"Eu nunca perdi o controle. Você está cara a cara com o homem que vendeu o mundo. " - The Man Who Sold The World, Nirvana
EUA, Califórnia— San Diego— 2015, 08h30 AM
Point of view Justin Bieber
Me sento no banco de trás da SUV colocando meus óculos escuro numa tentativa de me proteger dos flashes que virá em direção ao carro. Tenho certeza que depois do ocorrido na noite anterior, a entrada e saída deste hotel estariam cheios de paparazzi com suas malditas câmeras nas mãos, me fazendo perguntas idiotas e tirando fotos que para vender a algum site de fofoca qualquer. Mas é ouvindo a barulheira que preenche todo o ambiente, que percebo que a coisa é mais insana do que pensei.
Assim que o carro começa a andar em direção a saída do estacionamento, surgem os primeiros flashes e muitas batidas na lataria do carro, todas feitas por fãs e paparazzi. Fico estático, apenas observando todos agirem como animais selvagens em busca de alimento após vários dias sem comer.
É surreal pensar que tudo isso é por minha causa? Quer dizer, eu não posso valer tudo isso, ou posso? Mesmo depois de anos eu ainda não me acostumei com a situação caótica que é a vida de um famoso e às vezes tenho a impressão de que sou o único nessa.
Após todo o sufoco para sair no meio daquela multidão, o carro começa a andar rapidamente pelas vias de San Diego, agora eu posso voltar a respirar em paz.
— Conversei com o Floyd ontem após seu desmaio. — Scooter quebra o silêncio que havia se instaurado dentro do carro — Foi ele que nos indicou essa clínica. E olha, Floyd disse que o ajudou muito no passado — como não digo nada, ele prossegue — Eu sei que você não quer isso de jeito algum, Justin. Mas eu realmente não consigo fingir que nada acontece em todos os seus shows. Precisamos ver o que realmente está rolando com você, pois nos preocupamos muito com seu bem-estar. Por isso eu peço sua colaboração hoje. Pelo menos hoje você precisa se ajudar.
Novamente não digo nada, apenas volto meu olhar para janela agora aberta.
O vento vem em meu rosto com força e a vontade que tenho é de chorar, mas não quero e nem posso ceder. Não vai adiantar discutir e pedir para voltar atrás, eu realmente preciso dar essa chance a Scooter.
Avulso, irrelevante ao mundo e quase inexistente, é assim que venho me sentindo. Sabe quando você sente que falta algo em sua vida e não consegue achar a coisa que lhe falta? Há um longo tempo que venho estado dessa forma e eu não consigo entender esse sentimento tão desesperador e confuso que há dentro de mim. É como se eu pudesse estar no meio de milhares de pessoas e ainda sim, eu continuarei a me sentir solitário. Isso vem me corroendo aos poucos num período tortuosamente extenso e sem fim.
Não tenho mais o sono da noite e nem a disposição do dia. Meu corpo se faz presente, mas minha alma não. Ela continua inquieta e distante ainda que eu esteja em estado vegetativo ou fique parado por algum tempo. Esse choque de diferenças é algo do qual no fundo eu sei que nunca vou saber lidar mesmo buscando toda a ajuda do mundo.
De vez ou outra vejo Scooter me olhar pelo espelho retrovisor do carro, ele parece preocupado, mas chego à conclusão de que ele está começando a passar dos limites com essa proteção por mim. Me sinto como uma criança no auge dos seus sete anos de idade que não pode fazer nada sem a supervisão de um adulto. Por mais que eu veja em Scooter uma figura paterna, continuo odiando essa proteção toda. Parece tão estupido para alguém de 26 anos.
Posso não gostar da proteção do Scooter, mas no fundo eu sinto falta de minha mãe. Sinto falta de vê-la no meu dia-a-dia, de escutar seus sermões e conselhos, da sua voz calma e muitas vezes serena. Eu sinto falta do seu sorriso todos os dias de manhã, tarde e noite. Mas a vida decidiu afastá-la de mim por quilômetros de distância. Na verdade, eu decidi, e todos os dias me culpo por isso.
Às vezes ainda consigo ter a visita dos meus irmãos, e eu adoro quando os vejo correndo pelos hotéis em que estamos hospedados. Eles já não são mais crianças, estão entrando na pré-adolescência, mas toda vez que vejo o sorriso no rosto deles por qualquer bobagem e a ingenuidade em seus olhares, eu quero continuar firme de certa forma. Eu precisava ser forte por eles.
Ao sentir o carro parar, finalmente percebo que o que eu tanto estava evitando se faz real, e eu preciso encarar isso. Meus olhos caíram em Scooter ao ver o mesmo já fora do carro, saio do veículo encarando a pequena e bastante peculiar clínica. Parece tão agradável que chega a ser assustadora. Como um lugar tão bonito e florido pode guardar em suas paredes segredos e confissões tão ruins?
— É pelo o seu bem, Justin — Apenas balanço a cabeça assentindo a ele, e começo andar em direção à entrada da clínica de psiquiatria. Seja lá o que me aguarda, não vai ser tão fácil como esperam...
Ao entrar na recepção, a primeira coisa que vejo é uma senhora, aparentemente simpática, com seu sorriso de orelha a orelha e o olhar direcionado a mim, retribuo seu ato, mas não tão contente como a própria.
— Olá senhor Braun — ela volta seu olhar a mim. — Senhor Bieber... Bom, o Doutor Steve já está aguardando vocês há um tempo.
— Desculpe — Scooter suspira me olhando — Tivemos alguns contratempos!
— Tudo bem! Podem me seguir, levarei vocês até a sala.
— Obrigado — e a moça da qual não sei o nome dá um sorriso como resposta.
Começamos a seguir a senhora baixinha e sorridente pelos corredores extensos da clínica, seus pequenos saltos fazem um barulho tão irritante nos pisos deste corredor que chega a doer à cabeça. Decido que hoje estarei totalmente concentrado e tento focar no ambiente a minha volta, por isso que ao chegarmos à sala, noto que há um sofá pequeno e bege encostado na parede e uma televisão fixada no espaço à frente, no qual passava algum canal de notícias. Havia também um bebedouro embaixo da própria com uma mesinha logo ao lado com bolachas e café. No canto da parede esquerda, havia duas portas de madeiras, deduzindo que uma delas seja o banheiro.
É um lugar bem arejado, concluo mentalmente.
— Vou avisá-lo que chegaram — a senhora diz, me tirando da minha inspeção pelo lugar.
— Tudo bem — escuto Scooter falar por aquela sala silenciosa.
Ele decide se sentar no sofá e eu continuo em pé. Não estou querendo ser o "diferentão", mas não vejo o porquê de sentar se já irei me levantar logo.
Um barulho de porta sendo aberta tira minha atenção de Scooter. A mesma senhora passa por ela, sorri e olha para mim.
— Ele já o espera.
Assinto e começo a andar em direção a porta encostada, e eu fico encarregado de fecha-la assim que passasse por ela, mas não entro.
— Ei! Então você é o salvador da pátria, não? — indago com um sorriso irônico.
— E você é Justin Bieber, certo?
— Em carne, músculos e beleza.
Isso sai tão natural em minha boca que tenho que fazer esforços para conter a risada que está querendo vir. Hoje tirei o dia para ser sarcástico. Cuidado!
— Podemos notar — ele diz bem humorado e aponta para a porta atrás de si — Queira entrar, por favor.
Entro e percorro os olhos pela sala. É escura, mas tranquila. Na verdade, é agradável aos olhos e eu estou surpreso por não ser tão clara e claustrofóbica como eu pensava que costumava ser. Talvez isso seja uma armadilha para que eu pense que a conversa que eu não quero ter me fará bem.
— Olha, a gente pode fingir que conversamos e... — ele não me deixa terminar, apenas indica uma cadeira giratória e superconfortável na qual eu me sento. Logo me ponho a encará-lo, mas ele não se intimida. Parece até achar divertido.
— Não tinham me avisado que o senhor tinha 16 anos, senhor Bieber — é o que eu ouço depois de um tempo.
— O quê? Mas que... — novamente ele não me deixa terminar de dizer algo. É nítido que tanto ele quanto eu sabemos que irei disparar besteiras novamente.
— Por onde começamos?
— Não sei, você que é o cara aqui. Quem deveria saber é o senhor!
— Bom, senhor Bieber, eu trato meus pacientes de acordo com a idade deles — dispara sereno, e apesar da serenidade com que fala, é notório o quão ríspido e autoritário está sendo — Podemos lidar com o senhor como se fosse um garoto de 16 anos ou simplesmente o senhor pode agir como um homem de 26. Estou te dando à oportunidade de escolha.
— Não estou agindo como se tivesse 16. — retruco irritado.
— Tem razão. Até onde tenho conhecimento, com 16 anos o senhor agiria como um homem.
— E como seria agir como um homem? — trago meus braços para trás da cabeça relaxando naquela cadeira, e meus pés vão de imediato para sua mesa.
Inicialmente ele limita seu olhar entre meus olhos e pés em sua mesa. Então vem a conclusão: Isto que estou fazendo já começa a explicar o que não é ser um homem. E eu sei que o modo como tenho agido é tão estúpido quanto à ideia de que o senhor de pele bronzeada, cabelos negros com raros fios brancos e aparência austera e soberana vai me ajudar. O analisando noto que ele se parece com um índio Cherokee e isso parece peculiar o suficiente para eu me endireitar na cadeira e prestar atenção no que ele tem a dizer.
— Boa pergunta, senhor Bieber. Talvez eu esteja errado ou talvez isso possa variar de acordo com a cultura, costume e ideais de determinada pessoa, mas da onde venho, o mínimo que se espera é que um homem seja paciente, respeitoso e disposto a ajudar. Principalmente se ajudar.
— E se eu não quiser me ajudar? — olhei o desafiando.
— Então ninguém mais poderá — simplesmente diz e volta a se sentar em sua cadeira.
— Pois deveria. Não é por isso que estou aqui?
— Não. Está aqui para perceber o que de fato quer para a vida, senhor Bieber. Se você não quer se ajudar, não sou eu muito menos Deus, ou seja lá no que você acredita que irá mudar a situação.
— Acha que já não tentei? — indago-o com raiva. — Que eu já não me questionei por que diabos eu sou desse jeito? Isso não é de agora. Vem há tempos e está tomando conta de mim por inteiro. É como uma doença que infecta todo o meu corpo da maneira mais lenta e tortuosa possível.
— E quando acha que isso começou a acontecer? — o homem com cara de chefe de uma tribo pergunta. — Digo isso, seja lá o que for...
— Eu não vou lhe dizer... — resmungo irritado, mas ele apenas me observa calmo e paciente. Parece funcionar, pois logo sem que eu sequer note, estou cedendo: — Está bem, eu não tenho certeza. Talvez por volta dos meus dezoito para dezenove anos...
— O que aconteceu nessa época que o fez perceber que algo estava mudando em você?
— Achei que as pessoas soubessem de tudo sobre a minha vida. — sorrio irônico girando minha cadeira sem parar — Há anos todos têm se metido em tudo, ditando o que devo ou não fazer como se fossem...
— Antes que conclua seu pensamento brilhante, gostaria de lembrá-lo que nem todo mundo se interessa ou tem tempo para ler tabloides sobre sua vida, senhor Bieber — Isso me atinge como uma faca no estomago. É estranho, mas realmente cabível, nem todos se importam ou se interessam pelo o que faço ou deixo de fazer. Então ele prossegue — É por essa razão que estou perguntando. Eu quero saber do senhor à versão dos fatos e o que mais desejar me contar.
— Está certo... — bufo irritado porque não tem mais como evitar. Preciso dizer algo antes que exploda. — Eu não sei bem o que ou quem começou a me mudar. Às vezes penso que veio com as decepções da vida, em outras penso que isso nasceu comigo. Eu sei que há algo de ruim em mim. Não sei o que é, nem o que faz, mas tem horas em que eu acredito que não tenho mais humanidade, sabe?
— E o que lhe ocorre na mente quando isso acontece? — penso um bom tempo antes de respondê-lo. Eu sei que ele não vai me julgar e nem pode como profissional, mas é o olhar sereno e humano do ser em minha frente que me faz contar ao menos uma parte do que se passa. — Sinto vontade de sumir, fazer coisas ruins e maltratar as pessoas. Às vezes parece que não sou bom para continuar existindo e às vezes parece que as pessoas é que não me são o suficiente — suspiro em exaustão parando de balançar a cadeira. — Eu me canso rápido delas. Independente do quanto eu possa amá-las, eu simplesmente me canso, e conviver com as mesmas tem sido um sacrifício. Se eu pudesse eu simplesmente...
— Simplesmente?
— Não quero me matar, se é o que pensa — desvio meus olhos para um porta-retratos qualquer em cima de sua mesa.
— Não pensei. Apenas espero que se sinta a vontade para continuar.
— Posso fazer isso outro dia? — peço após um bocejo que sai sem que eu note. Isso realmente está sendo mais difícil do que pensei.
— Ainda não se sente pronto pra dividi-lo? — o psicólogo, qual eu ainda não recordo o nome pergunta.
— Talvez. — dou de ombros. — Estou cansado.
— Compreendo. Mas acha que consegue fazer um esforço e concluir ao menos essa parte?
— Eu realmente estou cansado.
— Tudo bem — ele puxa uma caneta para si e me ignora.
— Vai me receitar algum remédio? — indago animado ao ver que ele escreve em alguns papéis. — Eu tomo vários e mais um não seria problema.
— Não posso e nem quero lhe receitar remédios, senhor Bieber.
Oh, eu realmente queria que isso fosse mais divertido.
— E por que não? — pergunto irritado, parecendo aquelas crianças que não podem comer mais doces porque já os tem o suficiente.
— No fundo acho que não precisa dessas coisas.
— Acha?
— Se prefere trabalhar com coisas concretas, então sim, eu tenho certeza.
— Quando volto? — não estou muito certo, mas preciso saber quais são as minhas possibilidades de fugir disso tudo.
— Amanhã, semana que vem ou daqui alguns meses ou anos. — ele diz firme ainda a escrever. — Tem tempo o suficiente para pensar se deve ou não voltar aqui, senhor Bieber. Mas lembre-se! — dessa vez tenho seus olhos em mim. — Daqui pra frente à escolha é sua. Não vou aceitar atendê-lo se estiver a mando do senhor Braun. Se vier, que seja por livre arbítrio, afinal, você é quem tem que querer ser ajudado.
"Afinal, você é quem tem que querer ser ajudado" isso logo me fez lembrar o que Scooter tinha dito algumas horas atrás.
"Precisamos ver o que realmente está rolando com você, pois nos preocupamos muito com seu bem-estar. Por isso eu peço sua colaboração hoje. Pelo menos hoje você precisa se ajudar."
E a verdade é que não importa o quanto eles queiram me ajudar, isso sempre vai começar e terminar comigo...
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