- Esquentadinha! Volta aqui, Karina, pelo amor de deus, me perdoa! Eu imploro! – Pedro gritou para a garota de cabelos curtos que se retirava.
Jamais se perdoaria pelo que fizera... Muito menos Karina. Já fazia uma semana que sua agora ex-namorada descobrira tudo, mas ainda insistia... Não podia perdê-la, não desse jeito. Karina era durona, e o apavorava regularmente, contudo, quando o assunto era dor interna, era extremamente sensível. Trocaria seus futuros grammys pela garota sem pensar duas vezes... Como pudera ser tão burro? Uma demo jamais valeria mais que Karina! Restava-lhe apenas observá-la virar as costas para esconder as lágrimas, virar para o outro lado ao vê-lo, voltar a se fechar como antes... Talvez pior... Estava perdido, e a havia ferido. Muito. Se ao menos soubesse compensar seus erros para merecê-la de volta...
- Esquentadinha! – Gritou mais uma vez em vão. Karina já não estava lá.
- Você precisa dar um tempo pra ela, Pedroso. O que você fez foi muito grave.
- Ele falou ‘esquentadinha’? – Um garoto que Pedro desconhecia perguntou para Nando.
- Sim, é a forma como ele chama a Karina... A menina irritadinha que tava aqui agora há pouco. – Nando explicou automaticamente. Levou algum tempo para assimilar o que o garoto realmente havia perguntado. – Por que? Lembra alguém? – Brincou.
- Até demais... Ei, você.
- Pedro. – O roqueiro veterano indicou.
- Pedro! - O garoto chamou novamente.
O guitarrista se voltou para o amigo de Nando. Aparentava no máximo uns dois anos a mais que Pedro. Estava acompanhando a garota com quem a Galera da Ribalta tocaria, uma antiga pupila de Nando. Lua Matias se chamava... Ou algo parecido... Enquanto a roqueira passava o som no palco, o namorado esperava com Nando. Pareciam não se ver há bastante tempo.
- Se é por ciúmes de mim com a Lua, relaxa que eu já tenho a minha esquentadinha! Bom, tinha... – Desanimou rapidamente.
- Lia.
- Você lia o que?
- Não, Lia é o nome dela.
- Ah.
- Você parece ter errado feio com ela, né? Pela cena de agora há pouco...
- Por que você quer saber? Você é algum agente infiltrado que o Mestre Sogrão botou pra me interrogar?
- Eu sou o que? – Perguntou confuso.
- Não liga, não, ele é maluquinho assim mesmo. – Nando explicou. – Meu jovem aprendiz, se você quer saber o que fazer pra reconquistar a sua esquentadinha, encontrou a pessoa certa!
- Então, o que você fez?
- Uma parada aí... – Respondeu sem jeito.
- Anda, vai, duvido que seja pior do que o que eu fiz.
- Desse aí, você não devia duvidar de nada! – Nando comentou.
- O que você fez? – Pedro hesitou.
- Melhor não voltar ao passado...
- Hmm... Digo o mesmo.
- Deixa eu adivinhar: você traiu ela, ela já era sensível, ficou destruída, e você acha que nunca vai ser perdoado?
- Como você sabe?
- Eu acho que fui você um dia... Ou quase...
- Quase. – Nando confirmou com o garoto.
- E pra você deu certo?
- Depois de um ano ou dois, a gente acabou se entendendo.
- Sério? Só isso? – Pedro perguntou esperançoso.
- Só?
- É, eu tava esperando que levasse cinquenta anos, cem...
- Não, relaxa. – O garoto riu.
- É, mas não foi fácil, não. – Nando avisou.
- É, cara, você vai ter que ralar muito pra reconquistar a marrentinha!
- Marrentinha? Você quis dizer a esquentadinha? – Perguntou confuso.
- É, essa. – Corrigiu o ato falho.
- Quer saber, Pedroso? Nem eu sei como foi isso!
- A gente deu um jeito. – O garoto sorriu.
- Você tem certeza? É que, assim, a minha esquentadinha, digo, a Karina, ela é lutadora, sabe? Se eu chegar perto, eu vou morrer!
- Você gosta dela?
- Claro que gosto! Eu am- eu adoro a Karina. – Ainda não sabia ao certo lidar com o que sentia... Se era amor, não fazia ideia, mas devia ser...
- Se você ama ela-
- Amar é uma palavra meio forte, né?
- Claro que é. – O garoto riu como se se lembrasse de algo. – Se você gosta dela de verdade, se você achar que vale a pena, se de repente “amor” não soar mais tão absurdo... Lute por isso. Não é impossível. Gaste dias e noites, atravesse o oceano, mas faça o que for preciso, o que puder ser feito. Uma garota assim não aparece todo dia. Eu não trocaria a minha por nada.
- Duvido que a Lia tenha sido mais complicada que a Karina.
- Eu não conheço bem essa Karina, mas mais complicada que a Lia é difícil.
- Tá falando de mim? – A garota de cabelo azul se aproximou.
- Não, a gente tava falando daquela gostosa dançando com o cara que parece o Bruno.
- Olha lá... Eu posso te desperdoar em um estalar de dedos!
- Você não faria isso, marrentinha. – O garoto desafiou debochado.
E então Pedro entendeu. O garoto se via nele. O casal à sua frente lembrava muito como o guitarrista era com a namorada. Os olhares implicantes, o apelido debochado, os pequenos tapas de falsa irritação... Notou que Nando os observava com um olhar úmido. Parecia aliviado por vê-los bem, como se tivesse esperado por aquela cena por muito tempo...
- Então você é a outra esquentadinha?
- Que? – Lia perguntou confusa.
- O Pedro aqui errou feio com a namorada e o nosso especialista nisso tava dando conselhos.
- Ah, é? E o que você falou? Fuja para as colinas e volte só um ano depois?
- Engraçadinha.
- Não era marrentinha? – Pedro questionou.
- Não liga, não, que ele é meio lerdo.
- Olha, é o seu filho com o Fera! – Lia zombou.
O garoto beijou a testa da namorada com ar debochado.
- Pode ser, mas eu ainda quero o exame de DNA.
- Ai, ai... Não sei como eu pude acreditar que você tinha mudado...
- Calma, marrentinha, o Fera pode ser pai do meu filho, mas o meu único amor é você.
- Sei... Acho que eu vou ter que ter uma conversa séria com a sua namorada pra não ser enrolada como eu. – Lia comentou com Pedro.
O guitarrista riu. A roqueira parecia não guardar mágoas. Talvez desse tudo certo, mesmo... Se ao menos soubesse por onde começar...
- Ei! – Chamou o casal de volta. – Como vocês voltaram?
- Ah, normal... Sei lá... Ele voltou, várias mortes quase aconteceram, a gente assustou o bairro inteiro... Ele fez umas coisas fofas que eu ignorei, daí o meu namorado da época começou a desconfiar, a gente terminou, daí com o passar do tempo, a gente convivendo, saindo com a mesma galera... Papo vai, papo vem...
- Ela não resistiu. – O agora namorado brincou.
- Eu fui burra, isso sim.
- É o amor...
- Dá no mesmo.
- É? – Pedro perguntou confuso. – Então quer dizer que todo esse tempo em que me chamaram de burro eu tava sendo apaixonado?
- Não, Pedroso, no caso você é os dois. – Nando respondeu.
Os amigos de Nando riram.
- Ok, meninos, é hora do show. – O roqueiro anunciou. – Meus dois pupilos... Só faltou o Gil voltar!
- É, mas ele já teve a sua vez. – O namorado de Lia cortou.
- Ainda? – A garota riu. – Você ainda não superou a minha amizade com o Gil?
- Vocês não têm que tocar, não? Vão lá, eu fico aqui cuidando do camarim... – O garoto mudou de assunto.
Na metade da escada, Lia voltou para o namorado.
- Dinho, espera!
Dinho... Lia e Dinho... Pensava já ter ouvido os nomes alguma vez... O casal problema que Nando vivia comparando com Karina e Pedro. Enfim os conhecia. Observou a roqueira correr até o garoto como quem pedia desculpas e beijá-lo carinhosamente.
- Eu te amo. – A garota murmurou.
- Eu também te amo, marrentinha. – Dinho respondeu sorridente.
Pedro sorriu com o garoto. Não estava tudo perdido. Olhou uma última vez para o casal, antes de chamar a guitarrista para o palco. Mais tarde pediria a Nando seus zapzaps. Precisaria de muita ajuda de Dinho e de Lia para reconquistar sua esquentadinha.
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