Os barulhos matutinos daquela cidade urbanizada foram responsáveis por despertar Trafalgar Law. Ele estava mesmo merecendo aquele descanso. Abriu as pálpebras com calma e viu que Luffy ainda estava aninhado a seu peito.
Sorriu com aquilo. Foi a primeira vez que ele havia conseguido ter um bom descanso depois de muito tempo. Não teve pesadelos. Estava totalmente renovado. Isso se devia ao fato dele ter dormido com Luffy? Law não sabia dizer, mas estava muito feliz com isso.
Olhou para o rosto sereno do pequeno. Estava dormindo profundamente. Law acariciou aquela cabeleira macia. Os cabelos de Luffy eram tão negros quanto os de Law, até mais, na verdade.
Desceu a mão devagar e a descansou no peito do pequeno. Sentia seu coração bater. Era um ritmo gostoso. Bom. Calmo.
Colocou Luffy cuidadosamente mais para o lado, para ele poder se mexer livremente. Passou a mão novamente naquele rosto e notou o corto no lábio de Luffy.
Devia ter sido feito quando Luffy estava... Argh. Law não precisava pensar nisso agora.
Se aproximou mais do rosto do pequeno e deixou um pequeno selinho em cima da boca de Luffy, onde o corte se encontrava.
O menor se mexeu um pouco e soltou um pequeno gemido de cansaço. Law havia achado engraçada e fofa a reação do menor.
Antes de se levantar, deu outro selinho, dessa vez na testa do moreno.
Luffy não reagiu dessa vez.
Law não queria abusar mais, se levantou e deu uma boa espreguiçada. Sentiu todos os músculos de seu corpo relaxarem. Talvez precisasse de um banho para ficar desperto.
Aproveitou que ainda estava com a toalha na cintura e se encaminhou direto para lá, sem fazer muito barulho.
Na verdade, achou cômico que ele passou a noite inteira praticamente nu, com aquele pivete em seu colo. Talvez ele estivesse perdendo o jeito.
Se fosse a alguns anos atrás, Luffy teria acordado sem conseguir andar nesta manhã.
Quando chegou ao banheiro, se lembrou que deixou as vestes ensanguentadas no lixo. Aquilo lhe causou nojo. Fechou o saco que também possuía as roupas rasgadas de Luffy e o deixou de lado. Depois o colocaria para fora.
Jogou a toalha em cima da pia e ligou a ducha, entrando logo em seguida.
Enquanto sentia a água pingar por toda a extensão de suas costas, teve uma ideia um tanto inapropriada.
Law não lembrava a última vez que dormira com alguém e toda aquela abstinência estava começando a afeta-lo seriamente.
Se ele fosse rápido, poderia aproveitar que Luffy ainda estava dormindo e se aliviar.
Olhou de relance para a porta entreaberta do banheiro e ficou imaginando se Luffy despertasse e o visse fazendo aquilo.
Era melhor não arriscar. Era capaz de Law não conseguir se controlar se Luffy o pegasse no flagra.
Depois da ducha, desligou o chuveiro e se enrolou na mesma toalha de ontem.
Caminhou lentamente até seu quarto para pegar uma troca de roupas e viu que Luffy ainda dormia na mesma posição de mais cedo.
Tentou ignorar que estava seminu novamente e o garoto em uma boa cama e se dirigiu ao guarda roupa.
Vestiu uma calça jeans preta e uma blusa branca. Calçou seus sapatos e penteou os cabelos com as mãos.
Depois de arrumado, se dirigiu para fora do quarto e foi em direção a cozinha. Achou melhor preparar um café para estar totalmente desperto.
***
Quando Law estava servindo sua própria xícara, escutou murmúrios vindo de seu quarto.
Não demorou para Luffy aparecer e se sentar em um dos bancos na bancada da cozinha.
Estava com uma cara horrível.
- Minha cabeça dói. – Ele disse ao maior.
- Isso chama-se ressaca. – Law lhe respondeu, enquanto pegava outra xícara no armário. – É o que acontece quando crianças bebem. – E serviu um pouco de café para Luffy. – Beba, vai se sentir melhor.
- Não gosto de café. – O menor retrucou.
- E eu detesto teimosia. – Ele empurrou a xícara gentilmente até Luffy. – Só uns goles.
O menor olhou para a xícara e decidiu tomar, mesmo que a contragosto.
- Blah... – Luffy havia feito uma careta. – Amargo.
Law não pode deixar de rir com isso.
- Se lembra de algo da noite passada?
- Mais ou menos. – Luffy respondeu. – Está um pouco confuso.
- Quer ajuda para lembrar? – Law indagou.
- O quê? – Luffy levantou os olhos e olhou confuso para o maior.
Trafalgar deu um rápido selinho nos lábios do menor, deixando Luffy corado. – Lembrou?
- E-Eu não... – Ele estava ficando bem vermelho.
- O quê? A sua coragem era somente a bebida falando?
Law se levantou do balcão antes que Luffy respondesse, e se sentou no sofá.
- Vem aqui. – Ele pegou a caixinha que já havia deixada preparada. – Preciso ver seus machucados.
- Eu estou bem. – Luffy tentou argumentar, mas ainda sentia os machucados doerem um pouco.
- Se você se sentar aqui sem fazer birra, vou te contar um segredo.
Aquilo despertou o interesse de Luffy.
O menor se levantou e se sentou do lado esquerdo de Law.
- Quê segredo?
- Primeiro os machucados.
Luffy não teimou, deixou que Law fizesse o que queria.
Ele cuidou do lábio cortado dele, e depois observou como estavam os ferimentos no tronco do pequeno.
Luffy se sentiu um pouco envergonhado quando Law levantou sua blusa, mas não fez nada para impedir, apenas manteve-se quieto.
Quando Law havia terminado de olhar tudo e ver que ele estava bem, soltou um suspiro que Luffy pensou inicialmente ser de alivio, mas na verdade era de desconforto.
- Eu sei que ele não chegou a terminar mas, bem, ele te machucou aí embaixo?
- N-Não! – O menor respondeu totalmente desconfortável. – N-Não e-eu... ele nem...
- Tá. – Law encerrou. – Eu só precisava saber. Não se preocupe. Não quis ser indiscreto.
Law levantou e deixou Luffy no sofá, ainda um pouco constrangido, foi até seu quarto e assim que voltou para a sala, trouxe consigo uma coisa junto.
Colocou a caixinha branca no centro da mesa da sala.
Law respirou fundo. Ele nunca tinha mostrado aquilo a ninguém antes.
É claro que algumas pessoas sabiam de seu trágico passado, mas ninguém sabia dos detalhes.
Ele nunca conseguiu reviver aquele dia usando palavras, mas sabia que era necessário agora.
- O que eu vou te contar... – Ele começou. – Nunca disse isso à ninguém, Luffy. Nunca. Mas você me fez confiar em você, e preciso que agora você confie em mim. E para fazermos isso, o lance do seu irmão, preciso te dizer o que até então eu estava... bem... é complicado.
Luffy não disse uma palavra. Deixou Law continuar.
- Sei que você mexeu nessa caixa uma vez, mas não acho que viu tudo. E mesmo que tivesse visto, não iria entender apenas vendo.
Law destampou a caixa e tirou primeiro de tudo, as fotos que tinha.
As entregou a Luffy. O menor pegou-as meio receoso.
Law indicou com a cabeça, fazendo com que Luffy as visse, passando-as para trás em sua mão.
- O homem grande e de óculos, ele era meu pai. A mulher de cabelos castanhos e sempre presos era minha mãe. – Ele tomou uma pausa. – A menininha com um sorriso encantador... era minha irmãzinha. Ela... Ela era minha irmã... Lammy. Trafalgar Lammy.
Luffy continuou passando as fotos. Além dessas três pessoas, havia um garoto nas fotos. Luffy de primeiro momento não o reconheceu, pois estava com uma aura totalmente diferente das fotos, mas aquele garoto era Law mais novo. Os olhos dele eram únicos. Profundos. Mesmo quando criança.
- E o garoto, bem, sou eu. Ou melhor, era eu mais novo. Essa era a minha família. Minha verdadeira família.
Depois de ver as fotos, Luffy colocou-as na mesa e direcionou seu olhar para Law. A pergunta estava presa em sua garganta, queria saber, mas não tinha coragem de perguntar o que tinha acontecido. Achava melhor deixar Law achar seu próprio ritmo.
Law foi até a caixa novamente e tirou de lá um relógio velho, a pulseira do relógio era de um couro preto e desgastado, com o relógio em detalhes bronze. Ele não marcava mais o tempo.
- Isso era do meu pai. Era seu relógio favorito. Ele tinha ganhado de presente do meu avô. Eu não cheguei a conhece-lo.
Law colocou o relógio em cima da mesa, ao lado das fotografias e passou para o próximo item.
Tirou dessa vez um anel prateado, com algumas gravuras nele. Era um anel grande, mas sem nenhuma joia ou nada do tipo. Mas era muito bonito. Não estava sujo nem enferrujado ou desgastado.
Law entregou o anel a Luffy e deixou o pequeno o inspecionar sozinho.
Luffy reparou nas palavras talhadas no anel:
“Věříš mi – věřím ti, víš a vím, bu jak bu , nezradíš – nezradím”
Aquilo intrigou Luffy. Ele não reconheceu o idioma e nem o que estava escrito ali.
- Era da minha mãe. – Law respondeu. – Ela havia ganhado do meu pai quando eles se casaram. Lindo não é?
Luffy assentiu. Não era um anel feminino ou masculino. Era unissex, e muito bonito mesmo.
- Essas palavras – O pequeno perguntou. – O que significam?
- Isso era um juramento antigo, feito por garotas que sobreviveram ao holocausto. Era de um livro que minha mãe gostava. Um juramento feito por elas com tamanha profundidade e lealdade, que chegava a ser extremamente poderoso.
Luffy estava totalmente atento as palavras de Law.
- “ Você acredita em mim, eu acredito em você. Você sabe o que eu sei. Venha o que vier, você não me trairá, assim como não trairei você. ”
Quando ouviu o que significavam, Luffy olhou mais uma vez para aquele anel. Era um juramento intenso. Pensou no quanto aquelas palavras também significavam para Law.
Ele colocou o anel em cima da mesa e deixou que Law continuasse.
Por fim, o maior tirou o último item da caixa. Este estava um tanto amassado, mas estava sem poeira alguma.
Era um chapéu grande e peludo, na cor branca e possuía algumas pintinhas pretas. Luffy tinha achado muito bonito.
- Eu tinha ganhado isso da minha irmã, no meu aniversário de 10 anos. Eu sempre o usava. Sabia que ela tinha tido trabalho para achar isso e me dar.
Law colocou o chapéu ao lado dos outros itens e fechou a caixa. Se recostou no sofá e respirou fundo mais uma vez.
- Eu... Quero te pedir um favor. – Ele encarava Luffy com intensidade. – Quando eu começar a falar, deixe que eu vá até o fim e não diga nada. Não me interrompa. Eu te respondo o que você quiser depois, mas me deixe chegar até o final primeiro. Como eu te disse, nunca falei nada disso a ninguém, e não sei se consigo continuar se for parado ou interrompido. Prefiro dizer tudo de uma vez.
- Não vou te interromper. – O menor respondeu. – Leve seu tempo.
- Obrigado. – Law juntou as mãos em frente ao seu colo e levou seu olhar para os itens em cima da mesa.
O real motivo dele ter fechado as mãos sobre seu colo era para Luffy não perceber o quanto ele estava nervoso. Não queria que o menor visse suas mãos trêmulas.
- Eu vinha de uma família rica. Bem sucedida. Meu pai era um cardiologista famoso e minha mãe uma historiadora. Eles tinham muita influência. Eram muito inteligentes. Eu era o filho mais velho, e por isso sempre tentava superar as expectativas deles. Queria ser um exemplo para minha irmãzinha seguir. Eu também era muito protetor em relação a ela.
Law cruzou as pernas no sofá.
- Era uma vida perfeita, por assim dizer. Éramos felizes. Isso aconteceu um tempo depois que eu fiz 11 anos. Nós tínhamos acabado de voltar de uma viagem do exterior, estávamos cansados e eu me lembro que tínhamos decidido pular o jantar naquela noite. Havíamos chegado bem tarde. Eu e minha irmã fomos para nossos quartos para desfazer as malas e descansar. Meus pais devem ter feito o mesmo. Eu não tenho certeza, estava cansado demais para ver o que eles iriam fazer.
Aquilo tinha sido uma novidade para Luffy. Ele não fazia ideia que Law era um rico. Quer dizer, sem ser por causa da máfia.
- Eu deixei minhas coisas no chão, perto do guarda roupa e me joguei na cama. Passei a maior parte daquela viagem com Lammy, e ela sabia me cansar. Era uma caçula e tanto. – Ele soltou um sorriso frouxo. – Eu tinha feito onze não fazia muito tempo e ela tinha nove. Agora que eu penso nisso, já faz um bom tempo. É estranho como nunca parou de doer.
Ele levantou o rosto e encarou Luffy. Depois desviou novamente e encarou as próprias mãos.
Luffy nunca tinha visto o maior reagir daquela maneira.
- Me lembro de ter acordado com gritos. Levantei correndo da cama, ainda atordoado e antes que eu pudesse chegar na porta do meu quarto, um homem com uma máscara esquisita entrou e apontou uma arma na minha direção. Eu não sabia se estava tendo um pesadelo, ou se aquilo era real. Meu coração batia muito rápido. Eu estava com medo. Muito medo. Lembro de ter recuado um pouco, mas o homem me puxou pelo braço e encostou a arma na minha cabeça. Eu estava mole. Não conseguia reagir. Nem dizer nada. Ele me levou lá para baixo, eu escutava os choros da minha irmã e meus pais desesperados dizendo para eles não fazerem nada.
Law havia começado a suar.
- Quando estávamos lá embaixo, ele me jogou no chão. Eu estava próximo o suficiente da minha família para ouvir suas respirações, mas longe o bastante para não poder tocá-los. Tinham mais 4 homens usando máscaras e armados. Todas estavam apontadas para nós. Eu não conseguia pensar direito. Escutava Lammy chorando baixinho. – Law levou uma das mãos ao rosto. – Eu achava que pudesse desmaiar a qualquer momento. Estava tremendo. Não demorou muito e um outro homem mascarado desceu as escadas segurando um saco de dinheiro.
Só agora Luffy havia percebido que Law estava tremendo.
- Me lembro que houve uma discussão. Eles achavam que estávamos escondendo mais dinheiro pela casa. Meu pai tentou convence-los do contrário e implorava para deixar-nos vivos. Que ele podia conseguir mais dinheiro se eles quisessem. Mas não foi assim que aconteceu. Os ladrões ficaram irritados. E-Eu... Não me lembro direito do que foi dito em seguida, mas... mas quando eu virei o rosto para olhar para minha irmã... eu escutei os disparos...
Law respirou fundo.
- Eles haviam atirado na cabeça deles. Dos meus pais. Eles caíram mortos. Bem ali. Na minha frente e na de Lammy.
Luffy estava se sentindo enojado. Como alguém podia fazer isso?
- Eu queria gritar. Queria levantar e correr até eles. Mas a arma apontada pra minha cabeça me impedia de reagir. Eu escutava os choros de Lammy. Ela estava mais assustada do que eu. Queria ir até ela. Mas eu não podia. Eu sei que eles ainda estavam furiosos. Não tinha sido o suficiente. Me levantaram e disseram que não iriam embora com só aquilo. Me lembro deles dizendo que matariam Lammy se eu não encontrasse mais coisas de valor na casa e entregasse a eles. Tudo passava muito rápido. Lembro de me darem um tempo. Algo como cinco minutos. Eu saí correndo desesperado e fui direto para o quarto dos meus pais. Lembro de ter tropeçado, estava com as pernas bambas e deixava as lágrimas caírem do meu rosto.
Luffy estava tão tenso quanto Law naquele momento.
- Abri correndo a gaveta de joias da minha mãe e peguei tudo que consegui carregar. Nós realmente não tínhamos mais dinheiro, então pensei em dar algo que talvez eles pudessem conseguir alguma grana, ou sei lá. Não estava pensando direito. Quando fui procurar algo na gaveta do meu pai, fiquei surpreso ao encontrar uma arma pequena, escondida dentro de uma caixa de charutos velha. Eu nunca tinha pego uma arma antes. Lembro que eu tinha tempo. Peguei a arma e a coloquei na minha calça, escondida. Não sabia se estava carregada. Não sabia como fazer para ver e não tinha balas ali na caixa. Eu precisava voltar logo lá para baixo.
Luffy percebeu que o maior estava respirando com dificuldade. Sabia que estava sendo difícil para ele aquilo.
- Quando desci tudo, entreguei as joias à eles e disse que não tínhamos mais nada. Que eram as únicas coisas valiosas. Mas eles não acreditaram. Lembro de ter sido esmurrado e de ter caído no chão com a boca sangrando. Minha irmã chorava cada vez mais. Eles não queriam ir. Achavam que eu estava mentindo. Então resolveram fazer algo pior. Algo muito pior.
Law levou uma das mãos ao rosto e puxou seus cabelos de leve.
- Um dos homens me pegou e me levou arrastado para cima. Outros dois pegaram Lammy e a levaram atrás de mim. Eles eram maiores que nós, mais fortes. Eu queria pegar a arma, mas o homem estava segurando meus braços. Eu não conseguia me desvencilhar. Fomos levados para cômodos diferentes. Minha irmã havia sido arrastada até o próprio quarto, e eu havia sido levado ao quarto dos meus pais. Eu escutava os gritos dela. Eu estava desesperado. Queria chegar até ela. Mas eu não conseguia. Quando o homem entrou comigo nos quartos dos meus pais, ele me deu um soco forte no estômago que me fez cair. Lembro de ter escutado o barulho da porta sendo fechada atrás de mim. Eu estava apavorado. Não sabia o que iria acontecer. Eu só tinha onze anos. Pensei que ele fosse me matar. Mas não era bem isso. Ele havia me pegado pelo cabelo e me jogado com força na cama de casal dos meus pais. Quando ele tentou arrancar minhas roupas foi que eu comecei a entender o que ele queria. Eu era um garoto... não sabia que ele... que tinha como fazer aquilo comigo. Eu era um idiota.
Luffy engoliu em seco. Não sabia se queria que Law continuasse, mas havia prometido não interromper.
- Tudo estava muito rápido. No momento que ele soltou uma das mãos de mim para abrir a própria calça foi que consegui um pouco de mobilidade. Levei a mão rápido até onde estava a arma e a apontei na direção dele. Eu nem pensei. Apenas puxei o gatilho. E pra minha sorte ela estava carregada. O tiro pegou bem na garganta. Ele deve ter morrido na hora pois caiu em cima de mim. Lembro de ter chutado ele com força e me desvencilhado daquele cadáver nojento. Estava assustado com o que tinha feito, mas os gritos de minha irmã me acordaram do transe. Corri até o quarto onde eu sabia que ela estava e tentei abrir a porta, mas ela estava trancada. Chutei ela e dei vários socos, mas não conseguia abrir. Eu estava tão desesperado para chegar até ela que esqueci que havia mais gente lá embaixo. Não sei se eles me escutaram batendo na porta, ou se foi o disparo anterior que os deixou alerta, mas me lembro de ter sentido uma dor muito forte e aguda. Quando olhei direito, uma bala havia passado pelo meu corpo, do lado direito da minha barriga. Eu caí no chão sangrando. Quando olhei para trás vi que os ladrões estavam subindo as escadas. Eu não conseguia me levantar. Doía demais.
Law havia limpado seu suor do rosto novamente.
- Pensei em apontar a arma novamente na direção deles e disparar, mas antes que eu conseguisse fazer isso, eles já estavam perto de mim e me tomaram a arma. Eu estava caído no chão. Ainda vivo, mas não conseguia respirar direito. Me lembro que a porta do quarto de Lammy foi aberta, e que eu tinha visto minha irmã... O que eu vi... Eu queria... Lembro que ela estava sangrando. Ela chorava muito, e um dos homens estava em cima dela. Lembro de ter gritado, queria que ele parasse, que a deixasse em paz. Eu queria mata-lo. – Law suspirou. – Eu não lembro direito mas, sei que quando aquele desgraçado largou ela, ele sacou a arma e atirou no peito dela.
Law estava com as mãos cobrindo o rosto. Não queria que Luffy visse seu rosto agora.
- Ela morreu. Morreu na minha frente. Como meus pais. E eu não tinha feito nada. Eu estava à beira de um colapso. Lembro de ter sido espancado antes de perder a consciência. Quando eu acordei, estava em um lugar totalmente diferente. Estava em um hospital. Não fazia ideia se era um sonho. Se eu tinha morrido e aquele era o maldito lugar que íamos depois que morríamos. Quando vi o soro em cima da minha cabeça, comecei a lembrar do que tinha acontecido. Lembro de gritar por meus pais, por minha irmã. Depois disso lembro que enfermeiros entraram no meu quarto e tudo ficou vago.
Luffy estava tenso. Não sabia se Law iria continuar com aquilo antes de ter um ataque. Ele estava pingando suor.
- Fui me recuperando aos poucos. Não sei porque eu fui o único a não morrer. Eu não dizia nada. Havia passado toda a minha recuperação em silêncio. Quanto estava fisicamente bem, fui encaminhado a uma instituição do governo, onde passei cerca de um mês lá. Eu não possuía qualquer outro guardião legal. Parece que, pelo que me lembro, eu iria ficar sob a guarda do governo até atingir a maioridade e depois disso poderia requerer tudo o que minha família havia me deixado. Nunca disse nada aos policiais ou a ninguém, e os culpados nunca foram pegos. Nunca vi os rostos deles.
Law começou a encarar Luffy.
- Como eu virei um gangster depois disso? – Ele perguntou a Luffy, quase lendo os pensamentos do pequeno. – A família Donquixote estava começando a ganhar forças nessa época. Eles até já tinham um certo controle sobre a polícia. Parece que eu despertei o interesse do chefão. Doflamingo havia ficado interessado em um pivete órfão que por acaso possuía rios de dinheiro. Não sei como ele o fez, porque eu nunca consegui uma resposta, mas logo eu estava sendo oficialmente adotado por ele e minha herança havia sido passada toda a ele. Você deve estar curioso do porque eu aceitei isso, porque não fiz nada a respeito, né? A questão era que eu não ligava. Eu queria morrer, queria sumir. Tinha perdido tudo. Não ligava para aquela maldita herança.
Luffy mantinha o olhar de Law. Não conseguia desviar.
- Eu não passava de um fantasma na família Donquixote. Não fazia nada, não dizia nada. Era como se eu não existisse. Eu estava caindo direto em um abismo, e não iria ter volta para mim. Acho que Doflamingo percebeu isso. Um tempo depois que eu estava com eles, ele me incitou a fazer uma coisa. Machucar uma pessoa. Ele dizia que eu tinha um olhar morto. Que se eu fizesse aquilo que ele sugeriu, iria me sentir melhor. Eu lembro de não ter me importado na hora, mas ele me disse uma frase que percorreu todo o meu corpo. Parecia ter me feito acordar de um longo transe. Ele havia dito; não é justo pessoas ruins ficaram vivas enquanto as boas morrem. Não sei por que aquilo havia sido tão impactante para mim. Quando dei por mim, estava machucando as pessoas das quais foram infiéis a família Donquixote. Com 13 anos eu era conhecido como o carrasco da família Donquixote. Eu era um monstro.
Luffy engoliu em seco.
- Eu queria mais. Queria sair junto com eles. Queria machucar mais as pessoas. Apenas as que chegavam na mansão por serem consideradas traidores não me satisfaziam mais. Foi quando eu percebi que Doffy estava interessado em mim. Não sabia se era algo relacionado a mim, ou se era por eu ser uma criança, por assim dizer. Eu usava isso a meu favor. Deixava ele fazer o que quisesse comigo. No começo eu sofria bastante, porque de alguma forma fazia com que as memórias do que passei voltassem. Talvez porque em certo ponto, eu tinha medo de algum dia ele me machucar, e o medo desencadeava as memórias ruins. Eu passei a ser o brinquedinho pessoal dele. Consegui muitas coisas com isso, mas também estava restrito a muitas outras. Com o tempo, aprendi a me desligar, quando estava com ele. Ajudava a passar mais rápido. – Law suspirou. – Quando fiquei mais velho, ganhei novos lugares na família e fui me tornando mais importante. Até que um dia eu quis me manter afastado. Queria continuar como gangster, mas queria meu próprio lugar. Detestava os apelidos dos outros membros. Detestava ser conhecido como o brinquedinho de Doflamingo. Quando eu saí, ainda estava a par de minhas obrigações como membro da família. Eu só não teria mais que ser usado pelo Doffy. E isso era muito bom. Quer dizer... ele... ele era violento as vezes, mas eu nunca tive coragem o suficiente pra dizer pra ele parar. Eu tinha o medo me fazendo de refém todas as vezes. Por isso que quando saí, foi muito libertador.
Law desviou o olhar.
- Ele tentou me convencer a voltar, mas graças a ajuda de Rosinante, eu consegui que ele me deixasse em paz. Rosinante havia sido o único que cuidou de mim durante todos aqueles anos, sem querer nada em troca. Eu nunca havia percebido direito, mas tinha acabado me apegando a ele. Foi a primeira pessoa a quem eu me permiti confiar depois de muito tempo. Depois disso, eu fui voltando a mim mesmo. Deixei um pouco toda aquela violência de lado. Eu sei que nunca vou conseguir esquecer o que aconteceu a minha família, mas acho que de certa forma, isso fez de mim que eu sou hoje. E não acho que mudaria isso.
Law encarou Luffy novamente.
- Deve estar me achando um monstro agora né? – Ele disse, sem rodeios. – Eu acho, que sou mesmo, em certo ponto.
Luffy se levantou do sofá e pegou o chapéu branco com pintinhas pretas e sentou-se de frente para Law, em cima da mesinha de centro.
Ele colocou o chapéu na cabeça do maior e colocou suas mãos sobre o rosto de Law.
- Acho que você é muitas coisas. – Ele encarava o olhar do maior, surpreso com as atitudes dele. – Mas monstro com certeza não é uma delas.
E Luffy se aproximou mais de Law, depositando seus lábios por sobre os do maior.
Tentou guiar o beijo, mas não tinha muito experiência. Então logo encerrou e encostou a testa sob a de Law.
- Eu sinto muito. Por tudo o que você já passou. Queria ter estado ao seu lado.
- Sou oito anos mais velho que você. Você não passaria de um bebê sujando fraldas e me dando trabalho. – O maior sorriu.
- Idiota. – Luffy sorriu junto.
- Agora você sabe – Law disse baixinho. – Que eu sei o quão duro é perder alguém que se ama.
Luffy assentiu.
- Não vou deixar o mesmo acontecer com você. Eu prometo. Eu vou salvar seu irmão, Luffy.
E Law beijou novamente o pequeno, dessa vez aprofundando ainda mais o beijo. Deixou sua língua brincar com a de Luffy, tentando ensinar como o menor deveria fazer.
Se separaram apenas pela falta de ar.
- Não se preocupe. Eu tenho um plano. Vamos salvar seu irmão.
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