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História Herdeiros do Sol - Capítulo 1


Escrita por: YOUGOT7JAMS

Notas do Autor


Senta que lá vem história!

Oi, meus amores. Quanto tempo, hein? ♡

Dessa vez, resolvi sair um pouco da minha zona de conforto e me arriscar em algo... diferente. Apesar de se passar em um internato (ambiente em que sempre foi meu sonho escrever), essa fanfic é mais densa e complexa do que estou acostumada. Eu mergulhei profundamente nessa história. Fiquei obcecada. Passava 80% do meu dia pensando sobre Herdeiros do Sol, o que me levou a diversas pesquisas, referências e maratonas de The Crown e filmes/livros dark academia. Algumas delas, admito, usei e modifiquei por conveniência, então vocês verão muitas coisas comuns à realeza britânica, mas também diversos elementos novos.

Muito obrigada aos meus amigos e leitores pelo apoio de sempre, ao Vini pela fanart belíssima, à Joon pela capa do Spirit e ao chatgpt, por me dar suporte de baixa qualidade nos dias difíceis ♡

Um pouquinho do que você vai encontrar por aqui:

👑 Um romance proibido entre príncipes;
🏫 Um internato de elite só para garotos;
📚 Uma pitada de dark academia;
🤴 Escândalos, intrigas familiares e muito mistério!

Apesar do título, alguns temas abordados na fanfic podem não ser tão "ensolarados". Entendendo que cada indivíduo tem experiências e sensibilidades únicas, leia os avisos abaixo e certifique-se de que essa é uma leitura segura e confortável para você.

⚠️ Álcool e drogas
⚠️ Bullying
⚠️ Maus-tratos ou morte de animais
⚠️ Menção a suicídio
⚠️ Menção a assédio sexual
⚠️ Menção a prostituição
⚠️ Menção a transtorno alimentar
⚠️ Homofobia internalizada
⚠️ Sexo
⚠️ Violência física e psicológica

Caro leitor, alguns personagens desta história têm suas próprias opiniões e pensamentos, que podem ser considerados moralmente duvidosos e controversos. É importante ressaltar que estes não refletem a visão da autora.

Vou deixar o link para os principais conteúdos no final do capítulo.

Boa leitura!

Capítulo 1 - Capítulo 1


Fanfic / Fanfiction Herdeiros do Sol - Capítulo 1

Casas antigas podem esconder segredos extraordinários: cofres trancados, arsenais empoeirados, paredes falsas e passagens secretas centenárias. E nenhuma casa é mais antiga que um palácio.

Se observar e ouvir com atenção, basta tatear o fundo de um armário de mogno ou erguer um tapete vermelho persa para encontrar o alçapão. Foi assim que Jongin descobriu, entre as galerias de granito do pavimento térreo, o caminho até as escadarias.

Quando se nasce o príncipe herdeiro de uma família influente da realeza, encontrar túneis secretos passa a fazer parte das brincadeiras de criança e das peripécias da adolescência.

Embora a galeria subterrânea se assemelhe a uma prisão antiga com suas paredes de pedra e candelabros de metal enferrujados, o lugar se tornou seu refúgio da etiqueta e dos protocolos rígidos da elite. O palácio de Jeolla está cheio de passagens secretas e atalhos para a cidade, construídos em tempos de guerras, conspirações e assassinatos, por onde costuma escapar sempre que tem chance.

Sentar no chão frio da galeria com a garrafa de Chardonnay entre as pernas traz uma sensação familiar. É quase como se embebedar em uma viela escura em Praga.

Mas Jongin não é o único a compartilhar daquele segredo.

A porta no alto da escadaria se abre, mas não emite o rangido costumeiro. Rahim andou trocando as dobradiças. Esse é basicamente o trabalho dele: vigiar Jongin para evitar escândalos internacionais, se certificar de que esteja seguro e trocar dobradiças que rangem.

O guarda-costas desce as escadas em silêncio. Vestido de preto da cabeça aos pés e com o terno perfeitamente passado, ele parece uma sombra com vida própria, parada de modo fantasmagórico no último degrau.

— Encontrei ele — comunica Rahim pelo rádio, pressionando o aparelho acoplado em seu ouvido. Depois, olha para Jongin como se ele fosse um cão de raça abandonado na rua. — Sua Alteza Real, me acompanhe, por favor. Sua Alteza, sua mãe, o aguarda para o jantar.

Jongin faz uma careta. Ainda é estranho ouvir as pessoas o chamando pelo pronome de tratamento completo, principalmente alguém quase tão jovem quanto ele. Só “Alteza” já era ruim o suficiente.

Com a mesma facilidade com que apertaria um botão, o guarda-costas o ajuda a se colocar de pé e mantém um braço às suas costas para ampará-lo se tropeçar, o que nunca de fato acontece. Jongin não tropeça, mas cambaleia com elegância. Ele tem muita experiência fingindo sobriedade em eventos reais.

No andar de cima, Rahim desiste da pose protetora e ambos começam a andar lado a lado pelo corredor amplo. Eles passam apressados por esculturas caras, escadarias imensas e paredes vazias onde deveria haver pinturas, desacelerando ao chegarem na ala dos quartos.

Jongin para com as costas apoiadas na parede e os braços cruzados no peito.

— Numa escala de um a dez — pergunta ele —, quanto acha que estou encrencado?

O guarda-costas engole em seco. O pequeno gesto seria suficiente para responder sua pergunta, mas ele emenda:

— Com todo respeito, Sua Alteza, mas não acho que uma escala de um a dez seja o bastante para medir.

Jongin sorri. Enfurecer a mãe é sua pior transgressão, mas também um de seus maiores talentos.

— Onze, então. Que seja. — Ele encolhe os ombros. — O que foi dessa vez? Meu ensaio para a capa da Vogue? Minha entrevista na Rolling Stones? Outro escândalo sexual com uma modelo com quem eu nunca dormi de verdade?

— Sua Alteza…

— Já disse que pode me chamar de Jongin. “Sua Alteza” me faz parecer velho, barrigudo e chato, e eu não sou nenhuma das três coisas.

Rahim faz uma pausa reflexiva, como se discordasse da última afirmação. Se as demissões frequentes do cargo de guarda-costas são indício de alguma coisa, Jongin pode até ser considerado um cara difícil de lidar, mas nunca chato ou monótono. Seus dias são sempre agitados e emocionantes. As capas de revista o adoram. Nem sempre pelos motivos certos.

— Evidente que não — diz ele, com uma expressão sombria, seguida de uma reverência breve e rígida. — Com licença.

Ele lhe dá as costas e se retira. No fim do corredor, a governanta e a assessora de imprensa o aguardam.

Algo está errado. Rahim pode até ser um soldadinho de chumbo em ternos de grife, mas costuma ser mais receptivo aos seus gracejos. O que pode tê-lo deixado com um ar tão austero?

Sua lista de escândalos é incalculável. Jongin já foi fotografado seminu pela janela de um quarto de hotel em Saint-Tropez, já deu uma entrevista bêbado no Met Gala e até foi pego beijando uma atriz famosa no terraço de uma festa em Viena. O que pode ser pior do que isso?

Com a mão já na maçaneta, ele se demora no gesto de abrir a porta e aguarda que Rahim desapareça de vista, para só então desviar de seu caminho original até o quarto ao lado.

Ele não bate.

— Boa noite, meninas — cumprimenta Jongin, escancarando as portas duplas. Ele se pendura na maçaneta rosa metalizada em uma pose pouco cavalheiresca, porque já se sente um pouco zonzo e com vontade de vomitar.

O quarto de Jennie é como uma pintura a óleo em tons pastéis, com poltronas clássicas, muitos ornamentos dourados e cortinas repugnantemente rosas. O mix de cores, texturas e padrões entre o papel de parede, o piso e as roupas de cama sempre o deixam enjoado.

— Será que algum dia você vai aprender a bater?

Jennie está sentada em sua cama gigantesca ao lado de Roseanne Park, sua melhor amiga e também futura duquesa de Hamgyong. As duas se afastam, ainda com olhos úmidos e lágrimas escorrendo pelas bochechas, e Jongin sequer precisa perguntar o que está acontecendo.

Rosé estica a mão no ar, exibindo orgulhosamente um anel de ouro, citrino e diamante vermelho.

— Estou noiva! — exclama, sorridente, embora seu sorriso não seja tão brilhante quanto a pedra em seu anel.

Ainda que conheça Rosé desde que eram crianças, Jongin não se surpreende com a notícia. Quase todas as mulheres da realeza já estão noivas ou prometidas em casamento aos vinte anos. Algumas, infelizmente, desde muito antes disso.

— Parabéns, Roseanne Park — ele diz, porque sabe que ela odeia ser chamada pelo nome completo. Ela se levanta e eles trocam um abraço amigável e pouco formal, que seria extremamente condenado nos círculos da alta sociedade. — Vai ficar para o jantar?

Ela seca uma lágrima de felicidade da bochecha.

— Não, obrigada. Estou dando um tempo dos tabloides. Não quero me envolver em novos escândalos com a Segunda Família.

Quando Rosé passa por ele e deixa o quarto, Jongin encara a figura apática de Jennie encolhida na cama.

— Más notícias?

Sua irmã se endireita e ajusta o vestido sobre o joelho com a delicadeza de uma borboleta.

— As piores, eu imagino — confirma ela.

— Tão ruins assim?

Ela encolhe os ombros esguios.

— Faça as contas. Quantas vezes já fomos convidados oficialmente para jantar, senão quando recebemos visitas ou más notícias?

Jennie não é uma princesa só no título. É na essência, de corpo e alma, dos pés à cabeça. Ela é a personalidade feminina mais popular e influente entre as jovens da realeza.

Ainda criança, Kim Jennie já havia se tornado a garota mais seguida do país nas redes sociais e participado de inúmeros desfiles, eventos de moda e concursos de beleza. Aos dezoito anos, se tornou a primeira bailarina em cadeira de rodas a ganhar uma medalha de ouro na competição de balé do Teatro Bolshoi, em Moscou.

Um quadro na parede eterniza o momento em que ela estica o braço, durante a coreografia de Laurencia, com apenas uma roda da sua cadeira tocando o chão.

Jongin continua de pé na entrada, apoiado no batente.

— Você está bêbado? — pergunta Jennie.

— Não — ele responde, alongando a sílaba mais do que deveria.

— Sei. — Ela semicerra os olhos, analisando-o à distância. Depois bate no espaço ao seu lado no colchão. — Vem aqui. Sentar na minha cama cor-de-rosa não vai te matar.

Jongin estreita o olhar.

— Não tenho muita certeza disso.

Mas ele decide arriscar. Cruza a distância que os separa no cômodo e senta entre Jennie, uma coleção de revistas e uma vasilha de uvas roxas. Por um tempo, Jongin apenas fica deitado de modo desleixado sob o dossel de tecido branco, enquanto a irmã lê uma revista de fofoca.

Ele apoia o rosto na palma da mão e tenta espiar as páginas coloridas.

— E aí, me conta. O que está rolando no mundinho real?

Jennie dá de ombros de forma desinteressada e suspira como quem está cansada de tudo. Jongin conhece bem esse suspiro.

— Bom, só o mesmo de sempre. O Duque de Gangwon disse que passou as férias em Mônaco, mas há boatos de que esteve internado numa clínica de reabilitação. Dependência química, eu acho.

Jongin faz uma careta e pega uma uva da vasilha.

— Pavoroso.

— Do Kyungsoo, da Quarta Família, foi eleito aluno destaque de St. Georg pelo sexto ano seguido — continua ela, folheando a revista. — Um lorde qualquer da Sétima Família deve se casar em breve, e parece que a duquesa de Hwanghae está passando por um período financeiro turbulento. Ela apareceu usando um vestido Dior de 2019 em uma festa de gala.

— Inaceitável — responde Jongin cinicamente, enquanto morde a uva e a sente explodir em sua boca. — Ei, o que devo esperar do jantar de hoje? Estou assim tão encrencado?

Ela fecha a revista.

— Não sei, mas, se eu fosse você, já começaria a fazer as malas. St. Georg não parece tão ruim. Nosso pai foi campeão de esgrima lá em 1990.

O Instituto Preparatório St. Georg da Academia Real é um internato de elite para jovens príncipes e descendentes reais. Reconhecido pela rigidez do ensino e seus pilares de qualidade convencionais, o instituto preparatório recebe semestralmente rapazes entre 18 e 25 anos para educá-los sob as tradições da realeza e formar jovens brilhantes, de alta reputação e caráter.

Distante da agitação das províncias e dos olhos atentos da imprensa, o internato é tido como colônia de férias para grande parte da alta sociedade durante o verão.

Jongin nasceu para ser livre e alçar voo, não para ficar preso dentro de uma gaiola de prestígio.

Ele solta uma risada e gira na cama, encarando o teto através do tecido do dossel, esculpido de gesso, enfeitado de ornamentos dourados e pincelado como uma obra de arte. Parece ter sido há milênios, em outra vida. A época em que eram crianças que se deitavam para criar e contar histórias com as pinturas renascentistas no teto.

Ele balança a cabeça.

— Mamãe está blefando. Não vai me mandar para St. Georg. Ela adora me ameaçar com isso sempre que os jornais e as páginas de fofoca têm algo a dizer sobre mim, mas nunca considerou de verdade. No fundo, ela tem medo que eu vá. — Sua voz desce uma oitava, tornando-se sombria. — Principalmente depois do que aconteceu no verão passado.

Jennie solta um longo suspiro.

— Eu não teria tanta certeza dessa vez.

— O que está acontecendo, Jen? — Jongin franze a testa. — O que você não está me contando?

Sua irmã abre a boca para dizer alguma coisa, mas duas batidas na porta interrompem seu fluxo de raciocínio. A governanta anuncia, do outro lado da porta:

— O jantar está servido.

 

✧ ✧ ✧

 

Jongin e Jennie seguem por um corredor de paredes quase vazias. Horas antes, estavam abarrotadas de retratos de antepassados da família Kim que, na ausência da morte do corpo, teriam hoje mais de quinhentos anos. Homens e mulheres que nenhum deles chegou a conhecer. Só restaram as pinturas.

— Onde estão os quadros? — pergunta Jennie, para ninguém em especial.

Para alguém que pertence à realeza, porém, até as perguntas retóricas possuem respostas. Magda, a governanta que sua mãe contratou de uma agência caríssima na Alemanha, apressa os passos e pigarreia atrás deles.

— Foram enviados a um restaurador, Alteza — explica ela, sem mais detalhes.

Jennie olha para o irmão, boquiaberta.

— Você desenhou neles de novo?

— O quê? — Jongin dá de ombros. — Não é minha culpa se eles ficam muito mais legais de bigode.

Exceto Kim Jinhwan III. O que lhe faltava na cabeça, o homem já tinha de sobra sob o nariz.

— Papai vai matar você — murmura ela, lutando contra o ímpeto de transformar seu sorriso cordial em uma risada fora de tom.

— E a mamãe vai escolher as flores do enterro. Vamos brindar a isso.

Jennie é a princesa perfeita presa dentro de uma redoma de vidro. Às vezes, quando a rotina parece mais tediosa do que é capaz de suportar, Jongin danifica alguns retratos ou furta pequenos artefatos para seu próprio entretenimento pessoal — e também para vê-la perder a compostura de boneca colecionável. A irmã sempre parece se divertir com suas peripécias.

No fim das contas, eles não brindam.

Entre a entrada e o prato principal, sua mãe troca mais olhares com o lagostim em seu ceviche do que com os próprios filhos. O silêncio é desconfortável e esmagador. Claustrofóbico. Jongin tem vontade de gritar ou arranhar um prato, mas, em vez disso, coloca seus fones de ouvido e aguarda até que seu mundo feito de cristal comece a ruir.

Eles não são uma família comum.

Uma família comum não se reúne para jantar em uma mesa para vinte pessoas enquanto uma governanta, uma assessora de imprensa, dois mordomos e três seguranças assistem.

A música como distração dura pouco. 

— Jongin — repreende a mãe. — Os fones, por favor.

É a primeira coisa que ela diz a noite inteira.

Está vestindo um blazer de cor creme e uma tiara com pedras suficientes para comprar um apartamento. O pai, do outro lado da mesa, apenas assiste em silêncio. Jongin retira os fones e se apoia confortavelmente na mesa, sem se incomodar com a etiqueta quando não há ninguém da alta sociedade para julgá-lo.

— Jongin, você prometeu — avisa sua mãe em tom crítico.

Seus lábios se alongam em um sorriso debochado.

— Bom, seja o que for, não seria minha primeira vez quebrando uma promessa.

Ela solta um suspiro impaciente e inclina o iPad para que ele mesmo possa ver a manchete na tela.

Sodomia, embriaguez e orgias: escândalos do Príncipe Jongin colocam título de herdeiro em risco e ameaçam o futuro da linhagem real.

No canto direito, há uma foto sua vomitando nos fundos de uma boate, e logo abaixo dela, em uma qualidade terrível, a silhueta quase irreconhecível de Jongin fumando um cigarro.

Ele ergue uma sobrancelha e o cantinho da sua boca repuxa para cima, em um quase sorriso.

— Orgias, é?

Jongin tem vontade de gargalhar, mas se contém diante do olhar fúnebre da mãe. Ele solta uma risada contida, deixando ar escapar pelo nariz.

Às vezes, os tabloides conseguem ser bastante criativos. Infelizmente, ele nunca participou de uma orgia. Talvez de um ménage à trois, uma única vez, mas nunca orgias. Seriam muitos termos de confidencialidade para redigir e assinar.

Sua mãe sorve um gole mínimo de sua taça de vinho e a deposita de volta na mesa como se estivesse em câmera lenta. Sua postura é impecável, e seu nariz sempre aponta para a frente. Ela se movimenta como se equilibrasse livros imaginários na cabeça o tempo todo.

— O que é tão engraçado? Manchar o legado da nossa família? Ou você estar a um fio de ser desconsiderado como herdeiro na linha de sucessão? — Seu olhar baixa para o iPad novamente e ela lê, em tom solene: — A vida de Kim Jongin sempre foi recheada de escândalos e controvérsias. Em dezembro, após a morte de Song Jiho IV, o primogênito da Família Kim, segunda família na linha de sucessão, tornou-se o principal candidato ao título de príncipe herdeiro. Entretanto, Kim Jongin parece repugnar tudo que a realeza representa. — Ela abaixa seus óculos finos e massageia as têmporas delicadamente, como se fossem feitas de papel. Preciso continuar?

Apenas uma coisa o assusta mais que a mãe: o fato de que, de vez em quando, a imprensa parece conhecê-lo melhor do que a própria família.

— Não estou entendendo aonde você quer chegar — murmura Jongin, espetando seu filet au poivre para descontar a raiva. — Você agendou um jantar em família para relembrar todos os meus escândalos internacionais?

Jongin procura o olhar de Magda ou Rahim, em busca de algum suporte emocional, mas eles permanecem ao redor da mesa, imóveis e impassíveis, como estátuas feitas de mármore.

Sua mãe o ignora com um aceno elegante.

— Tenha paciência. O verão está chegando, querido — anuncia, após limpar a boca com o guardanapo, onde a marca de seu batom vermelho deixa um rastro sanguinolento. — Já pedi que preparassem suas malas. Amanhã cedo, Rahim e um chauffeur de confiança o levarão para o St. Georg. Você deve se preparar para honrar o nosso legado.

Jongin chacoalha a cabeça e dá um soco na mesa, fazendo o vinho vibrar dentro das taças.

— Pelo amor de Deus! Será que eu sou o único maluco nessa casa? Ninguém mais está achando tudo isso muito estranho? — Ele gesticula na direção de Jennie e do pai, que continuam comendo em silêncio. — Nenhuma dessas coisas é novidade, mãe. Já vimos dezenas de notícias como essa em jornais, revistas e em matérias espalhadas pela internet. Achei que tivéssemos prometido que o internato estava fora dos limites de punição.

Ela ergue uma sobrancelha.

— Não seria minha primeira vez quebrando uma promessa também — rebate, sombriamente. — Sua irmã vai para o St. Marien e você para St. Georg.

Jongin bufa e cruza os braços.

— Eu não vou.

— Está além do meu controle agora. Não é uma escolha.

— Por quê?

— Dessa vez é diferente.

— Por que é diferente? — insiste ele.

Na ausência de resposta, o pai finalmente quebra o silêncio e larga os talheres sobre o prato vazio. O ruído estridente reverbera pela sala de jantar ampla, e o palácio inteiro estremece. A luz das lâmpadas oscila no lustre grandioso pendendo do teto. Os olhos de um lagostim giram nas órbitas. A taça de vinho zune sob os dedos de Jongin.

— A bandeira foi hasteada a meio mastro no castelo de Gyeonggi — diz o pai, muito sério. — O rei está morrendo.
 

✧ ✧ ✧

 

Oitenta e seis passos.

Da ponte que atravessa o Canal de St. Georg até a biblioteca, Kyungsoo contabiliza oitenta e seis passos. É sábado e os alunos residentes se dividem entre disputar uma partida de tênis, velejar e jogar xadrez atrás do prédio do refeitório. Quando passa, todos os olhares são atraídos em sua direção como ímãs.

A biblioteca está vazia, com exceção de algumas mesas ocupadas por grupos de estudantes. Ainda é dia e as cortinas vermelhas e pesadas estão abertas, permitindo que o sol atravesse o vitral das janelas. Ele pendura o blazer do uniforme na cadeira e se senta sozinho, com um livro de Byron aberto na mesa.

É o melhor lugar para ter privacidade e se camuflar, porque é a única mesa localizada atrás de uma pilastra, perto das estantes infinitas de livros e longe do burburinho dos grupos de estudo.

Mas não longe o bastante.

Uma de suas principais funções no colégio é ouvir e observar, e um determinado círculo seleto de alunos, sentado a duas mesas de distância, conversa alto o bastante para facilitar seu trabalho.

— Dá pra acreditar? — questiona a voz inconfundível de Oh Seojun. Rouca, grave e apática. — Ela achou que Copenhagen fosse uma loja de chocolates.

A risada escandalosa de Sehun reverbera no prédio quase vazio e as gargalhadas de seus imitadores ressoam em uníssono, como ecos de fantasmas em um salão de ópera.

— Que gracinha — replica ele, com aquele amargor verbal típico da aristocracia.

— Nem preciso dizer que ela se assustou quando pousamos na Dinamarca — continua Seojun, debruçado sobre uma pilha de livros esquecida na mesa. — Um vôo de primeira classe, uma garrafa de champanhe e ela já estava subindo na cama do hotel por conta própria.

—  Plebeus são tão fáceis de agradar. — Sehun espia sobre o ombro e seus olhares se encontram de lados opostos da biblioteca. — Não acha, Kyungsoo?

Sua mãe sempre lhe dizia que boas maneiras requerem esforço, mas lidar com os irmãos Oh exige um sacrifício quase mitológico. Ele automaticamente enrijece na cadeira, mas tenta não demonstrar. Reunindo paciência e autocontrole, fecha o livro com tranquilidade e sorri, um sorriso pequeno, sem mostrar os dentes.

— Eu não saberia dizer — diz ele, sem desviar do olhar afiado do outro.

— Tem certeza? — questiona Seojun, praticamente escalando a própria mesa. O lustre acima dele faz sua sombra se agigantar na direção de Kyungsoo. — Pensei que alguém com genes inferiores como você teria ao menos a decência de conhecer o lugarzinho imundo de onde a mãe saiu. Nunca te convidaram para passar um Natal no subúrbio?

Nenhum sofrimento dura para sempre, o professor Williams disse certa vez. As palavras perdem força com o tempo, e o tempo cicatriza todas as feridas — ou o ajuda a conviver com elas. Então por que olhar para os rostos deles ainda lhe causa tanta aflição? Quanto tempo ainda resta até que ele se acostume?

Ele se força a sorrir de novo, dessa vez sem muito entusiasmo.

— Muita gentileza sua se preocupar com onde passo minhas noites de Natal, mas agradeceria se você e seus amigos fizessem silêncio na biblioteca. — Kyungsoo se inclina para a frente, para debaixo da luz solar, de modo que seu broche dourado de Monitor-Chefe brilhe no pulôver do uniforme. — Não queremos mais uma infração no seu histórico escolar, queremos?

A ameaça, como sempre, não funciona com eles.

— Não recebemos ordens de um Meio-Sangue — Seojun e Sehun rebatem ao mesmo tempo.

Sentados lado a lado, com os rostos parcialmente cobertos de sombras, os dois quase parecem gêmeos. Ambos possuem o mesmo semblante apático, emoldurado por cabelos escuros, com sobrancelhas estreitas, lábios finos e queixos pontudos.

Ignorando os olhares de escárnio, Kyungsoo tenta retomar a leitura, mas as distrações são muitas. As cortinas balançando na brisa. A luz forte dos lustres embaralhando as letras nas páginas amareladas. Os bustos de estátuas brancas parecendo encará-lo com repulsa do alto de suas estantes. Ruídos curtos, mas estridentes, vindo do lado de fora.

Kyungsoo olha as janelas em arco atrás dele, e o que vê faz o peso em seus ombros suavizar um pouco. Byun Baekhyun e Kim Minseok estão jogando pedrinhas no vitral para chamar sua atenção.

— É sábado — ele grunhe entre dentes, torcendo para que os outros dois monitores tenham “leitura labial” como uma das habilidades em seu extenso currículo.

— A preceptora e a Irmã Agnes solicitaram nossa presença — grita Baekhyun do outro lado, com a voz soando abafada e distante. — Todos os monitores foram chamados.

Minseok acena com falsa empolgação, mas a textura do vidro não permite que veja a expressão em seu rosto com clareza.

— Estamos indo para o prédio principal — diz e aponta na direção da construção alta e salpicada de tons de marrom, areia e marfim assomando-se além dos dormitórios. — Quer vir com a gente?

Kyungsoo odeia exercer a função de monitor nos dias de folga, mas nada é pior do que ficar preso em uma biblioteca escura com os irmãos Oh e seu grupo de seguidores fiéis. Ele guarda o livro, joga o blazer do uniforme por cima do ombro e corre para encontrá-los do lado de fora. Quando ele passa, Lee Sungmin — um dos lacaios do grupo, com uma raposa no brasão do uniforme — cospe no chão onde Kyungsoo pisou.

— Ratinho nojento.

As outras vozes concordam. Embora não ouça o restante das ofensas, consegue imaginar o que disseram. O repertório de palavrões deles não é muito vasto.

Baekhyun e Minseok o esperam no gramado. Eles são colegas de turma e companheiros de função, mas não são seus amigos, porque Kyungsoo sempre manteve uma distância segura para evitar que fossem.

A verdade é que ele não tem amigos, e prefere que continue assim. As coisas são mais fáceis desse jeito. Em uma instituição cercada de concorrentes e opositores, não pode se dar ao luxo de confiar em ninguém.

Baekhyun olha por cima de seu ombro, assistindo os irmãos Oh e seu bando saindo da biblioteca em direção ao lago. Ele aponta para eles com o queixo.

— Aqueles caras estavam te enchendo de novo?

— O que eles disseram? — questiona Minseok.

Kyungsoo encolhe os ombros.

— Nada que eu já não tenha ouvido antes — responde, em um tom que é ao mesmo tempo polido e inflexível.

Como esperado, a entonação indiferente lança um balde de água fria sobre a chama que começa a crescer e encerra a discussão, sem abrir margem para mais perguntas.

Juntos, os três monitores atravessam o gramado verde-oliva entre o refeitório e a Casa Clermont, o dormitório mais próximo ao prédio principal, nomeado em homenagem ao Château de Clermont — um castelo em ruínas do século XI na comuna de Chirens, na França.

As mesas onde alunos disputavam partidas de xadrez, apenas alguns minutos mais cedo, agora estão vazias, com torres e bispos caídos desleixadamente no tabuleiro. A quadra de tênis lotada foi abandonada. Membros do time de lacrosse se dispersam no gramado e passam correndo por eles.

— O que está acontecendo? — pergunta Kyungsoo, estranhando a movimentação repentina. — Por que mandaram nos chamar?

Baekhyun ajeita a gravata e alisa a manga do uniforme, e Kyungsoo decide fazer o mesmo, vestindo o blazer que antes carregava no ombro.

— Fomos convidados… — começa Baekhyun.

Obrigados, você quis dizer — corrige Minseok.

— ...a receber um aluno novo. É uma festa de boas-vindas atrasada, eu acho. Precisamos garantir que todos os dormitórios estejam em ordem. A Irmã Agnes reforçou que o internato quer causar a melhor primeira impressão.

Kyungsoo apressa o passo e ergue uma sobrancelha.

— Achei que todos os alunos novos já tivessem chegado ontem à noite.

— Quase todos. — A voz de Baekhyun é melancólica, quase dramática, abaixando até virar um sussurro. — Ficou faltando um.

— Um primeiro-anista?

— Não qualquer primeiro-anista. Kim Jongin, o filho rebelde da Segunda Família — revela Minseok, com um misto de cautela e fascínio. — Você já ouviu falar dele?

Kyungsoo bufa, mas o som exala pelo nariz em vez dos lábios. Um ruído brusco e indelicado que teria lhe rendido um tapa na boca pela sua professora de Etiqueta, aos seis anos, ou um soco no estômago de um dos lacaios de Oh Seojun, se proferido na presença da pessoa errada.

— É claro que já ouvi falar. Eu seria um ignorante se não tivesse — diz ele —, mas nós nunca nos cruzamos em nenhum compromisso real antes, e não é do meu interesse acompanhar o que príncipes rebeldes aprontam ou deixam de aprontar.

Minseok ignora seu tom ácido e concorda:

— Também nunca o encontrei pessoalmente. Somos da mesma família, mas não frequentamos os mesmos círculos. Até ontem, achava que ele era só uma lenda. Alguém de quem só ouvimos falar.

Baekhyun estica um braço, freando bruscamente a caminhada dos outros dois estudantes. Ele espia as figuras imponentes da Irmã Agnes e do Padre Hermann, alinhados ao fundo do prédio principal como duas pilastras gêmeas. Os três se escondem e se abrigam na sombra azul-arroxeada que o prédio da Casa Clermont projeta no gramado.

— Todo mundo coleciona alguma coisa — comenta Baekhyun, agora falando bem baixinho. — Enquanto alguns colecionam carros caros, vinhos importados ou pinturas renascentistas, Jongin coleciona escândalos em revistas de fofoca.

Minseok balança a cabeça, confirmando.

— Fiquei sabendo que proibiram a entrada dele em eventos oficiais nos últimos anos, para não manchar a reputação da Segunda Família.

Kyungsoo puxa o ar para os pulmões com prudência, porque sabe que deixar escapar um suspiro não seria educado. O fato é que absolutamente nada nessa conversa o interessa. Nada disso lhe diz respeito.

Baekhyun encara seu silêncio como incentivo para continuar:

— Ele é idolatrado por sua beleza admirável e suas aparições em capas de revista, mas é ainda mais famoso por aparecer nas notícias e páginas de fofocas se metendo em confusões. As pessoas do povo o amam, mas a realeza o despreza. Sua lista de transgressões é imensa: vomitar em banheiro público, orgias em quartos de hotel, comparecer bêbado a compromissos reais… Ele é um rebelde de má reputação.

— Nós, monitores, teremos muito trabalho esse verão — lamenta Minseok, ajustando as abotoaduras douradas do uniforme. — Como se já não bastasse a Tríade no nosso encalço.

Kyungsoo sente os pelos do braço se eriçarem ao ouvir a palavra proibida.

— Kim Jongin não é problema nosso — adverte Baekhyun, com metade do rosto coberto de sombras. — Pessoas como ele vão para a Casa Windsor ou Bourbon, junto com os outros alunos de título mais alto, e não para um dormitório pequeno como o nosso. Deixe que a Tríade cuide dele.

Baekhyun é membro da sétima e penúltima família real na linha de sucessão, sendo filho mais novo do Conde de Hwanghae, enquanto Minseok faz parte da Segunda Família, embora seus laços sanguíneos como sobrinho-neto do Marquês de Jeolla lhe concedam poucos privilégios e destaque.

Deixe que a Tríade cuide dele.

Ouvir aquela palavra pela segunda vez desperta Kyungsoo de seu torpor. Ele vê a Sra. Kang, a preceptora encarregada do internato, caminhando até os portões de entrada. Às pressas, endireita o blazer do uniforme, alisa as calças e confere se seu broche de Monitor-Chefe não está torto. Depois, gesticula na direção do prédio.

— Agora, vamos — chama ele, engolindo a saliva formada pelo nervosismo. — Não devemos deixá-los esperando.

Eles seguem até seus lugares e se enfileiram na calçada, ao lado dos outros monitores e monitores-chefes dos dormitórios vizinhos. Apesar de suas poses rígidas, todos parecem transbordar uma inquietação preocupante.

A chegada de Kim Jongin causa um alvoroço entre os alunos do internato. Proibidos de aguardar no pátio ou nos portões de entrada, os estudantes se aglomeram e disputam por lugares nas janelas do prédio principal, bisbilhotando entre as cortinas verde-esmeraldas.

Kyungsoo nunca viu nada parecido.

Pelo menos, não desde o verão passado.

Quando o clássico Rolls-Royce preto ultrapassa os muros de St. Georg e aparece no fim da estrada infinita entre as árvores, com o motor roncando e clamando por atenção, Kyungsoo tem a sensação esmagadora de estar vivenciando tudo aquilo de novo.

 

✧ ✧ ✧

 

Para sobreviver, finja-se de morto. Não ouça nada, não veja nada, não diga nada. Esse é o lema de Rahim para assegurar seu bem-estar e seu emprego toda vez que presencia acontecimentos que não deveria. Outros guarda-costas antes dele já se venderam para a imprensa por muito menos.

Por isso, ele finge não ver quando o príncipe Jongin esconde meia dúzia de cigarros dentro das meias, e então cobre os tornozelos com a barra da calça.

Sem poder de escolha, Jongin concordou em se mudar para St. Georg com duas condições: que a mãe dispensasse o chauffeur e que Rahim pudesse levá-lo sozinho no Rolls-Royce da família, seu carro preferido.

Quando abandonam as ruas movimentadas da capital e sobem a estrada entre as árvores, serpenteando pelas colinas verdejantes, os olhares de Jongin e Rahim se encontram pelo retrovisor.

O príncipe sorri.

— Tenho um último pedido a fazer — anuncia, arregaçando as mangas do suéter.

— Qualquer coisa, Sua Alteza Real.

— Quero dirigir o Rolls-Royce quando entrarmos na propriedade do colégio.

O guarda-costas hesita. Sua mão aperta o volante com mais força, como se a ideia o aterrorizasse. Jongin não tem a melhor das reputações e cenas de uma fuga em quatro rodas e alta velocidade invadem sua mente. Se deixá-lo fugir…

— Não se preocupe, não vou a lugar algum. — Jongin se antecipa, mas seu tom sarcástico não soa confiável. — Se me prender em St. Georg é o que minha mãe quer, vou ficar lá até que me expulsem. Quero que todos vejam como sou capaz de honrar o legado da família Kim.

— Não me parece uma ideia promissora, senhor — responde Rahim, já reduzindo a velocidade do carro.

— Sabe o que não me parece uma ideia promissora? Um colégio só para meninos isolado da civilização com um monte de regras ridículas e limitantes.

— Sem uso de celulares — exemplifica Rahim.

— E nada de garotas — acrescenta, com uma risada soprada.

Eles param no acostamento para que Jongin assuma a posição de motorista. Com um sorriso no rosto, ele abaixa o vidro das janelas até o final, para permitir que o frescor do vento invada o Rolls-Royce, apoia um dos braços na janela e pisa com força na embreagem. Quando ele arranca com o carro e acelera, Rahim se segura no banco do carona como se sua vida dependesse disso.

À distância, consegue ver o topo das construções grandiosas aos pés da montanha agigantando-se à medida que se aproximam da entrada. Algumas delas, as mais antigas, remontam ao século XIX, época em que St. Georg ainda era um colégio alemão de ensino católico.

Toda a administração do instituto o aguarda nos portões de entrada, diante do imponente prédio principal do campus. Ele sai do carro e atravessa a rua ladeada de ciprestes, enquanto Rahim se encarrega do restante das malas. Os cigarros em suas meias incomodam para caminhar.

Um burburinho de vozes ecoa em seus ouvidos.

— O tesouro da Segunda Família Real.

— Ele não é tudo isso.

— Você viu? Ele não está vestindo nada por baixo do suéter.

— Ele é uma vergonha nacional.

Jongin é recebido mais como um ídolo do que como príncipe herdeiro. Ao distribuir apertos de mão, percebe o quanto as pessoas o temem, mas também cultivam certo fascínio por ele.

Exceto a Sra. Kang.

A mulher corpulenta, de ombros largos e um coque torcido na parte de trás da cabeça, tem uma expressão amarga e um comportamento típico de general. Ela o guia para a recepção antes que possa cumprimentar os monitores.

— Venha, Sua Alteza Real — chama ela, com um gesto cortês e uma reverência curta. — Sua mãe nos deixou cientes de tudo antes da sua chegada. Temos muito a discutir.

Caminham juntos por um longo corredor prédio adentro, cercado de obras-primas, arandelas de ferro e cristaleiras ostentando certificados, troféus e medalhas. Diante de um mural, ele desacelera para espiar as fotos e vê o próprio pai em um dos quadros de destaque, posando com um cavalo em um campo de hipismo.

Na sala ampla e iluminada, é convidado a se sentar em uma poltrona Charles Eames, onde se recosta por quase trinta minutos enquanto a preceptora recita centenas de regras.

— Sei que é muita coisa para internalizar, mas deixamos um guia completo sobre St. Georg no seu armário, e tenho certeza de que seus novos colegas de quarto o deixarão a par de tudo que precisa saber.

Ele se ajeita na cadeira, como se desperto de um transe.

— Novos colegas?

Jongin odeia o sorriso no rosto dela.

— Sei que deve ser uma novidade compartilhar da sua privacidade com outras pessoas em um ambiente muito menos luxuoso que sua própria casa, mas, por favor, entenda como uma experiência de intercâmbio social. Acreditamos no aprimoramento e aprendizado através da convivência entre nossos alunos.

— Não me importo. — Ele faz um gesto casual e indiferente com uma das mãos. — Tenho certeza de que já dividi a cama com pessoas piores.

Ela não se abala. Apenas alonga os lábios finos em um sorriso condescendente.

— Felizmente, temos leitos individuais.

Jongin ergue o cantinho da boca, copiando o sorriso dela.

— Ótima notícia.

— Muito bem, então. Vou liberá-lo para que possa conhecer o dormitório. Ah, e não se esqueça de que temos uma política de tolerância zero neste colégio. — Ela une as mãos na frente do corpo, os dedos cruzados diante da saia. — Tolerância zero a álcool, drogas lícitas ou ilícitas, conduta violenta, roubo, comportamento abusivo, atos sexuais explícitos ou imorais, e ao descumprimento de qualquer uma das normas básicas de convivência. Qualquer infração pode acarretar advertência disciplinar, serviço comunitário obrigatório ou expulsão.

Jongin luta contra a vontade de cruzar os tornozelos, onde estão escondidos seus cigarros, e escondê-los debaixo da poltrona.

— Ótima notícia — repete ele e, dessa vez, o sorriso da Sra. Kang desaparece.

Sem mais uma palavra, Jongin se levanta do sofá e pega sua mala de mão da Gucci, grife da qual é garoto-propaganda desde os oito anos. Antes de sair pela porta, ele a escuta dizer, em uma voz ríspida e austera:

— Você não é o primeiro e nem será o último jovem rebelde que já passou por aqui. Somos especialistas em colocar príncipes desobedientes como você na linha. Seja muito bem-vindo, Kim Jongin.

Ele sorri mais uma vez, porque parece um desafio.

E Jongin ama desafios.

Sob o olhar atento dos alunos que o assistem caminhar pelo campus, observando-o pelas janelas, ele se dirige até a ala dos dormitórios.

São quatro prédios dispostos em quadrado perfeito, de modo que todos estejam interligados por corredores térreos e passarelas construídas na pedra. As casas Windsor e Bourbon, alinhadas ao centro, são as únicas que possuem quartos com sacada no segundo andar. Suas torres e chaminés apontam para cima, como se quisessem tocar o céu.

Como previsto, a administração o alojou no segundo andar da Casa Windsor, dormitório que homenageia a família real do Reino Unido. Sua cama fica abaixo de uma das janelas, de onde consegue ver uma praça com um chafariz no centro, rodeado por um jardim de arbustos podados que mais se assemelha a um labirinto.

Mais adiante, o trecho verde-esmeralda das águas do Canal se estende até onde sua vista alcança. A leste, estão os barcos ancorados no Cais e, a oeste, um moinho de vento antigo na extremidade de um gigantesco campo de golfe.

Suas malas já estão ali, escoradas aos pés da cama. O guarda-roupa, com as portas duplas abertas, exibe quatro versões do uniforme perfeitamente engomadas e embaladas. Cada peça é confeccionada pela grife Ralph Lauren e personalizada com o símbolo principal do brasão da família Kim, o Sol, bordado no blazer e gravado nos botões dourados.

— Muita informação para digerir? — pergunta uma voz.

Há um rapaz alto e magro parado na porta. Jongin analisa sua fisionomia, mas não reconhece os cabelos ondulados e as orelhas proeminentes de lugar algum. O brasão no uniforme é, sem dúvidas, da família Park. Dois furões gêmeos saudando uma oliveira.

— Sou Kim Jongin — cumprimenta ele, estendendo a mão, porque não quer arriscar errar o nome do desconhecido.

O Park desata em uma risada abobalhada demais para um membro da família real.

— Sabemos quem você é — diz ele, apertando sua mão com muito mais força e entusiasmo que o necessário. — Sou Park Chanyeol, filho do duque de Hamgyong e lorde da Sexta Família.

As peças finalmente se encaixam. Ele é irmão mais novo de Rosé. Embora haja uma semelhança física em algum lugar, Chanyeol parece muito menos refinado em comparação à irmã.

Atrás dele, encostado à parede do corredor, há outro aluno.

— Acho que eu e você podemos dispensar as apresentações — comenta a segunda voz, sem metade da empolgação da primeira. — Quanto tempo, primo.

O aluno é Kim Junmyeon, marquês de Jeolla e seu primo de primeiro grau. Os cabelos dele são castanhos como os seus, mas a pele é mais clara. Ele é quase quinze centímetros mais baixo que o Park, mas, ao contrário dele, exala a essência da aristocracia da cabeça aos pés.

Chanyeol se coloca entre eles como um cão de grande porte que não tem consciência do tamanho que ocupa, poupando-os, felizmente, de precisar fingir cordialidade.

— Você está com sorte — exclama, animado. — Eu e Junmyeon seremos seus colegas de quarto, e ele é Monitor-Chefe da nossa Casa. Deve ser bom poder contar com um membro da família aqui dentro.

Jongin sabe que isso não poderia estar mais longe da verdade.

Querem me manter sob controle, ele pensa.

— Muita sorte — responde, em vez disso.

Chanyeol se joga de bruços na cama ao lado, no canto oposto do quarto. Seus pés flutuam para fora do colchão. A essa altura, Junmyeon já está longe de vista outra vez.

— É seu primeiro ano? — pergunta Chanyeol, mais por educação do que por curiosidade genuína. Todos ali já conhecem Jongin e seu histórico. — Também sou primeiro-anista. Já vim para passar alguns meses durante o verão, mas é a minha primeira vez como residente.

Jongin cruza os braços e apoia o corpo na lateral do guarda-roupa provençal branco e dourado.

— Olha, eu aprecio o que você está fazendo, mas não precisa se preocupar em ser legal comigo. Eu não planejo passar muito tempo aqui mesmo.

Chanyeol o ignora e corre para o seu armário aberto, excedendo os limites da intimidade inexistente entre eles. Jongin conhece bem o tipo dele. Já conheceu várias pessoas como o Park. Bajuladores.

— São quatro modelos de uniformes. O tradicional, para os dias de aula da semana. — Ele aponta para o blazer azul-petróleo com botões dourados, o colete, a gravata e as calças combinando. — O uniforme casual, para os sábados e domingos, que é esse com o suéter que estamos usando hoje. Temos também um especial para praticar esportes e um traje de gala para eventos acadêmicos oficiais.

— Eu não…

— Você deve sempre usar seu broche e fechar as abotoaduras. A Sra. Kang é muito rígida quanto ao uso dos uniformes. E nunca, em hipótese alguma, saia depois do toque de recolher.

Parece que Chanyeol está lhe dando um índice de itens para cumprir em sua lista de futuras transgressões. Isso será útil mais tarde.

— Sério? — pergunta, fingindo interesse. — O que mais?

— Você pode sair e visitar a cidade nos fins de semana se tiver autorização, mas deve estar de volta ao campus até às 18h, e aos dormitórios até às 22h. — Ele faz uma careta. — Ah, mesmo que você não seja religioso, precisa frequentar a missa na Capela aos domingos.

Isso não o surpreende. A Coroa e a Igreja sempre mantiveram uma relação estreita ao longo dos séculos.

O tempo que vai ficar neste colégio é ainda uma incógnita, e por mais que não queira criar laços, definitivamente precisa de alguém que seja tão fanático por St. Georg quanto Park Chanyeol.

Ele se senta na cama, apoia-se nos antebraços e diz as três palavras que o outro mais quer ouvir:

— Me conte tudo.

 

✧ ✧ ✧

 

No domingo pela manhã, às seis em ponto, Kyungsoo bate na porta de cada um dos dormitórios da Casa Clermont. Três vezes, com os nós dos dedos, sempre em batidas curtas. No corredor, organiza uma fila por ordem de chegada e guia todos para os chuveiros.

— Para as duchas! — grita Minseok no corredor, instruindo os novatos sobre a obrigatoriedade da higiene matinal.

Às sete, confere se os alunos estão vestindo o uniforme casual adequadamente e se os quartos já estão vazios. Meia hora mais tarde, os residentes descem a escadaria em espiral às pressas, enquanto Kyungsoo assiste ao pé do último degrau. Ele olha para cima e sente vertigem, ouvindo os passos sincronizados e vendo os vultos descendo em movimentos circulares.

As sombras erráticas continuam dançando em círculos no seu campo de visão quando se senta à mesa do refeitório, às oito, encarando um dos clássicos do novo cardápio da semana: ovos beneditinos, salada de frutas tropicais e um suculento croque monsieur — que é o mais próximo de um fast food que eles vão experimentar por um longo tempo.

Ele ingere apenas metade do sanduíche. Kyungsoo nunca come os pratos até o final.

O ruído constante de vozes baixas, talheres e risadas preenchem seus ouvidos enquanto assiste, sozinho e em silêncio. É assim todas as manhãs. Se a monotonia da rotina o deixa enjoado, Kyungsoo não consegue imaginar como deve ser para todas as outras pessoas.

Mas esse não é um dia comum.

É domingo, o que significa que uma agitação começará em breve. Uma comoção que sempre lhe parece divertida durante o resto do período letivo, mas que o aterroriza no início de cada semestre. A sensação de déjà vu faz os pelos em seus antebraços se arrepiarem.

A história está se repetindo.

Um aluno aparece na entrada do refeitório, esbaforido e apoiando as mãos nos joelhos. Depois sorri, ergue um envelope branco e o chacoalha no ar, dizendo:

— Chegou o Correio!

O efeito é imediato. Ao menos um terço dos alunos da cafeteria se levanta de suas mesas, às pressas, e correm para fora do salão. É o único momento em que os monitores os permitem correr sem levar advertência.

Para os residentes que passam a semana inteira sem acesso a celulares, televisão ou internet, os domingos oferecem o único resquício de realidade a que podem se agarrar. É o dia em que podem receber cartas de familiares e amigos, presentes, jornais e revistas pelo Correio.

Para alguns, como Kyungsoo, é o máximo que conseguem experienciar do mundo real. Ele abre sua caixa-postal e não fica surpreso ao encontrar um envelope pequeno e delicado, escrito com a caligrafia apressada de sua mãe, cuja única mensagem é:

Continue fazendo um bom trabalho.

Se tiver tempo, envie a ela uma carta.

— Algum sinal deles? — questiona Baekhyun, parado ao seu lado na sala de correspondência.

 A pergunta é sutil, mas Kyungsoo sabe ler nas entrelinhas. Os dois não estão ali somente pelas cartas e revistas. Eles têm um mesmo objetivo em comum: procurar por envelopes cremes com cera dourada.

— Nada ainda — responde, cruzando os braços.

— O que eles estão tramando?

Kyungsoo encolhe os ombros.

— Não sei. Se tivermos sorte, talvez nos deixem em paz esse semestre.

— Duvido muito — nega Baekhyun, mordendo o lábio inferior em apreensão. — Os convites não devem ter sido distribuídos ainda, ou chegaram até seus destinatários de alguma outra forma.

— É provável.

De pé no canto da sala, eles assistem à movimentação por longos minutos. Alunos vasculham as caixas de correio dispostas nas paredes, abrem suas cartas e folheiam revistas, mas não há qualquer indício dos envelopes que procuram.

Baekhyun dá um passo para trás.

— Ele está vindo.

— Quem? — murmura Kyungsoo, recuando por instinto.

— A Serpente.

Oh Seojun atravessa a sala de correspondência como se ela lhe pertencesse, e o aglomerado de alunos, sensíveis à sua presença dominante, abrem caminho para que ele possa andar livremente. O apelido lhe cai bem. No peito, carrega o brasão da Terceira Família — uma serpente enroscada em um cetro real, brilhando nas cores púrpura e dourado.

Seojun usa uma chave para destrancar sua caixa-postal, mergulha a mão dentro e retira uma caixinha de veludo que Kyungsoo reconhece imediatamente. Se não fosse a parede sustentando suas costas e metade do peso de seu corpo, teria ido ao chão com a fraqueza nas pernas.

O que há ali dentro representa sua queda.

Mais do que isso: o fim dos seus dias de tranquilidade.

Seus olhares se cruzam e, antes de se esgueirar para fora da sala, Seojun sorri, os lábios alongados como os de uma víbora. Um sorriso que parece o prenúncio de uma tragédia shakespeariana.

— Ei, Kyungsoo. Olha só para aquilo. — Baekhyun aponta para as revistas despontando das caixas-postais, visivelmente alheio à ameaça velada. — Uau. Todas elas têm Kim Jongin estampado na capa. Estamos testemunhando o nascimento de uma nova estrela em St. Georg.

É isso que Kyungsoo mais teme.

A última estrela sucumbiu e esmoreceu tão rápido quanto surgiu.

— Você fala como se não fôssemos de famílias reais também — diz ele. — Somos todos estrelas para eles.

Baekhyun balança a cabeça.

— É diferente. Você sabe.

Ele vira o rosto e percebe os olhos grandes e redondos de coruja de Kyungsoo encarando-o com rigidez.

— Não quis dizer… Não é porque você é… — Um Meio-Sangue. — Ele é diferente de todos nós, e não estou me referindo só ao nascimento. Ele é… um furacão. Me pergunto quanto tempo levará até que arraste todos nós.

No verão passado, uma brisa fez as paredes de St. Georg estremecerem com a pior das tragédias. Kyungsoo apoia as costas na parede, os braços cruzados, imaginando quanta destruição um furacão como Kim Jongin poderia causar.

— Talvez seja disso que esse colégio precisa — sussurra ele, mais para si mesmo do que para Baekhyun. — De alguém capaz de virar esse lugar de cabeça para baixo.

 


Notas Finais


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