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História Ensaios Filosóficos - Capitalismo pornográfico - Mercadologização das relações


Escrita por: ShittasteJJ

Notas do Autor



Capítulo 4 - Capitalismo pornográfico - Mercadologização das relações


Fanfic / Fanfiction Ensaios Filosóficos - Capitalismo pornográfico - Mercadologização das relações

Quando se fala sobre pornografia logo vem em mente especificamente os sites e toda a indústria pornográfica que se consolidou à algumas décadas, questão é que precisamos entender a pornografia no cerne da sua produção e, também, a promessa que ela representa. Ao nos concentrarmos exclusivamente ao conjunto de empresas que leva o nome de pornográficas deixamos passar toda a lógica instaurada por essas empresas que pode ser captada por tantas outras localizadas nesse mesmo mercado — o mercado do tornar produto corpos de pessoas, e tornar demanda as relações entre pessoas.

Expondo corpos nus, a indústria pornográfica capitaliza sobre padrões de beleza impossíveis de alcançar e sobre um ato sexual puramente mecânico, o erotismo — se é que dá pra haver erotismo na pornografia — está na pura exposição explícita, o implícito se perde completamente, o ato de fantasiar é impossível na medida que não há momentos de fuga, ao invés de ser convidado a imaginar o ato sexual, ou até mesmo a própria penetração, somos jogados a ela com um zoom seco, quase como estivessem nos falando “não há necessidade em usar sua imaginação, estamos materializando ela”.

Os problemas da indústria pornográfica são diversos para falar bem a verdade, mas quero me concentrar especificamente na pornografia enquanto esse paradigma de explicitude, de tornar a imagem mais real que o próprio ato. De forma que o vício em pornografia não é um vício em masturbação ou em sexo, é um vício sobre o estímulo visual que a pornografia representa — oque pode ser muito bem exemplificado com um caso de um ator pornô que durante o trabalho não estava com um desempenho suficiente e teve que parar o ato, abrir um vídeo pornográfico, para a partir dele ter o estímulo suficiente para continuar o ato sexual.

A pornografia nesse sentido pode ser entendida como algo que substitui a nossa relação com as coisas mesmas; pode parecer um paralelo estranho, mas não é muito diferente do nosso hábito de postar constantemente aquilo que fazemos ou onde estamos, bem como com quem estamos, e assim passa-se a impressão de estar aproveitando ao máximo até mesmo um prato de comida ao expor ele na internet, tanto que é comum ouvir de algumas pessoas que sentem que perdem algo da experiência ao não fotografar. Ao contrário de décadas atrás que não tínhamos câmeras fotográficas à mão e existia o processo de revelar a fotografia e guardar em álbuns físicos — tornando assim o ato de guardar, um ato físico, material, e que precisa de uma seletividade. Hoje vivemos o oposto, abundam as fotografias e a exposição do cotidiano, do banal e, principalmente, qualquer experiência que fuja desse banal automaticamente é capturada pelo ato de fotografar compulsoriamente.

Esse fetichismo pela imagem que substitui o ato leva também a uma necessidade de exposição contínua por novidade. Não basta que os corpos estejam nus em atos explícitos, eles precisam se reinventar, pois ao propor que a materialidade do ato possa competir com a fantasia erótica, a indústria precisa trazer a constante novidade, a reinvenção, algo que pode ser ilimitado no campo da fantasia, mas quando se envolve com a materialização em imagem, obriga o mercado pornográfico a sempre expor cada vez mais e diferente. Assim é preciso tornar cada vez mais irreal aquilo que acontece na tela para acompanhar a velocidade que a fantasia pode ter, oque leva a exposições cada vez mais degradantes, no qual o simples ato sexual se torna cada vez mais enxertado artificialmente de contextos (traição, estupro, gangbang), de atos extremos (deepthroat, double penetration) e órgãos cada vez mais exagerados (prótese peniana, silicones nos seios e bunda).

Outro problema que pretendo tratar aqui — além dessa exposição fetichista — é o de que a pornografia também é um paradigma mercadológico, de roubar os nossos desejos sexuais e suplantar artificialmente outros desejos, vendendo a promessa de que a pornografia pode ser sim um substituto do envolvimento sexual, um substituto das relações afetivas entre as pessoas, o sexo torna-se uma exposição estimulante de prazer sem que haja a necessidade do envolvimento emocional.

Nesse sentido nos enganamos ao achar que a pornografia é o centro de todo esse paradigma mercadológico e de representação explícita, as nossas próprias relações na pós-modernidade se tornaram assim — é oque defende Bauman —, se tornaram líquidas, escorrem pelas mãos, podemos terminar um namoro sem qualquer contato visual e até de voz, não é necessária uma ligação, apenas uma mensagem e após isso bloqueamos o contato. Assim, percebemos que se trata de uma corrosão generalizada, não se trata da pornografia em si, mas daquilo que ela representa - um mercado bem sucedido de substituição das relações afetivas pelo puro envolvimento objeto.

A relação com o outro — alerta o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, também, no seu livro “Agonia do Eros” — se tornou um inferno do igual, buscamos no outro uma relação com nós mesmos, queremos ter nossas demandas satisfeitas pelo outro, por isso não admitimos a diferença que ameaça o nosso narcisismo. E assim ficamos presos a uma espécie de afogamento no próprio ego, a diferença é eliminada pelo seu caráter negativo, pois ela representa um impedimento de até onde a minha demanda pode ir ao esbarrar na diferença do outro.

Tanto Bauman quanto Byung escancaram uma coisa: a diluição do nosso envolvimento com outras pessoas em favor de um tipo mercadologizado de relação que nos seja extremamente confortável; e é para essa direção que os aplicativos de busca de sexo casual por exemplo apontam, mas não apenas eles, os de namoro como o Tinder também — o ato de poder escolher com quem se relacionar através de uma lista de pessoas com características que podem fazer você aceitar ou recusar se relacionar com essas pessoas.

No Japão podemos identificar uma experiência parecida com o site MoeDate, um espaço virtual que emprega garotas para servirem de namoradas de aluguel para qualquer um que queira contratar o serviço pelo site. Um serviço perfeito para qualquer um que queira ter um encontro com uma garota bonita sem se preocupar com questões como ser julgado pela garota, arriscar ser rejeitado, se envolver emocionalmente, etc. O serviço de namoro representa então a possibilidade de tornar produto a experiência de um namoro que é desejável, podando completamente qualquer possibilidade de frustração, o problema é que ele também representa um vazio, o namoro só existe enquanto a mercadoria — as garotas — estiverem sendo alugadas, ao fim do prazo a carência volta.

Pode até parecer apocalíptica a informação de que esse tipo de serviço existe, mas ainda há uma linha muito bem definida, as garotas são contratadas, os clientes sabem disso e pagam sabendo disso, o encontro que foi solicitado acontece com ambos conscientes desse contrato de serviço. O mesmo não pode ser dito de algo como o Tinder, onde a linha entre produto e comprador é muito tênue, ao usarmos esse tipo de aplicativo somos simultaneamente mercadoria e comprador, somos reféns daquilo que dizemos na medida que precisamos o tempo inteiro fazer marketing de nós mesmos, implorando para sermos comprados ao mesmo tempo que estamos julgando aqueles que nos aparecem pelo aplicativo, buscando alguém sob medida.

Assim, há de se ressaltar que a busca por corpos e pela satisfação de nossas demandas não precisa vir em uma procura por um vídeo pornográfico, pode vir pela constante procura por uma pessoa que corresponda a todos os requisitos que você almeja, a demanda por um corpo, a demanda pela satisfação sexual, a demanda por um relacionamento, por carinho, todas essas demandas são parecidas no seu âmago — são buscas pela satisfação de si, as demandas do outro não importam. E não há nada mais pornográfico que isso; a imagem de um relacionamento; a imagem de uma relação sexual sem erotismo algum, apenas pura penetração explícita; a imagem de experiências cruas, com a ausência parcial ou completa do envolvimento afetivo.

Eu sei que talvez você já tenha escutado sobre parar de assistir pornografia por ser uma indústria cruel com as pessoas (principalmente mulheres) envolvidas, que tem seus abusos sexuais, de uso de drogas, altas taxas de suicídio, etc. Mas, você já parou pra pensar o quanto ela pode ser nociva para você e para as pessoas com quem você se relaciona amorosamente ou sexualmente? Sendo mais direto: Você já pensou o quanto há de pornográfico nas suas relações afetivas?


Notas Finais


Mais pornográfico que os próprios sites pornôs, é a nossa insistência em reprimir a diferença do outro e exigir que esse outro seja a satisfação dos nossos prazeres.


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