Meu nome é Steve Harrington e talvez você que está lendo isso já me conheça.
Eu costumava ser o garoto mais popular, bonito e charmoso da escola. Mas a popularidade vinha principalmente do fato de eu ser o capitão do time de basquete e de namorar a garota mais bonita e perfeita de toda a Hawkings. Bom, se você me conhece dessa época, eu provavelmente deveria pedir desculpas, porque eu era um grande babacão… Talvez até o maior de todos os babacas daquela época.
Mas todo mundo tem direito a se tornar uma pessoa melhor, não é mesmo?
Agora isso não importa mais. Eu sou um cara diferente, eu sou um novo Steve. Pode perguntar isso para a Robin, ela vai confirmar tudo que eu tô dizendo. E se ela não confirmar, te garanto que ela está mentindo para pregar alguma peça em mim.
Bom, atualmente eu estou trabalhando em três empregos diferentes para juntar a grana para a faculdade. Desde que Princeton mandou a carta dizendo que eles haviam me selecionado, eu tenho gasto literalmente todo o meu tempo trabalhando. O pior de tudo isso é que é tudo verdade. Todo dia pelas manhãs eu trabalho na sorveteria do shopping, as tarde trabalho na locadora e a noite (e aos finais de semana) eu faço um bico de babá para a maior parte das famílias de Hawkings. As pessoas costumam dizer que eu sou a mais nova mãe solteira de Hawkings.
E por mais que me doa dizer, eu adoro ser babá.
É um emprego relativamente fácil. Consiste em ir para casa das pessoas e garantir que não hajam explosões, mortes, nem sequestros. Geralmente as crianças se cuidam sozinhas e tudo que eu preciso fazer é ficar sentado no sofá tentando não dormir. Ainda por cima, quase sempre eu acabo conseguindo tirar uma sonequinha marota e acordando só pouco antes do nascer do Sol. O pagamento também é muito bom, em uma noite como babá eu consigo mais dinheiro que em um dia de trabalho na sorveteria e na locadora. Talvez as pessoas não sejam mão de vaca quando o assunto são seus filhos, mas vá saber…
E a melhor parte do trabalho é que às vezes eu tenho o prazer de conhecer alguma irmã mais velha das crianças, indo ou voltando da faculdade. Mas nenhuma delas fica muito tempo comigo… Acho que eu tenho um azar tão grande com as mulheres que nunca vou encontrar o amor da minha vida. A Robin gosta de dizer que eu sou amaldiçoado e que nenhuma mulher nunca vai se apaixonar por mim e eu estou muito perto de concordar com ela. Desde que a Nancy terminou comigo, nenhum relacionamento, encontro ou qualquer coisa deu certo.
Com Betty Cooper eu não cheguei nem ao fatídico terceiro encontro (quando eu finalmente poderia convidar ela para passar a noite na minha casa). Com Elizabeth Jones eu não consegui nem dar uns amassos no carro. Com Melody Grayson, que tudo parecia dar certo, eu cheguei a conhecer seu quarto, nós nos pegamos pesado e não demorou muito para que as roupas saíssem dos nossos corpos, mas fomos pegos no flagra pelos pais dela. E tem a Robin, por quem eu já fui perdidamente apaixonado, até que eu descobri que ela também gosta de garotas.
Eu queria viver uma paixão absurdamente louca, queria ter alguém para aquecer durante a noite, alguém com quem eu pudesse andar de mão dadas no parque ou que eu pudesse beijar em um piquenique ao pôr do sol. Eu queria um chameguinho, um amor que arde suave que nem fogo, que me queimasse devagarzinho. Eu também desejava alguém que fizesse loucuras na cama, que me deixasse noites em claro de tanto fazer amor e que não tivesse medo de me contar seus mais profundos desejos sexuais. Meu maior sonho é estar tão envolvido com alguém que essa pessoa não tenha medo de gritar de cima dos telhados “eu amo Steve Harrington".
Um dia eu disse chega. Essa maldição tem que acabar… Mal eu sabia que minha sorte estava prestes a mudar.
***
Numa noite qualquer a Senhora Wheeler me ligou desesperada dizendo que tinha uma emergência familiar do outro lado do estado e que ela e seu marido não tinham com quem deixar as crianças. Nancy estava trabalhando em algo no jornal da cidade e não estaria em casa. Pensei duas vezes antes de aceitar, mas passar a noite vendo os garotos (Mike, Will, Dustin e Lucas) jogando uma partida de RPG renderia no mínimo boas risadas. Os garotos eram uma comédia ambulante.
Pensei em ir de carro, mas a casa dos Wheeler’s não era muito longe. Fui caminhando pela beira da estrada até lá, evitando ir pela mata, porque não era seguro andar por lá, especialmente sozinho e à noite. Coisas estranhas acontecem ali, cada vez com mais frequência. Alguns até dizem que existe uma instalação secreta do governo ou algo do tipo, mas eu nunca consegui acreditar nisso.
Quando cheguei a garotada já estava organizada no porão, mas por algum motivo ainda não haviam começado a partida de D&D. Não me importei muito, exceto quando Dustin Henderson ficou me importunando para jogar uma partida com eles.
— Steve, por favor, eu prometo que você vai se divertir — disse ele, praticamente me arrastando para a mesa com os outros garotos.
— Henderson eu já sou babá, não preciso me submeter a esse tipo de tortura — falei, em um tom debochado, tentando não magoar muito o garoto.
— Nem insiste muito — disse Mike, arrumando o que pareciam ser fichas, dados e sei lá mais o que — O Eddie não vai nem deixar ele jogar com a gente. Ele diz que só pessoas do Hellfire podem jogar…
Mike parecia incomodado pela minha presença ali, como se eu estivesse maculando o solo de seu mais sagrado templo. Mas que criança/adolescente de 13 anos não ficaria com raiva de seus pais chamarem um babá para cuidar dele e de seus amigos. No lugar dele eu teria passado a noite atormentando o pobre babá…
— Semana passada jogamos com a Erica — rebateu Dustin.
— Mas a Erica sabe jogar D&D — falou Will, em um tom tão baixo que quase não deu para escutar — O Eddie só deixou ela jogar porque o Lucas estava numa partida de basquete e a gente precisava de um substituto para vencer o Vecna. Além disso a gente já tem muitos paladinos e não precisamos de mais um.
Sendo bem sincero, eu não fazia ideia porque o Henderson estava insistindo tanto para que eu jogasse aquela partida. Eu nunca havia jogado com eles antes, sempre fiquei deitado no sofá do porão enquanto eles enfrentavam aventuras mágicas, matando demônios, vampiros e feiticeiros sombrios. Tudo bem, eu confesso que falando assim parece legal, mas quando você vê eles jogando percebe o quanto pode ser tedioso, especialmente se você não sabe jogar.
Ele estava forçando muito a barra para que eu jogasse com eles naquela noite. Eu sabia que se todos parassem de falar por um único instante, daria para ouvir as engrenagens da cabeça do Henderson funcionando. Dava para perceber que ele estava planejando algo.
Se eu tivesse ligado naquele nome que se repetia, talvez eu tivesse entendido a razão daquilo tudo. Eddie…
Não demorou muito para que alguém batesse na pequena janela no topo do porão. Eu fiquei surpreso com aquilo, pois não estava esperando. Mike saiu correndo escada acima e me forcei a seguí-lo, para garantir que ele não estivesse se colocando em risco. Eu sei, sou bom no que eu faço.
Quando cheguei a porta me deparei com ele… Eddie Munson.
Eu não lembrava muito dele, mas eu tinha certeza de que fizemos ensino médio junto. Eddie era aquele tipo de cara que todo mundo sabia que nunca ia se formar. Ninguém tinha esperanças de que ele fosse se empenhar para conseguir o diploma e realmente ele não se empenhou. Eu lembrava dele ser um dos esquisitões, que gosta de rock e anda com os nerds da escola. Mas ninguém podia negar que o cara tinha estilo… Ele sempre estava usando uma jaqueta de couro e um colete jeans, carregava um lenço preto num dos bolsos de sua calça e seu cabelo era digno de um astro do rock.
Parei para tentar me lembrar de mais alguma coisa, mas se eu alguma vez tivesse falado com ele, provavelmente ele não gostaria de mim. Ele provavelmente me acharia um completo idiota. Eddie poderia dizer que eu era uma manhã cinzenta de segunda feira em sua vida.
Mas ele sorriu ao me ver.
— Hey bonitão — ele disse, passando por Mike e andando em minha direção.
— Eu? — perguntei, apontando para mim mesmo.
Preciso dizer a verdade, eu fiquei nervoso. Talvez ele estivesse me zoando, talvez ele estivesse falando sério. A cada passo que Eddie dava, eu sentia algo estranho, como se um calor anormal estivesse tomando conta do meu rosto. Eu estava paralisado e não sabia dizer por que. Eu não conhecia o verdadeiro Eddie Munson, tudo que eu sabia dele era a visão que eu e meu ciclo de amigos babacas tinha conseguido observar pelos encontros em corredores e na lanchonete da escola.
— E quem mais seria, Harrington? - respondeu Eddie, tão próximo de mim, que eu pude sentir o abraço chegando antes mesmo dele abrir os braços.
Foi então que a atmosfera ficou tensa. Eu podia sentir o ar apertado em meus pulmões, fazendo tanta força para não se movimentar. Era mais uma vez algo estranho, mas o toque de Eddie era uma coisa realmente elétrica, eu podia jurar que suas mãos e braços que estavam em contato com o meu corpo pareciam como um cabo de energia cortado, jogando faíscas para todos os lados. Na hora achei que talvez seu cheiro almiscarado, com toques de hortelã, tivessem algo a ver com isso, mas eu não podia estar mais enganado.
Depois que aquele abraço constrangedor, Eddie me soltou e sorriu olhando em minha direção. Não um sorriso alegre em me ver, mas um sorriso provocante, como quem diz “te desafio a fazer alguma coisa”. Mas eu fiquei parado, como uma estátua de mármore em um museu. Isso não desanimou Eddie, que balançou a cabeça e disse:
— Tente não ser um babaca hoje, Harrington. Eu sei que você consegue ser um bom garoto, pelo menos por algumas horas — seguindo pelo corredor que levava a escada do porão de Mike — Wheeler, acho bom seu time estar preparado, porque senão eu vou matar todos os seus personagens.
E assim ele sumiu de meu campo de visão. Mike foi correndo atrás de Eddie e eu fiquei parado ali, tentando assimilar o que tinha acontecido. Óbvio que não consegui, afinal a única conclusão a qual eu conseguia chegar era de que Eddie Munson me deixava desconfortável. Eu não sabia o porquê, mas eu tambén não sabia se queria descobrir.
Eu queria mesmo era odiar esse cara. Na verdade, eu queria que ele me odiasse. Pensei mais um pouco e não sabia o porquê disso, apenas sabia que tinha essa estranha sensação a respeito de Eddie Munson.
Desci para o porão, onde os garotos já se divertiam com o metaleiro rebelde. Eu me sentei no velho sofá do porão dos Wheeler e fiquei observando. Tentei me concentrar no que eles estavam fazendo e prestar atenção na maldita história do jogo deles, mas eu não conseguia. Eu não… Eu não conseguia tirar os olhos dele… E Eddie sempre me flagrava o observando, dando um sorriso debochado antes que eu pudesse desviar o olhar. Tudo que eu conseguia pensar era “o que está acontecendo comigo?”.
***
Eu não sei quando o jogo acabou, mas acho que foi apenas na manhã do outro dia, quando os pais de Mike voltaram para casa. Eddie escapuliu antes que o senhor e a senhora Wheeler chegassem, talvez por acharem que ele seria má influência para os garotos ou talvez ele tenha fugido apenas para evitar outra situação constrangedora comigo. Os pais de Mike me agradeceram muito por cuidar dos garotos e me deram um valor até maior do que o combinado, então, saí pela porta da casa deles radiante. Eu estava cada vez mais perto de ter o dinheiro para pagar a faculdade.
Mas na saída, encontrei Eddie me esperando do outro lado da rua. Bom, eu acho que ele estava me esperando. Eddie estava escorado em uma árvore, de braços cruzados e com um de seus pés apoiado no velho carvalho. Ele olhava para o chão, escutando música nos fones de seu walkman, como quem não se importava de esperar… Mas esperar pelo quê? Tudo levava a crer que era por mim que ele esperava. Mas por que isso? Por que esperar alguém como eu? Alguém que te deixa desconfortável...
Me aproximei o máximo que pude, até que tive certeza de que ele me veria, mesmo olhando para o chão. Parei apenas a dois ou três passos dele e perguntei:
— O que você está escutando?
Eddie tirou o fone do Walkman e sorriu para mim. Dessa vez não era nem uma provocação nem um deboche, era um sorriso genuíno. Ele olhava para mim com uma certa admiração, que na hora eu não conseguia entender. Era como se Eddie soubesse o que estava passando na minha cabeça, sem que eu mesmo soubesse.
— O que foi que você disse? — perguntou ele.
Óbvio que eu fiquei envergonhado. Eu odeio falar com alguém e a pessoa não escutar. Existe um nível de vergonha estratosférico em repetir a mesma pergunta duas vezes. Vocês não concordam? Senti meu rosto ficar quente e provavelmente avermelhado outra vez. A inocência da vergonha… Nunca isso tinha me acontecido com tanta frequência. Eddie deu outro sorrisinho bobo, de quem percebe tudo isso mas não quer constranger ainda mais a outra pessoa.
Então, eu falei:
— Eu perguntei o que você estava ouvindo.
— Ahh. Eu estava ouvindo Black Sabbath — respondeu ele, se aproximando de mim e me mostrando a fita que tocava em seu walkman — Você provavelmente nem sabe quem eles são, Harrington. Eles são descolados demais para você.
Pela primeira vez desde que reencontrei Eddie, senti meu corpo relaxar. Era uma bobagem, mas realmente eu não sabia quem era Black Sabbath. Nunca que eu iria adivinhar que era uma banda de heavy metal, mas resolvi me arriscar.
— Não sei mesmo — falei, com toda a confiança que ainda me restava — Mas todo dia é uma nova oportunidade de fazer coisas novas. Posso?
Eddie se curvou diante de mim, me alcançando seu walkman.
— Ao seu dispor, alteza.
Eu escutei aquilo. Não posso negar que era interessante, que eu até poderia gostar se escutasse com mais regularidade. Tirei os abafadores de ouvido e os devolvi para seu dono. Eddie pareceu surpreso pelo fato de eu ter escutado quase a música inteira, mas não falou nada. Ele parecia ansioso para ouvir o que eu tinha a dizer.
— Então isso é Black Sabbath? Não é bem meu estilo, mas é legal.
— Legal, Harrington? Isso é tudo que você tem a dizer? Essa música é uma puta obra de arte — falou Eddie, emocionado em defender seu estilo musical favorito — Por favor, só não vai me dizer que você é fã da Kate Bush. Se for isso, eu vou embora agora. Não consigo aceitar pessoas legais que se sujeitam a tortura de ouvir divas do pop.
Eu ri daquilo.
— Tá louco cara, nem amarrado — falei, ainda rindo — Eu só escutava esse tipo de merda quando eu tava com a Nancy.
Dessa vez, Eddie não deu nenhuma resposta inteligente, debochada, nem nada. Apenas o silêncio constrangedor. Eu percebi isso, mas não sabia o que dizer. Eddie apenas olha para o chão mais alguns instantes, antes de voltar seu olhar na minha direção. Percebi que ele me olhava com menos confiança que antes, como se algo tivesse o desestimulado. Mas eu ainda assim, eu percebi que ainda haviam fagulhas em seu olhar. Ele se aproximou ainda mais de mim, pôs a mão sobre meu ombro e disse:
— Quer companhia até em casa? Acho que sua casa fica no caminho da minha. Afinal, não é seguro para um cara como você andar sozinho por aí.
— Um cara como eu? — perguntei, constrangido e meio que gaguejando.
— É, um babá — ele respondeu — Sabe como é para a maioria dessas crianças você é o tio legal delas. Então elas devem te seguir por todos os lados. Querendo te forçar a voltar ou te sequestrar. Sei que se eu leiloasse você, haveria uma lista de crianças interessadas, dando lances de 50 centavos.
— Eu espero que não só crianças.
E nós dois rimos, como se fossemos dois amigos de infância. Eu podia sentir a tensão entre nós diminuir um pouco. Talvez fosse porque eu estava curtindo a companhia de Eddie e ele também estivesse curtindo a minha companhia. Acho que se as coisas tivessem sido diferentes no ensino médio, poderíamos ser amigos a muito mais tempo
— Sabe, Eddie, eu adoraria que você me acompanhasse até em casa.
Então, metemos o pé na estrada. Fomos conversando sobre nosso tempo de escola e como havíamos conversado tão pouco durante todo aquele tempo. Eu sabia que a maior parte da culpa era minha (talvez toda ela, mas isso não vem ao caso), mas Eddie fez questão de jogar isso na minha cara.
— Você era o maior babaca naquela época, Harrington — ele disse, mexendo em um dos muitos anéis que carregava em sua mão esquerda — Você era um dos atletas, um dos populares e não queria saber de ninguém.
— Eu não era um completo babaca — falei, na defensiva.
Eddie me olhou como quem não acredita no que eu estava dizendo. Ele estava parado a apenas alguns centímetros de distância de mim, mas seu olhar penetrante me fez ficar nervoso outra vez. Senti até gotas de suor escorrendo pelas minhas costas. Não sei como Eddie podia ter tanto efeito sobre mim. Era quase como o efeito de alguma droga ou algo do tipo… Eu sentia que a presença dele me entorpecia, mas era algo bom e me fazia querer mais e mais de sua presença.
Então, recobrando os meus sentidos, finalmente falei:
— Tudo bem, eu era um babaca. Não, eu era o maior babaca da escola, mas eu não sou mais assim. Eu mudei, em grande parte por conta da Nancy e da Robin. Elas me mostraram que, se eu quisesse, eu poderia ser uma pessoa melhor.
— Robin? — perguntou Eddie, fechando a cara como um cachorro amedrontado. Percebi que sempre que eu mencionava o nome de alguma garota ele fazia isso, mas não conseguia entender o porquê.
— Sabe a garota que trabalha comigo na locadora — falei, tentando contextualizar.
— Sei sim — ele respondeu, ainda deixando o nervosismo transparecer em suas palavras — Ela é bonita.
Seguimos andando, dessa vez pegando um atalho pela mata. Eu pensei em reclamar, mas precisava fazer com que Eddie tivesse o cenário completo sobre quem era a Robin. Afinal, se esse cara fosse um amigo meu, ele teria que aguentar a constante presença dela. Robin era minha sombra, minha melhor amiga e a pessoa que eu levaria para uma ilha deserta.
— E totalmente lésbica, por sinal — falei, de forma natural — Você deveria ter visto a minha cara quando ela me contou.
Vi um certo espanto tomar conta do rosto de Eddie. Aparentemente o que eu havia falado, tinha pego o metaleiro e jogador de D&D de surpresa. Talvez eu não devesse ter contado isso sem falar com a Robin primeiro, mas eu fiquei nervoso e saiu tão naturalmente, como se eu tivesse que justificar alguma coisa.
— Você não aceitou ela ser lésbica muito bem? — perguntou Eddie, em um tom mais sóbrio.
— Não, não tem nada a ver com isso. Cara, ela me contou isso logo depois de eu me declarar para ela — falei, tentando mais uma vez me explicar por algo que eu não deveria me explicar — Me senti um completo idiota. Mas eu já deveria saber, as coisas nunca dão certo com nenhuma garota. Acho que esse é meu carma. Minha maldição…
— Acho que esse é o carma de muitos de nós, garotos dos anos 80 — respondeu ele, tentando me confortar — As coisas não dão certo com as garotas.
— É, pode ser. Garotos dos anos 80… Eu não tinha pensado nisso antes.
Sem aviso algum, Eddie parou de andar no espaço entre duas árvores, e ficou observando a paisagem dali. Fui ver o que ele estava vendo e me deparei com uma bela vista do lago de Hawkings. Era uma vista mágica… A névoa pairando sobre a superfície da água me fazia acreditar naquela velha história de que fadas e ninfas viviam em um mundo espelhado do nosso, nos quais os lagos eram os portais para esse mundo invertido e a névoa era a proteção para que apenas as pessoas autorizadas atravessassem o portal.
Pensar nisso me distraiu de Eddie e da tensão formada entre nós. Eu sabia que estava gostando da companhia dele, mas também sentia a estranha vontade de socar a cara dele, jogá-lo no chão e continuar a briga rolando sobre a grama. Eu sabia que isso não era normal, mas seguia olhando para o lago. Não demorou muito para que eu sentisse o olhar penetrante de Eddie sobre mim… Eu sentia mais uma vez algo estranho, algo que sinto vergonha de falar.
— Talvez exista outra razão para as coisas não darem certo entre você e as garotas — sussurrou Eddie, em um tom baixinho, que apenas nós dois poderíamos escutar — Talvez seja por que sua alma gêmea seja na verdade um garoto.
Com isso, finalmente olhei para Eddie. Embora suas palavras parecessem ser claras o bastante, eu reconheci aquele tom de voz, aquele olhar. Eddie estava me desejando, me querendo em seus braços. E não era algo meramente platônico, não, era uma profunda atração sexual. Eu finalmente estava entendo as coisas…
Eu não conseguia parar de olhar para os lábios de Eddie. Era algo involuntário, como se fosse uma reação natural, que eu não conseguia evitar. Eu não conseguia explicar aquilo, mas também o desejava. Queria que Eddie se afastasse da maldita árvore em que ele se escorava e me beijasse. Mas nenhum de nós conseguia dar o primeiro passo… Eu estava morrendo de medo, sem entender aquilo direito e Eddie, bom, eu não sei dizer o que ele estava sentindo na hora, mas provavelmente era algo parecido.
Nós continuamos nos encarando, vendo quem teria a coragem de começar o beijo. Eu estava, mais uma vez, congelado como uma estátua. E isso não era normal para mim, afinal, eu costumava me sair bem com as garotas, mas nunca havia sentido atração por outro garoto. Aquilo era novidade para mim. Eu não sabia como proceder e mesmo que soubesse, acho que não teria a coragem para isso.
Eu gosto de pensar que Eddie percebeu que eu não faria nada. Ele, então, se mexeu tão rápido que pareceu como um tigre pulando na direção de uma presa, me empurrando contra uma daquelas estranhas árvores. Seu rosto parou apenas a alguns milimetros de distância do meu. Eu já não conseguia controlar minha respiração, nem meus batimentos cardíacos, a espera estava me matando… Eu queria saber como seria beijar outro garoto, mas acima de tudo eu queria saber como seria beijar Eddie Munson.
A cada respiração eu sentia o cheiro de hortelã entrando em minhas narinas, tomando conta do meu pulmão, acelerando ainda mais meu pulso. Eu sentia uma carga de adrenalina pulsando pelas minhas veias, fazendo com que eu ansiasse ainda mais pelo momento que ele me beijasse. Eddie me provocava pelo simples fato de ficar parado, como se estivesse me fazendo implorar, mas eu não sou um cara que implora para ninguém. Então, puxei sua camiseta e o beijei.
Talvez o tempo tenha parado quando nossos lábios se encontraram, mas a vibração e a eletricidade entre nós se intensificou. Eu podia sentir meu coração batendo em um ritmo descompassado, bem como eu podia sentir os batimentos de Eddie se acelerando. Ele tentou tomar o controle da situação, amassando seus lábios contra os meus, como se tentasse invadir e conquistar meu território. Eddie me empurrou para trás, forçando meu corpo contra a árvore. Era como se ele estivesse com muita fome, abrindo a boca e empurrando sua língua e seus dentes para o espaço úmido da minha boca. Eu senti que minhas pernas se enfraqueceram, diminuindo a resistência contra o beijo de Eddie.
Era um beijo áspero. Eu sentia nossas barbas ralas uma roçando na outra, fazendo com que todos os meus sentidos se expandissem e se misturassem. Oh deus aquilo me fez gostar cada vez mais do beijo. Eddie passou a segurar meu pescoço com tanta firmeza, apertando-o e puxando para si, como se temesse que eu fugisse dele. Eu aproveitei a situação para deixar que minhas mãos explorassem o corpo esguio dele, passeando por seu abdômen e encontrando uma parcela de pele descoberta entre a barra da camiseta e o começo da calça. Explorei essa entrada, deixando meus dados afundarem em sua pele com vida própria, para arranhar aquela pele lisa que irradiava calor, da mesma forma que eu gostaria que ele arranhasse a minha.
Nossas línguas então se chocaram, em um duelo de gigantes, onde eu sabia estar fadado a derrota. Mas isso não importava, eu jamais deixaria Eddie achar que ganhou tão fácil… Nossas línguas então se chocaram e chocaram outra vez, em movimentos quase circulares, lutando para frente e para trás, como lutadores profissionais. Acho que a comparação mais correta seria como dois dançarinos que seguem o mesmo ritmo, mas dizer que eram lutadores parece mais descolado.
Eu estava sentindo que aquilo era muito natural… Natural até demais.
Senti meu estômago dar um nó e minha confiança ir embora. Eu estava beijando um garoto e por melhor que estivesse sendo, ainda era estranho. Vou falar a verdade, eu amarelei, fiquei com tanto medo que parecia uma criancinha dando seu primeiro beijo. Então, eu empurrei Eddie para o que pareceu ser muito longe de mim, mas que na realidade eram apenas alguns centímetros de distância do meu corpo. Eu comecei a hiperventilar, quase como um ataque de pânico.
Ainda dava para sentir o cheiro de hortelã da pele de Eddie e do gosto adocicado de seus lábios.
— Eu não sou gay — eu disse sem confiança alguma no que estava dizendo.
Eddie era um cara lindo, estiloso, talvez com um gosto musical questionável, e ele estava interessado em mim. Não sei porque eu estava deixando o medo me guiar daquele jeito, mas eu sabia que queria mais. Queria beijá-lo outra vez… Queria descobrir se seus cabelos eram tão macios e sedosos quanto pareciam ser… E acima de tudo, queria que minhas mãos pudessem explorar seu corpo outra vez, descobrindo até mesmo locais onde a luz do sol normalmente não penetra.
— Tudo bem, eu também não sou — respondeu Eddie, colocando sua mão sobre a minha e me beijando outra vez.
Dessa vez sim me entreguei a ele. Não adiantava resistir, afinal, Eddie Munson era como um animal selvagem e tentar dominá-lo não daria em nada. Ele me tinha completamente em suas mãos e se ele me pedisse, eu teria feito com ele qualquer coisa ali mesmo no meio do mato, a beira do lago. Afinal, não havia ninguém para ver o que dois garotos faziam sozinhos no meio do nada.
Talvez fosse verdade que eu não tinha sorte com garotas.
Talvez eu fosse amaldiçoado ou algo do tipo.
Ou talvez eu não tivesse sorte com as garotas, porque minha alma gêmea era um garoto.
Ah, maldito Dustin Henderson, eu sei que foi você quem planejou tudo isso…
***
Eu nem sei que horas cheguei em casa, mas tenho certeza de que não era nada cedo. Eu tinha saído da casa dos Wheeler pouco depois do nascer do sol e com certeza devia ser quase hora do almoço. Como de costume não havia ninguém em casa, mas isso não importava naquele momento. Tudo o que eu conseguia pensar estava ligado a Eddie Munson. Seu cheiro de hortelã, o gosto adocicado de seus lábios, o calor que irradiava de seu corpo. Mas acima de tudo, eu não conseguia me esquecer daquele beijo. A química entre nós era tão forte que me fazia acreditar em explosões de estrelas a trilhões de quilômetros luz da Terra.
Ah, sem sombra de dúvida eu havia gostado daquilo. E não me importaria em repetir a dose qualquer dia desses. Não sei porque mas me joguei no sofá da sala e fiquei imaginando nas coisas que eu e Eddie poderíamos fazer no futuro. Tínhamos um encontro marcado para o dia seguinte… Iríamos ao cinema drive in e com toda certeza do mundo nenhum de nós ia prestar atenção no filme.
Demorou um tempo, mas finalmente decidi o que precisava ser feito. Corri até meu quarto e peguei o velho telefone fixo em meu bidê. Disquei o número de cabeça e torci para que Robin atendesse. Eu sabia que ela deveria estar dormindo naquele momento mas ela iria me matar se eu não contasse isso a ela…
— Steve Harrington que merda você fumou — ela disse, irada, ao atender o telefone — Hoje é meu único dia de folga e você me acorda a essa hora… Não é nem meio dia. Se não for uma questão de vida ou morte, eu juro para você que vou te caçar até o fim do mundo com uma espada samurai.
Eu juro para você que eu ri de nervoso. Porque ela era realmente capaz de fazer uma coisa dessas.
— Robin — falei, com toda a urgência que consegui — Precisamos conversar.
— Então é realmente sério — ela disse, deixando a guarda baixar.
— Eu... Eu... acabei de beijar um garoto. E eu gostei.
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