo com os próprios olhos e tirar suas conclusões. Claro que não esperava se interessar pelo herdeiro do trono, mas ao vê-lo entrar tão lindo naquele salão de bailes, Minseok soube que precisava cortejá-lo. Precisava daquele ômega para si.
— O que gostaria de fazer? — perguntou, atraindo a atenção do príncipe.
— Eu?
— Bom, estamos no seu território. Gostaria de fazer o que lhe traz alegria. — Sorriu. Baekhyun concordou levemente, mas sua expressão era pensativa.
— Acho que prefiro fazer algo que você goste… — falou hesitante. — Acredito que seja justo. Você veio de tão longe para me conhecer, então acho que seria bom aprender coisas de outros reinos.
— Já que insiste. — O alfa sorria, colocando os braços para trás do corpo. — Soube que aqui podemos encontrar muitos coelhos, é verdade?
— Sim… — concordou, mas sentia-se confuso. — É bastante comum vermos coelhos albinos. Eles se camuflam com a neve.
— Bom, o que acha de corrermos atrás de alguns? Podemos tentar caçá-los.
— Não sei se a ideia de caçar coelhos me agrada… — Seus olhos estavam arregalados, o que fez Minseok rir.
— Não se preocupe. — O alfa sorria. — Não estou falando de matá-los, apenas de tentar encontrá-los entre as plantas e neves. O Reino do Norte valoriza a caça, mas eu jamais faria mal a um animal inofensivo. É mais uma brincadeira, do que uma caça de verdade — explicou, os olhos brilhando com diversão. — Nós procuramos os coelhos albinos que se camuflam na neve, e o primeiro que encontrar ganha. Nenhum coelho se machuca, e você vai se divertir, eu prometo.
— Eu... acho que posso tentar — Baekhyun respondeu, embora ainda parecesse hesitante. A ideia de correr pela neve atrás de coelhos não era exatamente sua definição de diversão, mas o sorriso despreocupado de Minseok o fez querer, ao menos, dar uma chance.
— Vamos — falou animado, aproveitando a oportunidade de puxar o ômega pelas mãos. Seu sorriso era tranquilizador, enquanto caminhavam em direção a uma área mais aberta, onde as árvores e arbustos cobertos de neve, criavam um cenário perfeito para a brincadeira.
Baekhyun hesitou por um momento, olhando ao redor, observando o branco silencioso. Embora ainda não estivesse completamente convencido, estava curioso para ver até onde aquela “diversão” iria. Pelos Deuses. Como explicaria ao pai, se ele por acaso os visse correndo pela neve atrás de coelhos? O alfa começou a caminhar em volta das árvores, com passos leves e silenciosos, os olhos atentos, como se ele estivesse rastreando algum grande e perigoso predador.
O contraste entre a postura séria de Minseok e o que estavam fazendo, era quase hilário para Baekhyun, que acabou rindo baixinho, passando despercebido. Bom, já que estava ali, mal não faria. Afastou-se do alfa, soltando as mãos e se colocou a olhar em volta, com atenção. Ele se moveu com cuidado, seus olhos vasculhando a paisagem branca e silenciosa. Não demorou muito até que visse algo pequeno e peludo se mexer ao longe, perto de um monte de neve acumulada. Era um coelho, o pelo branco quase imperceptível contra o gelo ao redor.
Sorriu internamente. Quanto tempo fazia que não via um? Fazia tanto tempo assim que não saia para o jardim principal? Suspirou, ignorando o pensamento. Devagar, se ajoelhou no chão, esticando-se com cuidado para pegar o animal.
— Oh! Você já encontrou um? — O alfa parecia surpreso e Baekhyun riu baixinho.
— Achou mesmo que seria tão difícil?
— Um alfa pode sonhar. — Deu de ombros. Observou o ômega se aproximar ainda mais da pequena bolinha de pelos, que parecia alheia à presença deles. O pequeno animal estava concentrado em roer um pouco de grama que se aventurava por entre a neve, e Baekhyun sentiu um calorzinho no coração ao contemplar a cena delicada.
— Espera — Minseok sussurrou, colocando uma mão em seu braço, como se tentasse estabilizá-lo. — Vá devagar.
O ômega concordou, sentindo o coração acelerar. Estava realmente nervoso em pegar o pequeno animal, o que era bastante engraçado, até. Com um movimento suave, ele se aproximou ainda mais, observando os olhos vermelhos, grandes e brilhantes do coelho, enquanto ele continuava a roer a grama. Com cuidado, Baekhyun conseguiu alcançar o animal entre as árvores, ignorando a neve que caia por toda sua roupa.
Não conseguiu evitar um sorriso ao segurar o coelho contra o peito, com cuidado para não machucá-lo. O pequeno animal tremia levemente, mas logo se acalmou, parecendo confortado pelo calor e carinho que o ômega fazia.
— Pelos Deuses, ele é tão fofo — disse animado.
— Parece até que é a primeira vez que vê um. — Baekhyun negou com a cabeça, sem tirar os olhos do animal.
— Já vi vários, mas nunca me passou pela cabeça tentar pegá-los. — Sorriu, aninhando o bichinho ainda mais.
— Ele se parece com você.
— Está dizendo que eu pareço um roedor? — O ômega riu e Minseok apenas revirou os olhos, mas sorria divertido.
— Estou dizendo que você é lindo, assim como ele. — Baekhyun parou por um instante, surpreso com o elogio. Seus olhos azuis brilharam, enquanto ele olhava para Minseok, que o observava com um sorriso sincero. — Então, o que você pretende fazer com seu novo amigo? — Minseok perguntou, mudando de assunto enquanto se afastava um pouco.
— Acho que vou soltá-lo de novo, para que ele possa voltar a brincar — respondeu, olhando para o pequeno animal que agora parecia mais relaxado em seus braços.
— Não quer ficar com ele? — O ômega negou.
— Não vou tirá-lo do próprio lar apenas porque gostaria de levá-lo comigo — falou, enquanto fazia um carinho no animal. — Essa é a casa dele. — Sorriu, enquanto colocava o coelho de volta na neve. O animal logo pulou para longe, camuflando-se novamente entre os flocos de gelo.
— Você é realmente uma pessoa incrível, Baekhyun. — O ômega se sentiu quente por dentro, um rubor involuntário subindo até suas bochechas. — Acho que devemos voltar, está ficando mais frio. Podemos continuar nosso passeio em um lugar menos aberto.
Baekhyun concordou, no entanto, não queria voltar para as paredes do castelo. Não quando fazia tanto tempo que não se permitia ficar ali do lado de fora. Mordeu os lábios em hesitação, talvez pudessem apenas ir para um lugar mais protegido.
— Vamos descer por aqui. — Apontou para um pequeno caminho de pedras. — Há um espaço um pouco mais adiante, onde podemos nos proteger do vento. Não precisamos voltar agora.
O alfa concordou. Logo ambos caminhavam juntos, o som sutil de seus passos ecoando pelo jardim coberto de neve. Minseok seguia ao seu lado, ainda observando cada detalhe ao redor, mas claramente atento à presença do ômega. O vento cortante fazia suas roupas ondularem, e a sensação de estarem isolados no vasto cenário gelado, mesmo com a presença dos guardas mais ao longe, criava uma atmosfera quase irreal.
Conforme se aproximavam de um arco de gelo, que levava a uma pequena clareira, cercada por árvores cobertas de neve, Baekhyun parou por um instante.
— Aqui — disse, apontando para o espaço mais abrigado. — O vento não chega tão forte e podemos conversar com mais calma.
Minseok assentiu, seguindo o platinado até o centro da clareira, e sentaram-se em um banco esculpido. Naquele momento, o silêncio pairou entre eles. O alfa contemplou o ambiente por alguns segundos, observando o reflexo suave da luz sobre o gelo ao redor. Seus olhos felinos, antes fixos no cenário ao redor, logo se voltaram para Baekhyun, que, por sua vez, limpava a neve das próprias vestes.
O herdeiro do norte era observador, sabia que o príncipe possuía muros demais para uma pessoa. Ele havia se aberto um pouquinho durante a pequena “caçada”, mas ali estava ele, com sua típica barreira levantada. No entanto, estava disposto a conhecê-lo melhor, afinal, queria ser escolhido pelo ômega. Quem não gostaria? Qualquer alfa da realeza mataria para tê-lo.
— Costuma vir a essa parte do jardim?
— Não com muita frequência. Mas gosto de ficar aqui por um tempo. — Sorriu. — Me ajuda a clarear a cabeça.
Minseok assentiu lentamente, absorvendo a resposta. Ele percebeu que havia algo mais profundo na maneira como Baekhyun falava sobre o espaço, como se ele estivesse sempre precisando se afastar da realidade em que vivia.
— Gosto de lugares tranquilos também — disse o alfa. — Sempre imaginei que, se não fosse herdeiro, talvez vivesse em um lugar assim. Simples, longe da confusão do castelo. — Ele sorriu de leve, tentando criar uma conexão mais pessoal. — Então, me diga, se não fosse o herdeiro do trono, que vida levaria?
Baekhyun franziu a testa por um momento, como se a pergunta de Minseok o fizesse refletir sobre algo que ele nunca havia parado para pensar profundamente. Ele entreabriu os lábios, mas a resposta não veio imediatamente.
— Se eu não fosse o herdeiro do trono... — começou, a voz mais baixa e introspectiva. — Sabe, nunca pensei realmente nisso.
“Se não fosse herdeiro do trono…”. Aquela frase havia feito morada em sua cabeça. O que gostaria de ser? O que conhecia da vida além das muralhas para responder àquela pergunta? Sempre fora ensinado sobre suas responsabilidades, e sequer havia pensado no que gostaria de ser ou fazer. Talvez um escritor? Colocar seus sentimentos em papéis, escrever romances intermináveis ou aventuras fantásticas, onde os personagens tivessem a liberdade que ele nunca conheceu.
Talvez ser um explorador? Andar por todos os reinos, conhecer outras culturas e se mergulhar em um amor inesperado, longe dos olhos críticos da corte, e das regras que o mantinham preso. Baekhyun sentiu o peso dessas ideias o cercando, pensamentos que ele raramente permitia emergir. Algo tão simples, mas inatingível. Céus, era doloroso pensar. Optou por dar de ombros.
— Bem, eu acho que eu gostaria de ser um fazendeiro — Minseok interrompeu de repente, com um sorriso brincalhão nos lábios. Baekhyun o olhou, surpreso com a resposta inesperada.
— Fazendeiro?
— Sim! — disse, fingindo ser sério, mas claramente se divertindo com a ideia. — Imagine só... acordar ao nascer do sol, alimentar galinhas, plantar batatas. Acho que seria um ótimo fazendeiro. — Ele fez um gesto dramático com as mãos. — O campo me chamando todas as manhãs, eu ali, sujo de terra, mas feliz... quem sabe até teria uma vaca chamada Flor.
Baekhyun não pôde evitar soltar uma risada, o som claro quebrando a tensão que havia pairado entre eles. Ele levou as mãos aos lábios. Definitivamente não esperava por aquela resposta.
— Uma vaca chamada Flor? — ele repetiu, ainda rindo.
— Sim, e talvez até um porco chamado Lorde Bacon — continuou, rindo com ele. — Seria uma vida simples, sem expectativas, apenas eu, Flor e Lorde Bacon dominando o campo.
Antes que Baekhyun pudesse responder, uma voz familiar, baixa e cheia de sarcasmo, ecoou por entre as árvores.
— Quem diria que o grande Kim Minseok, o herdeiro do Norte, sonharia com uma vida tão… bucólica — disse Chanyeol, surgindo de repente por entre as árvores, o manto pesado balançando levemente com o vento. Ele estava com os braços cruzados, um sorriso malicioso se formando em seus lábios.
Baekhyun e Minseok se viraram ao mesmo tempo, surpresos com a interrupção. Chanyeol caminhava em direção a eles, com a típica confiança que ele sempre carregava, o brilho astuto nos olhos, refletindo a luz que passava pelos galhos cobertos de neve. Seu olhar passou rapidamente de Minseok para Baekhyun, fixando-se por um segundo a mais no ômega, antes de voltar ao alfa.
O platinado sentiu todo o corpo tensionar. O que Chanyeol estava fazendo ali? Ele sabia que se encontraria com Minseok naquele dia, até mesmo haviam conversado sobre isso pela manhã. Fechou as mãos com força. Qual era a droga do problema dele?
— Eu esperava que estivesse ocupado com assuntos importantes, Minseok — continuou Chanyeol, o tom escorrendo ironia. — Mas vejo que discutir nomes de porcos e vacas é o novo passatempo da realeza.
— O que você quer, Chanyeol? — Seu tom de voz era afiado, ajeitando o corpo ao lado do Byun. — Não vê que estamos ocupados?
Chanyeol riu baixinho, um som provocador, que reverberou entre as árvores cobertas de neve.
— Ocupados? — Ele ergueu uma sobrancelha, divertindo-se com a reação de Minseok. — Parecia mais uma conversa pastoral sobre uma vida na fazenda. Não sabia que isso era tão sério.
Baekhyun, que ainda tentava acalmar o coração após a entrada repentina de Chanyeol, respirou fundo, lutando para não se deixar levar pelo desconforto que a presença do alfa sempre trazia, mas falhando miseravelmente. Aquela provocação constante estava se tornando insuportável.
— Não me importo com o que você acha — respondeu Baekhyun, a voz calma, porém firme. — Minseok e eu estávamos tendo uma boa conversa antes de você aparecer. — O herdeiro do fogo deu mais alguns passos à frente, parando próximo a ambos. Ele cruzou os braços e inclinou a cabeça, como se estivesse analisando a situação com um interesse fingido.
— Claro, uma boa conversa sobre galinhas e vacas — respondeu, sem perder o tom sarcástico. — Quem sou eu para interromper uma discussão tão filosófica?
— Baekhyun e eu estávamos conversando sobre possibilidades. Sonhar não faz mal a ninguém, Chanyeol.
— Sonhar? — Chanyeol ergueu uma sobrancelha, um sorriso enviesado surgindo no canto dos lábios. — Os sonhos de Baekhyun, ou os seus? Porque tenho certeza que ele mal consegue dormir ultimamente — completou, com um tom que sugeria que sabia mais do que estava disposto a dizer.
Baekhyun estava fervilhando de raiva. Maldita hora que permitiu o alfa lhe fazer companhia pela manhã. Deveria ter cogitado que ele usaria aqueles minutos para lhe importunar, mesmo que não houvesse dito nada comprometedor. Levantou-se em um rompante, os olhos azuis se escurecendo à medida que se colocava na frente do alfa.
— Você ao menos controla o que sai da sua boca? Ou fica pensando formas de perturbar a cabeça dos outros? — Empurrou o herdeiro do fogo pelos ombros. — Qual a droga do seu problema? Seu alfa insuportável! — Chanyeol cambaleou levemente para trás, mas logo recuperou o equilíbrio, seu olhar de surpresa se transformando em algo mais sombrio. Ele não esperava aquela explosão de Baekhyun, e por um instante, seu instinto alfa quis reagir. No entanto, precisava se lembrar do plano, então, em vez de responder com raiva, ele riu. Uma risada baixa e provocativa, que reverberou no pequeno espaço entre eles. — Acha que, só porque é o herdeiro do fogo, tem o direito de jogar com as pessoas ao seu redor como peças de um jogo que só você entende? — O ômega o encarava ainda com ódio. — Eu disse antes e digo agora novamente, eu não quero participar dessa sua teia de provocações. — Os olhos de Chanyeol brilharam com algo difícil de decifrar. — Se quer jogar, faça isso sozinho.
— Chega, os dois — disse Minseok, puxando o corpo do ômega para afastá-lo do alfa. Os dois continuavam se encarando, os olhos azuis disputando com os olhos negros. Chanyeol voltou a sorrir de maneira debochada.
— Não se preocupe, Minseok. — Ele inclinou a cabeça levemente, sem desviar o olhar do príncipe. — Baekhyun sabe muito bem como fugir quando as coisas ficam complicadas.
Minseok suspirou, mas apertou o ombro de Baekhyun, tentando acalmá-lo antes que a situação piorasse. Park Chanyeol estava mesmo determinado a fazer o herdeiro do gelo explodir. Sentiu a tensão no corpo do ômega, que parecia a ponto de gritar com o mais alto.
— Você fala demais para alguém que sabe tão pouco, Chanyeol — Baekhyun rebateu, com os dentes cerrados. — É você quem vive se escondendo atrás dessas provocações ridículas. O que está realmente tentando esconder?
O sorriso de Chanyeol vacilou por um breve segundo, mas logo ele retomou o controle, fingindo indiferença.
— Esconder? — Ele deu uma risada curta. — Quem sabe você descubra um dia... se tiver coragem o suficiente em se permitir viver a própria vida.
O ômega bufou, os olhos ainda cheios de raiva, mas algo naquela última frase ficou no ar, como uma provocação que ele não sabia como decifrar. Pelos deuses, queria socar a cara daquele homem. Se fizesse isso, e alegasse legítima defesa, será que seu pai o perdoaria? Ele queria gritar, queria enfrentar Chanyeol de igual para igual, mas sabia que a batalha de palavras só o levaria a um beco sem saída. Fechou os olhos com força, afastando-se dos braços de Minseok. Não iria continuar aquela cena, até mesmo alguns guardas haviam se aproximado.
— Sinto muito que nosso passeio tenha terminado assim — falou para o alfa Kim, suas bochechas ainda vermelhas pela irritação. — Vou sair primeiro. Espero que possamos nos encontrar novamente. — Forçou um sorriso, assim como uma reverência e se afastou.
Lançou apenas um olhar cortante para Chanyeol, antes de ir embora, caminhando pelo jardim, sendo observado pelos dois alfas. Kim Minseok suspirou cansado, passando as mãos pelo cabelo antes de encarar o Park, também com ódio.
— Eu não sei quais são seus planos aqui, herdeiro do fogo. Mas você não vai conseguir o que quer. — Sua voz era séria. — Um dia, Chanyeol, todo esse seu teatro vai desmoronar. E, quando esse dia chegar, eu estarei lá para assistir.
Chanyeol permaneceu imóvel, observando a figura de Baekhyun se afastar pelo jardim, o corpo ainda tenso de raiva e frustração. O sorriso sarcástico em seus lábios não havia desaparecido, mas algo nos olhos dele parecia mais sombrio, mais profundo. Quando Minseok falou, o herdeiro do fogo desviou o olhar lentamente, encarando o alfa mais velho com desprezo.
— Quem sabe? Talvez você tenha razão, talvez o teatro realmente caia... ou talvez, eu só esteja aquecendo para o grande ato. — Seu sorriso era debochado. — Não se preocupe, eu posso te conseguir o lugar na primeira fileira.
O alfa riu do outro e se afastou. Não tinha tempo para continuar naquela troca de farpas com o Kim. Talvez tivesse passado um pouquinho dos limites com o ômega. Mas não tinha problema. Conhecia o Byun o suficiente e, aquela pequena briga, seria o suficiente para continuar na mente do mais novo por bastante tempo.
…
A noite estava especialmente fria, até mesmo para o Reino de Gelo. O silêncio que se espalhava pelas paredes de pedra, parecia amplificado pela quietude pesada que vinha de fora, como se até a própria natureza estivesse congelada. O grande quarto, adornado com tapeçarias detalhadas que pendiam das paredes altas, estava parcialmente escuro, sendo sua única iluminação, uma tocha acesa ao canto.
Pelo vidro das janelas altas, era possível observar os pequenos flocos de neve, que dançavam lentamente do lado de fora, varridos pela brisa suave. O corvo chegou como uma sombra em meio à neve. Sua silhueta escura, contrastava com o cenário branco lá fora, as asas, abrindo-se em um arco suave, enquanto ele deslizava pelo vento, em direção ao quarto. Ele pousou no peitoril de mármore com uma precisão sobrenatural, as garras encontrando facilmente apoio no gelo que cobria a superfície.
Seus olhos negros, pontilhados de uma inteligência penetrante, pareciam brilhar à luz da lua, como se guardassem inúmeros segredos. A ave observou o cômodo por alguns segundos, sua cabeça movendo-se de um lado para o outro, quase como se estivesse tomando o lugar em sua memória, sentindo cada detalhe ao seu redor. O bater de suas asas cessou, e o silêncio voltou a dominar o espaço. Apenas a respiração do vento que passava pelas janelas, e o leve som da neve se faziam ouvir.
De repente, as penas escuras começaram a cintilar, tremulando como se fossem feitas de sombras líquidas, e, num piscar de olhos, o corpo do corvo começou a mudar. Primeiro, as asas se alongaram, se transformando em braços humanos, enquanto as pernas esguias e as garras se moldavam em pés robustos, calçados com botas de couro escuro. A transformação era silenciosa, quase elegante. A cabeça, antes pontiaguda e coberta de penas, tornou-se a de um homem, com traços afiados, olhos tão negros quanto antes, mas agora carregados de uma expressão quase predatória.
Seu manto pesado de peles negras caía ao redor de seus ombros, enquanto o cabelo, escuro como as noites mais profundas, estava cuidadosamente trançado. A pintura azul ao redor de seus olhos lembrava o toque feroz da natureza que ele carregava, um resquício do animal que ele havia sido. Seus movimentos eram contidos, mas havia uma energia selvagem em seu corpo, como se ele ainda estivesse entre o limiar de corvo e homem, pronto para alçar voo a qualquer momento.
Com passos calmos, o homem andou pelo quarto, atento a cada barulho ou movimentação. Ele sorriu de forma provocativa, fixando os olhos na porta principal, no exato momento em que Chanyeol adentrou o lugar. O herdeiro do fogo não parecia surpreso ao encarar o visitante em seus aposentos, apenas trancou a porta e seguiu até o pequeno sofá, onde deixou que o corpo caísse, cansado.
— Vi seu teatrinho mais cedo — o homem disse, seu sorriso era debochado. — Acha que vai conquistar o ômega daquela forma?
— O que você quer, Jongin? — perguntou, enquanto passava a mão pelo rosto, sentindo a cabeça explodir. — Veio me vigiar? Dizer ao meu pai sobre meus passos na corte?
— Lembro que ele exigiu que se portasse como um príncipe.
— Nunca prometi seguir os protocolos. — Deu de ombros. — Minha missão é conquistar o ômega, como eu faço isso, é problema meu.
— Bom, para sua sorte eu pouco me importo com Park Taewoon. — Jongin deixou o corpo cair no outro sofá. — Seu pai está agitado. Quer notícias sobre o plano. Como se você fosse conseguir conquistá-lo antes da data prevista. — Chanyeol poderia jurar que viu o amigo fazer cara de nojo.
— Isso é um desafio?
— Chame do que quiser. — Deu de ombros. — Você tem tudo isso aí… — Fez um sinal para o próprio rosto e corpo, rindo em seguida. — Deveria usar isso a seu favor, não suas atitudes de merda.
— Se você acha que é tão simples, por que não faz isso você mesmo? — Chanyeol retrucou, enquanto inclinava a cabeça para trás e fechava os olhos por um momento.
— Porque eu, caro amigo, não acredito que esse tipo de plano funcione — Jongin disse sério, sua feição endurecida. — Brincar com os sentimentos dos outros não é algo que eu considero atrativo.
Chanyeol abriu os olhos, surpreso pela mudança repentina no tom de Jongin. Aquele era um lado do amigo que ele raramente via — se é que já havia visto antes. O garoto corvo sempre fora muito distante, tão impenetrável, como se nada no mundo pudesse tocá-lo. Culpava sua própria raça, um Kaek.
Kaeks eram uma linhagem rara, marcada pela habilidade de se transformar em corvos. Por serem enigmáticos e perigosos, os Kaeks não eram muito apreciados nas cortes, sendo considerados espiões natos, seres de intenções questionáveis. Contudo, Chanyeol havia salvo a vida de Jongin quando ainda eram crianças, o que tornou a lealdade do Kim, uma das poucas certezas na vida do herdeiro do fogo. O corvo era o único que conhecia a verdadeira face do alfa e, por isso, sempre considerava as palavras do amigo.
— Então por que está envolvido nisso? — Chanyeol perguntou, um tanto ríspido. — Se não acredita no plano, por que está aqui, cumprindo as ordens do meu pai?
— Porque somos amigos. E amigos não abandonam um ao outro. — Foi sincero. — Posso não concordar com esse plano, mas estou aqui para te ajudar a conquistar o trono de gelo. Minha lealdade é com você — concluiu. Enquanto falava, Jongin não desviou o olhar da janela, observando a neve cair incessante lá fora.
O silêncio que se seguiu era denso, quase sufocante. Chanyeol, com a testa franzida, deixou seu corpo afundar ainda mais no sofá, os pensamentos correndo rápido demais para serem capturados. Aquelas palavras, embora simples, carregavam um peso que ele não esperava. A verdade era que o alfa nunca se imaginou com amigos verdadeiros, nunca se permitiu sonhar com uma família unida. E Jongin era exatamente aquilo, família, mesmo que desconhecesse o real significado da palavra.
Suspirou. Ambos observando a noite lá fora. O vento soprava forte, movendo as árvores como se fossem sombras, e o gelo refletia a luz da lua em um brilho pálido e frio.
— Pode me responder uma coisa? Com sinceridade. — Jongin não o encarava quando perguntou. Chanyeol assentiu, sabendo que os sentidos do amigo entenderiam seu silêncio. — O trono de gelo. — Encarou o alfa, o semblante sério. — Vale o esforço?
— Vale o esforço?
— Essa seria uma ótima oportunidade de conquistar o que todo alfa da realiza sonha. Baekhyun é um ômega de beleza imensurável. Você teria uma bela família, um reino para chamar de seu, e estaria longe de Taewoon. — O corvo se levantou enquanto falava, andando devagar até a janela. — Seguir com o plano, ter o trono por esse meio… Valerá a pena?
Pela primeira vez, Chanyeol não soube o que responder. Jongin sorriu triste. O silêncio do amigo já dizia muito, mais do que palavras poderiam expressar.
— Como combinamos, antes de sua partida, não tenho nada a relatar sobre o Reino de Fogo. Taewoon está quieto, apenas aguardando notícias. — Jongin continuou, com um suspiro. — Nos vemos em alguns dias.
O corvo parou diante da janela aberta, o vento da noite fria entrando no quarto e bagunçando suas vestes e cabelos. Ele olhou para a vastidão gelada mais uma vez, o brilho da lua refletido nos flocos de neve que caíam devagar.
— Não pense demais nisso. — Aproveitou o silêncio do Park e voltou a falar, sua voz saiu baixa, quase apagada pelo som do vento. — Às vezes, a escolha certa é a que não fazemos.
Chanyeol observou enquanto Jongin começava a mudar. O processo foi rápido, quase imperceptível aos olhos humanos. As penas negras surgiram de sua pele, seus ossos encolheram e se moldaram, suas mãos se transformaram em asas. O Kaek, agora em sua forma de corvo, deu um último olhar para o amigo antes de bater as asas e se lançar na noite.
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