[2005]
Era a primeira vez de Hinata em solo francês.
Ela ainda era muito pequena e a mãe estava no início de sua gravidez. Haviam viajado às pressas para uma reunião que o Senhor Hyuuga teria no continente Europeu e a mãe aproveitara para ir junto e levar a filha para passarem aqueles dias juntas em um de seus lugares favoritos no mundo todo.
A gestação ainda não apresentava as dificuldades que mais tarde apresentaria, e a Senhora Hyuuga parecia muito disposta enquanto caminhava com a filha, em seu encalce, pelas ruas geladas daquele local.
Entraram em uma loja muito bonita, que Hinata não fazia ideia de qual era porque não havia compreendido bem o que estava escrito na fachada. A mãe conversara com a atendente em um francês perfeito e Hinata nem conseguia imaginar o que estavam dizendo. Seus olhos prateados e curiosos se perdiam no local, era uma loja bem diferente das que haviam visitado até então. Suas paredes eram de tijolos e serviam como moldura para as prateleiras do lugar, que era dividido em duas seções, uma feminina e outra masculina. Apenas perfumes eram vendidos ali.
O cheiro do ambiente era maravilhoso, pareciam haver diversas essências misturadas umas nas outras. Todos os perfumes estavam perfeitamente alinhados, possuíam etiquetas em seus vidros e embalagens tão bonitas que se o item vendido não fosse mesmo o espetáculo que prometia ser, ao menos a embalagem valeria à pena.
Hinata seguia a mãe, completamente fascinada e em silêncio, enquanto ela desfilava pelas prateleiras escolhendo o que queria. A atendente que as recepcionara não parava de falar e a Senhora Hyuuga sorria muito. Em dado momento, Hinata soube, porque sua mãe resolvera explicar-lhe o que ocorria, que a vendedora estava narrando a história de cada essência ali presente.
Chegaram a uma, em especial, que encheu os olhos de Hinata e da Senhora Hyuuga de curiosidade.
Fougère Royale, a atendente pronunciara o nome para elas. Hinata reparou bem no produto mencionado, era de vidro retangular e um líquido de cor amarelada era visto dentro dele. A caixa, ao lado dele, alternava entre tons amarelados e esverdeados, com desenhos de samambaias. A vendedora pegara algo semelhante a um pedaço de papel e espirrara um pouco do perfume para que pudessem sentir sua fragrância.
O cheiro entorpeceu Hinata.
Ela perguntou à mãe que cheiro era aquele e esta sorriu, questionando à atendente, em seu francês perfeito, e a pequena menina aguardou até que a resposta fosse dada a ela, em inglês.
Não levaram aquele perfume naquele dia.
Embora a fragrância dele tenha sido levada, sim.
Na mente de Hinata.
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(Um dia Hinata teve um sonho, um sonho estranho. Tinha doze anos quando o teve e foi pouco depois de Naruto salvá-la da menina que lhe cortara os cabelos. Foi naquela mesma noite, lembrando bem. Foi um sonho estranho, um sonho com lavandas, musgo, madeira, Naruto e olhos muito vermelhos que a encaravam à distância e pareciam querer lhe confidenciar alguma coisa.)
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[23 de Novembro de 2018]
Hinata tinha medo de altura.
Um medo que era quase fobia, Naruto constatou, encarando-a com curiosidade; a sobrancelha arqueada enquanto ela o encarava com um desespero que era quase palpável.
“Você sabia que ia precisar descer, não sabia?”, Naruto questionou, esforçando-se muito para não rir da aflição estampada no rosto de Hinata enquanto as pernas dela tremiam olhando para a escada que precisava ser descida para deixar a torre e voltar ao terraço.
“E-eu...”, Hinata começou, gaguejando desesperada, “E-eu... E-eu”, até mesmo a respiração dela estava alterada. “E-eu n-não p-pensei n-nisso”, ela parecia que ia ter um colapso. “E-eu precisava v-ver você e não p-pensei no que acontecia de-depois disso”.
Naruto soltou um riso involuntário, não queria realmente zombar de Hinata nem nada parecido, mas era muito engraçado, na cabeça dele, que ela estivesse insinuando não ter pensado por causa dele quando o problema dele era justamente pensar demais por causa dela.
Caminhou em direção a ela, aproximando-se.
Ela abaixou o olhar.
Olhava para os pés – não sabia se para os dele, que se aproximavam dela, ou para os dela, que não se moviam enquanto as pernas dela tremiam muito.
“Olhe para mim”, ele pediu, segurando o queixo dela e erguendo sua cabeça.
Não pela primeira vez, ele sabia.
Não pela última, podia supor.
Ela respirava muito rapidamente.
“Não é tão alto assim”, ele a tranquilizou.
Ele tentou tranquilizá-la.
Ela abria e fechava a boca várias vezes e os olhos estavam muito úmidos, ele notava. Não estava se tranquilizando.
Nem um pouco.
Suspirou.
Os olhos dele já estavam em seu azul costumeiro, graças a ela. O colar em seu pescoço já não pesava, graças a ela.
E ela não havia sequer pensado em como ajudaria a si mesma – descendo daquele lugar – quando subira para ajudá-lo.
Ai, Hina-chan!
Ele sorriu.
E a abraçou.
Sentiu os braços trêmulos dela contornarem-no para corresponder o abraço dele.
E ficaram assim por um minuto ou dois.
Não queria realmente soltá-la.
Mas precisava soltar.
Neji o mataria se ela não estivesse na porta do colégio, em poucos minutos, esperando-o para voltarem para a casa.
Beijou os cabelos dela e perguntou-lhe:
“Você confia em mim, Hina-chan?”
Ela assentiu.
Ele sorriu, colocando uma mecha dos cabelos dela atrás de sua orelha.
Afastou-se um pouco.
“Fique aqui”, ele pediu.
E começou a descer as escadas, o mais rápido possível. Quando desceu mais de a metade, ele soltou uma mão da barra de ferro que segurava e um pé da barra de ferro que descia, balançando o corpo um pouco e impulsionando-o para soltar-se. Saltou, então. Ou melhor, deixou que seu corpo caísse levemente, em uma aterrissagem suave.
Caindo no terraço, ele rolou sobre o braço, o movimento das costas traçava uma perfeita diagonal no chão.
Levantou-se, em seguida, e ergueu o corpo, endireitando a postura, e olhou para cima. Hinata o encarava da ponta, com uma interrogação visível no olhar que ele tinha certeza ainda estar cheio de lágrimas contidas.
“Hina-chan”, ele gritou, chamando a atenção dela. “Vai pra sua esquerda”, ele pediu, no intuito de que ela saísse de perto das escadas; ela obedeceu e ele caminhou na mesma direção. Aproximou-se da torre. “Senta na beirada e olha para mim”, ele não enxergava tão bem assim, de onde estava, mas supunha que ela havia arregalado os olhos. “Você disse que confiava em mim, Hina-chan. Prove!”, ele continuava gritando.
E muito lentamente, ela se sentou, ele acompanhou com um sorriso.
“Muito bem”, ele pausou. “Eu vou contar até cinco, e no cinco você se joga.”
“O-o-o quê?”, ela gritou de volta, a voz apavorada.
Ele respirou fundo.
“Continua sentada e caia meio de lado, que eu te pego, Hina-chan. Eu prometo”, ele garantiu. Ela fez silêncio. E ele tomou esse silêncio como um sim. “Um... Dois... Três... Quat-”
Mas ele não terminou a contagem.
Não deu tempo.
E foi por puro reflexo que ele a segurou quando ela se jogou ainda na metade do número quatro, dos cinco números que ele contaria.
Ela caiu exatamente no colo dele, um braço dele contornando as costas dela e o outro ficando em torno das dobras dos joelhos dela.
Os olhos prateados cobertos por pálpebras pálidas.
Ele riu.
Ela riu.
Ambos riam de nervoso.
“Você é incrível, Hina-chan”, ele elogiou, ainda a segurando.
Ela respirava muito tensa.
“E-eu”, ela começava, abrindo os olhos, a respiração ainda desregulada, “n-não quero... não quero subir ali nunca... nunca mais”, as palavras ainda eram assopradas com dificuldade de sua garganta.
Ele sorriu.
Meio de lado.
Discordava totalmente do que ela havia afirmado.
“Nada disso”, ele disse e ela estreitou os olhos prateados. “Vou te ajudar com esse seu medo de altura, professorinha”, ele mordeu o lábio inferior. “Vamos trocar as corridas matinais por um treino psicológico.”
“Do que... você... está... falando?”, ela questionou.
“Esteja pronta amanhã às dez horas da manhã, vamos retomar nossas aulas de Literatura Asiática e trabalhar esse seu medo de altura.”
Ela parecia intrigada, mas não contestou.
“Agora, Hina-chan”, ele prosseguiu. “Não me solte!”, ele pediu.
E ele seguiu em direção ao parapeito do terraço, saltando dali com Hinata ainda em seus braços e em seguida pulando para o chão, sem dar a ela tempo de calcular quantos metros eles haviam saltado.
A aterrissagem foi silenciosa, amortecida pelos joelhos ligeiramente flexionados bem como auxiliada pelo gramado do colégio.
Hinata não sabia em que momento, exatamente, havia fechado os olhos, mas agora, já a colocando no chão, ele a dizia que podia abri-los.
Fitava-o com muitas dúvidas no olhar.
“Como...?”, ela mal conseguia completar a frase, olhando para o topo de AHS e seus sete andares e encarando-o com descrença.
Naruto juntou as duas mãos, entrelaçando os dedos, atrás da cabeça e abriu um grande sorriso para ela.
“Digamos que eu tenho um demônio dentro de mim e que eu protejo esse colégio desde os doze anos... Tenho um truque ou dois na manga, Hina-chan”, ele piscou.
Mas ela só conseguia pensar que...
“Naruto-kun!”, ela o chamava, um pouco brava, “por que eu precisei me jogar de uma torre se você podia ter me carregado lá em cima também?”
Ele sentiu o próprio rosto ficar vermelho e coçou os cabelos.
“Er...”, suspirou. “Eu só tive essa ideia há poucos minutos”, admitiu.
Naruto jurava que podia ver uma gota na testa de Hinata enquanto ela respirava muito rápido e ele sentiu falta, mesmo que só um pouquinho, de quando ela não o olhava nos olhos e ele não precisava lidar com toda aquela fúria e descrença no olhar dela.
E quando Neji apareceu, segundos depois, chamando pela prima e o cumprimentando, ele agradeceu mentalmente ao amigo por isso e acompanhou com um sorriso bobo enquanto Hinata seguia com o primo para o estacionamento, lançando-lhe um último olhar um tanto raivoso, antes de se afastar por completo.
Coçou os cabelos. Achou que talvez aquela proximidade de Sakura, além de Ino, com Hinata estava mexendo um pouco com a cabeça dela, deixando-a mais propensa a se enfurecer com ele.
Mas ao mesmo tempo, ele achava...
(Meio inconscientemente mesmo...)
Que Hinata brava com ele era até bem bonitinho de ver.
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(Um dia Hinata teve esse sonho, esse sonho estranho. Aos doze anos, pouco depois de Naruto salvá-la. Salvá-la com o sorriso dele, não necessariamente intervindo e afastando as garotas dela. Não. Não porque, no final das contas, fora o sorriso dele que realmente a salvara. Aquele sorriso que ele dera depois de tê-la encontrado no porão de AHS, pela primeira vez, enquanto se afastava sorrindo, e a deixava sentindo o sorriso dele, porque mesmo que ela não o visse, já naquela época – e para todo o sempre –, ela podia sentir o sorriso dele, e aquele sorriso havia significado o mundo para ela porque a trouxera paz, segurança e fizera-a crer que alguém se importava com ela. Mas enfim, sim. Fora naquela mesma noite, ela lembrava bem. Tivera um sonho estranho, um sonho com lavandas, musgo, madeira, Naruto, olhos muito vermelhos que a encaravam à distância e pareciam querer lhe confidenciar alguma coisa. Olhos que não eram de Naruto e que sequer eram de alguém...)
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[24 de Novembro de 2018]
Naruto não estava brincando quando disse, na noite anterior, que iria ajudá-la com o medo de altura dela ao invés de continuarem correndo juntos em algumas manhãs, antes do colégio. Ele definitivamente não estava brincando, ela teve certeza. Teve certeza assim que ele parou o carro no estacionamento de AHS e entrelaçou os dedos nos dela, conduzindo-a para o elevador e, após pararem no sétimo andar, subirem as escadas que os levariam para o terraço.
Akatsuki High School funcionava em horário integral nos sábados, dia em que grande parte das aulas extracurriculares eram lecionadas, então não estavam realmente sozinhos ali, havia alguns alunos batendo papo, namorando ou até mesmo estudando naquele local.
Não havia, no entanto, ninguém que estivesse tão paralisada por estar ali quanto ela, ela notou. Em dado momento, ela nem estava realmente andando mais, mas sendo arrastada por ele que continuava puxando-a.
“Confie em mim, Hina-chan”, ele pediu, quando sentiu que os dedos dela, entrelaçados aos dele, estavam muito gelados e trêmulos.
“E-eu...”, ela começou, gaguejando, olhando para ele com dificuldade até mesmo para manter o olhar trêmulo. “O que... você... vai fazer?”, ela perguntou, a respiração um pouco acelerada. Haviam se aproximado demais da beirada do terraço e só aquela proximidade toda, mesmo que houvesse um parapeito certificando-a de que não era realmente perigoso estar ali, já a incomodava.
“Nós vamos estudar, lembra?”, ele sorriu e com a mão que não segurava a dela, tirou de suas costas a mochila que Hinata havia trazido com o que achava que precisariam e que ele se oferecera para carregar para ela, e a manteve na mão.
Ela assentiu.
E ele soltou a mão dela, sentando-se no parapeito um tanto largo que havia ali. Repousou a mochila ao lado dele. Hinata arregalou os olhos, ele não esperava que ela fizesse o mesmo, esperava? Que ela se sentasse ali também?
“Na-Naruto-kun!”, ela se apavorou.
Ele riu.
“Está tudo bem, Hina-chan”, ele a tranquilizou. “Vem cá”, ele pediu e ela se aproximou dele com passos muito lentos. E muito trêmulos. Parou na frente dele. “Me ver aqui em cima te incomoda?”, ele questionou, ela assentiu.
Só de vê-lo ali, ela já sentia a respiração descontrolar um pouco.
Já se apavorava.
“Prende o cabelo”, ele pediu, e ela estreitou os olhos, intrigada com isso.
Mas obedeceu, enrolando-os e fazendo um coque meio bagunçado no alto da cabeça.
Ele sorriu.
Algumas madeixas voavam pelo rosto dela, desprendendo-se do coque. Ela nem reparara que estava ventando, mesmo que não muito forte, até o momento. Todavia, agora ela sentia a brisa gelada em sua nuca exposta.
Naruto esticou os braços e a abraçou, segurando a nuca dela.
Colou a testa na dela e ela respirou devagar, fechando os olhos.
Ele aguardou um pouco, sentindo a respiração dela cada vez mais calma.
Cada vez mais lenta.
Desencostou a testa da dela e tirou as mãos de sua nuca.
Hinata abriu os olhos muito lentamente.
E muito mais calma.
Ele sorriu.
Mais mechas se desprendiam do coque dela.
E ele se esforçava muito para se concentrar em continuar ajudando-a e não no quanto ela era linda.
Esforçava-se muito mesmo.
Coçou os cabelos.
“Pertinho assim de mim, você continuou com medo?”, ele questionou.
Ela negou com a cabeça.
E ele pediu que ela se afastasse um pouco, para que ele pudesse descer.
Logo que o fez, sugeriu:
“Agora eu quero que você suba e que olhe para mim, só para mim, tudo bem?”, ela arregalou os olhos. “Eu vou ficar com você o tempo todo”, ele informou. “Pode fazer isso?”
Ela abriu e fechou a boca, sem que qualquer som saísse.
Ele abriu um sorriso de lado.
Perguntava-se, nesse momento, quanto tempo ele conseguia ficar de fato sem sorrir perto dela.
Soltou um risinho pelo nariz, desistindo de fazer o cálculo difícil que acabava de propor a si mesmo.
Ela assentiu, finalmente, desistindo de conseguir dizer qualquer palavra.
Já era suficiente.
Ela se aproximou do parapeito, olhando de Naruto para ele e dele para Naruto.
“Hey”, ele a chamou, colocando-se à frente dela. “Olhe para mim, só para mim”, e ele envolveu a cintura dela, com os braços, e ergueu o corpo dela até que ela estivesse sobre o parapeito.
Olhando para ele.
Só para ele.
Sentindo o vento tocando sua nuca, imaginando a altura que era representada por sete andares e que se escondia atrás dela.
Não querendo pensar no coração que batia acelerado no peito dela.
Tampouco querendo concluir se o coração acelerava pela altura a que estava exposta ou se porque Naruto estava a centímetros dela.
Ele esticou a mão para pegar a mochila dela e a entregou para ela.
Hinata a abriu.
“Vamos começar com a aula?”, ele sugeriu.
Ela assentiu.
E tirou o caderno de dentro da mochila, bem como um pequeno embrulho que entregou para Naruto.
“Eu...”, ela começou, respirando fundo e olhando só para ele. “Eu não agradeci por ter me ajudado a descer da torre ou mesmo daqui ontem”, ela admitiu baixinho, envergonhada. “Então fiz isso para você...”, e sorriu. “Obrigada”, e o sorriso dela aumentou em seu rosto. “Por ontem e por hoje.”
Ele abriu o embrulho e os olhos azuis brilharam com o bentô que ela havia preparado. Tratava-se de uma pequena vasilha com algumas repartições, contendo arroz, legumes e peixe. Também tinha hashis.
Naruto percebera que não fazia ideia do quanto estava com fome até aquele momento.
Ele sorriu.
Mais uma vez.
Ela era tão incrível!
“Hina-chan, muito obrigado!”, ele agradeceu, e ela sorriu também. Ele pronunciou o costumeiro itadakimasu dele e preparou-se para comer, sentando-se no chão mesmo. “Você aceita, Hina-chan?”, questionou.
Observou-a negar com a cabeça.
Estava extremamente feliz que ele tivesse gostado tanto.
Ficara até parte da madrugada procurando receitas japonesas na internet para surpreendê-lo.
Mas de repente ele se levantou, segurando a vasilha com a comida e os hashis e se sentou ao lado dela, no parapeito do terraço.
Ao que ele percebera, ela não parecia mais tão aflita por estar de costas para sete andares, então tudo bem.
“Você tem que provar isso, Hina-chan!”, ele exclamou, colocando uma pequena porção da comida no hashi e aproximando-o da boca dela.
Ela estreitou os olhos, mas aceitou a comida que lhe fora oferecida e mastigou satisfeita com o resultado. Estava mesmo bom, havia feito um bom serviço.
“Fico muito feliz que tenha gostado, Naruto-kun!”, ela sorriu.
“Gostado? Eu amei!”, ele se empolgou, continuando a comer.
E Hinata precisou insistir que não estava mesmo com fome para que ele não insistisse que ela continuasse comendo.
Quando ele terminou a refeição e já estava realmente satisfeito, eles começaram de fato com a aula. Hinata primeiro fez uma introdução breve do assunto e em seguida explicou de forma calma sobre o que seria abordado em Literatura Asiática, prometendo que faria para ele um resumo das últimas aulas que ele havia perdido porque, ela frisara, resolvera que era melhor evitá-la no último mês.
“Kakashi-sensei ficaria com a sala vazia se os outros alunos descobrissem que poderiam ter aula particular com você caso faltassem às aulas dele.”
“E você quer que eles descubram?”, Hinata questionou, olhando para ele com um sorriso divertido. “Vai ser difícil ser meu melhor aluno se tiver concorrência”, ela lembrou.
Ele estreitou os olhos, ponderando sobre isso.
Balançou a cabeça.
Definitivamente não queria.
Além de quê...
“Não quero dividir minha professora”, ele mordeu o lábio, e colocou as duas pernas em cima do parapeito, esticando-as na frente dele e em seguida deitando a cabeça no colo de Hinata.
Ela ficou olhando para ele no colo dela... Não era muito diferente de quando estavam estudando no gramado de AHS ou no porão.
Na verdade...
Não era nem um pouco diferente.
“Hina-chan”, ele chamou, vendo que ela o observava com atenção. “Você percebeu, não é?”, uma pergunta retórica. “Estar aqui em cima é exatamente como estar sentada no chão”, ele começou. “E sobre cair... Você só vai cair daqui se alguém te empurrar ou se você se jogar.”
Hinata assentiu.
Ele tirou o celular do bolso e pediu que ela sorrisse enquanto ele próprio também sorria e tirava uma selfie dos dois. A essa altura, o cabelo de Hinata já estava quase totalmente solto do coque.
“Vamos deixar registrada a nossa primeira aula aqui em cima”, ele disse.
“A primeira?”, Hinata arregalou os olhos.
“Sim”, ele respondeu calmamente. “Aliás, enviei a foto para você também”, ele comentou, colocando o celular no bolso. “Pra você guardar de lembrança”, ele sorriu.
Ela agradeceu.
E não hesitou em tornar aquela imagem o papel de parede do celular dela.
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(Um dia Hinata teve aquele sonho, aquele sonho estranho. Fora com doze anos e fora naquela mesma noite em que o sorriso de Naruto a salvara no porão. Fora um sonho esquisito, um sonho com lavandas, musgo, madeira, Naruto, olhos muito vermelhos que a encaravam à distância e pareciam querer lhe confidenciar alguma coisa. Olhos que não eram de Naruto e que sequer eram de alguém... Olhos que eram de um corpo que os espreitava a distância, mas que lentamente ia se aproximando dos dois... Lentamente...)
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[06 de Dezembro de 2018]
I.
"Congela o tempo
Grava a cena:
Fotografia."
Haicais, ela aprendera em Literatura Asiática, tratavam-se de pequenos poemas de origem japonesa compostos por três únicos versos. Não admitiam títulos, eram nomeados com números em algarismos romanos e em seus primórdios também não admitiam rimas, deveriam ter exatas dezessete sílabas e dever-se-ia evitar verbos ao escrevê-los. A atualidade, no entanto, viera minando essas regras aos poucos, permitindo cada vez mais liberdade na escrita deles... De modo que não tinha sido mérito dela ignorar esses detalhes todos...
E era sobre isso que ela refletia, sorrindo e relembrando alguns dos seus escritos no caderno de anotações que tinha (um desses em que costumava escrever pensamentos seus, daqueles que admirava ou que diziam o que ela achava que precisava ser dito para ilustrar o que sentia). Ultimamente, muito dedicada às aulas de Literatura Asiática – tanto às do Professor Hatake quanto às que ela dava para Naruto –, ela vinha escrevendo haicais com frequência e gostando muito de fazê-lo. Eram de escrita breve e diziam muito em poucas linhas. Esse, por exemplo, da fotografia... Ela escrevera logo que chegara a sua casa, há alguns dias, e ficara sorrindo boba enquanto via a selfie que Naruto tirara dos dois, com ele deitado no colo dela.
E o fato é que estando ali, naquele momento, encarando a foto no seu celular, sentada no parapeito do terraço, ela não conseguia parar de sorrir e de relembrar dos versos que escrevera, mesmo que sete andares ainda brincassem de esconde-esconde atrás dela.
E, ah, sim, Hinata ainda tinha medo de altura.
Não era como se esse medo fosse sumir da noite para o dia, Naruto lhe dissera. E também dissera que não era uma certeza que realmente sumiria, mas que era um medo com o qual, aos poucos, ela podia conviver sem que isso a afetasse drasticamente quando precisasse subir uma escada ou algo do tipo.
Quando conversara com Ino sobre o que Naruto e ela estavam fazendo, Ino, muito mal humorada porque ainda não conseguira reatar a amizade com alguns dos imbecis que faziam a lição de casa dela, deixara bem claro que se não fosse sexo – e com certeza não era, ela dissera às pressas e um tanto tímida para a amiga – então que não lhe importava nem um pouco os detalhes da lerdeza dos dois – e falara isso com sua melhor expressão de Miranda Priestly enquanto adaptava a frase de O Diabo Veste Prada como achava melhor –. Sakura, por outro lado, achara fofo e fora muito receptiva à conversa e até lhe explicara um pouco o que Naruto estava realmente fazendo.
Tratava-se, segundo Sakura, de um treinamento psicológico, por assim dizer. Naruto queria que ela entendesse que a altura não era exatamente inimiga dela e que desde que não envolvesse outros perigos bem como necessidade de equilíbrio ou similares, ela não precisava realmente ter medo.
Em resumo, ela dizia, Naruto queria que ela se sentisse tão à vontade em um lugar alto quanto se sentia caminhando pelos corredores do colégio. E isso explicava bem o que o loiro vinha fazendo, nos últimos dias, insistindo para que as aulas que ela dava a ele fossem com eles sentados no parapeito do terraço e que trocassem o refeitório por ele também.
Além disso, eles ouviam músicas estando lá, partilhando os fones de ouvido dela, liam livros, conversavam. Realmente, Sakura tinha razão, pouco a pouco Naruto vinha fazendo com que a mente dela entendesse que a altura não era uma inimiga, tampouco que a impedia de agir como agiria em um local baixo.
Ela sorriu mais, guardando o celular no bolso do casaco.
Fitou o ambiente à sua frente. Via alguns poucos alunos ali no terraço, não sabia se estavam matando aula – bem como ela fazia no momento com Educação Física – ou se tinham mesmo aquele horário livre. Via a torre que escalara há dias e que a fizera começar com toda essa história de adaptar a mente à altura. Sentia o vento esvoaçando seus cabelos. Já fazia alguns dias que não nevava, embora o frio fosse contínuo.
Não conseguia, no entanto, parar de pensar sobre o que havia conversado com Sakura. Sobre como Naruto era incrível ao ponto de conseguir que ela estivesse ali sentada, sozinha, de costas para sete andares e estivesse bem com isso. Além disso, a mente se perdia um pouco, e ela pensava também em como era insano que o loiro não estivesse ali, mas que ela continuasse respirando relva mesmo assim porque, de alguma forma, o cheiro dele ficava impregnado em todo lugar que ele passava.
Balançou a cabeça, achando que já estava divagando demais. Respirou fundo. Relva e oxigênio onde só deveria haver oxigênio, tudo bem. Jamais reclamaria disso. Enrolou os cabelos e os prendeu em um coque, no alto da cabeça, amarrando-os com eles mesmos. Sentiu o coração acelerar com a ideia que lhe passava pela mente, mas contou até cinco mentalmente, tomando coragem. Achava que podia ousar um pouco mais.
Levantou-se com muito cuidado, sentindo as pernas tremerem um pouco por estar em pé no parapeito do terraço, por mais que houvesse uma largura bem conveniente para os dois pés dela. Respirou fundo. E em seguida prendeu a respiração. Prendeu porque, pensando bem, respirar relva não era a melhor opção no momento. Fazia com que ela fraquejasse ainda mais. Virou o corpo, encarando, pela primeira vez, a vista que dava para toda a altura que geralmente ficava às costas dela. O coração acelerou um pouco mais. Agachou-se lentamente, bem lentamente mesmo, as pernas tremiam.
Sentou-se, finalmente, com muito cuidado e perguntou-se se realmente estava sentada, uma vez que o coração batia frenético como se estivesse correndo uma maratona. Sentiu um pouco de vertigem. Não achava que estava realmente bem. Olhou para frente, não para baixo. Não ousaria olhar para baixo.
Em dado momento, ela nem ousava olhar para lugar algum.
Havia fechado os olhos.
Sentindo o vento em sua nuca, em seus cabelos, em seu casaco.
Xingou-se. Que atitude estúpida essa de virar-se para encarar o que deveria ficar às suas costas!
Apertou os olhos, a respiração já não mais interrompida. Relva, oxigênio e um ambiente que girava muito por trás de suas pálpebras.
Contou até cinco.
Mentalmente.
E continuou não enxergando absolutamente nada mesmo quando abrira os olhos.
Mas o quê?
“Hina-chan”, a voz de Naruto fez-se ouvida. E a tranquilidade que a voz dele lhe trouxe fez com que ela se concentrasse melhor no que acontecia ao invés de só achar que teria um colapso a qualquer momento. Concentrando-se, ela podia até sentir as mãos dele que envolviam os olhos dela. “Está tudo bem”, ele a acalmou.
E tirou as mãos dos olhos dela.
Ela piscou algumas vezes.
Estava longe de estar bem, mas estava melhor do que quando ele não estava presente.
“Você está... perdendo sua... aula favorita, Naruto-kun”, ela falou, pausadamente, encarando a linha do horizonte, mas concentrada no fato de que ele estava bem pertinho dela.
“Astronomia é minha aula favorita”, ele deixou claro, e ela sorriu, mesmo com sete andares abaixo dela e que ela, agora, se atrevesse a olhar para baixo e encarar a altura a qual estava exposta, ele conseguia fazê-la sorrir. “Estávamos jogando basquete, mas não tinha graça marcar pontos para você se você nem estava lá para ver”, ele murmurou. “Pedi um tempo e comecei a te procurar.”, explicou.
E ele se aproximou um pouquinho mais, ela percebeu. Percebeu porque podia, de repente, sentir o peitoral dele em suas costas, o queixo dele repousando em seu ombro e a barba dele – ah, sim, ele resolvera mantê-la – roçando de leve em seu rosto. Sentiu um arrepio percorrer seu corpo e pensou que prender os cabelos não havia sido a melhor escolha de sua vida.
“Olha para o céu”, ele pediu, sussurrando contra a pele dela e ela achou, sinceramente, que a maratona que o coração dela correra por causa da exposição à altura de outrora, nem se comparava com a quilometragem por segundo que ele fazia agora. “E me diz o que está vendo.”
“Estrelas”, Hinata começou. “Várias estrelas”, ela informou. “O céu é um longo tapete azul-marinho repleto de estrelas”, ela sorria. “E a Lua... Selene está olhando pra gente.”
Naruto soltou uma risadinha.
Contra a pele dela.
“Lembra do que me disse há um tempo no porão?”, ele questionou. “Que a Lua tingia de prata tudo que tocava?”
“Sim”, ela confirmou, um timbre feliz na voz por saber que ele se lembrava das conversas mais antigas deles.
“Então agora olha para baixo e me diz se está tudo prateado mesmo”, ele pediu.
Ela piscou algumas vezes.
E fez o que ele pediu.
Dali, ela podia enxergar o gramado que se estendia ao redor da construção em que estava. As grades do portão do colégio. Algumas pessoas transitando dentro e fora de AHS. Uma, em especial, caminhando na calçada pelo sereno da noite. Mais um haicai lhe surgindo à mente:
II.
"Na poça d'água
Da calçada fria
O homem pisa na Lua."
Sorriu com o pensamento, e enxergou que sim, havia uma aura platinada, quase metálica ao redor de tudo e de todos.
“Sempre”, ela informou.
Tudo sempre era prata quando exposto à luz da Lua.
Tudo sempre era prata expostos aos olhos dela.
E ela finalmente entendia o que Naruto fizera...
Mesmo dali, daquela altura, tudo era prata. Bem como também era se vistos lá de baixo.
Ela sorriu.
Um sorriso que também era prateado.
E respirou fundo.
Relva não a fraquejava mais.
Mas inebriava.
Como de praxe.
“Quer assistir ao final da aula de Educação Física?”, ele convidou, sorrindo – o sorriso que ela sempre sentiria e que era delicioso de ser sentido assim, direto na pele dela. “Ainda dá tempo de marcar uns últimos pontos em sua homenagem”, ele argumentou.
E ela riu, aceitando.
O coração batendo no seu ritmo normal e costumeiro perto dele...
Acelerado.
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(Há algum tempo, houve o tal sonho, o tal sonho estranho, quando Hinata ainda tinha doze anos e sorria consigo mesma por ter presenciado o sorriso que mudara sua vida. O sonho estranho era um sonho com lavandas, musgo, madeira, Naruto, olhos muito vermelhos que a encaravam à distância e que a qualquer momento lhe diriam algo. Não eram os olhos de Naruto, não eram os olhos de uma pessoa realmente. Eram olhos de um corpo que os observava de longe, mas que ia se aproximando. Devagar. Muito devagar. E que à medida que chegava bem perto, fazia com que ela piscasse muito para entender o que estava realmente acontecendo. Porque aqueles olhos estavam nele... Em um corvo. Um corvo de penas brilhantes e muito negras e olhos muito, muito vermelhos. E que não eram só vermelhos, observando bem...)
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[17 de Dezembro de 2018]
Estava nevando naquela noite.
Os costumeiros e gélidos flocos de neve estavam caindo e tingindo de branco e prata (porque tudo era sempre prateado se exposto à luz da Lua ou se exposto aos olhos dela) e Naruto estava com o sorriso mais maravilhoso do mundo pouco à frente dela, de pé no parapeito do terraço de AHS e esperando que ela ficasse de pé ali em cima também, não cogitando que, de repente, poderiam escorregar por causa da neve e cair do sétimo andar.
“Confie em mim, Hina-chan”, ele pediu, esticando a mão para ela.
Ela aceitou, respirando fundo.
Relva, prata, vertigem e neve misturando-se ao oxigênio que respirava.
Ela se levantou, as pernas muito trêmulas.
“Olhe para mim”, ele pediu. “Só para mim”.
Ela assentiu.
E ele começou a andar para trás, segurando as duas mãos dela para que ela o seguisse, andando para frente. Ela arregalou os olhos. À sua esquerda, o terraço do colégio, à sua direita, a vista que um prédio de sete andares podia oferecê-la, à sua frente, Naruto e os pés dele que recuavam tranquilos enquanto ela o seguia. Atrás dela, centímetros que ela deixava para trás enquanto os passos trêmulos a levavam para frente.
“Respira, Hina-chan”, ele pediu. “Você só está andando, não tem nada diferente de andar aqui em cima e andar pelo terraço. Um pé na frente do outro, os dois olhos em mim e não se esqueça de respirar”, ele a lembrou.
E ela se arrependeu de imediato de fazer o que ele pedia, aquilo de respirar fundo... Arrependera-se porque inalar relva fundo demais não apenas a inebriou, mas fez com que ela quase perdesse o equilíbrio.
Ela até achou que ia cair.
Realmente achou.
E inconscientemente inclinara o corpo para a esquerda porque tombar para o terraço era menos perigoso do que fazê-lo na direção de sete andares abaixo.
“Calma”, ele pediu.
Segurando as mãos dela com mais força.
Ela não ia realmente cair, pensando bem.
Ele não deixaria.
Ela assentiu.
E avançou alguns passos mais para frente, e ele continuou recuando.
Passo a passo.
Bem lentamente.
Sem escorregar nos flocos de neve que caíam, sem respirar vertigem.
Sem olhar nada que não fosse ele ou, mais precisamente, os olhos azuis dele que a olhavam de volta e que com certeza era o que havia de mais lindo para se ver.
Pé ante pé.
Os dele para trás, os dela para frente.
Lentamente.
Mas bem lentamente mesmo.
Virando com cuidado quando o perímetro do prédio exigia que virassem.
Estavam traçando todo o terraço pela ponta, caminhando pelo parapeito como se estivessem caminhando pelo chão.
Com muito cuidado.
E muito devagar.
Ambos andando no mesmo ritmo.
O ritmo que ela impunha.
E que ele seguia de costas para onde pisava, mas de frente para ela.
Sem medo algum.
...
Até que ele não andou mais, só a aguardou.
Aguardou que ela caminhasse os dois passos que faltavam para alcançá-lo.
Um...
Dois.
“Você é incrível”, ele elogiou.
Ela olhou para frente e expirou muito devagar o ar que ela havia prendido dentro de si sabia-se lá quando.
Ele a abraçou e ela sentiu o rosto formigar, ainda expirando o ar que havia prendido bem vagarosamente, direto no casaco dele agora.
Não evitava o receio de que, de pertinho assim, o coração acelerado dela quando perto dele, pudesse ser ouvido por ele.
Embora... Naquelas circunstâncias...
Ela podia facilmente culpar a altura por isso.
“Hina-chan, nós dois vencemos hoje!”, ele exclamou, feliz, e ela concordou.
Aquela loucura toda de contornar o prédio do colégio, de ponta a ponta e pelo alto, havia sido a forma que ele inventara de avançar um pouco mais com o treinamento psicológico dela para que ela se sentisse mais tranquila com a altura, em agradecimento ao fato de que, segundo ele, fizera sua melhor prova e fora em Literatura Mundial e era graças a ela que ele tinha certeza de que havia ido tão bem.
Ela sorriu, ainda respirando na blusa dele e ainda o abraçando.
O ar gélido que inspirava era expirado um tanto quente nas vestes dele porque tudo era sempre quente demais quanto ele estava envolvido.
Ele a afastou um pouquinho e a chamou, então:
“Vamos descer?”, ela assentiu.
E é claro que não seria do jeito convencional...
Nada de escada...
Nada de elevadores...
Não.
Não quando o terraço estava vazio.
Ela mal teve tempo de fechar os olhos e ele já a carregava, pulando dali de cima com ela no colo e aterrissando calmamente sobre o gramado enquanto a colocava no chão.
Ele sorriu encarando a expressão dela.
Não era de medo... Nem de assombro... Ou mesmo de raiva.
Era apenas de compreensão.
Ela sorriu também.
“Acho que estou melhorando”, refletiu.
Ele assentiu.
“Hina-chan”, ele começou, meio sem graça, depois de perder uns segundos um tanto eternos olhando para ela, e sentindo o rosto esquentar um pouco. Tocou gentilmente os cabelos dela que já se desmanchavam do coque que ela havia feito. “Eu vou ficar fora na próxima semana”, ele informou, vendo-a arregalar os olhos. “Não é nada sério, só burocracia. Explico quando voltar”, ela assentiu. “Mas, além disso... quando eu voltar...”, ele parecia escolher as palavras com cuidado. “A gente pode conversar? Sobre o que a Shion disse... Sobre deus... Sobre...”, ele mordeu o lábio inferior. “Sobre o que eu te disse?”
Hinata piscou várias vezes seguidas, um pouco descrente do que estava ouvindo.
O coração parecia até ter parado dentro do seu peito.
E quando ela disse o óbvio "sim" que ela tinha para dizer, ela sentiu que o coração voltara a bater frenético dentro dela enquanto ela se constrangia por parecer – e de fato estar – muito desesperada.
Ele sorriu, um sorriso que parecia bastante aliviado.
E entrelaçou as mãos atrás da cabeça.
Ela ouviu Neji a chamando de longe e se despediu de Naruto, um pouco indecisa sobre como fazê-lo. Ele beijou a bochecha dela, num daqueles beijos que pareciam queimar porque tudo nele bem como tudo que ele fazia desafiava a lógica do clima absolutamente gelado no qual viviam. E ela deu as costas para ele.
Seguindo para a saída, onde Neji a aguardava.
E à medida que ela ia se aproximando do primo...
Ela ia sentindo uma presença...
Uma presença estranha.
(E sabe aquele sonho, Hinata?)
(Aquele sonho estranho... Aos doze anos... Que tinha lavandas, musgo, madeira, Naruto, um corvo com olhos muito, muito vermelhos à espreita e que se aproximava de você e que, à medida que se aproximava, você percebia que não eram somente vermelhos aqueles olhos?)
“Nos vemos depois então, Neji”, uma voz fez-se ouvida, conversando com o primo de Hinata.
A voz vinha de um rapaz pálido, de olhos negros e cabelos igualmente negros, caindo em camadas.
As vestes dele eram negras e repletas de nuvens vermelhas.
“Tudo bem, eu ligo antes se souber de alguma coisa, Itachi”, Neji dissera a ele e ele assentira, afastando-se.
O rapaz nomeado pelo primo como Itachi, virou-se brevemente, lançando um rápido olhar a Hinata e assentiu para ela também, como se a cumprimentasse com seu silêncio.
Havia um corvo no ombro dele.
E havia outros no chão, agora que ela estava notando, bem próximos dele também.
O que estava nos ombros dele, no entanto, parecia piscar naquele momento, enquanto Itachi a observava.
E ela vislumbrou rapidamente os olhos dele...
Não os de Itachi, mas os do corvo.
Eram vermelhos...
Mas não somente vermelhos...
Parecia haver um desenho negro naquele vermelho...
Uma estrela negra de quatro pontas.
Ou algo do tipo.
(Nesse sonho, Hinata... O corvo também tinha o mesmo desenho negro nos olhos, você reparou bem. E quando você piscou, para reparar ainda melhor, você despertou daquele sonho... E não se lembrou de absolutamente nada mais dele. Nada além das lavandas, do musgo, da madeira, de Naruto, do corvo e daqueles olhos vermelhos e pretos.)
(E quando você se levantou da cama e tentou puxar qualquer coisa da memória, nada mais lhe vinha. Nada exceto o cheiro que parecia ter sido introduzido em suas narinas e que não podia ser esquecido jamais. Não podia porque você lembrava bem daquela vez que fora à França com sua mãe e que experimentaram diversos perfumes, mas que houve um que foi especial para você, o Fougère Royale, que em sua mistura, sua mãe lhe explicara, mesclava lavanda, musgo e cumarina, numa essência amadeirada, e tudo isso resultava num cheiro que lembrava cheiro de relva e, sinceramente, Naruto, naquele ambiente, tinha exatamente cheiro disso também, bem como todo o ambiente cheirava a isso por causa dele e assim como você não esqueceria o cheiro daquele perfume, não esqueceria o cheiro dele).
“Hinata”, Neji chamou, despertando Hinata do transe. “Vamos?”
Ela assentiu.
E no caminho, perguntou-se...
Se aquele sonho...
Aos doze anos...
Fora mesmo um sonho?
(E se não fora, Hinata... Do que exatamente você não estava lembrando?)
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