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História Explore - Segure a língua ou sofra as consequências. Muitas delas!


Escrita por: heqat

Capítulo 2 - Segure a língua ou sofra as consequências. Muitas delas!


“Não quero ser a mulher casando escondendo a barriga!”, foi o que Iruka disse, daquele jeitinho dele, e mesmo isso tendo acontecido minutos atrás, ainda continua ressoando nos pensamentos, exatamente como aconteceu.

A voz dele sempre soa duas notas acima do que deveria, toda vez melosa, como se as palavras fossem parte de um roteiro porno e não uma conversa normal, com gente normal. E toda vez Kakashi se perde nisso. Ele não consegue ignorar os pedidos de Iruka, nenhum deles. Foram muitos nos últimos meses, sempre ditos do mesmo jeito, com a boquinha dele sempre o chamando no fim das frases para amansar qualquer irritação. Não é ao acaso, os lábios cheios toda vez ficam levemente afastados, brilhando e dizendo que estão disponíveis, clamando por um beijo.

Foram realmente muitos pedidos desde o começo do namoro, a maioria bobos, mas todos goram registrados igualmente numa parte da mente que decidiu falar agora, enquanto o corpo inteiro treme de frio e os pés lutam para não afundarem na terra cheia de poças d’água.

Uma vez eles estavam lá, pelados, entrelaçados, mexendo no celular até que Iruka disse: “Kakashi, você já viu essa comida aqui? Eu pre-ci-so", e assim se foi toda a grana de um bom conserto. Outra vez Iruka gritou: “Ai, meu deus, mata essa barata aqui! Seja útil!”, e da morte de uma barata veio toda uma faxina no quarto dele, lá no apartamento na cidade da universidade, afinal as baratas moravam lá. Ninguém conseguia essas coisas tão fácil antes, não é à toa que suas antigas namoradas lhe bloquearam no Instagram e até hoje devem falar mal do seu pau.

Dia desses eles estavam juntos depois daquela maldita semana de provas e Iruka, com os olhos brilhando e quase dando pulinhos perguntou: “Você acha que eu fico bem com isso?”, e é claro que ele ficava, ele é Iruka Uchiha, a coisa mais linda desse mundo, e por isso Kakashi precisou estourar o limite do cartão. Por incrível que pareça, no meio disso tudo, até teve um pedido que Kakashi gostou. Esse faz mais tempo, ele nem tinha decidido penhorar alguns dos seus CDs favoritos para comprar uma moto decente, perfeita para viagens longas entre cidades.

Era o começo do dia e tudo parecia estranho. Estava quente, seu corpo suado todo grudado no lençol branco – que estava sujo, de coisas que ele não precisa explicar -, e sua garganta tão seca que foi difícil retribuir ao beijo preguiçoso que do nada Iruka, antes deitado no seu peito, começou. O beijo bobo virou um amasso, o amassou virou um aperto quente, com pernas envolvendo pernas e olhos se encarando, e daquilo Kakashi estava esperando, sei lá, uma punheta, mas percebeu que não era isso na hora que Iruka sorriu e suspirou.

Iruka tem muitos suspiros, ele é desse tipo. Quando está irritado, ele suspira forte, deixando os ombros murcharem e suas sobrancelhas subirem, quando está com tesão ele dá um suspiro curto, uma ordem mesmo, e quando não tem nada interessante, ele fica suspirando até alguém achar uma atividade, como se pudesse morrer de tédio. Aquele suspiro era novo, tanto que Kakashi estreitou os olhos e o trouxe para mais perto, querendo garantir que seus músculos servissem para guiar a conversa para o caminho certo.

Provavelmente deu certo, porque depois daquilo Iruka deu o mesmo suspiro, olhou para sua boca e o sorriso voltou, ainda maior. E então ele disse o melhor pedido de todos: “Tenho uma reuniãozinha com uns amigos da faculdade para ir hoje. Só garotas. Elas vão com os namorados, eu vou levar você.”, para muita gente isso podia não significar muita coisa, mas Kakashi sabia exatamente o que Iruka estava dizendo e ele aceitou aquilo na hora, beijando-o e terminando a manhã preguiçosa ficando por cima, ostentando o posto de namorado naquela cama. Aquele sim foi um sexo memorável.

Um vento gelado, que sobe pela espinha até tocar nas partes raspada da nuca, faz Kakashi parar de andar e apertar as mãos, apertando com uma delas ainda mais o blusão de Obito. Quando pegou Iruka pela primeira, era só uma aventura, e por isso pensar que ele era irmão do seu melhor amigo apenas dava tesão. Tabu, segredos, fazer isso debaixo do teto dele, dizem que o proibido é mais gostoso e aquilo foi uma excelente prova.

Porém o tempo passou, as pegações casuais virou algo sério, com data e hora marcada, e Iruka acabou de decretar que não vai esperar mais tempo, apesar de ter sido culpa dele que tudo chegou a esse ponto. Kakashi queria contar faz muito tempo, especialmente depois que Hashirama e Madara lhe deram vários presentes de Natal, como se ele fosse um de seus filhos. Pois é, além de Obito ser o seu irmão de alma, ainda tem os pais deles – e seus sogros – que foram mais seus pais que o imprestável disfuncional do Sakumo.

Felizmente, eles não são seus pais de verdade, nem perto disso, porque se fosse... Seria complicado. Muito complicado, lidar com incesto moral deve ser tão ruim para o mundo quanto incesto de verdade. Apesar da sua situação por si só já ser digna de pena, porque o risco de ser capado, apanhar e acordar em uma vala (ou nem acordar) é alto. Quem em sã consciência irritaria um oficial aposentado, um homem enorme de cabelo comprido e alguém que gosta demais de true crime? Apenas um idiota ou uma vítima dos encantos de Iruka. 

Kakashi é as duas coisas, infelizmente. Um idiota que ignorou toda a realidade e agora sabe que está perdido, sem chance de voltar atrás. E ele nem devia estar pensando nisso tudo agora, porque seus problemas já são o bastante. Daqui a pouco vai ficar tarde demais para seguir a estrada e sendo sincero, dormir nesse motel parece demais até para seus padrões nada altos.

— Kakashi? — A voz de Obito quebra os pensamentos e Kakashi apenas assente, ainda desorientado.  Seus olhos demoram para se focar no automóvel e no homem lá dentro, acenando como se fosse difícil vê-lo a essa distância. O estômago embrulha depois, acometido pela culpa e, sinceramente, pelo frio que está. — Finalmente, cara. Que demora!

Preferindo ver os pelos do melhor amigo do que os olhos dele, Kakashi dá os passos que faltavam e então joga o blusão para ele, grato por ele representar o fim dessa temporada de vê-lo descamisado. — Da próxima vez você vai e eu fico no quentinho, bora ver o que é pior... — Não dando a mínima para a reclamação, Obito se veste e sorri na hora que se abraça, aproveitando do calor da peça que nem está seca. — Acho que essa chuva não vai demorar tanto, tá ficando mais fraca.

— Mais alguns minutos?

— É, se bem que eu diria que tem pelo menos mais uma hora assim...

Uma hora?! — Obito pergunta, agitado, e nessa hora sua voz soou um pouco parecida com a de Iruka, estridente e cheia de preocupação. — Você... — Ignorando a oportunidade de ouro, ficar protegido do mundo exterior, Obito abre a porta do carro e sai para a chuva, o que obrigou Kakashi a ir um pouco para trás, dando-o espaço para respirar e se mover sem ser constrangedor. — Você precisa arrumar essa joça! Não é seu trabalho usar ferramentas e essas coisas?

— Bem, eu arrumaria, se no seu carro tivesse alguma ferramenta. Que tipo de homem não tem nada no porta-malas?

—  O carro é novo!  Nem pensei que podia dar defeito, tá praticamente zero.

— Eu deveria ter vindo na minha moto, já estaria lá, ouvindo o senhor Hashirama me contar do jardim dele.

— Ou ia ter escorregado nessa chuva e depois iriamos achar sua cabeça estourada em algum lugar. Das duas uma.

Esse é o tipo de coisa que Rin, como uma médica um pouco viciada demais em remendar ossos e fechar ferimentos, diria, não Obito, o cara que até pouco tempo vivia altas aventuras ao seu lado, na garupa de uma moto cheia de modificações, com muito mais barulho que segurança. Aquele Obito perdeu as forças depois que virou um adulto de verdade, com um emprego, obrigações e morreu de vez esses dias, quando surgiu no ar, depois de umas cervejas, alguns pensamentos sobre casamento. Casamento! Obito não está pronto para ser um marido, ele nem sabe cuidar dele mesmo.

Mas, de um jeito ou de outro, o tempo está passando. O mesmo tempo que fez Iruka virar um gostoso e depois uma pedra no seu sapato transformou seus amigos em caretas máquinas do sistema. A única vantagem disso tudo é que uma hora ou outra seu cabelo ficará grisalho de vez, o que significa o fim de uma longe era de retoques semanais para manter o platinado no estilo.

— Tá me jogando praga, irmão?

— Preocupado com a sua segurança. Alguém tem que fazer isso.

— Minha segurança, sei...

— O que seria então? — Obito questiona e cruza os braços, quase parecendo irritado. Quase. Kakashi teve brigas com ele vezes demais para saber a verdade, o olhar que está recebendo é um de curiosidade, apenas isso, com um pouco do mesmo clima de desafio que os fez ser rivais no passado. Tudo por uma garota. — Acho que eu não tô muito a fim de ter um melhor amigo morto esses dias.

— Cê tem a inveja da minha motona, todo mundo sabe. Só um ronco dela e vem todas as gatinhas, imagina só como a Rin ia ficar.

— Inveja? Meu carro é novinho! Ele brilha, pô. Já aprontei tanto...

— Aprontou? — Desafiador, Kakashi levanta as sobrancelhas. Não restaria dúvidas disso se fosse o Obito do velho testamento falando, aquele sim sabia viver a vida, porém esse? Ás vezes ele pode estar falando de ter dado um gole em uma garrafa de leite sem checar a data de validade. — Tipo o quê?

Tipo o quê? — Obito repete. Claramente ele não estava esperando que a conversa tomaria esse rumo, se não seu rosto não estaria tão confuso agora.

— É, o que você aprontou nessa máquina de quatro rodas?

— Eu... — Como se eles tivessem todo o tempo do mundo e não estivessem no meio do nada, levando vários golpes de um vento gelado cheio de umidade, Obito decide que é hora de pensar. Ele dá um passo para frente, depois outro para trás e então coça a nuca, olhando na direção do veículo com seus faróis iluminando palmos a frente. — Transei no carro! Há! Não dá para fazer isso em uma moto. Eu ganhei.

— Você que pensa.

— Não tem como, cara.

— Tem. Já fiz.

O olhar de descrença na sua direção irrita Kakashi. A imaginação de Obito ser curta é um problema totalmente dele, não seu. Tem bastante espaço em uma moto e ela permite posições ousadas, por assim dizer, tanto quanto qualquer outro meio de transporte. É só ter criatividade, vontade e muita cara de pau para não broxar com o medo de ser flagrado. Não é uma atividade individual, porém, e a pessoa responsável por lhe dar essa experiência é a que não pode ser nomeada.

Três meses atrás, a caminho de uma praia, Iruka entrou no assunto “Por que você não vende isso e compra um carro? Meu cabelo ficaria no lugar assim!” e foi preciso bastante argumentação para provar o contrário e felizmente tudo acabou antes do som das sirenes ficara mais próximo. Teria sido difícil argumentar com policiais sobre a importância de mostrar as vantagens de se investir em motocicletas.

— Com quem?

— O quê?

— Você ouviu, Kakashi.

É preciso muito esforço para não dar alguns passos para trás quando Obito começa a vir para mais perto, os olhos dele fixos nos seus cheios de uma cautela que não combina nenhum pouco com ele. Sinceramente, Kakashi já está de saco cheio dessa cautela o tempo todo. Eles são melhores amigos! Melhores amigos contam tudo uns para os outros. Pode não estar sendo exatamente assim do seu lado, mas ainda deveria ser por parte do Uchiha grandão.

— Só vou te falar... — É isso. Vai ser agora. Chega de ficar tenso igual um cachorro fica quando estão se aproximando do seu brinquedo favorito. Seu segredo pode ser, bem, um segredo, porém Obito não pode ter um igual, esse tipo de coisa simplesmente não funciona com ele. Uma amizade que os dois estão mentindo? É como se uma serpente ficasse amiga de outra. — Se você me conta o que tá pegando entre a gente, cara.

Sinceramente, Kakashi não sabia o que estava esperando, mas definitivamente não estava pronto para ver Obito cutucar seu peitoral com força e lhe dar um suave empurrão. Nada demais, só o bastante para fazer seus pés deslizarem um pouco para trás nesse chão lamacento. Mesmo sendo nada, suas mãos acabam se fechando por puro instinto e é preciso muito controle para não as deixar reagirem em prol de sua honra. Maricas brigam com empurrões e cutucões, homens vão para o soco e depois se ajudam a procurar um dente.

— Você sabe muito bem o que é! — ele diz e então faz uma cara feia, como a de alguém pronto para socar uma cara cheia de piercings, nenhum pouco específico. — Não adianta fingir.

— Se eu soubesse, não estaria perguntando.

— Qual é, cara. Você está todo afastado de mim, diferente. Eu tenho olhos, sabia? A Rin pode até tentar fingir que não, toda vez ela fica dizendo que eu estou imaginando coisas... porém você não é mais o Kakashi de antes.

— Eu afastado de você? É você quem está afastado de mim!

— Eu?

— Você. — Kakashi vai para mais perto de Obito e só sossega quando devolve o empurrão que recebeu antes. Depois ele lembra que agiu como uma menininha, mas desiste de fazer outra coisa quando vê o choque no rosto do seu melhor amigo. — Te chamei para sair sábado, e onde você estava? Com a Rin!

— E eu perguntei se você ia vir jantar com a gente no domingo, mas você falou que... — Obito respira fundo e então, fazendo aspas com os dedos, termina: — “Tinha compromissos.”

— Mas eu tinha!

— Com quem? Seu pai é um cuzão, sua mãe? Sumiu no mundo.

— Não fale da minha família, nem todas são de comercial igual a sua, seu cuzão.

— Eu e a Rin somos seus melhores amigos, os outros são um saco, especialmente aquele que fede a academia, a gente era sua família! E nenhuma das suas peguetes ia topar um almoço de domingo com você, elas querem outra coisa.

Algum tempo atrás, realmente essa visão de lobo sem matilha faria sentido, mas as coisas não são mais assim. Primeiro porque Kakashi aprendeu que sua rebeldia contra tudo e todos não precisava ser tão literal assim, então se resume a mijar em túmulos de cuzões, jogar pedra durante protestos e beber muito enquanto fica em locais abafados, cheio de gente e música, e depois porque Iruka realmente mantém sua vida social muito ativa. Toda hora ele tem algo para fazer e sempre arrasta seu feio e mal-encarado cão de guarda punk.

Domingo passado foi um desses dias, ele decidiu que precisava ir com um monte de twinks para uma piscina, o que foi uma absoluta perda de tempo. Não dava para olhar para eles, porque isso significaria uma longa e chata dr, e nem teve farra na piscina, porque todos estavam muito ocupados em atolarem sungas, se besuntarem de protetor e reclamar de, pasme, como o sol estava quente e água parecia funda. Todos uns chatos, faltava a bunda e a personalidade do seu.

Só que não tem como Obito saber nada disso, ele é muito mauricinho para seus hobbies menos ortodoxos e a essa altura já é manjado repetir o fato dos seus interesses completamente pessoais sobre a pureza – que nunca existiu – de Iruka. Claramente está rolando aqui o que os engravatados chamam de conflito de interesses e não tem como alguém vencer.

— Por que você não me fala a verdade, Kakashi?

Quando Kakashi se dá conta, está sendo empurrado de novo por Obito, cujos pés afundaram um pouco na terra lamacenta. Sua reação vem logo depois, com suas mãos agarrando os cotovelos dele e balançando-o, tentando irracionalmente o lançar no chão como se isso fosse um ringe de luta. Nada disso está fazendo sentido e sinceramente a chuva batendo no corpo o tempo inteiro não está ajudando em nada.

— Que verdade? — ele murmura, sentindo os próprios solados afundarem numa velocidade perigosa. É como estar lutando em um chiqueiro, só que sem os porcos e com um pouco mais de higiene. — Não tem porra nenhuma, tô dizendo.

— Quem você está comendo, cara?

— Está com ciúmes? — Kakashi sussurra com o rosto muito perto do de Obito, seu hálito batendo na cara ensopada dele. Seus olhos se estreitam quando ele segura na sua regata, bem nas alças fininhas, e as puxam, forçando-a subir um pouco e machucando. — Ei! Essa roupa é nova, eu ainda nem deixei alguém tentar rasgar.

— Me solta.

— Me solta primeiro.

— Deixa de ser criança.

— Você é o mais velho — Obito acusa e realmente não tem argumentos quanto a isso. — Você é o mais velho dessa viagem toda, devia estar cuidando das coisas. Nós não tínhamos segredos, lembra? Sempre falávamos tudo. Eu te falei que tava pensando em casar para ver se você dizia algo, mas...

— Então a história de casar é mentira!

— Claro que é!

— Você mentiu para mim. Você mentiu para mim na cara dura! Eu estava vendo preços de ternos.

— E nem quando eu disse que estava prestes a me tornar um marido cê cogitou me falar qual a pessoa que está de deixando tão ocupado...

— Eu...

— Você me ligava dizendo quantos tinha pegado na noite, cara. A gente tinha algo especial. Achei que tínhamos.

— Claro que temos! Somos uma dupla, tipo... Batman e Superman.

— Eles são inimigos, idiota. Tentaram se matar no último filme.

— Foi?

— Claro que foi!

Ok, eles estão parecendo dois idiotas agora. Assim que pensa nisso, Kakashi sente o rosto esquentar, muito, e suas mãos perdem um pouco da força, quase soltado. É melhor para isso aqui antes que se tenham consequências de verdade, além de lama na meia. O carro uma hora vai ser consertado, nem que seja preciso tirar um ronco no motel largado as traças, e depois eles vão poder ter uma conversa de verdade, em um lugar sem tantos mosquitos.

Decido a acabar com tudo, ele dá um passo para trás, e se prepara para dar outro, mantendo os olhos fixos no rosto que parece tão inquieto quanto o seu. Com razão! Nem na adolescência eles agiam desse jeito tão infantil. Mas daí seus esforços vão por água a baixo por um mero deslize. Um literal, no caso.

Não tem nem espaço para reagir, Kakashi só vê a si mesmo caindo e empurrando o melhor amigo no processo até eles estarem deitados sobre a lama, um escorregando por cima do outro, tentando desesperadamente sair disso e só piorando a situação. Mãos tentam se agarrar em algo que não seja roupas ou corpo, pés continuam buscando a firmeza de um chão de verdade enquanto o restante dos membros desliza por aí, como se estivessem nadando no lugar errado.

— O meu pau! — Obito reclama e Kakashi não vê outra opção além de rir. — Nós não somos mais melhores amigos, Kakashi — ele reclama e puxa, igual uma menininha, o cabelo platinado sujo de terra. — Você me jogou!

— Eu cai!

— Quem cai desse jeito?

— Eu, com certeza... — Mais uma risada escapa e dessa vez ela é compartilhada, ecoando fácil pelo vazio do arredor. — A gente precisa se acalmar, se não nunca vamos sair dessa poça inútil super rasa.

No segundo seguinte, Obito apenas desiste de se debater como um peixe se afogando e gira o corpo até encarar o céu nublado. Gotas de água encontram o rosto dele, lavando-o pouco a pouco, criando trilhas úmidas para a sujeira deslizar. Ele parece tão tranquilo, com o rosto sereno, livre de qualquer sinal de preocupação, que Kakashi em um ato de pura estupidez se junta a ele, deixando o restante de sua dignidade – e do seu corpo – conhecer a textura de uma lama fresca, criada agorinha.

— Somos patéticos...

— Somos.

Faz tanto tempo que eles são amigos, que o momento em que eles viraram amigos não existe mais. Sempre que bebe mais do que deveria e está junto de Obito, Kakashi se pega tentando lembrar de quando decidiu que ia levar essa criatura tão burra para a sua vida, e a memória nunca vem. Não parece existir uma fase sem ele, é como se a vida tivesse começado com a chegada de Obito, a descoberta da pornografia e visitas a lojas de música underground, tudo antes desses momentos não passava de momentos vazios com algumas ceninhas memoráveis.

E nem dá para pesar o que importa mais. É essa amizade ou a pessoa que fez um relacionamento parecer possível? São coisas diferentes, sensações diferentes, amores diferentes. Obito nunca fez seu pau subir, felizmente, e Iruka nunca se deitaria na lama ao seu lado para olhar um céu que nem estrelas tem.

— Eu estou pegando seu irmão, Obito.

— O que...

— Namorando. Estamos namorando. Eu estou namorando o Iruka.

Kakashi estava esperando muitas reações, mas nenhuma parecida com a que está recebendo. Pessoas como Obito Uchiha não costumam ficar em silêncio e quando fazem, é sinal de que o mundo está perto de acabar. Seus olhos vão na direção dele e seu corpo segue esse desejo, mas nada serve para trazer um significado. O rosto cujo amadurecimento foi visto em tempo real parece o de um estranho e nada mais.

Talvez seja isso o que eles são agora, estranhos. Somente estranhos conseguiriam conviver com um segredo desses por tanto tempo, amigos, melhores amigos, irmãos pela vida, não o sangue, teriam resolvido isso muito tempo atrás.

— Eu realmente gosto dele — Kakashi emenda, aceitando de vez o risco de somente apanhar. Ele deixaria dessa vez, pelos velhos tempos. — Trato bem. Se você tirar um tempinho para digerir isso ai, talvez a gente consiga... Cê sabe, resolver. Não quero ter que, sei lá, escolher.

De repente, uma luz forte cega Kakashi, vinda tão de repente que a reação dele demora a vir e quando vem, é estupida. Levantar as mãos, o que só faz a luz passar por entre os dedos. É uma sensação tão ruim que ele prefere acreditar que está enlouquecendo, tragou algo ruim e deu no que deu, mas suas esperanças somem quando Obito faz um som engasgado e esperneia na lama.

Puta merda, se for para ser algo bizarro, que pelo menos sejam os alienígenas. Eles ao menos são exóticos e vai ser muito divertido sugerir alguém aleatório para o lance de leve-me ao seu líder. Bip-Bop.

— Olha o que temos aqui... — Uma voz rouca diz e Kakashi começa a se arrastar para trás, usando os cotovelos como apoio. — Se forem transar, paguem um quarto. E se...

A luz vai na direção do carro e só invés de se preocupar em ver quem ou o que está a fazendo, Kakashi usa toda a força para sair da fossa lamacenta e ofegante se levanta. Suas mãos raspam a lama do rosto e seus olhos vão para o Obito, que está parado, quase como se tivesse morrido de desgosto. É melhor deixar ele aí por enquanto, lutar contra aliens não deve ser tão complicado, eles não conhecem a malandragem humana.

— Quebrou?

— Nós viemos em paz!

— O que?

Kakashi se abaixa quando o feixe está vindo na sua direção e finalmente observa a realidade. A tal luz? Vem de uma lanterna das grandes e quem está a empunhando é um velho barrigudo, sem cabelo e que usa uma roupa suja, xadrez vermelho e preto por baixo de uma jardineira suja de alguma coisa.

— O carro, garoto.

— Ah, sim. Sim! Quebrou, eu tô tentando ajeitar, mas não temos ferramentas e... Ficaremos empacados por aqui enquanto isso.

— Tem ferramentas lá. — A lanterna vai na direção da puta que pariu, revelando um caminho perdido entre estruturas velhas que devem fazer parte do motel e árvores de tronco fino. — Na velha garagem. Só ir lá, pegar e arrumar.

Depois da cota sábio misterioso, o velho olha para Kakashi e cospe no chão, não que ele estivesse precisando de mais alguma umidade. A ideia de estarem sozinhos nesse lugar abandonado já tinha assentado nos pensamentos e saber que não é bem assim causa um monte de sensações ruins. Não que pessoas sejam assustadoras, Especialmente porque Iruka e Rin estão dentro do motel e os únicos que poderiam socar gente estranha estão do lado de fora, sujos e cansados.

— Melhor que ficar aí parado levando chuva — o estranho fala, arrogante, e se vira.  — Jovens, sempre enchendo o saco...

Seus passos na direção do absoluto nada causam um suspiro de alívio, que depois vira um olhar de preocupação. Por um excelente motivo, afinal ele sumiu. O homem sumiu. Kakashi não está louco, o velho foi, foi, e então a luz se apagou e ele desapareceu na neblina chuvosa.

— Ok. Foi um bom papo! Muito, muito, produtivo, seu esquisitão! —  Depois de ter certeza de que ninguém vai voltar irritado, Kakashi começa a respirar fundo e só para quando o frio começa a incomodar. Os pelos dos seus braços, aqueles praticamente invisíveis, estão todos arrepiados, e no pescoço a situação é igual, subindo até a nuca suja. — Bizarro... — ele murmura e arrisca olhar na direção o melhor amigo, tudo para o ver na mesma posição deplorável.


Notas Finais


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Até!


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