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História I want love - Feridas da alma


Escrita por: Nacchan_Hwang

Notas do Autor


Heeeey ~ ✨
Olha só quem finalmente apareceu! 😌

Gente, peço super desculpas pela demora, já era pra esse capítulo ter sido lançado há pelo menos dois dias 😔 Mas o meu Spirit não tava abrindo de jeito nenhum. Não sei se isso aconteceu com vocês também, ou se foi só comigo. Mas só consegui resolver hoje ;-;

Enfim, capítulo grandão como de costume e o próximo já está por vir 💕✨ Então vai ser mais rápido do que estamos esperando

Beijinhos e até lá embaixo! :*

Capítulo 22 - Feridas da alma


Fanfic / Fanfiction I want love - Feridas da alma

Durante todo percurso até a casa de Swift Wind, Catra se manteve quieta e em silêncio. Sentada ao lado dele no banco de trás do Uber, com a cabeça apoiada lateralmente em um dos ombros do rapaz, ela se sentia mais segura agora que finalmente havia conseguido conter a crise de ansiedade que lhe perseguia desde a noite anterior. 

Pela primeira vez em quase vinte quatro horas, Catra começava a se sentir minimamente segura de novo, principalmente por conta do gesto atencioso e involuntário do amigo em segurar gentilmente a sua mão, fazendo um leve carinho com o polegar sobre os nós dos seus dedos parcialmente sujos de terra. 

Os olhos coloridos que tanto chamavam a atenção de pessoas desconhecidas e curiosas, agora estavam encobertos pela barra grossa do capuz cinza grafite que lhe escondia propositalmente os cabelos negros mal cortados. 

Apesar de não ter vislumbre algum do rosto machucado e inchado de Catra agora, devido a posição em que a menina estava sentada, ainda era possível notar sorrateiramente o seu olhar vazio encarando o tapete de borracha logo abaixo dos seus pés. Como havia deixado que as coisas chegassem até aquele ponto ? Sabia que não era seguro continuar morando naquele lugar, ainda mais depois de tudo o que havia acontecido, depois das ameaças veladas de Kyle e das afrontas maldosas de Huntara... Mas o que ela poderia fazer ? 

Suas entrevistas fracassadas de arranjar um trabalho sempre terminavam com alguma frase pronta que dizia basicamente "Vamos integrar seu currículo na nossa base de dados e assim que surgir uma oportunidade entraremos em contato com você, obrigada." Mas esse contato nunca aconteceu, e o pouco dinheiro que Catra tinha pra se manter já estava quase no fim. 

A cada segundo que se passava, a única coisa em que a mente bagunçada de Catra conseguia pensar era em como ela queria ter o poder de voltar no tempo, pra consertar todos os erros e evitar que os acontecimentos mais recentes levassem até aquela situação. 

Ainda com a sensação de vazio esmagando seu estômago, Catra sentia que seu corpo involuntariamente não respondia aos comandos que vinham da sua cabeça. A menina só queria um lugar seguro onde pudesse chorar, gritar, ou quem sabe até quebrar alguma coisa… Mas a única coisa que conseguia fazer no momento era manter seu olhar vazio em algum ponto fixo durante toda viagem, em silêncio, enquanto sua mente barulhenta relembrava o pior de cada momento que passou naquela casa. 

Quando finalmente o GPS do motorista informou que eles haviam chegado ao destino, Catra sentiu um frio incômodo na barriga. 

Depois de tanto tempo e de tantos convites sem resposta, aquela era verdadeiramente a primeira vez que a menina visitava a casa de Swift Wind. E pensar sobre isso só fez a garota se sentir pior. Que tipo de amiga ela estava sendo até então ?

- Se puder avaliar a corrida, eu agradeço. - O motorista gentil que conduziu os dois até a entrada daquele conjunto de prédios cor de pêssego pediu com educação, recebendo um aceno de cabeça positivo de Swift Wind que, com todo cuidado, guiava Catra pra fora.  

- Pode deixar - O ruivo respondeu por fim, ajudando Catra a descer do carro sem largar nem por um segundo a mão da menina calada e encolhida, fechando a porta atrás dela. 

- Obrigada, casal. Um bom dia pros dois! - O homem sorriu com alegria, dando dois toques na buzina do carro antes de partir, deixando Swift Wind com a expressão mais descrente de toda sua vida, como se o homem tivesse dito a coisa mais absurda do planeta. Mas, não que ele não tivesse dito mesmo… 

- Você ouviu o que eu acabei de ouvir ? - O garoto perguntou perplexo, tentando encarar Catra mesmo por cima do capuz. Mas a menina não dava sinal algum de que queria ser encarada e muito menos de que queria conversar agora. O silêncio constrangedor durou apenas alguns segundos antes de Swift Wind apertar levemente a mão da amiga, num gesto contido de cuidado e carinho, guiando a garota pra dentro daquele prédio de apenas cinco andares que não parecia ser tão luxuoso quanto ela imaginava que fosse. 

Ao contrário de Bow, Adora e Glimmer, Swift Wind também morava em um bairro classe média baixa, assim como Catra. A única diferença era que o rapaz tinha como se bancar sozinho com a quantia generosa enviada pelos seus pais no final de cada mês, ao contrário da amiga, que aparentemente nunca havia deixado claro pra ninguém o porquê de ainda estar morando naquele muquifo. 

Depois de usarem o elevador gasto que tocava música cafona dos anos 80, os dois finalmente chegaram ao terceiro andar, onde havia apenas três apartamentos. 

O 301, na ponta direita, que pertencia a um senhor barbudo e ranzinza que adorava ouvir a coletânea completa de motivação e autoajuda do Mário Sérgio Cortella todo dia pela manhã. O 302, na ponta esquerda, que pela quantidade de percatas, chinelos e sapatinhos coloridos organizados na porta, parecia pertencer a uma família inteira de pelo menos quatro pessoas. E por fim, entre os dois, havia o apartamento 303, com a porta de madeira perfeitamente envernizada e um tapete colorido felpudo na entrada, que conservava a inscrição chamativa "Sejam Bem-Viados". 

É, não tinha como errar. 

Quando o dono do apartamento finalmente tirou a chave do bolso, Catra notou rapidamente o chaveirinho colorido em forma de unicórnio balançando de um lado pro outro na fechadura, e isso só lhe fez sentir ainda mais raiva de si mesma. 

Swift Wind era tão sincero com tudo que sentia e fazia, e desde o começo sempre esteve ao lado dela, tentando o possível e o impossível para que pudessem ser bons amigos. E Catra… bem, ela só continuava sendo a mesma pessoa evasiva, como de costume. Negando os convites do rapaz por medo de se expor e acabar se permitindo ser uma daquelas amigas, daquelas de verdade, que escuta e conversa sinceramente sobre seus sentimentos. Por medo, de ser… magoada, como uma pessoa comum. E acima de tudo, pela insegurança de que no fim de tudo ele fosse embora… como todo mundo foi.

Mas agora que estava ali, naquele apartamento pequeno e aconchegante, Catra também não podia deixar de se sentir minimamente feliz pelo garoto não ter desistido dela. 

O apartamento de Swift Wind tinha apenas uma sala pequena, uma cozinha americana, um quartinho aconchegante e um banheiro social. Nada muito elaborado ou luxuoso. Apenas um apartamento de solteiro comum, decorado com vários tons de azul que variavam entre ciano e branco, e ajudavam a deixar o ambiente pequeno e confortável ainda mais iluminado pela luz natural que chegava timidamente pelas janelas da sala.

Quando deu por si, Catra ainda estava encolhida, abraçando o próprio corpo, paralisada no meio da sala. Swift Wind notou como o olho amarelo da menina parecia curioso enquanto observava todo o lugar, que em apenas poucos segundos já começava a transmitir pra ela uma sensação de paz. Em compensação, o olho azul obstruído pelo inchaço estava completamente escondido por trás do machucado que parecia ter sido causado por um belo soco. 

- Vem cá, senta - O rapaz de cabelo ruivo disse preocupado, puxando de leve a mão de Catra na direção do sofá e sentindo um leve receio da parte dela em se mover. - Tá tudo bem, você tá segura agora… Eu tô aqui. Ninguém vai te fazer mal. - Swift Wind dizia num tom gentil, baixinho e carinhoso, mesmo com o coração dilacerado. Ver Catra retraída daquele jeito só não era pior do que olhar pra ela. Como alguém teria coragem de fazer uma maldade como aquela ? Ele definitivamente não sabia.

Tudo que o rapaz queria era poder sentar com calma e perguntar pra ela tudo o que aconteceu. Mas o estado traumatizado em que Catra se encontrava era conflitante demais. Ela parecia estar tentando com todas as suas forças se manter minimamente no controle depois de tudo o que aconteceu, e era justamente isso que impedia Swift Wind de tentar invadir aquele único espaço onde ela parecia se sentir segura, no silêncio dos seus próprios pensamentos.

A única coisa que o garoto poderia fazer nesse momento era cuidar dela e fazer tudo que estivesse ao seu alcance para deixá-la confortável. Pelo menos naquele primeiro instante, ou até que pudesse entender o que de fato havia acontecido. 

Sem dizer mais nenhuma palavra, o rapaz se levantou e caminhou com passos silenciosos até a cozinha, deixando Catra sentada timidamente no sofá azul bebê que combinava perfeitamente com a cerâmica branca do chão e o degradê azul na parede, que servia de painel para tv pequena que havia sido instalada meio torta ali na frente. 

Por mais que quisesse se sentir tão confortável quanto o lugar parecia estar, Catra ainda sentia e revivia um misto de dor, desespero, angústia e medo que pareciam continuar rondando a sua mente a cada segundo que passava. 

Mesmo sentada no sofá, cabisbaixa e apertando os os joelhos unidos, lado a lado, Catra não conseguia abandonar o instinto protetor de seus próprios braços encobertos pelo tecido quente do moletom, que envolvia e acalentava seu corpo pequeno e encolhido.

Era a única coisa sobre a qual ela tinha controle agora. 

A tensão era tanta, que se Catra piscasse seus olhos por mais tempo do que deveria, sua mente bagunçada lhe trazia automaticamente a imagem temerosa do rosto fino de Huntara, sorrindo com perversidade ao mesmo tempo em que se preparava eufórica pra presenteá-la com mais um soco. Independente se o alvo dos punhos enormes eram seu rosto inchado ou seu corpo trêmulo, era incontestável que cada soco parecia chegar até a pele de Catra como uma martelada. 

O simples vislumbre de Huntara em sua mente já era o suficiente pra fazer aumentar com velocidade a pulsação nervosa nas veias saltadas do pescoço fino de Catra, que ainda conseguia sentir formigar no corpo a sensação sufocante de ter as mãos grossas de Huntara lhe apertando as vias respiratórias. Mas a sensação da falta de ar só não era mais desesperadora do que a visão turva da garota após cada soco, que se aproximava violentamente. 

As lembranças terríveis da noite anterior continuavam como uma maldição, rondando a sua mente. E a cada vez que fechava os olhos, essas lembranças pareciam querer se materializar na sua frente. Depois de quase 48h sem dormir e quase duas sendo um saco de pancadas, Catra só queria poder se permitir ceder ao cansaço que estava sentindo e adormecer. Afinal, tudo o que seu corpo cansado mais queria agora era poder se recompor do trauma. Mas não era assim tão fácil. 

A adrenalina ainda parecia estar correndo firme pelas suas veias, junto com a sensação de que a qualquer momento Huntara poderia entrar por aquela porta e lhe presentear uma continuação mais que desagradável das atrocidades que vivenciaram na noite anterior. 

Só de pensar nessa possibilidade, o corpo trêmulo de Catra se contraía involuntariamente, como se esperasse que uma pancada invisível pudesse lhe machucar. Mais ainda…

- Catra… ? - A voz preocupada e receosa de Swift Wind, junto com a imagem do rapaz se ajoelhando cuidadosamente a sua frente, fez a gentileza de tirar a atenção de Catra daqueles pensamentos horríveis que vinham perturbando a sua mente. - Bebe um pouco, vai te fazer bem… - O garoto disse, oferecendo gentilmente um copo de água bem gelada que fez a boca seca de Catra salivar. 

Com certeza Huntara e Kyle não estavam interessados em satisfazer qualquer necessidade básica que Catra estivesse sentindo. Sendo assim, já eram mais de oito horas sem beber ou comer coisa alguma. 

Swift Wind não sabia nada sobre isso, mas pela forma necessitada com que Catra agarrou aquele copo e apertou os olhos com força enquanto a água passava gelada pela sua garganta, davam ao rapaz uma noção de que a situação era pior do que ele imaginava.

As mãos trêmulas só não eram mais desconfortáveis do que o leve gosto de sangue que Catra sentiu se espalhar pela sua boca no momento exato em que o líquido gelado entrou em contato com a parte interna da sua boca. Huntara havia feito um ótimo trabalho em rasgar parcialmente uma camada interna de pele que ficava mais próxima dos dentes posteriores de Catra, depois de deslizar seu punho violentamente pela bochecha dela.

No primeiro momento em que colocou o copo na boca, a única reação plausível do corpo de Catra foi sentir uma ânsia de vômito real pelo gosto ferroso do sangue em contato com a língua, mas estava com tanta sede que se forçou engolir com força, fazendo o possível pra que seu corpo aceitasse toda água do copo, quase que de uma vez só. 

Se sentindo saciada pela primeira vez em longas horas, Catra não teve outra reação a não ser cair no choro novamente, antes de entregar seu copo de volta pra Swift Wind, que nem pensou duas vezes antes de se levantar e caminhar rapidamente até a cozinha, trazendo uma garrafa cheia de água, que estava dentro da geladeira. 

Por mais que o rapaz não comentasse nada, era visível em seus olhos o quanto aquela situação estava o dilacerando por dentro. A dor que havia sentido mais cedo, pela decepção amorosa com Bow, nem mesmo se equiparava, minimamente, ao que o ruivo estava sentindo agora. 

Ele não conseguia nem mesmo imaginar um terço da metade do que Catra havia passado durante aquelas horas em que esteve sumida, sem que ninguém além de Adora estivesse preocupado em encontrá-la. 

E vendo a menina agora, naquele estado, só fazia o garoto se sentir ainda mais culpado por não tê-la procurado antes. Que tipo de amigo ele estava sendo até então ? 

Mas ao contrário de Catra, mesmo nas piores situações, Swift Wind sempre conseguia ver um lado bom por trás das coisas. E dessa vez, ele se sentia imensamente agradecido por ver que, no fundo, Catra sabia que podia contar com ele pra qualquer coisa. Inclusive em momentos críticos como esse.

Depois de beber quase metade de toda água da garrafa, Catra finalmente começava a conseguir controlar as lágrimas, enquanto apreciava o deslizar lento e satisfatório da água geladinha descendo pela sua garganta, e sem gosto de sangue dessa vez. 

- Tem alguém pra quem eu possa ligar… ? - Swift Wind perguntou receoso, vendo a menina terminar seu último copo de água. - Algum familiar ? Pai, mãe, irmãos ? - 

A pergunta não poderia ter sido mais concisa. Afinal, se acontecesse algo assim com ele, a primeira coisa que o rapaz iria querer era que alguém informasse aos seus pais. Mas pra surpresa dele, depois de longos segundos de silêncio, Catra simplesmente balançou a cabeça negativamente de um lado pro outro. 

Ela não tinha ninguém. 

Na verdade, ela tinha. Mas depois de quase dois meses brigada com os pais e sem dar sinal algum de vida, ela não achava justo ligar agora. Ainda mais para os pais, que a desencorajaram desde cedo a correr atrás dos seus sonhos. Se tinha uma coisa que ela não queria, era ligar chorando pra contar sobre como fracassou miseravelmente em se tornar uma adulta bem sucedida e sobreviver sem a ajuda deles. 

E como não havia muito o que fazer agora, o rapaz se encostou de costas no sofá, pendendo o pescoço pra trás enquanto soltava um longo suspiro. Swift Wind não sabia o porquê, mas alguma coisa lhe dizia que Catra estava escondendo alguma coisa importante. Sendo assim, ele resolveu tentar um novo estímulo, pra testar a capacidade de Catra em responder coerentemente as suas perguntas, voltando seu olhar pro rosto machucado da menina novamente. 

- Okay… nada de família. Mas… e a Adora ? - A pergunta repentina meio que havia pego Catra de surpresa. Não que ela não quisesse ou não tivesse pensado na possibilidade de ligar pra Adora assim que conseguiu ficar longe o suficiente da Crimson Waste pra raciocinar alguma coisa.  

Mas depois de finalmente ter visto o estado deplorável em que se encontrava, com um dos olhos completamente roxo e inchado, o corpo magro e trêmulo coberto de machucados e o cabelo negro que a loirinha gostava tanto, completamente desigual e repicado… A última coisa que se passava na mente de Catra agora era deixar que Adora lhe visse daquele jeito. E pensar nisso era doloroso demais naquele momento. 

Dava pra ver pela forma com que Catra se encolheu ainda mais no sofá, abraçando de leve o próprio corpo e iniciando uma nova crise de choro, que ainda não era hora de fazer perguntas. Catra definitivamente não estava em condições de decidir qualquer coisa. Então cabia apenas a Swift Wind fazer o possível pra cuidar dela, sem piorar toda situação. 

Depois disso, o ruivo não ousou dizer nem mais uma palavra. Ele simplesmente sentou melhor ao lado da amiga e com resignação, ofereceu a sua mão gentil, a qual Catra segurou firme, entrelaçando fortemente os dedos nos dele enquanto chorava dolorosamente. 

Um choro tão profundo e angustiante… que parecia estar vindo diretamente da sua alma. 

Enquanto isso… na casa de Adora, Glimmer atravessava a sala de um lado pro outro como um furacão, sendo observada pela melhor amiga, que não sabia ao certo o que dizer para acalmar a baixinha enfurecida com o rostinho vermelho.

- Como ele pôde ?! - Glimmer esbravejava, levando as próprias mãos até a cabeça, bagunçando inconscientemente seus cabelos cor de rosa. - Depois de tudo que passamos juntos, como ele pôde simplesmente me esconder uma coisa dessas ?! Gay ?! Sério ?? - Glimmer parecia inconformada. 

- Talvez ele só não tivesse coragem de te contar por medo de como você poderia reagir - Adora comentou baixinho, tentando se colocar no lugar do rapaz naquele momento. - Eu também fiquei surpresa em ver o Bow beijando o Swift. Mas eu meio que... entendo o porquê dele não ter falado. Pelo menos, assim… Foi super difícil pra mim contar pra vocês que eu gostava de meninas, mesmo sendo meus melhores amigos. A gente nunca sabe o que esperar. Então acho que, talvez… O Bow estivesse sentindo um pouco disso também. Sentindo um pouco de medo de como seria a nossa reação. E meio que… a gente reagiu mal pra caralho. - Adora comentou culpada, apoiando o peso da cabeça em uma das mãos, ainda sentada no sofá branco enorme da sala. 

- A gente reagiu mal ?! Eu nem sei o que diabos eu fiz, Adora! Isso foi péssimo... - Enfim foi a vez de Glimmer se jogar no sofá, bem ao lado da loirinha, que continuava lhe observando com um pesar visível nos olhos. - Eu… estraguei tudo. - Glimmer disse baixinho, escondendo o rosto com as mãos. - É só que… eu o amo tanto, Adora… tanto. Que ver ele beijando outra pessoa, mesmo que fosse o Swift, me fez… perder a cabeça. - A voz culpada era bem coerente com a expressão de remorso no rosto redondinho da baixinha. - Eu tive tantas chances, tantas… situações, em que eu poderia ter simplesmente dito o quanto ele era importante pra mim e como eu queria… Ficar com ele pra sempre. Mas eu fui uma covarde e… Talvez ele nem goste mesmo de mim. - O lamento de Glimmer fazia o coração de Adora se apertar ainda mais dentro do peito. Ela entendia bem como era se sentir assim.

- A gente nem deu uma chance a ele de se explicar ou de… sei lá, contar tudo pra gente - A atleta suspirou devagar, pesadamente, fechando os olhos com força. 

- Não, Adora. EU não dei a chance dele se explicar. Você não fez nada disso. E eu… sei o que você tá tentando fazer. Sempre que eu faço alguma burrada e você tá comigo, é sempre "a gente deveria ter feito isso" ou "a gente não fez aquilo", como se dividir a culpa com você fosse me fazer sentir melhor, mas… não faz. Porque eu sei que a culpa foi completamente minha. - O jeito resignado com que a garota disse aquilo fez Adora se encolher no sofá, um tanto desajeitada por ter sido pega. - Adora… Obrigada. Por tentar cuidar de mim mesmo assim. - 

- Eu faria dez vezes, mesmo se você reclamasse onze - A loirinha sorriu.

Por mais que as duas não admitissem na maior parte do tempo, elas tinham um jeito bem particular de cuidar uma da outra. E no fim de tudo, eram esses pequenos detalhes que faziam essa amizade ser tão forte. Glimmer era a irmã que Adora não teve, e a baixinha sentia o mesmo com relação a ela. 

A amizade das duas era verdadeiramente intensa, e era justamente por esse motivo que Adora precisava fazer Glimmer entender que… talvez, ela só precisasse se abrir um pouco mais pra que Bow percebesse o que ela sentia de verdade. 

No fundo, Adora sabia bem que Glimmer sempre foi apaixonada pelo rapaz. E ter os dois como melhores amigos era uma honra enorme. Mas vê-los nessa situação agora, parecia uma distopia na qual ninguém conseguiria ser feliz. 

- Você acha mesmo que ele é gay ? Nunca passou pela sua cabeça que poderia ser… Alguma outra coisa ? - Adora perguntou do nada, deixando seu corpo escorregar pelo sofá até que ela finalmente estivesse deitada, olhando pro teto.

- Eu não sei, Adora. Me diz você. As pessoas LGBTs não tem um negócio, tipo um sexto sentido, que sempre meio que sabe se a pessoa é ou não é ? - Glimmer perguntou sem saber ao certo se o que estava dizendo fazia sentido, mas lembrava de ter escutado sobre isso em algum lugar. 

- É, um gaydar. É tipo um radar interno... uma coisa mais sensorial - Adora explicou, vendo Glimmer escorregar pelo sofá, de forma semelhante ao que ela havia acabado de fazer, deitando a cabeça ao lado da dela, com os pés na direção oposta, tal como a capa de um romance água com açúcar sobre jogar a culpa nas estrelas. 

- Ah… entendi. - Glimmer ponderou, encarando o teto, com os dedos entrelaçados e as palmas das mãos apoiadas sobre a barriga. - E aí ? O que o seu gaydar diz sobre o Bow ? - Ela perguntou curiosa, porém com uma pontinha de receio. 

- Não sei, o meu veio com defeito, eu acho. - Adora comentou meio sem jeito, fazendo Glimmer segurar inutilmente uma risada que acabou fazendo Adora rir também. 

- Até pra isso você é lerda. Ai! - A baixinha comentou debochada, antes de sentir Adora virar a própria cabeça pro lado, deixando uma mordida dolorida na bochecha dela. - Sai, isso dói! - Glimmer reclamou entre uma risada e uma briguinha infantil que havia começado com as mãos, que se batiam desajeitadamente com de Adora, acima das suas cabeças. 

- Mas foi pra doer! - Adora comentou risonha quando finalmente Glimmer parou de tentar acertar seu rosto abobado com as mãos. 

- Idiota… - Glimmer suspirou profundamente antes de voltar pra posição em que estava antes, com as mãos entrelaçadas sobre a barriga - Sério, eu tô me sentindo péssima com tudo isso. - A menina de cabelo rosa confessou baixinho. 

- É, eu sei. Eu também tô. A gente tá rindo, mas o caso é sério. - Adora ponderou, imitando Glimmer ao entrelaçar os dedos também - A gente precisa pedir desculpas pro Bow. E… você sabe, consertar as coisas - 

- É… O problema é que… eu não faço ideia de como fazer isso. E eu não sei se aguento procurar o Bow agora e ver ele e o Swift andando de mãos dadas por aí. O Bow ser gay é meio que… O fim da linha pra mim, entende ? Se eu tivesse visto ele beijando outra garota, provavelmente eu me sentiria péssima também. Mas pelo menos não ficaria com essa sensação de que… Ele nunca vai gostar de mim como eu gosto dele, entende ? - É, Adora entendia bem. Afinal, ela se sentiu assim durante anos. E agora, talvez, fosse sua chance de usar o que aconteceu pra ajudar alguém. E se esse alguém fosse Glimmer, que acompanhou tudo de perto, seria ainda mais efetivo. 

- Você lembra quando eu era apaixonada pela nossa antiga amiga em comum ? Que depois de me beijar simplesmente sumiu como poeira no vento ? - Adora perguntou com sarcasmo na voz pra esconder que ainda se sentia incomodada com aquela situação. 

- Como esquecer ? Aquela vadia quase destruiu você - Glimmer comentou levemente irritada só de lembrar pelo que Adora teve que passar por conta da irresponsabilidade emocional daquela garota. 

- Eu também me sentia exatamente do jeito que você tá se sentindo agora. Eu não sabia se ela gostava de mim do mesmo jeito que eu gostava dela. Dormir do lado dela na mesma cama improvisada, lá na sua casa, era uma tortura pra mim. Eu a amava tanto, Glimmer… - O suspiro decepcionado da atleta fez a expressão brava de Glimmer se transformar rapidamente em um olhar compreensivo. 

- É, eu sei… - A menina disse, abaixando de leve a cabeça. 

- Não ter certeza se ela gostava de mim dessa forma era doloroso. Mas, mais doloroso do que não saber, foi perceber só depois o jeito sacana como ela me iludiu. Enquanto a gente dormia juntas, eu sentia ela se aproximar durante a noite. Os olhos dela estavam fechados, mas ainda sim eu sentia o roçar da perna dela deslizando pela minha. Até hoje eu me pergunto se ela estava mesmo dormindo ou só… me provocando por diversão. -

- Que filha da puta! - Glimmer rangeu os dentes irritada. 

- Eu acho que você nunca percebeu, mas quando a gente precisava se arrumar juntas pra sair pra algum lugar, ela sempre me pedia pra ajeitar alguma coisa na roupa dela. Ou até pra ajudar a fechar o zíper de alguma saia apertada. Na época, eu não percebia. Mas agora, quando eu paro pra pensar, eu vejo que ela nunca gostou mesmo de mim. E que durante esse tempo todo, ela só me iludiu e me provocou pra se divertir, sem se importar com os meus sentimentos. Porque afinal… Ela era hétero. E as fotos atualizadas do Instagram dela beijando aquele cara estranho da faculdade nova já deixam isso bem claro. - Falar sobre aquilo era doloroso, mas Adora precisava que Glimmer entendesse uma coisa - O Bow nunca fez nada escroto com você, nunca. Ele sempre foi bom e gentil, e ainda é. Se ele fosse mesmo gay, você acha que isso seria um motivo pra ele deixar de te amar ? Com certeza não. Eu sei que talvez não fosse o tipo de amor que você esperava. Mas… E se for o único que ele tem pra te oferecer ? Você simplesmente vai… Ir embora ? - 

Finalmente Adora havia chegado no ponto que realmente importava diante de toda aquela situação. Glimmer amava Bow, definitivamente. Mas ela o amava o suficiente pra entender que seria egoísmo ir embora simplesmente por não receber dele o tipo amor que ela estava esperando ? 

- Eu… não sei, Adora. Eu não sei. - Foi só o que Glimmer conseguiu dizer antes de ser interrompida pelo barulho da campainha delicada que ressoou pela casa. 

Pelo visto, Glimmer não precisaria procurar demais. Afinal, pela voz grave que chamava seu nome e o de Adora aos berros, parecia ser Bow quem estava na porta. 

- Bom, então acho que agora é uma boa hora pra descobrir - Adora comentou receosa, segurando de leve a mão da amiga, que não sabia ao certo o que fazer. 

- Finge que a gente não tá! - Glimmer sussurrou nervosa pra Adora.

- Gliiim!! Adoraa!! Eu sei que vocês duas estão aí dentro! Eu passei na casa da Glimmer e a Angela me disse que vocês vieram pra cá! - Do lado de fora, Bow fazia uma concha com as mãos, na tentativa de fazer sua voz ressoar mais alto. 

- Arrrg, mãe!! - Glimmer reclamou baixinho, olhando pro teto e pedindo misericórdia pra não cometer um crime familiar quando precisasse voltar pra casa naquele mesmo dia, mais tarde. 

- A tia Angela se importa com você, com vocês dois. E, bem… Ela não tem como adivinhar que você e o Bow brigaram. Se alguém me contasse, eu também não iria acreditar - Adora deu de ombros, se levantando. 

- Espera! Aonde você vai ?! - A voz sussurrada e nervosa de Glimmer chamou atenção da loira, que agora se afastava com passos lentos da direção da porta. 

- Dar a você a chance de se desculpar com o cara mais bacana do universo, e que não tem culpa alguma das expectativas que criamos sobre ele - Aquele tapa sem mãos fez Glimmer se encolher no sofá, envergonhada. Ela odiaria admitir, mas Adora tinha razão. 

Depois de deixar Glimmer sozinha, Adora finalmente chegou até a porta de vidro, tendo a visão de um garoto forte e nervoso, com as têmporas suadas e o peito arfante. Todas essas reações ao mesmo tempo só deixaram bem claro que Bow estava tão afetado pela situação quando Glimmer parecia estar quando chegou até a casa da amiga. 

No momento exato em que o menino viu Adora aparecer do outro lado da porta, por instinto, ele apoiou suas mãos fortes espalmadas no vidro. 

- Por favor, me diz que a Glimmer tá aí - Bow apertou ainda mais as pontas dos dedos no vidro, como se estivesse fazendo uma súplica. Mas logo que ela abriu a fechadura ele precisou se afastar, vendo a menina abrir a porta e logo em seguida abraçá-lo forte, numa tentativa amigável e gentil de acalmar seu melhor amigo.  

- Ela tá sim, na sala. Mas antes de entrar, respira um pouco. Você tá ofegante, vai acabar assustando ela. E provavelmente isso vai te deixar pior também. - A voz calma de Adora era tudo que o rapaz estava precisando ouvir naquele momento tão frustrante. 

- Ela me odeia, não odeia… ? - Ele perguntou angustiado, abraçando Adora de volta com carinho enquanto apoiava o queixo sobre os cabelos dela, deixando que os braços da menina lhe envolvessem com carinho. 

- Não, Bow. Ela não te odeia. Mas vocês precisam mesmo conversar… - Os olhos azuis preocupados da menina pareceram mais tranquilos quando Adora percebeu que só levou alguns poucos minutos até que o rapaz conseguisse normalizar a respiração, sem nem mesmo perceber. Era o poder que um abraço verdadeiro tinha. 

- Eu sei, eu… Não queria que ela tivesse descoberto dessa forma. E eu também não queria magoar ninguém. Vocês duas são tudo pra mim e… - 

- Hey, tá tudo bem. Não foi sua culpa, okay ? - Num gesto de carinho, Adora se afastou apenas para segurar o rosto do rapaz com as duas mãos, fazendo com que Bow olhasse diretamente pra ela. - A Glimmer… Só precisa da verdade agora. E você também. Então, só sejam sinceros um com o outro e você vai ver como tudo vai ficar bem, de verdade. - O sorrisinho compreensivo no rosto de Adora fez Bow soltar um suspiro pesado, e junto com ele, metade das suas frustrações. 

- Obrigada, Adora… - Ele disse, apertando a menina novamente num abraço que a fez sorrir.

- Eu amo você, do jeitinho que você é. Gostando de meninos ou de meninas… ou dos dois, né. - O jeito como Adora disse aquela última frase havia de fato pego Bow de surpresa, fazendo o garoto encará-la como quem pergunta com os olhos "você sabia de tudo esse tempo todo ?!". 

E com um sorrisinho bobo que claramente dizia "É óbvio!", Adora acenou positivamente com a cabeça. 

- Mas não cabia a mim contar pra Glimmer… Então eu só fingi que não sabia. E disse pra ela que o meu gaydar veio quebrado - 

- O seu o quê ? - Bow perguntou confuso, fazendo Adora segurar uma risadinha. 

- Okay, você ainda tem muito o que aprender. Mas primeiro, vamos resolver o que realmente importa. - A menina disse num tom brincalhão, segurando o amigo pelo pulso e o guiando até a sala, onde Glimmer estava esperando sentada no sofá, completamente desconfiada, abraçando as próprias pernas. 

Quando Bow entrou na sala, acompanhado por Adora, Glimmer não soube ao certo como reagir, direcionando seu olhar envergonhado pro chão. Se sentia ridícula pelo que havia feito mais cedo, porém… já não tinha como voltar atrás. Ela precisava resolver toda aquela situação, e logo. 

- Vou deixar vocês conversarem a sós… Mas vou estar lá em cima se precisarem de mim - Adora disse com naturalidade, mais pra Glimmer do que pra Bow, se dirigindo até a escada enquanto ignorava completamente o pedido de "Adora, espera!" vindo meio desesperado da outra menina na sala. 

Quando a loira finalmente desapareceu escada acima, foi que a baixinha de cabelo rosa se deu conta no que e onde havia se metido. 

Meio sem jeito, Bow não sabia se deveria ou não se aproximar, segurando nervoso a barra da camisa. 

Glimmer conhecia bem aqueles sinais, cada um deles. As têmporas suadas significavam que ele estava estressado, pensando demais. A respiração pesada indicava claramente que alguma coisa estava o incomodando e o jeito nervoso como o garoto brincava com a barra da camisa era o mesmo de quando ele estava inseguro demais pra fazer alguma coisa.

- Senta… - Glimmer pediu meio sem jeito, incomodada de vê-lo ali de pé como um dois de paus. 

- Ah, claro. Eu… claro. - Ainda meio desajeitado, Bow caminhou até o sofá da frente, um pouco mais afastado de Glimmer, como não era comum de se fazer. 

Os dois passaram alguns segundos ali, na mesma posição, num silêncio profundo. 

De um lado, Bow se mantinha sentado, com as pernas mais abertas e os cotovelos apoiados nos joelhos, enquanto sustentava a cabeça entre as mãos, que com os dedos entrelaçados encobriam a sua boca. Deixando que seus olhos nervosos se movessem pra lá e pra cá, alternando sua visão entre Glimmer e o lugar vazio ao seu lado. 

No sofá a sua frente, Glimmer continuava sentada encolhida, abraçando as próprias pernas e apoiando o queixo em seus joelhos dobrados. Alternando seu campo de visão entre o rosto de Bow e o tapete felpudo que cobria aquela área do chão. 

Era difícil começar uma conversa quando não se sabia ao certo o que cada um queria dizer. Mas alguém tinha que dar o primeiro passo, e pra surpresa de Bow, havia sido Glimmer.

- Me desculpa… - Ela disse baixinho, desviando olhar pra algum outro canto da sala enquanto falava e afundava o rostinho redondo levemente por trás dos joelhos, deixando visível apenas seu nariz e olhinhos brilhantes. - Eu… Não devia ter, sabe.. ? Surtado daquele jeito. - Ela disse, culpada. 

- Não, eu quem peço desculpas. Eu não fazia ideia de que as coisas iriam terminar dessa forma, Glim. - Mesmo que o contexto não fosse esse, quando Glimmer ouviu a palavra "terminar", seu coração apertou um pouco. Bow queria terminar sua amizade com ela ? Provavelmente não. Mas sua ansiedade insistia em dizer que aquilo era uma real possibilidade. 

- Bow, eu… - A menina começou, mas não conseguiu terminar a frase, abraçando ainda mais as próprias pernas, como se naquela posição encolhida talvez ela estivesse mais segura. 

- Glim, sobre o Swift, eu… - Antes mesmo que Bow pudesse concluir, Glimmer o interrompeu, com medo do poderia ouvir a seguir. Ela ainda não estava preparada pra escutar Bow dizer que ele e Swift Wind eram um casal. Aquela era sua última chance e ela definitivamente não jogaria fora dessa vez. Não era como se ela tivesse mais nada a perder, afinal. 

- Espera. Antes que você diga qualquer coisa, eu preciso… eu preciso te contar algo importante. - A baixinha se apressou em dizer, fazendo Bow se calar compassivamente, na espera de ouvir o que Glimmer tinha de tão importante pra lhe dizer que não podia esperá-lo explicar que ele e Swift Wind eram apenas amigos. 

- Você se lembra quando eu tava passando pelo corredor, uns quatro anos atrás, no ensino médio. E aí a gente deu de cara um com o outro, porque aquele seu amigo insuportável tava fugindo de você no meio de uma brincadeira idiota de pega-pega ? - Glimmer perguntou, arrancando uma risadinha saudosa de Bow, que afastou as mãos do rosto apenas pra fazer uma expressão pensativa, como se estivesse vendo a cena acontecer novamente, bem diante dos seus olhos. 

- Lembro sim. Ele passou praticamente voando pelas escadas, descendo de três em três degraus numa velocidade impressionante. Até hoje me pergunto porque ele não entrou pra equipe de atletismo depois disso. Com certeza o Vans seria um ótimo corredor. Lembra como ele conseguiu desviar de você no último segundo, quando vocês dois quase trombaram nessa mesma escada ? - Bow sorriu divertido, vendo Glimmer segurar um sorrisinho semelhante.

- Claro que eu lembro. Eu tive ódio dele por um semestre inteiro depois disso. - 

- Mas por que esse assunto agora ? - O rapaz quis saber. 

- Você lembra o que aconteceu depois do Vans ter desviado de mim na escadaria ? - Glimmer indagou, fazendo o rapaz pensar por alguns segundos antes de abrir um largo sorriso.

- Eu salvei você. - O jeito como ele disse aquilo fez Glimmer desviar o olhar, com o rosto vermelho e um sorriso carregado de carinho e saudades. 

- É… Você me salvou. - Ela disse, lembrando com todos os detalhes quando aquele garotinho de cabelo crespo apareceu por trás do idiota que passou correndo por ela, causando um desequilíbrio repentino pelo susto, que fez Glimmer dar um passo instintivamente pra trás. Mas como não havia degrau algum, a menina simplesmente começou a despencar na direção do chão, de costas. E na hora do desespero, Glimmer lembrava claramente de ter soltado os dois livros de biologia que estava carregando nas mãos. E foi graças a isso que Bow teve tempo suficiente de segurar o corrimão e o pulso da menina ao mesmo tempo, evitando que Glimmer caísse e se machucasse no chão. 

Os dois passaram cerca de três segundos se encarando fixamente logo depois do que aconteceu. 

Bow, com seus olhinhos negros brilhantes e a expressão embasbacada, pensava estar vendo a garotinha mais bonita de todo colégio. E Glimmer, com seu cabelo que desde essa época já tinha o tom rosa pastel, fez questão de gravar na memória a imagem daquele menino magrelo e gentil, vestindo uma farda branca e apertada por baixo de uma jaqueta vermelha esportiva duas vezes maior que ele. 

Dias depois, Glimmer descobriu que a jaqueta pertencia ao irmão mais velho do garoto, que coincidentemente se formou na mesma faculdade na qual os dois estudavam agora. O irmão de Bow também fazia parte do time de futebol da faculdade antes de ser chamado pra jogar num time profissional e se tornar uma inspiração enorme pro caçula da família. 

- Aquele dia foi legal, apesar de tudo. - Bow comentou baixinho, coçando a nuca, tirando Glimmer da realidade alternativa que eram suas lembranças. 

- Naquele dia, aconteceu uma coisa estranha comigo… - A menina confessou num tom de voz contido, como se contasse um segredo - Pela primeira vez na minha vida, eu senti que… Não importava o que acontecesse dali em diante… Eu tinha a certeza de que seríamos amigos, pra sempre - Ouvir aquilo, de forma tão sincera, aqueceu com carinho o coração emocionado de Bow, acalentando seus sentimentos de uma forma íntima e especial, como apenas Glimmer conseguia fazer.

- Eu senti o mesmo… - O rapaz comentou num tom de voz semelhante, fazendo Glimmer finalmente encará-lo, olhos nos olhos. 

- Bow… Naquele dia, naquele mesmo dia… Lá na escadaria da escola… Foi quando aconteceu. Na época eu não entendia, mas agora… eu sei. Foi exatamente naquela hora… que eu me apaixonei por você. - Por um segundo, Bow pensou ter alucinado ao ouvir aquilo. O rosto do rapaz empalideceu com tamanha facilidade que até mesmo Glimmer pôde notar, mesmo de longe. 

Se o coração do atleta era saudável, aquela era a hora perfeita pra se mostrar, afinal… ele nunca havia sentido seu próprio coração bater tão rápido. 

Glimmer o amava. 

Tomado pela euforia, Bow não soube como conter sua felicidade, levantando num salto e vendo Glimmer fazer o mesmo. 

- Glimmer, eu… - Antes mesmo que o garoto pudesse terminar de falar, a menina o interrompeu mais uma vez, se aproximando com mais alguns passos, ficando a quase um braço de distância do corpo forte de Bow. 

- Hey, tudo bem… eu sei. - Ela disse baixinho, com um sorrisinho tímido que fez o garoto sorrir mais ainda. 

- Você sabe ?! Então o que tá esperando pra vir aqui ? - Ele perguntou eufórico, estendendo os braços e recebendo um abraço apertado da menina que ainda parecia ser a mais bonita do colégio, da faculdade e de todo planeta.  

- Desculpa por ter sido uma idiota com você. - Ela sussurrou baixinho se encaixando no abraço dele, que sem pensar, presenteou a menina com um beijinho demorado no topo da cabeça. 

- Tudo bem, o que importa é que tá tudo bem agora. - O sorriso enorme deixava claro a felicidade no rosto do rapaz. 

- Espero que não se importe, mas… eu vou continuar te amando - Glimmer disse baixinho, fechando os olhos devagar e aproveitando pra sentir um pouco mais de perto o aroma do perfume de Bow. 

- Eu também, Glim. - 

- Mesmo você sendo gay. - 

- Espera. O que ?! - Bow praticamente berrou, afastando Glimmer de si pra poder focar seu olhar desorientado no rosto igualmente confuso dela. 

- O que, o que ?! - Agora foi a vez de Glimmer perguntar, sem entender mais nada. A esse ponto, Bow lhe segurava nervosamente pelos braços, com uma expressão que agora parecia tão engraçada quanto os programas de stand up que ela costumava assistir com seu pai. 

- Que história é essa que eu sou gay ?! - Ele perguntou aturdido, vendo Glimmer erguer as sobrancelhas, surpresa. 

- Você não é ?! - A perplexidade na voz da menina fez Bow praticamente surtar internamente. Ela não acabou de dizer que havia entendido tudo ?! - Não era isso que você ia me dizer agora a pouco? "Glimmer, eu… sou gay e o Swift Wind é meu namorado. Eu amo você, mas não desse jeito." Não era isso ?! - Glimmer estava com tanto medo de ser rejeitada que simplesmente decidiu confessar seus sentimentos e poupar seu coração de ouvir aquelas palavras saindo da boca de Bow. O único problema era que… não eram aquelas palavras que o rapaz estava prestes a dizer, minutos atrás. 

- Claro que não era! - 

- Então você é hétero ?! - Glimmer perguntou feliz abrindo um sorriso tão largo que quase não cabia na sua cara. 

- O que ?! Não! - Bow negou no mesmo segundo, fazendo o sorriso da menina se transformar numa completa expressão de frustração. 

- Eu não tô entendendo mais nada! - Glimmer reclamou, se soltando das mãos de Bow. - Você gosta ou não gosta de meninas ?! - 

- Gosto! Claro que eu gosto! - O atleta respondeu na hora. 

- Viu ? Você é hétero! Hétero é um menino que gosta de meninas! Tá tentando me enlouquecer, garoto ?! - A baixinha deu um tapa no braço do rapaz, que pulou de susto. 

- Eu sei o que hétero significa! Eu só tô tentando te dizer que eu NÃO sou hétero! Eu sou bissexual, Glimmer! Eu gosto de meninas sim! Mas eu também gosto de meninos! - Depois de uma longa enrolação, Bow finalmente havia deixado tudo claro agora. Ele era bissexual. E por incrível que pareça, essa informação foi mais chocante pra Glimmer do que se ele tivesse dito que era gay. 

- Espera, espera… - A menina disse, andando de um lado pro outro na sala enquanto sua cabeça tentava processar tudo o que havia acontecido até então. - Você é bissexual… - Glimmer parou do nada e começou a montar todas as informações como se estivesse fazendo um fluxograma mental - Você gosta de meninos e gosta de meninas… - Ela continuou, fazendo um gesto como as mãos como se estivesse separando dois grupos, mentalmente - Por isso você e o Swift estavam se beijando no shopping. Então quer dizer que… você pode namorar duas pessoas ao mesmo tempo ?! - Glimmer deixou o queixo cair, chegando na conclusão mais absurda que sua mente foi capaz de imaginar. 

- Meu Deus! Não! Não é nada disso! - Bow suspirou pesadamente, levando uma das mãos até a testa, pensando na confusão que Glimmer havia acabado de criar, sozinha. - Ficar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo é poligamia. E eu sou 100% monogâmico, okay ? O fato de eu ser bissexual não significa que vou namorar duas pessoas ao mesmo tempo. Nem significa que, se por exemplo, eu estivesse namorando com uma menina, que eu poderia trair ela com um menino. Não é como se isso fosse uma ameaça dupla! Entende ? - Ele perguntou, olhando Glimmer nos olhos. E dava pra ver que a menina estava realmente se esforçando pra tentar entender. - Eu só… sou assim, Glim. Eu não me apaixono por você, por você ser menina ou menino. Eu me apaixono pela pessoa que você é. Se você fosse um cara legal, eu me apaixonaria por você ser legal e não um cara. Entende ? - 

- Eu… Acho que sim - Ela disse baixinho, segurando um dos braços desajeitadamente, enquanto encarava o chão e se achava idiota por ter pensado algo tão sem noção logo antes. 

Porém, o fato era que... além de Adora, Glimmer não tinha mais nenhuma amizade que não fosse heterossexual. Pelo menos, não que ela soubesse. Então era difícil pra ela compreender uma realidade que ela não conhecia. 

- Você disse que era apaixonada por mim no ensino médio. - Bow se aproximou novamente, segurando as mãos da menina com carinho, fazendo com que ela instintivamente o olhasse nos olhos. - A verdade é que… Eu também sou apaixonado por você, desde o ensino médio. - Quando Bow confessou aquilo, com aquele sorrisinho sem jeito que Glimmer conhecia bem, ela soube… 

Soube que ele estava falando a verdade. 

- E continuo sendo completamente, ridiculamente… Apaixonado por você. Mesmo com você achando que eu fosse gay - Ele disse essa última frase com uma risadinha, mas Glimmer não riu dessa vez. 

- Você não é gay. - Ela disse com frieza - É Bi. Você gosta de meninos e gosta de meninas… - A medida em que continuava falando, seu tom de voz se tornava lento e baixo, como se estivesse repassando tudo mentalmente. E por um segundo, Bow sentiu medo. Medo que ela não entendesse, medo que ela se afastasse, ou pior… Medo que ela deixasse de lhe amar por conta disso. 

- Exatamente. - Ele disse, confirmando os pensamentos dela. 

- Você diz que é apaixonado por mim, mas… Eu te vi beijando o Swift Wind, Bow. - A mágoa na voz dela refletia no brilho lacrimoso dos seus olhos. - Como você quer que eu acredite que você vai amar somente a mim se eu acabo de te ver, minutos atrás, beijando um outro garoto no meio do shopping ? - Por mais que fosse doloroso, Bow sabia que devia uma explicação a ela sobre isso. Até porque, se fosse o contrário, e ele tivesse visto Glimmer beijar outro garoto… ele não pensaria a mesma coisa se ela chegasse, minutos depois, dizendo que o amava ? 

- O Swift quem me beijou. Na verdade, ele… se declarou pra mim hoje. Naquela hora que vocês chegaram, ele havia acabado de dizer que me amava. - O relato de Bow pegou Glimmer de surpresa, dava pra ver pelo leve arregalar dos olhos dela. - Mas eu… disse que não podia. Não podia aceitar. Porque… Eu já amava alguém, e esse alguém era você. Sempre foi você. - Com o olhar carinhoso, Bow usou a dobra dos dedos para acariciar de leve uma das bochechas de Glimmer, que fechou os olhos levemente com o carinho, fazendo o garoto sorrir. - Eu amo você, Glimmer. Sempre amei. E… eu ficaria muito feliz se… A partir de hoje, você fosse minha namorada… E minha melhor amiga.- A voz grave e gentil do rapaz parecia acariciar também os ouvidos de Glimmer, que agora já não de esforçava mais pra conter as lágrimas solitárias que escorriam lentamente, uma em cada face. 

- É tudo que eu… Mais quero na vida - Ela disse emocionada, recebendo como resposta um abraço apertado e carinhoso, com direito a vários beijinhos gentis no topo da sua cabeça de cabelos rosados. - Eu amo você - Ela confessou em meio às lágrimas, sentindo Bow erguer seu rosto ao apoiar os dedos na pontinha do queixo dela.

- Eu também amo você, Glimmer. Muito. - E devagar, o garoto se aproximou, vendo a menina fechar levemente os olhos e abrir com delicadeza a boca para receber o toque gentil dos seus lábios sobre os dela. Selando o primeiro beijo de um amor verdadeiro que se escondia há anos por trás do medo e da insegurança. Mas que agora, florescia como a primavera mais bonita.

Enquanto os dois se deixavam levar pela sensação calorosa e gentil do beijo que trocavam, Adora tampava a própria boca com as mãos, choramingando emocionada, numa tentativa besta de segurar um soluço acompanhado das suas lágrimas. 

Ela disse que ficaria no andar de cima, mas ficou o tempo todo na escada para caso Glimmer estragasse tudo e precisasse da sua ajuda. Mas por sorte, tudo havia dado certo. Então ela finalmente se permitiu subir, agradecendo aos seus pelos amigos finalmente assumirem aquele romance do qual todo mundo já sabia, menos eles. E pelo visto... Swift Wind também. 

Depois de entrar no quarto e fechar a porta pra dar mais privacidade aos dois lá embaixo, Adora conteve a emoção antes de se jogar na cama, com um suspiro longo e pesado. Pensando em como o amor podia ser difícil às vezes...

- Onde você tá, Catra… ? - Adora perguntou suspirando em voz alta, como se daquela forma Catra pudesse de algum jeito lhe responder. Mas ela não podia. E a sensação de não ter notícias da garota durante tanto tempo era frustrante e desesperador. 

Num lapso de atenção, a visão panorâmica da atleta identificou uma cor chamativa na parede, bem ao lado da sua cama. 

Era um post It. 

Mas Adora não se lembrava de ter colado nenhum papelzinho ali. 

Intrigada, a menina levantou o corpo apenas o suficiente pra arrancar o papelzinho da parede, sentindo seu rosto inteiro ferver quando terminou de ler o que havia escrito. 

- Aquela... idiota! - Adora resmungou envergonhada logo depois de perceber que Catra havia assinado o post It com "C-Catra…".

Por mais que a brincadeira tivesse lhe deixado emburrada, Adora tinha que admitir... Gemer pra ela daquele jeito havia sido delicioso. E ter Catra lhe tocando com carinho e deslizando os lábios pelo seu corpo com gentileza, como se apreciasse uma obra de arte… Era um sonho. Ao mesmo tempo em que se lembrava das sensações que a menina lhe causou, Adora também se sentia orgulhosa por ter feito com que a morena sentisse prazer, mesmo com seus toques e carinhos inexperientes. Estar com Catra daquela forma lhe causava uma sensação tão agradável que Adora poderia viver com esse formigamento gostoso em seu peito pelo resto da vida. 

Porém, ainda havia algo que continuava incomodando e afastando aquele sentimento de felicidade que Adora queria tanto reviver. Catra ainda não havia dado nenhum sinal de vida pra ela. 

Sem pensar demais, Adora simplesmente se jogou deitada de costas na cama e esticou seu braço até pegar o iPhone na mesinha de cabeceira. 

Nenhuma notificação dela. 

E as mensagens ainda não haviam chegado. 

Era frustrante. 

Com o celular posicionado em frente aos seus olhos azuis, Adora decidiu digitar mais uma mensagem não entregue. Soltando um suspiro pesado antes de finalmente se render a última opção que queria ter depois de toda confusão do dia de hoje.

[5/3 17:38] Adorada da Catra: Oi Swift

[5/3 17:38] Adorada da Catra: Eu espero que esteja tudo bem… O Bow acabou aparecendo aqui em casa e eu… Meio que fiquei sabendo o que aconteceu :[

[5/3 17:39] Adorada da Catra: Como você tá ? Se quiser conversar, desabafar… ou só, não sei, jogar conversa fora, eu tô por aqui ^-^

[5/3 17:42] Adorada da Catra: E… Eu sei que agora talvez não seja o momento certo de perguntar, mas… 

[5/3 17:42] Adorada da Catra: você teve notícias da Catra ? Desculpa. É que eu tô realmente preocupada… Enfim, qualquer coisa pode me ligar. Ou me manda mensagem. Bjs

Apesar de tudo, quando o celular do rapaz começou a vibrar curiosamente em seu bolso, Swift Wind sentiu que não deveria dar tanta atenção pra isso agora. E justamente por esse motivo que ele nem mesmo tirou o aparelho do bolso, se concentrando unicamente em preparar melhor aquela cama improvisada no sofá enquanto Catra estava no banheiro. 

Por mais que Swift Wind tivesse insistido, Catra se negava a dormir na cama dele. Nem dava pra contar quantas vezes a menina balançou a cabeça em negativa quando o ruivo comentava a possibilidade dela ficar na cama e ele no sofá. Na cabeça dela, ele já estava fazendo mais do que deveria e ela não merecia aquilo tudo depois de ter sido tão idiota com ele esse tempo todo.

Depois do bom tempo que ela levou pra se recompor, Swift Wind finalmente havia convencido a garota a tomar um banho quentinho e tirar aquelas roupas rasgadas e imundas que ela estava vestindo.

E enquanto isso, no banheiro, Catra passava sozinha por um conflito interno que parecia de fato mais doloroso do que a surra que havia levado. 

Com as costas apoiadas na porta trancada, a menina observava a existência de um espelho enorme na parede lateral, um pouco mais à frente, perto da pia. Pela moldura antiga nas bordas do vidro o espelho parecia estar ali há anos, então não era como se Swift Wind tivesse mandado colocar um espelho gigante ali. Mas Catra conseguia claramente imaginar o garoto se endeusando em frente ao seu reflexo todos os dias, esbanjando glamour com suas caras e bocas. 

Mas pra ela, naquele momento, o espelho estava sendo um ponto de gatilho estarrecedor para a sua autoestima, se é que lhe restava alguma. 

Por mais que tivesse consciência de tudo o que aconteceu, nesse momento Catra não sabia ao certo se teria coragem de simplesmente… se olhar no espelho. Mas ao mesmo tempo, ela não conseguia controlar o instinto humano de querer absorver tudo aquilo e tentar identificar o que realmente havia acontecido com seu corpo. Por mais doloroso que pudesse ser, Catra queria ter noção do estrago que Huntara havia feito e principalmente… A menina ainda queria ter uma centelha de esperança de que não estava tão ruim quanto ela pensava. 

Depois de longos minutos nesse conflito entre se permitir olhar ou não olhar, Catra acabou decidindo que independente do que escolhesse… não era como se ela pudesse simplesmente apagar as marcas e feridas com uma borracha logo em seguida. Então, era melhor que se acostumasse com elas o quanto antes, principalmente se aquelas sequelas fossem lhe acompanhar pelo resto da vida. 

Sendo assim, com certa dificuldade, a menina respirou fundo e devagar antes de criar coragem pra começar a tirar o moletom cinza que vestia. Quando Catra começou a subir a barra do blusão pela barriga, revelando as marcas roxas em degradê pelas suas costelas e abdômen, a garota trincou os dentes com força. Afinal, as mangas longas ainda estavam levemente coladas nas feridas dos seus braços. Que só agora, que ela finalmente havia tirado o blusão, se revelavam como sinais visíveis de queimadura, estrategicamente posicionadas na região externa dos seus dois braços. 

As marcas finas e dolorosas formavam a largura exata de um canivete de prata que Catra conhecia bem. O mesmo canivete que Huntara guardava constantemente nos seus bolsos, e que foi aquecido da metade pra baixo até que se avermelhasse e fosse pressionado cruelmente contra a pele fina dos braços pequenos de Catra.

As feridas em alto relevo faziam a garota se lembrar de como sua garganta estava seca enquanto ela gritava de dor e chorava em desespero a cada vez que Huntara voltava a esquentar a ponta do canivete no fogo baixo do seu isqueiro. As marcas finas e perfeitamente desenhadas formavam em três linhas horizontais, de cima pra baixo, na região dos braços dela. E agora, ao olhar com mais calma pela primeira vez, Catra tinha a certeza de que aquelas cicatrizes ficariam pra sempre marcadas na sua pele e na sua alma. 

Ainda sem conseguir encarar sua própria figura no espelho, Catra repensava se realmente queria fazer isso. Se bem, que… o que mais ela tinha a perder agora ?

Sendo assim, com um passo receoso, a menina se aproximou um pouco mais do grande espelho vertical, demorando longos minutos até que finalmente soltasse o ar quente pelas narinas, tomando coragem de levantar seu olhar e encarar o reflexo daquela pessoa que até então ela não conhecia.

O olho azul, do qual ela gostava mais, ainda continuava dolorido pelo inchaço, que sem dificuldades, escondia completamente o tom de azul clarinho da sua íris. 

Depois de ter bebido bastante água na sala, o sangue preso em sua boca havia desaparecido no momento em que Catra limpou os lábios na manga do blusão instintivamente. Porém, o leve corte na lateral direita do seu lábio inferior ainda era visível de perto. 

Em seu abdômen, as manchas roxas que cobriam suas costelas num degradê avermelhado seguiam até o centro da barriga, trazendo até a mente de Catra a sensação desagradável da risada de Huntara ecoando pelo quarto vazio enquanto batia nela e perguntava "onde está toda aquela sua arrogância agora? Hum?!" 

Aquela lembrança chegava a doer mais do que os ciclos de respiração que faziam seu abdômen se mexer, acompanhando os movimentos do diafragma. 

Enquanto tentava tirar aqueles pensamentos da cabeça, Catra aproveitava para tirar a calça esfarrapada que vestia, com cuidado, afinal… também havia queimaduras de canivete nas suas coxas, dos dois lados. 

E a dor do tecido pesado escorregando pelas pernas só não foi pior do que a dor que quase lhe fez gritar de novo, com a sensação da água morna caindo sobre as suas feridas abertas durante o banho. 

E somente nesse instante, Catra se permitiu chorar de verdade pela primeira vez, apoiada na parede fria e segura do banheiro pequeno de Swift Wind. 

Os soluços fortes que causavam solavancos involuntários no peito da menina pareciam se misturar com destreza nas entrelinhas do som estalado que as gotas firmes do chuveiro faziam quando atingiam o chão. 

As lágrimas salgadas, agora se misturavam também com a água limpa, percorrendo o corpo da morena como uma cascata, que levava embora boa parte daqueles sentimentos angustiantes de dor, medo e desespero. Depois de tudo, era até difícil pra Catra acreditar que enfim estava segura e longe de Huntara, Kyle e da maldita Crimson Waste. 

A menina demorou mais no banho do que planejava, devido a forma cuidadosa e paciente de como lavou suas feridas. Mas pelo menos saiu de lá se sentindo um pouco melhor. Agora, com o corpo limpo, ela se sentia mais livre das impregnações nojentas que foram deixadas ali pelas digitais imundas de Huntara.

Depois de vestir a camisa branca e folgada de algodão junto com o short preto confortável, Catra se perguntou se estava pronta para que Swift Wind a visse daquela forma. 

As marcas ficariam expostas. E ele provavelmente perguntaria o que aconteceu. Mas se tinha uma coisa que Catra definitivamente não queria fazer naquele momento, era falar sobre isso. 

Longos minutos se passaram, com a menina sentada no vaso sanitário fechado, encarando a própria imagem no espelho com um olhar vazio. Ela sabia que não seria tão rápido assim, mas… precisaria aprender a se acostumar com a sua nova versão. Por mais machucada e terrível que pudesse parecer na sua cabeça. 

Sendo assim, com um longo suspiro pesado, a garota de cabelo curto finalmente se levantou e deixou aquele cômodo. Se arrependendo no mesmo instante em que sentiu o olhar chocado de Swift Wind cair sobre si, quando ela finalmente apareceu na sala, vestindo aquele conjunto confortável de roupas que deixava ainda mais evidente os seus machucados. 

- Catra, meu Deus… Eu… Não fazia ideia... - O rapaz comentou baixinho, se sentindo um imbecil por não ter percebido que durante esse tempo todo, Catra estava vestindo aquelas roupas largas e esfarrapadas por um motivo. 

Se aproximando devagar, Swift Wind parecia enfim ter percebido que as marcas nos braços e pernas de Catra eram de fato queimaduras. E mesmo que superficiais, pareciam estar incomodando muito. Dava pra ver pela forma como o rosto de Catra se contraiu em dor e frustração ao tentar se sentar sozinha no sofá, mesmo não conseguindo apoiar muito bem os braços. 

- Você precisa ir ao hospital… - Swift Wind se aproximou preocupado, encarando de perto as pequenas marcas de queimadura, pela primeira vez desde a noite anterior. E ouvir aquilo vindo da boca dele só fez Catra sentir uma vontade incontrolável de rir. 

E dessa vez, não era um riso divertido. Mas sim um riso autodepreciativo. 

De fato ele não sabia, mas se antes já estava ruim, agora é que Catra não teria mesmo dinheiro algum pra nada, nem mesmo pra comer. Quem dirá pra pagar uma consulta médica. E claro, psicológica...

Afinal, depois de toda tortura que Huntara havia feito, a garota só sobreviveu porque Kyle finalmente decidiu intervir, impedindo Huntara de continuar com as agressões somente porque o loiro não estava mais aguentando ouvir os gritos dolorosos de Catra ecoando pela casa e atrapalhando seu lanche no fim de tarde. 

Se Kyle não tivesse obrigado Huntara a parar, provavelmente ela teria matado Catra em algum momento. E mesmo a contragosto, a garota de cabelo prateado cortou as amarras que prendiam os pulsos e tornozelos de Catra na cadeira, jogando o corpo fraco da garota no terreno baldio que eles chamavam de quintal. E onde, não por coincidência, estavam todos os pertences de Catra, amontoados como uma pilha de lixo. 

Com o corpo mole pela surra e a cabeça bagunçada pela maldade dos dois, Catra levou um bom tempo até conseguir reunir forças pra se arrastar no chão sujo como um verme, até chegar na pilha de coisas jogadas no quintal, sem saber que o pior ainda estava por vir.

Eles não deixaram… Nada. 

O colchão onde a garota dormia estava rasgado e jogado, bem debaixo de um amontoado de roupas. Que inclusive, eram as únicas que Catra tinha… Ou teve, já que agora não passavam de trapos rasgados. 

O notebook velho que Catra usava pra jogar e estudar agora estava bem aberto, com a tela trincada e embebido de cerveja fedorenta. Aquele líquido amarelo e carregado e peguento também foi propositalmente espalhado pelo resto dos seus pertences, molhando tudo, principalmente os papéis e fichas da faculdade. 

Os poucos livros caros de estudo, que Catra havia levado tanto tempo economizando pra comprar, estavam triturados e com as capas arrancadas. E até mesmo a escrivaninha da menina estava revirada, de cabeça pra baixo, sem uma das pernas e com o tampo afundado por algo que parecia ter sido um chute, ou vários. 

Diante disso, tudo que Catra conseguiu fazer foi salvar uma calça preta, suja e esfarrapada, junto com o blusão moletom de capuz. Afinal, eram as duas únicas peças de roupa que pareciam não estar destruídas. Sem pudor algum, como um zumbi, Catra trocou de roupa ali mesmo, se vestindo nas pressas e sofrendo a cada atrito pesado que os tecidos faziam sobre as suas queimaduras quando ela se mexia.

Levou muito tempo até que a garota conseguisse se deslocar até o parque. E muitas horas até que conseguisse lembrar de cabeça o número de Swift Wind, já que Huntara também havia quebrado seu celular. 

Nunca na vida Catra imaginou que poderia passar por algo desse tipo. E agora, vendo Swift Wind falar sobre médicos e cuidados… Aos seus ouvidos, parecia uma piada. 

- Por favor… Me conta o que houve… - O rapaz praticamente implorou, mas não obteve nenhuma resposta. Não era como se Catra não pudesse falar… Ela só não queria.

- Catra… Eu não sei o que fizeram com você… Mas eu quero te ajudar! E preciso que você confie em mim. - O rapaz disse baixinho, segurando novamente as mãos da garota de cabelo curto, que virou o rosto na direção contrária. 

Ele definitivamente não conseguiria arrancar nada dela naquele instante. Então… só havia uma coisa a fazer. 

- Eu vou pegar um pacote de gaze e um antibactericida pras suas feridas… tá bem ? - Swift Wind comentou baixinho antes de finalmente se afastar, indo na direção do banheiro. 

Só de pensar na sensação dolorosa que o tal remédio provocaria em sua pele, Catra já conseguia até sentir alguns poucos pelos da nuca se arrepiando de nervoso. 

Depois de fechar a porta do banheiro com cuidado, trancando a porta, o ruivo deixou que o ar lhe escapasse pesadamente pela boca, enquanto retirava receoso o próprio celular de dentro do bolso fundo.

- Me perdoa… Mas eu não posso cuidar de você sozinho... - O garoto sussurrou baixinho pra si mesmo antes de levar o telefone até a orelha, ouvindo o som angustiante da chamada sendo completada.

- … - 

- Alô ? - 

- Adora, eu... achei a Catra. E preciso muito que você venha pra cá… Agora… - 



Notas Finais


Agora o negócio vai ficar sério :x

Então, gente ~ O que vocês acharam ? Sei que tava todo mundo curioso pra saber o que a Huntara havia feito com a Catra e como ela conseguiu sair dessa.

Espero que todas as perguntas tenham sido respondidas e só queria deixar registrado que em breve estarei atualizando com o capítulo novo que já está em fase de produção ✨💪🏻

Até lá.... Talvez eu lance uma oneshot nova também :v

Enfim, é isso ><
Me contem o que acharam do capítulo ❤️✨


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