"Sangue chama sangue, por sob a pele.
Mas amor e sangue não são a mesma coisa.
— Rainha Seelie"
Por quase duzentos anos inteiros, um jovem meio fada manteve-se caminhando silenciosamente pelas sombras do mundo, como se fugisse o tempo de algo perturbadoramente sombrio. Esgueirando-se, mantendo sua presença imperceptível em todos os campos, mas como dizem os anciãos: nenhum banquete pode durar para sempre.
Ao longo desses anos, ele conseguiu facilmente se manter sob o disfarce de um jovem órfão e mendigo que não tinha a quem recorrer, igual a muitos outros que se acumulavam pelos becos de Londres naquela época, assemelhando-se a uma pequena nascente de água límpida e cristalina que segue sem curso montanha abaixo, sendo dificilmente notada com toda aquela euforia diária que abalava a cidade.
No entanto, o banquete de Hueningkai durou até aquela tarde em que foi chutado como um verdadeiro mendigo por um comerciante que se irritou com sua presença imunda e o fez cambalear pelas ruas, moribundo e faminto. Hueningkai seguiu firme apesar das dores pelo restante do dia, em direção a área rural, onde o festival da colheita seria realizado por alguns camponeses humildes que insistiam em manter seus costumes. O primeiro que iria frequentar desde que havia se juntado aos mundanos.
A região era pequena, uma fazenda que passou por gerações, mas que tinha muitas pessoas, todas de uma mesma família. Foi então, que conheceu Choi Soobin, uma jovem criança que lhe viu chegar desvalido e faminto, e ofereceu um pouco do caramelo que carregava em um palito, sorrindo incansável para si com aqueles olhos inocentes brilhando sob as lamparinas penduradas em palanques por todos os lados.
Hueningkai reconheceu imediatamente aquela sensação, onde o coração palpitava ligeiro, parecia dar cambalhotas e aquecia como as brasas de uma fogueira crepitante. Afinal, não era a primeira vez que sentia exatamente as mesmas coisas, apesar de sentir dentro de si que não era a mesma coisa, Hueningkai escolheu acreditar que estava tendo uma chance de fazer tudo de novo em um mundo diferente. Pensou que se conseguisse acreditar fielmente que tinha o poder de recomeçar, tendo em vista que a primeira parte de sua vida tinha sido desenhada por mãos que não eram as suas, seria feliz.
Soava insano, entretanto, Hueningkai não conseguia mais notar as diferenças tênues entre sanidade e insanidade, não após descobrir que era um Changeling.
No submundo, especialmente no reino das fadas, o termo Changeling era popular entre seus habitantes. Normalmente casais de fadas tinham dificuldade em se reproduzir, mas nada se comparava a dificuldade que os recém nascidos tinham em viver, na maioria das vezes duravam menos que três meses, e então, seus pais faziam trocas com seres do mundo de cima, humanos que trocavam seus bebês saudáveis por um bebê fada doente e um desejo.
Em sua cabeça e coração, não podia existir algo mais insano e desumano que fazer uma troca com criaturas feéricas, especialmente quando essa troca envolve um pedaço de você que cresceu dentro de si e não tinha consciência para saber o que estava acontecendo. Hueningkai tinha certeza de que jamais usaria um filho como objeto de troca, seja com alguém do submundo ou do mundo de cima, não seria capaz de fazer com que outro alguém tivesse o mesmo destino que o seu.
E por mais incrédulo que pareça, Hueningkai viveu duas décadas inteiras ao lado de Soobin, mantendo-se firme aos pensamentos de recomeço. No entanto, não havia necessidade de fazer grandes esforços, viver com Choi Soobin era o mesmo que descansar em paz. Sentia-se tão forte e inabalável, ao mesmos tempo em que necessitava dos cuidados e da atenção do Choi. Pela primeira vez em sua longa vida, Hueningkai sentiu-se confortável com aqueles sentimentos que demonstravam sua vulnerabilidade, sem precisar de uma máscara ou das sombras para encobrir-se.
Todavia, o destino resolveu desviar do caminho que Hueningkai tentava trilhar arduamente, primeiro, em um dia de verão, enquanto mergulhava com Soobin em um lago no fundo da fazenda, descobriu que o Choi carregava abaixo do ombro esquerdo um símbolo de bloqueio, conhecia muito bem aquelas runas negras e tão finas quanto um fio de cabelo, afinal, todo changeling ganhava um para nunca perder completamente suas essências ao mesmo tempo que ganhava a habilidade de se adaptar a outro mundo.
De repente, um senhor do tempo surgiu em seu caminho, como uma chuva de verão que cai torrencialmente sem qualquer aviso prévio. Hueningkai teve que se afastar, não poderia interferir no destino, muito menos em um que envolve um senhor do tempo e um changeling. Teve que aguentar em silêncio por mais um tempo, vivendo com Soobin os dias antes de Yeonjun retirá-lo de seus braços para depois trazê-lo de volta, por um longo tempo.
Quando Yeonjun, o senhor do tempo, com seu amigo, um Escudo, e o feiticeiro Beomgyu Banes voltaram no tempo para quebrar a tal maldição que envolvia Yeonjun e Soobin, acidentalmente quebraram junto o bloqueio que o Choi mais jovem carregava em sua pele, libertando memórias que nem mesmo ele sabia que possuía.
Soobin viu o mundo, tanto o de cima quanto o submundo, com outros olhos — seus olhos de verdade. Descobriu sobre Hueningkai ser um príncipe fada, sobre Yeonjun e a maldição em que estiveram presos e o que havia feito para quebrá-la, em seguida iniciou sua caminhada com o senhor do tempo, em busca de suas origens. Novamente, Hueningkai estava sozinho.
[...]
Os primeiros raios de sol surgiram tocando a areia fria da praia, na qual Kai Kamal estava deitado desde o início da noite do dia anterior.
Uma confusão de sentimentos envolviam-no, a mente montando mil e uma suposições, frases e conversas, apesar de saber que nunca teria coragem de dizer tudo em voz alta. No entanto, o fato de ter voltado depois de séculos a sua terra natal, já dizia muito. Kai tinha jurado não voltar a Honolulu antes de conseguir o suficiente para assumir suas responsabilidades, enfrentar seus medos e desafiar a si mesmo, especialmente em relação às exigências impostas a alguém que assumiria uma posição tão alta.
— Pensei que não ia conseguir encontrá-lo. — A voz veio de trás, não muito distante. Hueningkai não precisou olhar sobre os ombros para saber de quem se tratava, até porque o motivo de ter voltado era principalmente o de ser encontrado. — Foi difícil, afinal fazem… o que? Dois, três mil anos?
O tom calmo em contraste com o som das ondas batendo fez um arrepio estranho percorrer seu corpo. O punho fechado apertando os dedos, os lábios entreabertos, prontos para falar o que esteve pensando por noites, porém, lhe faltava coragem de dizer tudo aquilo, acusá-los de estragarem tudo e sair como se estivesse completamente certo. Kai reconhecia seus erros, mas tinha medo de não conseguir confessar, por parecer frágil e defeituoso.
O som de seu coração palpitando soava alto, abafando sua audição, e ainda sim, a areia parecia farfalhar a cada passo, mas Kai sabia que os sons eram fruto de sua mente agitada. Hueningkai respirou fundo, não iria correr, não mais.
— Mas, parece que esteve facilitando meu trabalho no último século. — E finalmente o alcançou, apoiando a mão fina de unhas compridas em seu ombro.
Hueningkai fechou os olhos, respirando fundo uma última vez antes de virar, ficando frente a frente com Seungeun, futura princesa — mais tarde rainha — de Seelie; sua prometida.
— É um prazer revê-lo tão bem depois de tantos anos, Kamal.
[...]
Kai fugiu quando as coisas começaram a cair sobre ele, as responsabilidades de um governante, a cobrança da continuação da tradição familiar — um casamento antes da coroação, em seguida um filho para fortalecer a união e garantir que o futuro do reino estaria em boas mãos —, a exigência de ser tão perfeito em cada ato como seu pai não pôde ser, o que segundo muitos, tinha sido o ponto para seu fim cruel.
Porém, a tia não exigia tamanha perfeição de Hueningkai tão cedo sem ter seus motivos, apesar de não justificarem suas ações precipitadas. Como o garoto era fruto de uma troca ilegal, o sangue Seelie não estava em suas veias, não completamente, sendo assim, Kai não teria uma vida tão longa como uma fada normal, e quanto antes ele pudesse assumir o reino e consumar seu matrimônio com Seungeun, mais breve seria o nascimento de um futuro herdeiro que, provavelmente já teria idade o suficiente para substituí-lo caso Kai tivesse apenas o tempo de vida de um humano.
E agora, estava a apenas alguns metros da entrada Nuuanu, onde o reino Seelie se camuflava entre as flores e nascentes, tendo Seungeun ao seu lado na espera de que esboçasse qualquer reação para ajudá-lo se necessário. Contrariando os pensamentos da fada, Kai seguiu em frente, adentrando a floresta por um corredor onde as folhas secas já estavam pisoteadas.
Ninguém tentou impedir sua passagem quando ousou cruzar o portão principal, nem mesmo quando começou a caminhar em direção ao salão onde a rainha estava, obviamente todos haviam reconhecido seu governante e jamais impediriam-no de algo. Todavia, Seungeun preferiu manter-se por perto, seguindo alguns passos atrás dele para dentro do grande salão do palácio.
A rainha estava acomodada em sua poltrona de pétalas perfumadas, observando o teto verde menta com detalhes dourados e muitos tons de branco pintavam o espaço. Tudo remetia a um período de luto, exceto os funcionários do palácio que permaneciam com seus uniformes habituais, os mesmos de muito tempo atrás, Kai se lembrava e não se surpreendeu ao ver que pouco tinha mudado.
Sua tia, atual governante do reino Seelie, era uma mulher controladora, do tipo que gosta de ter tudo e todos sob seus comandos, tratando o vasto território com um tabuleiro de xadrez e seus habitantes como meros peões que agem apenas quando são comandados. Além de ser extremamente inteligente e metódica, trata todos com rigidez incomparável, fazendo com que as tradições passadas por gerações sejam continuadas sem qualquer modificação ou adaptação moderna. Todavia, seu interior não era nada como a fortaleza que todos podiam ver ao encará-la, e desviar o olhar constrangidos e intimidados, na verdade, a rainha era como uma caixinha de música que guarda todos seus sentimentos como se fossem uma surpresa, mas nunca deixa que saía de seu interior para que outros possam ver.
Hueningkai aprendeu isso ao viver com os mundanos, vendo o quão sensíveis conseguiam ser na maioria das vezes, e analisando as expressões, ações e falas, chegou a conclusão de que o fato de sua tia acreditar que para ser uma boa governante ela tinha que ser perfeita em tudo, um exemplo sem defeitos para seus súditos, especialmente para o sobrinho que herdaria o posto, na verdade, servia apenas como uma máscara para esconder o seu medo de falhar.
— Kai — murmurou, confusa com a chegada inesperada do sobrinho, por quem procurou incansavelmente por longos anos.
Apesar de manter o rosto inexpressivo, frio e imutável, seus olhos mostravam-se ansiosos assim como os lábios trêmulos. Demorou um pouco para que conseguisse assimilar o que estava acontecendo, avaliando o momento enquanto seu interior fervilhava em um misto de sentimentos inexplicáveis ao ver o sobrinho caminhando pacientemente em sua direção, cabisbaixo com as mãos entrelaçadas nas costas. Estava feliz por vê-lo bem, mas furiosa por ele ter fugido e se escondido por tantos anos sem dar qualquer notícia.
— Tia... — disse, a voz mais madura do que ela se lembrava, fazendo-a prender a respiração.
No momento em que Kai insinuou que iria cumprimentá-la respeitosamente como os súditos e outros responsáveis por cargos menores deveriam fazer em eventos importantes, jogando-se de joelhos no piso de mármore frio, curvando-se até a cabeça tocar o chão, a rainha saltou de seu assento correndo desajeitadamente com o vestido de saia esvoaçante até ele, a tempo de envolver sua cintura antes que os joelhos se dobrassem completamente.
— Kai — murmurou, apertando-o em seus braços. A garganta doía com a vontade incontrolável de gritar, chorar, colocar aquele turbilhão para fora a força, mas não podia perder a compostura. — Hueningkai... é você.
O garoto concordou com um sorriso tímido, balançando a cabeça, deixando-se ser tocado pelas mãos suaves da mais velha. Sentindo os dedos trêmulos deslizarem por seu rosto com esmero, as vezes subindo para o cabelo um pouco comprido.
— Eu... eu senti tanto... — começou, sendo interrompida pelas primeiras lágrimas que caíram dos olhos azul-celeste, escorrendo pela tez ligeiramente rosada. — Foram tantos anos…
— Não pense nisso agora — pediu Hueningkai, deslizando os polegares pelas trilhas de lágrimas que escorriam pela face cansada, marcada pelo tempo, porém, antes que conseguisse enxugar completamente, seus pulsos foram segurados com força.
— Está tudo bem, eu só… — A rainha limpou as bochechas com as mangas de seu vestido, forçando um sorriso que acabou assemelhando-se a uma careta.
— Tia...
— Não é nada. — Interrompeu-o, dando alguns passos cegos para trás. — Precisamos conversar.
— Tia, por favor, podemos conversar depois.
— Depois quando? — indagou imediatamente. — Você simplesmente desaparece por anos sem dar uma única notícia e quando retorna quer que eu espere mais? Os anos em que passou fazendo sabe-se lá o quê não foram o suficiente?
— Tia…
— Sabe o tipo de conversa que circulou pelo submundo quando as notícias se espalharam? — questionou, os olhos afiados poderiam rasgar a pele de quem ousasse se intrometer, e então, em segundos apenas a rainha e seu sobrinho estavam presentes no enorme salão. — Você consegue imaginar o quão humilhante foi ouvir que o filho dos meus irmãos não era bom o suficiente para dar continuidade ao trabalho dos pais como governante de seu próprio povo? E quanto a Seungeun, imagina o tipo de coisas absurdas que ela teve que ouvir em silêncio por ter sido abandonada pouco antes do casamento? Graças a sua irresponsabilidade, falta de comprometimento e descaso com nossos costumes...
Ao ouvi-la citar aquele maldito ponto o sangue de Hueningkai pareceu ferver sob a pele.
— Quer dizer que o único culpado por tudo isso que disse sou eu? Apenas eu? — esbravejou, a expressão em seu rosto tornando-se ameaçadora como a de um animal selvagem prestes a pular em sua presa. — A senhora já ousou se perguntar sobre como eu me sentia sendo obrigado a seguir costumes, regras e toda essa baboseira que ninguém, nem mesmo a senhora suporta?
— Você está blefando!
— Tem certeza? Além de querer que eu acredite nisso, ainda quer esconder sobre eu ser um maldito changeling?
Os olhos redondos pareceram maiores, assim como a tonalidade vermelha em sua pele rosada, no entanto, a rainha não conseguia encontrar as palavras certas para rebater.
— Não vai negar? — incitou.
Longos minutos de silêncio se passaram antes que a rainha recobrasse seu tom, suspirando em derrota.
— Como soube?
— O que? Achou mesmo que poderia esconder algo desse tamanho por tanto tempo sem que ninguém suspeitasse? — Riu sarcástico, cruzando os braços sobre o peito. — Mesmo sabendo que eu provavelmente vou morrer tão jovem quanto meu pai, não vou ser tão poderoso quanto qualquer fada de Seelie e muito menos serei tão bom quanto você?
— Não… não é assim. — Suspirou. — Pensei que esconder seria o melhor, afinal, duvido de que fossem aceitar alguém facilmente… aceitar você como governante.
— Alguém fraco e imperfeito? — Adivinhou Kai. — Tem medo de que além de seu próprio irmão, um humano fruto de troca ilegal manche o nome da família? Afinal seu maior medo é esse, não?
A rainha não respondeu. Até porque apesar do tom não era uma pergunta, mas sim uma afirmação. Então ela apenas aceitou, o coração apertado e a cabeça baixa. Eram verdades dolorosas.
— Não é por mim, nunca foi! — disse chorosa, ainda evitando que lágrimas manchassem sua bela face. Os olhos tremendo tanto quantos as mãos, o que pareceu deixá-la mais irada. — É difícil ver que me esforcei para fazê-lo ser tão bom que superaria os laços sanguíneos sendo bom para o nosso povo?
— Em momento algum buscar incansavelmente por um nível de perfeição inexistente foi bom, proveitoso ou útil para mim. Poderia ter sido caso meu sangue fosse tão puro quanto o seu, mas eu ainda sou um mundano!
A rainha sabia no fundo de seu peito que aquele dia chegaria, mas saber não foi o suficiente para deixá-la estável naquele momento, seus sentimentos oscilavam e a cabeça latejava como se um tambor estivesse dentro de si.
— Não importa de onde veio, foi criado como um puro.
— E ainda assim não pude alcançar seus desejos, muito menos suprir suas vontades. — Sorriu dolorosamente. — Sinto muito, mas não sou digno de assumir um cargo tão alto quanto suas expectativas.
E virou-se, pronto para deixar o salão, entretanto seu nome foi gritado, logo ele virou para atendê-la.
— Hueningkai!
A rainha não parecia tão raivosa e forte, mas desamparada e trêmula como um filhote perdido.
— O que quer exatamente?
— Ser eu mesmo.
Em poucos minutos a rainha deixou a muralha cair junto às centenas de lágrimas que aprisionou e agora transbordavam. Por cerca de uma hora, descansou e chorou agarrada ao sobrinho como uma criança desolada faria depois de muito tempo sem os pais. E com a voz embargada deixou tudo que lhe sufocava sair; o medo de perder Hueningkai da mesma forma que perdeu o irmão.
O rei era um homem bondoso, não tinha medo de parecer fraco ou sensível, assim foi fácil para os inimigos se aproximarem até estarem sobre ele. Um grupo de rebeldes acolhidos posteriormente por Unseelie foi responsável pelo massacre daquela noite. A guarda do bebê changeling, tão frágil quanto uma flor suave que desabrocha no cruel inverno ficou sob a tutela da única pessoa considerada suscetiva ao cargo de governante. E então a rainha tornou-se tão fechada quanto um broto, impedindo-se de expandir e exibir seu interior belo e perfumado, deixando todos terem a visão de seu exterior forte e desagradável.
Ao separarem o abraço, Hueningkai ouviu dezenas de pedidos de perdão, ofertas grandes e elogios, porém, um único pedido foi feito; Hueningkai não queria ser o próximo rei de Seelie.
— E, tia… Apenas o sangue correndo em nossas veias não é tudo. Laços de sangue e laços… outros laços sentimentais, eles não são o mesmo.
Hueningkai surpreendeu-se ao se deparar com o céu escuro, mas logo recordou-se de que não estava mais no mundo de cima, e provavelmente já tinha chegado no fim do dia em Nuuanu, então não era estranho depois de passar um tempo com sua tia já ser noite lá fora. Seungeun, que o esperou o tempo todo do lado de fora do salão, notou sua expressão confusa e riu.
— Logo você estará novamente bem adaptado ao nosso tempo — disse Seungeun, mas um pensamento surgiu e em seguida pareceu preocupada. — Aliás, pretende ficar, não é?
— A tia precisa descansar um pouco, não será tão mal ocupar seu lugar por um tempo até que alguém bom seja escolhido.
— Está certo disso? — Referiu-se a abrir mão do trono.
— Seria injusto com todos, eu sequer sou puro para governar o povo de Seelie. Se o fizesse, no fim seríamos mais próximos de Unseelie.
Unseelie era um tipo de reino dos renegados, onde fadas defeituosas em questões físicas e de personalidade, assim como rebeldes e changelings, todos que fossem revoltos eram bem-vindos. Seelie jamais aceitaria ser comparada com um povo todo defeituoso.
— Mas você não pensa assim.
— Nem tudo que penso é bom para todos, Seungeun.
— Se é bom para você como governante, então deve ser bom para todos nós.
— Caso eu fizesse ou pensasse assim, não seria como a tia?
A fada sálvia suspirou após concordar, passando a seguir Kai pelo restante do percurso em silêncio.
Seungeun ainda era jovem quando foi prometida ao futuro governante. Foi ensinada a respeitá-lo acima de tudo, tratar bem seu marido e ser submissa às suas palavras, entretanto, Hueningkai jamais aceitaria alguém tão submisso à si andando em seu encalço, muito menos um casamento sem o consentimento sóbrio de ambas as partes. Por isso, pouco antes de fugir Kai visitou Seungeun, e pediu para que ela esperasse por ele, prometendo que se voltasse um dia, poderiam tentar algo real desde que a garota abrisse mão de todo aquele maldito senso comum aplicado pelo povo em relação a família principal.
Agora que tinha voltado, sabendo que a garota ainda se lembrava de suas palavras, Hueningkai estava disposto a cumprir sua promessa, mesmo que ainda restassem resquícios de Choi Soobin em seu coração. O ditado sobre a prova do gostar está no comer nunca fez tanto sentido.
Já na estufa do palácio, onde o teto era formado por enormes peças de vidro retangulares, Hueningkai e Seungeun descansaram nas almofadas de pétalas perfumadas postas no centro, entre as peônias e muitas outras flores.
— Me desculpe por te fazer esperar.
Seungeun sorriu, os fios verdes pendendo nas laterais da cabeça balançavam suavemente, e sob a escassez de luz que adentrava as aberturas entre o teto de folhas que os cobria, Hueningkai pôde notar o quão bonito seu tom de pele verde sálvia ficava durante a noite sob o brilho da pálida Lua.
— Eu disse que iria esperar.
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