A manhã de hoje será bem curta, pelos menos para Alex, morador da comunidade do Jacarezinho. Ele não tem a menor vergonha de dizer "favela". O jacarezinho é a maior favela negra do Rio, ela recebeu a mais alta quantidade de ex escravos possível. A origem das favelas é um fato histórico e que poucos sabem.
Por falta de conhecimento eles ficam falando merda por aí. Mas é aquilo que Salomão falava, né? "Quem discuti com tolo é mais tolo ainda". Então deixa rolar.
É o seguinte, na época da abolição, só assinou a carta de alforria nacional, mas a sociedade ainda era (é) racista, então sem emprego — porque os brancos só davam serviço de limpar cocô para gente— sem comida e moradia, nós, o povo preto fomos para os locais onde os bracos não queriam morar por ser morro. Fizemos os nossos barracos —casas de madeira— e para não morrer de fome, plantamos uma coisa chamada "favo", tipo um feijão, sabe? E é por isso que os morros com casas juntas se chamam favelas. Não, não é por causa do tráfico, até porque existem favelas livres do tráfico e não deixam de ser favelas. Tipo o vidigal. Ah! E sem emprego, alguns dos ex-escravos começaram a roubar e traficar para levar comida para os filhos. Resuminho, o tráfico no Brasil— Na sua maioria— É culpa dos brancos portuguese e imigrantes. Resumindo, o sistema racista. ( Sem generalizar).
Descendo o morro vai Alex. Um negão de 1, 80. Cheiroso, cavanhaque no pique, bigodinho fininho, cabelinho na régua, forte, alto e dono de um sorriso arrebatador. Só se ouve os chinelos estralando no asfalto. Passa um motoboy e acena para o nosso protagonista.
— Fala aí, Fabinho! — Acena de volta.
Ele conhece o pirralho desde pequeno, cresceram juntos. O mesmo a dias atrás bateu com a moto. Graças a Deus foi leve e não deu prejuízo.
O nego ainda teve que andar um bom pedaço para chegar no serviço.
Sua mão agarra a maçaneta e arrasta a porta de vidro pro lado, o ar gélido do ar condicionado bate na face ébano do rapaz de 28 anos.
— Bom, dia.
—Bom, dia — Responde seu colega de trabalho, Maycon.
Ajeitando a cadeira giratória, segue caminhando para o quartinho onde guarda suas coisas. Permite que a mochila caía no sofá, mesmo os olhos implorando por mais algumas horas de descanso. Sai da sala se aprontando para mais um dia.
— O Loki já foi comprar as quentinhas. Você não tinha chegado, então... — O preto que mexe no celular fala. Alex levanta o olhar e solta o ar.
— Caraca. Por que ele não comprou a minha e eu dava o dinheiro a ele aqui?
— Ele tá sem money, tem nem pra ele.
— Suave, antes do próximo freguês eu vou lá.
Chateou? Chateou.
Mas fazer o que, né?
A porta da entrada é aberta, de lá passa simplesmente uma deusa. Preta de um tom mais claro que Alex, o cabelos crespo cacheado voando conforme seus movimentos. Que traços maravilhosos. Uma Deusa na favela.
Ela passa pela porta e senta numa das cadeiras giratórias. Alex e Maycon se entreolham, o rapaz de mais cedo vai até ela. A mesma vidrada no celular não percebe a aproximação do negro.
— Posso ajudar? — A deusa fita o cara em sua frente, agora que ele vê as suas pálpebras de cores duplas e delineado perfeito.
— lateral. Não muito grande. Só é para raspar aqui... pode ser a zero dois. — Sua voz era tão suave quanto sua aparência. Virada para o espelho, puxou as madeixas para o lado, até onde queria o corte. — Se sair melhor, te dou gorjeta — Sorri.
— Ui, rica ela...
Mexe no farto cabelo da mulher, os poucos cachos definidos são macios. A parte de baixo do cabelo tem mechas coloridas, parece um arco íris.
— Beleza, vou só pegar o pente.
O nego cor de noite vai até o estojo, abrindo, pega o pente e prepara a máquina. Seu irmão de sete anos comparava os dentes da máquina com a da rex cavadeira.
Não demorou para ele cumprir seu trabalho. Enquanto fazia, não deixava de prestar atenção em cada detalhe dela, não deixando que nada escape da sua percepção.
Deu para perceber algumas coisas e manias. Como o toque que ela tem de mexer no brinco argola de um à um minuto. De como verifica os lábios levemente tingidos de rosa ou como fazia pose pro espelho para verificar o piercing prata no nariz.
Trabalho concluído, no ver de Alex aquela foi a sua melhor obra de arte.
— Olha aqui, Sílvia. De lateral feita — A deusa negra mexe no cabelo na frente da câmera.
Chamada de vídeo com a amiga, a ruiva tingida do outro lado comentou na maior empolgação.
— Tira foto lá na escadaria. O Instagram vai dá pane com o novo visual. Aqui, tua mãe vai morrer — Ri.
— Vai nada. Quando vê que ficou bonito, ela mesma vai querer fazer.
— Créditos, Alex Barros. Flamenguista de berço — Se intromete na conversa arrancando risadas da ruivinha.
— Pode deixar que eu obrigo ela a te dá ib.
— Valeu.
A negra de cabelo arco íris sorri e desliga a ligação. Seus olhos castanhos através do espelho observam Alex limpar o pente para guardar.
Até que ele é um preto bonitin — Pensa.
— Eu pago onde?
— Pode dá o dinheiro para Maycon.
Aponta para o amigo.
Assim é feito. Depois de tudo pago, ela vai até ele e abre sua mão e deposita duas notas ali.
— Pelo trabalho bem feito — A deusa sorri com todos os dentes.
O sorriso mais lindo que ele já viu, e o mais natural também. Affs, ela não cansa de ser tão perfeita, não é?
— Ah, obrigada, pô — O nervosismo e ansiedade bate de repente. Ele deseja que suas mãos estivessem ocupadas para disfarçar o quão sem graça está.
A moça dá as costas para ir embora, com seu top branco e causa balão da mesma cor.
Que vibe, meus amigos.
Que vibe.
A musa some pelas esquinas. O barbeiro passa a mão no cavanhaque e vira as coisas, pegando o dinheiro para comprar marmitex.
[... ]
— Mãe, cheguei.
Ao chegar, o rapaz deixa a mochila cair no sofá. Logo ele se joga também, exausto, cansado por mais um dia de trabalho.
Tá maluco! Subir esse morro quase mata.
Mano, mas ele deixa escapar um sorrisinho lateral.
Que preta.
Ivanete entra na sala com olhando o celular. Mãos e os pés empinados. Mó engraçado, véi!
— Tá assim por quê? — Ri.
— Fiz a unha das mãos e dos pés ali no salão — A mãe se joga no sofá também, metendo sopro nas unhas para vê se seca mais rápido. — A manicure é um amor. Muito profissional, sabe? Ela é linda também.
— Ela é solteira também? — Brinca.
— Sei não, mas só sei que minhas unhas ficaram um espetáculo.
O celular apita e a luz vermelha começa a piscar. Os olhos de Alex correm para o aparelho. É notificação do Instagram. O negrão clica encima e a foto de uma linda moça se abre.
Mano, é a Deusa!!
Ela sorri gigante para a tela. Seu sorriso branco e largo mostrando todos os dentes. O cabelo cheio da jovem está tão cheio que cobria a tela, mas do lado esquerdo... Ali está a lateral feita hoje mais cedo. O cara sorri.
Logo embaixo a barra marcando seu @:
_AlexBarro28_
Cê é maluco, olha só as visualizações!
Mano, ele abre o perfil dela e olha os seguidores. Mais de 12 mil, só foto lacre. E a vibe que ela passa? De patroa, de menina solta. Ele para em uma em que ela está mexendo no cabelo, com aquele sorrisinho de muleka.
Soldado abatido.
Baleei no seu sorriso — Pensa ele.
— Mãe, qualquer coisa tô no quarto.
Dá um beijo na mãe e sobe as escadas num passo de cada vez, quase parando.
Pantera Negra de Emicida soa como toque no local, que no caso é o seu quarto.
Entre resmungos e xingamentos, Alex agarra o celular e clica na tela.
— Fala, Caio — Sem animação nenhuma na voz, o nego senta na cama passando a mão no rosto.
— Alex, vai ter festinha na casa do Fabinho. Ele mandou chamar os mais próximos pro churrasco, espero que não tenha levado pro coração porque ele não comprou sua quentinha — Alex ri. Caio sempre foi comédia assim.
— Maycon te contou, né? Então beleza, vou aparecer sim.
— Vou levar a Rita.
— Hummm... Olha ele só de love — Vibra em gargalhadas. Não tem como levar Alex a sério.
— É... Soldado abatido. Vou lá, mermão.
— Valeu, te vejo lá.
Desligando o celular, volta a deitar na cama.
Bom... se Caio ia levar Rita, ele também pode, né?
Ele vai tentar algo, mas não sabe se vai funcionar...
"Bora festa?"
Nada.
Visualizado.
Digitando...
"Onde?"
"Aqui no Jacaré, na casa do barbeiro, o Fabinho."
Visualizado.
Digitando...
"Não participo de festa com drogas, bebidas e nem qualquer tipo de ilegalidade."
Sorri.
Moça direita.
"Vai ser churras entre amigos, cerveja e pagode".
Visualizado.
Nada.
Digitando...
"Passa pra me buscar. Te mando o endereço no GPS e tu aparece aqui."
Endereço enviado.
Abre no Google Maps.
ALEX
Mano, ela mora ali no outro bairro, moleza.
Abro o guarda roupa, qual traje eu vou escolher hoje? Tem que ser a altura, né? Magina, nego chegar para buscar um rainha com roupa de escravo. Aí quebra.
Passo a mão entre as calças penduradas no cabide. Meu estilo é bem específico, não dá nem para contar quantas calças moletons, bermudas de tecido fino ou calças sociais de cós alto tenho no armário.
Fecho os olhos e tento esvaziar a mente. Meu imaginário alvoroçado se agita mais. Até posso ver as linhas coloridas neon cortarem o vácuo da minha mente, formando riscos e formas. Elas formam algo. Já posso indentificar o que é, começando pelos lábios levemente tingidos de vermelho, subindo mais até o nariz refinado portador de um piercing platinado. E o Black? Cara, ela não sai da minha cabeça. Não sabia que era tão fácil de gamar... Isso é ruim?
Ela é uma pessoa de presença.
Pego o celular de volta e abro mais uma vez o Instagram. Sempre de top, calça moletom, Black, até havaianas fazem parte do seus looks casuais. Já dá pra tirar alguma coisa daí. Agarro um cabide com minha blusa preta, jogo encima da cama, e então volto para pegar a bermuda.
Broto na garagem e abasteço a moto, pois transporte sem comida não anda, né?
16:01 subo para me arrumar, depois do meu banho, coloco meu look escolhido. Entro na frente do espelho.
A bermuda fica folgada nos bolso para baixo, do jeitinho que o pai ama. Dou uma espiadinha no relógio de pulso e é hora de buscar a minha Afrodite nascida na África.
Desço o morro com a moto apertando o freio. Deus me livre capotar morro abaixo e chegar na casa da gata todo arrebentado. Mas na moral, que clima gostosinho. No andar da moto o vento toca meu rosto, refrescando a alma.
Muitos deixariam esse detalhe passar, mas para mim significa muito; significa que a minha vida é viva. Que o universo me deu mais uma oportunidade de acordar, saúde para ralar no trabalho. Toda vez que o vento toca meu rosto ele parece trazer a lembrança do quão sortudo sou em ter uma mãe trabalhadeira. Que sempre fez tudo por nós, nunca deixou nenhum filho cair pra ruim. E olha que a vida não foi boa para ela, deve ser por isso que sou assim.
Aprendi com ela a enxergar o arco-íris dentre as nuvens cinzentas. A olhar para as pétalas da rosa enquanto os espinhos me perfuram. Por isso nada que eu faça sem ela será válido. E no fim, quando essa coroa partir para o Céu, eu vou ter que nascer de novo; pois nessa vida minha mãe me ensinou de tudo, menos a viver sem ela.
Paro de frente a um portão, acho eu que é o mesmo da foto.
Respira, Alex!
Respira...
Toco a buzina três vezes seguidas.
Será que estou sendo muito insistente?
— já vou! — Um pouco baixo por causa da distância. É a voz de Márcia.
Caraca moleque, só de ouvir a voz da moça já tô suando.
Mas gente, não é que eu tô gamado mesmo? É igual aquela música da ruivinha de Marte.
Gente... eu tenho que parar, desse jeito eu vou assustar a mulher...
Portão abre e aparece duas musas: a musa mais velha e a minha musa.
Margente, a beleza é hereditária. É Impossível! Como eu sei que é a mãe dela? Parece que uma olhou no espelho e saiu a outra como reflexo.
— Cuida bem da minha princesa, hein? — A fábrica de felicidade fala enquanto a filha caminha até a moto.
A deusa leva a mão no rosto constrangida. Que graça.
— Pode deixar dona, trago ela viva e sem faltar pedaço — Brinco. — Alex ao seu dispor.
— Cláudia, mãe da Márcia. Você é um rapaz bonito, sabia?
— Sei não, a única que me diz isso é minha mãe.
Márcia se ajeita na garupa, meu comentário sai tão naturalmente da minha boca que até eu rio ao prestar atenção. Ambas riem.
Pronto!
Primeira impressão dada como um palhaço.
— Tchau mãe, entra para não correr o risco de ir atrás de mim — Brinca. Pego o capacete e passo para ela. — É mesmo necessário? Vai bagunçar meu cabelo...
— Sua cabeça é muito bonita para amassar no chão, então acho que é.
— Já gostei dele — Cláudia ri antes de fechar o portão.
— Pronta?
— Já nasci assim.
Ri.
O motor range, com a volta já feita, aperto o acelerador e aposento o freio.
Me sinto o Dominique Toreto do velozes e furiosos. Sinto o aperto dela em minha cintura, deve estar com medo da velocidade.
Eu não julgo.
Também teria medo de andar comigo.
— Eu amei seu brinco — Márcia eleva a voz por causa do vento e do barulho.—Não tinha reparado antes.
— Valeu. Eu não tinha reparado antes, mas achei bem conceito os seus. Aliás, tem a orelha cheia deles.
— Quando coloquei o primeiro, minha mãe surtou. Ela odeia mudanças.
— Caramba, eu pensei que ela já era acostumada. No seu Instagram cada foto é um visual diferente — É cada uma mais linda que a outra.
— Anda me Stalkeando, é senhor Alex Victor?
Oxe.
— Sabe meu segundo nome e depois eu sou o stalker... — Rio, reprimindo a vontade de surtar.
Por quê? Ela me Stalkeou, véi! E o ruim é que eu só tenho foto zuada. Sou tímido demais para isso.
— Você é modelo?
— Sou manicure.
— Talento escondido — Sorrio sem mostrar os dentes.
Realmente estavam perdendo...
[...]
(Narrado em Terceira pessoa)
O sol tava pelando a pele. Deus deve ter deixado o Rio de Janeiro no forno. Até quando tá chovendo faz calor.
Hoje, nem o calor insuportável de mercúrio faria diferença para Alex. Ele tem certeza que desde manhã quando ela entrou pelas portas, aconteceu o Tchan. Essa é a única explicação para o sorriso dela não sair da cabeça dele. Só isso explica o fato de Alex, mesmo sendo tímido estar tendo a melhor das conversas com a jovem mulher. E melhor, isso não é nóia da cabeça dele não. Caio e os colegas da barbearia também já notaram.
Vai rolar zoação? Vai rolar zoação!
Mas deixa o neguinho curtir.
— O que tá achando do meu povão? — Alex volta da conversa com o Caio e se junta com Márcia de novo.
— Divertido — Ela pega o copo que ele oferece. — Ele é sempre assim mesmo?
Aponta para um colega de infância, Nelsinho. Ele é o único doido que aceitou se aventurar no karaokê. A voz dele é tão desafinada que dói os tímpanos. Alex ri. Até porque ele tem muita cara de quem faria isso. Só não faz porque a Márcia está olhando.
— Já esteve pior.
— Sabe que eu acho? — Ela vira para ele, seus olhos castanhos o encaram de forma fixa. Sua base estremece toda vez que ela faz isso. Ele quer esconder o quão afetado está, mas cada minuto perto dela só está piorando.
— Que você é desses.
O negro concorda, pelo visto era uma carta aberta demais para esconder alguma coisa.
— É... Você me pegou. Toda vez que tem festinha aqui, eu canto OMG de Projota.
A gata ri.
Sua gargalhada é o som mais belo e harmonioso que Alex ouvira na vida. É solta e escandalosa, parece o som de um bebê rindo.
Isso é maravilhoso. Ela é maravilhosa.
A garra, a naturalidade e a sinceridade em tudo que faz, são as coisas mais marcantes da sua personalidade. Ela não tem medo de sorrir, de rir, não se constrange a toa. Como Alex. Sabe o que quer e tem certeza de suas ações.
Aí vem a pergunta que não sai da cabeça do barbeiro...
"Será que ela não é muita areia para o meu caminhãozinho?"
Será que é?
De fato uma mulher dessas não é para qualquer um. Ela precisa de um cara a altura... Ainda bem que Alex é alto.
— Minha mãe ficou apaixonada na manicure dela no salão do esquina...— O homem deu um gole em sua cerveja como quem não quisesse nada.
— Sério? Então a manicure deve ser muito boa. — Um sorriso abre em seus lábios de uma forma lenta. A nega leva seu olhar para a frente, se fazendo de desentendida.
— Ela disse que a manicure era um amor e muito profissional. Que ela era linda... Sabe? Os olhos dela sorriam quando falava.— As duas jabuticabas que antes encaravam o nada, voltam-se para ele. — Que só de chegar perto o dia é ganho por causa da paz que ela traz consigo. Do sorriso fácil, das conversas espontânea. Que ela é a mulher que você quer inventar qualquer desculpa só para ter por perto...
— Ela disse tudo isso, é? — Troca o peso da perna e o analisa profundamente, pegando cada pedacinho de imagem que molda aquele homem.
— Tipo isso... Acho que me perdi no personagem — Ele mesmo ri de si.
Ele é perfeito também. Ele pode não ter reparado, mas Alex é um cara com tantas qualidades quanto ela.
Desde que Márcia o encontrou na barbearia, não viu nenhum defeito no cara. Alex é alegre, sorridente, brincalhão, mas sabe falar sério quando precisa. Arranca sorrisos, não para chamar atenção, mas porque ele está bem e quer que os outros estejam bem também.
Às vezes ela se pega perguntando a voz da consciência se o dia ruim não chega para ele. Mais curioso ainda é o motivo daquele sorriso.
"Quem é você, Alex Victor?" — Pensa Márcia.
Ela nunca foi mulher de se apaixonar fácil. A afeição tem que crescer junto com o conhecer. Porém como surgiu aquela corda que a puxa para Alex?
De uma hora para outra seu olhar não sai dele, até tenta olhar para o lado oposto na tentativa de disfarce. Não pode colocar a culpa na bebida, pois a única coisa que bebeu desde que chegou, é suco e refrigerante.
Mas que problema tem? Ela, uma mulher solteira e jovem, olhando para um cara jovem e solteiro. Tudo sobre controle.
O melhor é quando o olhar bate um no outro e aquele sorriso nasce. Os dois, na mesma sintonia.
Uma vibe pura.
Calorosa.
Por que não?
— Então... Pergunta para ela, se ela é solteira — Haha aquela abertura para o jogo continuar. A chance para o flerte acertar o alvo. Muleque não pode perde, né?
— Ela é, solteira, sozinha, qualquer coisa com "S".
Ela ri.
— Fala para ela que eu também sou..
Vai, Alex!
Reage!
A gata taí na sua frente, dizendo que está disponível. Que você tem chance!
— Ela gostou de saber disso — Como sempre faz, passando a mão no cavanhaque com aquele sorriso todo todo.
O samba rolou, a noite passou. Se divertiram, comeram, cantaram.
Mas respeitando o espaço e o tempo de um ao outro. Olhando de longe, trocando sorriso, mas como tudo que é bom acaba, a noite chegou.
Não podia deixar a princesa sozinha.
— Tchau Rita. Amei conhecer você — A deusa se despede da nova colega.
Rita é mó legal. Precisam se ver de novo.
— Tchau, Márcia. Passa o número da cabeleireira depois, já tô seguindo no insta.
Subiram na moto, a Marcinha na garupa, claro. Como antes, mas algo mudou.
Não me pergunte o quê. Sou a narradora, não vidente.
O caminho é de volta, mas no fundo nenhum dos dois quer que acabe. Foi surreal demais. A química, tudo, tudo.
Não teve palavras na ida, não foram necessárias. É só viver.
Na moto, enquanto partiam para o santuário da Márcia, aquele tão esperado momento está acontecendo.
A negra deita a cabeça nas costas largas do acompanhante, só apreciando. Ela não o pode ver, mas consegue contemplar aquele sorriso que nasce devagar no rosto dele.
Então assim que é se apaixonar?
Apreciar a presença da pessoa, mesmo que sem toques físicos. Só de saber que ela está ali e bem, já bastava.
É ficar admirando mesmo quando já não tenha mais nada para admirar.
Até que não é ruim.
O neguin para a moto e desce, tirando o capacete. Buzina duas vezes, avisando a rainha mãe que a sua princesinha chegou.
— Valeu — Entrega o capacete nas mãos do barbeiro. — Obrigada por me levar até lá. Gostei bastante de conhecer o seu povão.
— Isso é só até você começar a conviver com eles.
Ela ri.
— Não tem um minuto que passei com você sem que ter rido.
— Eu nem tento ser engraçado, só sai... — Caço a nuca sem graça. — Valeu por ter aceitado. A melhor parte do meu dia foi conhecer você. Dessa vez não tô brincando.
É, dessa vez o bagulho é mais sério do que imagina.
Marcia nem sabe o que responder, apenas abre aquele sorrisinho tímido que só a faz parecer mais linda do que já é.
— A gente pode se ver de novo? — Olha o surto aí! A iniciativa foi dela!
— Por mim, levo até um retrato teu! — Como sempre, sua empolgação se manisfestar em graça.
— Te passo meu número pelo insta, quem sabe sua mãe não me faz uma visitinha lá no salão — Sorri. Ela disse ''sua mãe", mas quer dizer "você ". Nova piadinha interna. — Vê se tira mais foto, para eu poder te Stalkear mais.
— Ah, pode deixar. Vou tentar tirar uma foto descente para você admirar.
Olha que esse flerte dá certo!
— Ah, e quem disse que eu fico te "admirando"? — Pergunta divertida, cruzando os braços e muda o peso da pena.
— Um negão lindo, desses... — Nem ele mesmo se aguenta e entra numa crise de riso.
— Você é muito bobo, cara. — Toca as pontas dos dedos embaixo dos olhos para limpar as lágrimas, ainda se recuperando. — Tô entrando antes que minha mãe venha me buscar.
Marcia puxa Alex para um abraço, o mesmo aproveita cada momento. Sua cabeça recai na curva do pescoço da mesma e ele inala o aroma doce, igual a dona. Eles se reparam, com sorriso no rosto e sem quebrar o contato visual, ela passa portão a dentro e deixa um rastro de saudades.
— Mano, como não se apaixonar?
Alex se pega sorrindo, e balança a cabeça para afastar os mil pensamento.
Sobe na moto e some. Do mesmo jeito que foi, voltou.
Um mês se passou desde o último rolê. Os dois ainda se falam pelo whatsapp, Instagram e até se viram uma ou duas vezes de longe. A vida corrida não é fácil pra ninguém.
Fim de ano chegando, começa a caça aos namorados. Geral comendo farofa e frango e depois dando uns beijinhos.
Sabadou, sem trabalho na barbearia, mas o irmão de nove anos está em casa, enquanto a rainha mãe saiu. Descanso merecido, né? Hoje é o dia de beleza da dona Ivanete, enquanto isso, o nego põe o lanche do maninho no prato.
O celular toca cheio de insistência, até ser atendido. Não demora para a voz da rainha sair estrondando.
— Nego, traz aí minha carteira. Tá encima da cômoda da sala — O homem caça a bendita da carteira pelo cômodo.
— Só não esquece a cabeça porque está no pescoço, né preta de neve? — Fez um sinal pro Junin ficar dentro de casa e encosta a porta.
Sai, mas não sem antes trancar o portão. Só quando está do lado de fora, lembra que vai levar uma eternidade descer aquele morro a pé.
Dá de ombro e segue o caminho. Aí vem na mente que o salão que a mãe dele gosta de ir, é o mesmo da Márcia.
Agora é tarde pra dá pra trás...
Coé, Alex? É só a tua rainha e a tua princesa juntas, pô. O que pode dá errado, tirando o fato da tua mãe parecer a dona Ermínia lá da minha mãe é uma peça?
Tudo sobre controle.
E o que o rapaz se repete o caminho inteiro.
Chegando no salão, arrasta a porta de vidro. O cheiro forte de química sobe na fumaça da escova e queima até os olhos castanhos do nosso protagonista. Assim que entra, os olhares da mulherada são voltados para ele. Menos de uma que está de costas no banquinho, pincelando as unhas do pé da sua mãe.
— Pensei que você tava fazendo o dinheiro! — Assim que o vê, a coroa abre o sorriso mais lindo do mundo. Aliás, uma bela oportunidade para exibir seu filhote, né?
— Haja perna pra descer aquele morro, né minha deusa?
— Deusa, é? Pensei que esse apelido era só pro seus contatinhos.
Poxa dona Ivanete, assim afunda o Titanic...
— Da onde veio essa história, mãe?
— Ouvi o Caio te zoando. Quero saber quando vai levar a moça lá em casa, chamar pro fim de ano... — Todo o sangue de Alex se esvai. Não sabe o que é pior: A Márcia achar que ele tem mesmo contatinhos ou a mãe dele com essa cara amarrada.
— Pô — Suas mãos não sabem para onde ir, por isso elas alisam o seu cavanhaque.— Aí depende... Se a deusa vai deixar que eu chame ela de minha.
Sem disfarçar, seu olhar queima em cima da manicure descaradamente. A mesma parece perceber pois prende a respiração, assim que Ivanete segue o olhar do filho.
— Que eu saiba você nunca pediu — Quem diria que ouvir sua voz ainda mexeria tanto com ele. Mesmo sobre pressão, sua voz sai suave e divertida.
— Deve ser porque você me tira as palavras, né?
A essa hora ninguém respira. Nem as clientes, nem as cabeleireiras. Agora que Alex foi reparar a Rita no fundo lavando o cabelo vermelho.
— Eu devia te matar por vir no meu serviço me pedir em namoro, cara. Que mico...— Tampa o rosto com a mão envergonhada.
Já que está pagando mico mesmo, vamos dá um show completo.
Ele caminha até ela, e agacha a sua altura tirando as mãos dela do rosto. Aproveitando toda a atenção para deixar a sua amada mais tímida ainda. Nem parece que ele também está tímido. Risca de lado um sorriso brincalhão, e faz a sua melhor pose de Romeu.
— Devia ser crime esconder um rosto desses.
Leva um tapa no braço e os assovios das de mais.
— Toquem os tambores porque é a hora do sim! — Atiça as reações das mulheres, as mesmas batem na mesa fazendo menção aos tambores. Márcia ri.
É agora rapaziada.
Será que vai?
— Sim — E com a resposta, vem também aquele sorriso de parar corações.
Alex ergue o punho num sinal de "yes". A mãe do rapaz mesmo rindo ainda não sabe o que aconteceu ao certo. Veio fazer as unhas e acabou ganhando uma nora.
Nas duas coisas ela sai ganhando.
A moça levanta e vai dá uma abraço no seu grandão.
Parece realmente a música da ruivinha de Marte.
— Sim, aceito ser sua deusa ou sim, vou no fim de ano? — Fez graça. Não pode perder a marra.
— Ambos — Ri.
Poisé, só um dia normal na favela. A verdade que ninguém conta, pois estão mais preocupados em espalhar notícias ruins e esteriótipos exagerados.
Enquanto a vida deles segue, deixo vocês, curtinho um som.
"Foram poucos os minutos pra conhecer
A química bateu a gente ficou
Eu moro na favela e ela zona sul
É aí que o favelado se apaixonou
A peça fundamental que falta em mim
Vou levar enquadro quando for lá
Deixar acontecer naturalmente.
Ooh, mulher que me deixa na ponta do pé
Anormal, se te vejo já não fico mal
Sempre sonhei que um dia eu ia te beijar
Parece que esse sonho agora vai se realizar".
Fim.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.