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História In Purple Eyes - A maldição da Ghast


Escrita por: Kitty-Batsky

Notas do Autor


Olá, tô por aqui postando de novo! Como vão vcs? Espero que bem :)
Então, vou partilhar algo engraçado que aconteceu comigo ainda agorinha. Eu cheguei na fic e, de repente, não sabia mais como postar um capítulo O.o
Sim, eu tive um blackout por um momento kkkk
Bom, mas deixemos de tagarelice, vamos ao que interessa, no caso, o capítulo!
Ele é narrado por uma nova personagem, um rapaz zumbi de nome David (pq, convenhamos, ainda não tinham aparecido mts Zumbis na história, quero dizer, zumbis com nome e relevância para o enredo)
Espero que gostem, o tema desvia totalmente do que estávamos a ler no capítulo anterior, eu irei retomar essa parte da narrativa no próximo cap!
Ah, a música que aparece aí no cap é «Tsuki hana no hinori» traduzida a Inglês pelo meu grande esforço (porque tive 2 f***** horas à procura da tradução e adivinhem... eu não encontrei, só perdi o meu tempo). No fim eu desenrasquei-me a traduzir a música, mas nem venham me dizer que a tradução tem partes erradas. (ah, vcs também não devem perceber lá grande coisa de Japonês, por isso não devo preocupar-me kkk) Não há aí nenhum Japonês para se rir da tradução que eu fiz da música, há? O.O
Boa leitura.

P.s: Obg pelos mais de 100 favoritos e 450 comentários ^-^

Capítulo 23 - A maldição da Ghast


Fanfic / Fanfiction In Purple Eyes - A maldição da Ghast

Concentrei-me uma vez mais, a olhar para as barreiras na minha frente. As barreiras eram, essencialmente, troncos desnudos de árvores, mas haviam também algumas variantes feitas de pedras de bico afiado. «Eu consigo fazer isto» Tentei convencer-me a mim próprio, os meus olhos relanceando para a carranca impaciente do meu pai. Respirei fundo e comecei a correr. Ganhei balanço e, com um impulso, ultrapassei o primeiro obstáculo com facilidade. Como as barreiras estavam muito juntas, tornava-se cada vez mais difícil ganhar o balanço necessário ao salto. Encolhia as pernas à altura dos joelhos cada vez  mais firmemente. Não posso dizer que sou desajeitado, mas nunca fiz o tipo de rapaz atlético com o qual o meu pai sonhava. E nem com todo o treino do mundo eu poderia participar numa heroica batalha, devido às minhas condições. Mas parecia que o meu pai não compreendia esse meu ponto de vista. Ele queria à força toda que eu fosse um herói. Que eu fosse me despedir dele com uma saudação militar e com a arma às costas. E era por isso que eu estava, naquele momento, a saltar todos aqueles obstáculos. O fôlego começava a faltar-me e sentia uma pressão insistente nas pernas. Acabei por desequilibrar-me e caí. Por mero instinto, as minhas mãos dirigiram-se para a barreira, para nela conseguir algum apoio, mas tudo o que consegui foi ferir-me. Forcei-me a levantar do chão, todo sujo de terra. Coloquei as mãos à altura dos olhos e vi que um filete de sangue escarlate bem definido escorria do corte na palma da minha mão direita. Fiz sinal ao meu pai com a mão magoada. A expressão dele mostrou-se impassível e intransigente.

- Deixa de ser chorão, David! É só um arranhão! – Admoestou ele, descolando-se da parede aonde estivera encostado e avançando na minha direção. – Quero ver de novo! Passa pelos obstáculos, rapaz, pois quanto mais cedo tiveres o exercício feito, mais cedo te liberarei para o lanche.

Tentei evitar ao máximo olhar para a minha mão mas eu sabia que o sangue continuava a sair do corte, eu sentia o seu rastro quente. Acatei a ordem do meu pai, pesaroso, e posicionei-me novamente na linha de partida. Eis quando a minha mãe sai a correr de casa. Ela examina-me de cima a baixo e solta um grito aflito.

- Ah, eu sabia! Eu sabia! – Exclamava ela, enquanto me sufocava no seu abraço. Logo me deixou respirar. Pegou com delicadeza na minha mão ferida e, prevenida e experiente como era, enrolou o corte em faixas. – Agora vem para dentro. Tens de comer alimentos com ferro e zinco...

- Mimas demais esse nosso filho! – Reclamou o meu pai, dando um estalido de desaprovação com a língua. – Assim ele nunca será um homem! – Senti as mãos da minha mãe crisparem-se nos meus ombros. Olhei-a, ainda engaiolado nos seus braços como um pinto debaixo da asa da galinha, e vi que os olhos dela chamuscavam de raiva.

- ELE TEM HEMOFILIA! Tu podias ao menos tentar ter alguma tolerância em relação ao David. Mas não, frustrado como és, continuas a insistir nessa tola ideia de que o nosso filho vá para a guerra. Todos nós sabemos que isso seria suicídio. Tu finges que ele é normal, mas ele não é! Aceita isso! Vais acabar por frustrar a criança se continuares a insistir nesses treinos ridículos, a ignorar quando ele se fere,... por amor a Notch, abre os olhos! – Senti os meu braços serem libertos. A minha mãe deu-me um empurrãozinho pelas costas para que eu entrasse em casa e eu percebi que aquele era o indício de uma acesa discussão, à  qual a minha mãe decidira poupar-me. Alisei a minha camisola esfarrapada, com algum nervosismo. Não gostava quando os meus pais discutiam. Eles sempre o faziam por minha causa, o que me deixava envergonhado e culpado. Entrei na cabana, deixando a porta semi aberta. Pela pequena fresta, um dos meus olhos continuava a observar os meus pais a engalfinharem-se numa briga de palavras como dois gatos por uma espinha.

- Porque tiveste de o escolher? Porque tiveste de escolher logo alguém tão fraco como o David? – Fechei a porta completamente e deixei de ouvir os gritos. Com um longo suspiro, decidi subir para o meu quarto. Deitei-me de costas na cama e fiquei a observar o teto, deprimido. Como eu desejava poder ser como os outros rapazes zumbis da orda. O meu pai tem razão, eu sou um problemático e um fraco que só serve para fazer o bando gastar a sua ração comigo. Talvez a minha mãe devesse ter-me deixado morrer naquela hora, quando me encontrou. Seria a lei natural da vida. E ela contrariava-a de todas as formas, como se eu fosse, realmente, seu filho de sangue. Na verdade, nenhuma das mãe zumbis é tão protetora com os seus filhos. O tão falado instinto maternal é comum nos humanos, mas não na nossa espécie, talvez porque todos os jovens zumbis nada mais são que os filhos de inimigos, apenas criados para a linhagem não desaparecer. O que quero dizer com isso? Os zumbis não tem a capacidade de procriar. Existem machos e fêmeas, que por vezes até decidem viver juntos, mas nenhum bebê sai do ventre da mulher zumbi. Deste modo, quando uma orda ataca um vilarejo humano, deixa de fora a matança das crianças com menos de 4 anos. Presas num cerco, como um rebanho de ovelhas, as crianças lá ficam, como que em exposição, enquanto os casais inférteis as examinam e escolhem. As crianças escolhidas são infectadas com o vírus que as torna zumbis. As mais feias, as defeituosas, ou as que tem algum problema são ignoradas pelos zumbis até à hora de concluir a matança. Por vezes é a própria carne dessas crianças que é servida às novas crias de zumbi que clamam por carne fresca. Então, devem vocês perguntar-se, como é que eu, David, o hemofílico, escapou de ser uma refeição? Foi por pena! A minha mãe encontrou-me naquele canto, um rapaz de três anos franzino, com uns olhos castanhos assustados. Perguntou logo porque eu, sendo um rapazinho tão bonito, não fora ainda adotado. E o que lhe disseram foi precisamente isto: «Tem hemofilia. Não aguenta um simples arranhão. Ninguém vai querer adotar um rapaz que dá tanto trabalho a manter vivo». Foi a contradição. A minha mãe diz que foi a melhor contradição da vida dela e que em nada se arrepende de me ter escolhido entre os outros rapazes e raparigas mais fortes que eu. Mas eu sei que às vezes ela pensa se teria sido melhor eu nunca ter sido adotado. Sei disso. E não a culpo pelos pensamentos pouco solidários. Como eu disse, não é natural para um zumbi ter instinto parental e eu já sou grato à minha mãe por ela ter feito tudo o que fez por mim, fazendo-me sobreviver até hoje! Nos meus plenos 12 anos. Olhei uma vez mais o corte recente e vi que as faixas estavam já a tomar uma cor avermelhada o que indicava que não iam aguentar muito mais sangue jorrado. Desci em passos de lã até à cozinha. A minha mãe estava a afiar uma faca para cortar carne apodrecida. Parecia estar bem, mas os seus olhos traíam-na. Os seus olhos pareciam estar cobertos por uma placa avermelhada devido ao ter chorado.

- David, querido, queres alguma coisa? Ah, sim, ainda não te dei de comer! Espera um pouco... – Ela já ia abrir as gavetas quando reparou no rosáceo dos panos de linho que cobriam a minha mão ferida. – Ah, porque não disseste logo? Sabes que não te podes armar em corajoso, que isso pode causar-te grandes problemas. Vem, vamos trocar essas faixas.  – Ela guiou-me até à casa de banho. Faixas ensanguentadas foram habitar as profundezas de um caixote do lixo e novas foram enroladas na minha mão. A minha mãe manteve-se calada durante todo o processo e até mesmo depois, enquanto me servia um pedaço bem grande de carne crua na qual se viam os veios, as palavras trocadas foram praticamente nulas. Um céu nublado deu lugar a uma noite estrelada. Todos os zumbis saíram das suas cabanas primitivas para passear. Assim o fiz eu! Segui com um triste olhar, o grupo que se formava, armados de forquilhas e espadas de latão, prontos para atacarem humanos. Os rapazes em bando, acocoravam-se perto do «exército» com admiração, comentando entre si os feitos que um dia fariam. «Oh, bem, poderia ser pior! Se eu quisesse realmente ser um membro dos atacantes, eu sofreria bem mais devido ao meu problema. Ou será que eu apenas não desejo fazer parte deles, por causa da hemofilia?»

Esses pensamentos perseguiam-me enquanto me embrenhava nas árvores. Será que eu desistira de um sonho sem me aperceber, apenas por ele ser impossível? Dei o caso como perdido, e interrompi os pensamentos sem lógica que brotavam na minha cabeça. Do que adiantava pensar nos atacantes, agora? Decerto nada! Procurei na algibeira um pedaço de pão bolorento que eu guardara da semana passada. Ia dar-lhe uma dentada, quando vi uma sombra mover-se nas árvores. Olhei em redor, agitado, mas cedo me convenci de que estava a imaginar coisas. Recomecei a andar, no entanto, logo um cântico se fez ouvir, entoado numa voz de menina:

The moon shining bright

Shine out trought the night

So my heart that was dark

Can feel love with your light

Oh moon, please guide me

Lights a path so I see

Cause my heart wants to feel love again

And I`m waiting

So please hear my call

Set me free

My heart keeps burning

As the world keeps on turning

But I know I will see you again

Cause your light is my only friend

 

Tinha parado sem me aperceber, preso naquela canção cuja letra decorei instantaneamente. Não que a menina que cantava a canção tivesse uma voz hipnotizadora e vibrante como a das sereias, mas a forma como ela cantava, tão emotiva, fazia com que toda a minha atenção se voltasse para ela. Percebia-se que as palavras saíam fluidamente, cheias de sentimento e diretamente do coração. De repente, senti-me um intruso que se tinha infiltrado na vida pessoal de quem quer que fosse que cantava assim tão vivamente para a lua. Baixei o olhar, corando e foi só então que eu percebi que a canção cessara. De entre as árvores, espreitavam dois olhos cinzentos que carregavam a desconfiança do mundo. Não arrisquei um passo, nem para a frente, nem para trás. Vi que os olhos de gelo se focaram com cobiça no meu pão bolorento e, num reflexo, também eu dei uma mirada no objeto alimentício. E esse desviar de olhos bastou para que a rapariga se desvanecesse completamente. Intrigado, eu procurei durante quase uma hora, algum vestígio de uma presença, mas qualquer um podia acusar-me de ter inventado tudo aquilo, pois eu não saberia arranjar provas do contrário.

Na noite seguinte eu voltei àquele mesmo local. Trazia nas mãos, como outrora, um pão inteiro, mas desta vez ele estava fresco. Eu esforçara-me para conseguir arranjá-lo o menos apodrecido possível, pois de uma coisa eu tinha a certeza. Aquele ser que eu vira na noite anterior não era um zumbi. Nenhum zumbi podia ter-se evaporado no ar como se de simples neblina se tratasse. Zumbis são lentos, compactos e nada discretos. Como só os zumbis gostam de comida estragada, devo concluir que a menina preferiria comida fresca, apesar de a fome lhe fazer qualquer alimento parecer um pitéu, estivesse este estragado ou não. Fiquei um tempo ali parado, naquele canto de floresta, ouvindo apenas o piar das corujas e as caçadas dos morcegos. Balançava o corpo para a frente e para trás, esperando (com alguma ingenuidade) que a menina misteriosa voltasse a aparecer. À medida que o tempo passava eu ia perdendo qualquer resto de esperança. Olhei para a lua cheia, tão bela como na outra noite. Mais parecia que tinha sido pincelada numa tela negra. E a letra da música veio-me à cabeça. Comecei a cantar baixinho, para melhor a recordar:

The moon shining bright

Shine out trought the night

So my heart that was dark…

 

A sensação de que estava a ser observado atingiu-me tão repentinamente como uma frigideira que se esmaga na cabeça de alguém. Os meus olhos encontraram novamente os desconfiados olhos cinzas. Desta vez eu conseguia ver melhor o corpo da garota (ou, pelo menos, a metade que não estava escondida pelo masso de árvores). A pele dela era extremamente pálida, tão branca como a própria porcelana e aparentava ser frágil igual. Era bastante magra e rodava-lhe pelos joelhos a bainha de um vestido que ela usava, também este cor de mármore. Para resumir, talvez deva dizer que tudo nela é branco, exceto os sensíveis olhos que pouco mais escuros são. Mil comparações eu poderia fazer no momento, mas a única que me vinha à cabeça era a lua. Aquela menina parecia-se com a lua, porque de tão branca parecia resplandecer. Acordei do meu transe quando ela piscou os olhos que estavam vidrados, mais um vez, no pão. Sorri amigavelmente e estendi a mão para que ela viesse buscar o pão, mas ela não veio.

- Pousa no chão! Eu irei buscá-lo! – Ouvi a voz dela, timidamente.

- Ah, não, não é justo eu dar-te alimento e nem te poder ver de perto. Eu prometo que não te faço mal, afinal, como poderia? Sou apenas uma cria de zumbi. – Com passos hesitantes ela acabou por se render. Correu na minha direção e retirou-me bruscamente o pão das mãos. Antes que o meu lento raciocínio pudesse acompanhar o que sucedera, já a menina degustava o pão encarquilhado. Podia não estar, decerto, acabado de de sair do forno, mas pareceu-me que a ela lhe agradara o humilde alimento. Sentou-se no chão, com uma elegância e leveza que me fascinou. Ela parecia realmente fazer parte de um sonho, por ser tão abstrata. Algo como o vento, algo como a água, algo como a lua... Limpou as migalhas que tinham se acumulado nos seus lábios e retomou o seu olhar de cautela para mim. Senti, porém, que já não me considerava como um inimigo, pois senão não se sentaria tão descuidadamente. – Hã, bem, e como é o teu nome? – Perguntei, tentando tirar a expressão boba da minha cara. Não queria que ela pensasse que eu era um retardado logo na primeira vez que me via.

- Nuki. – Respondeu. E nada mais disse. Deixou o cabelo platinado cobrir-lhe o rosto corado como uma cortina. Das duas uma... ou aquela menina era super tímida e corava por tudo e por nada... ou, por ser muito branca, o rubor ficava-lhe mais vincado na face.

- Eu sou o David! – Apresentei-me por minha vez. – Por acaso és uma Ghast? – Supus e quase voltei atrás com as palavras, com medo de me ter enganado. Ao receber um gesto de concordância por parte de Nuki senti-me, pela primeira vez, alguém inteligente. – Mas então... porque estás aqui, no mundo exterior. Pensei que as Ghasts vivessem no Nether.

- E vivem. – Respondeu Nuki, com o brilho de fantasmas de lágrimas a aparecerem no seu olhar. – É que eu sempre senti curiosidade sobre alguns aspectos de Overworld que não existem no Inferno. Para começar eu queria, queria muito mesmo ver a lua. Ouvi falar de como é bonita e não se enganaram! – Ela lançou um olhar sonhador à grande esfera redonda. Depois, os olhos dela voltaram a encarar-me, com um ímpeto sobressaltado como se reparasse pela primeira vez em mim. Quase caí para trás ao ver tanto desespero e esperança nos seus olhos. E então ela disse a última coisa que eu esperava. – Queres ser meu amigo?

Querer? Claro que queria! Mas porquê tão de súbito... a desilusão perante o meu silêncio espelhou-se nos olhos cinzel de Nuki, o que me fez responder apressada e atabalhoadamente.

- Claro. Quer dizer, porque não? Pareces ser bem simpática! – Ela corou e murmurou algo semelhante a: «tu também». Presenteou-me, então, com o primeiro de muitos radiosos sorrisos, quase tão arrebatadores como a sua canção. Só reparei naquele exato momento que Nuki tinha uma lista nas mãos. Um pedaço de papel bem pequeno e dobradinho. Ela desembrulhou-o e marcou um X num dos itens que lá estava contemplado. Aproximei-me e consegui ler por cima do seu ombro:

Fazer um amigo

Ver a lua

Caçar borboletas

Tomar banho numa lagoa

Comer morangos silvestres

Atazanar humanos

Enfeitar o vestido com milhares de flores coloridas

Trazer uma recordação eterna para o Nether

Esquecer quem sou e ter a chance de um recomeço

Não me passou despercebido o facto de que o último item da lista estava riscado. E não era qualquer anulação a que Nuki o submetera. Ele estava riscado com culpa, riscado com raiva. Tudo isso me fazia crer que Nuki fugira de casa. Não simplesmente para conhecer o mundo além do Nether, tão pouco por causa da lua. Ela fugira, porque, de algum modo e por alguma razão, ela não fora feliz com o que tivera. E aqueles pedidos... tão simples e tão alcançáveis. O meu coração encheu-se de uma estranha comoção e uma ansiedade de ajudar a Nuki a cumprir os seus sonhos tomou-me por inteiro. Afinal, como amigo da Nuki, eu agora guardei-a no meu coração e desejo a felicidade para ela. Se eu puder dar-lhe essa felicidade eu não hesitarei. E assim começou aquela semana. A semana mais extraordinária e perfeita da minha vida. Com Nuki do meu lado, eu aprendi a apreciar cada pequeno pormenor com o qual somos agraciados. Cada dia que passava eu me via a intrigar mais e mais os mistérios da minha amiga Ghast e um medo irracional de que algo de mau acontecesse cada vez mais assombrava os meus pesadelos. Porque eu tinha um pressentimento de que havia algo muito errado em Nuki. Todas as horas, todos os minutos... ela parecia bebê-los na sua essência, como um doente que recebe a sentença da morte que o encobre. Por vezes perguntei-me senão seria mesmo isso. Então eu ouvia a voz dela, alegre e deliciada, chamar o meu nome e eu tentava esquecer tudo e juntar-me a ela na brincadeira. Ri de mim próprio quando, ao tentar caçar uma borboleta escorreguei e caí com tudo no chão, a rede da camaradeira a caçar a minha cabeça. «Quem sabe seja mesmo... o espírito de Nuki.  Vai ver que ela é realmente a menina perfeita que sabe apreciar o simples ato de respirar.» Pensei com ternura, enquanto uma borboleta vinha pousar no cabelo da Ghast que abriu a boca num O perfeito de espanto e de quem não acredita na própria sorte.

Juntos, eu e Nuki cumprimos um a um os itens da lista. As imagens ficavam presas na minha memória como retratos que pareciam distantes assim que eram pintados. Imagens, simplesmente, que lentamente se enfadavam das suas cores e as despiam. As belas imagens a preto e branco, agora, que mantinham sorrisos congelados, transmitindo felicidade... e saudade. Poderia ficar a eternidade a descrever cada vez que rimos, mas prefiro recordar a escrever. E, como a minha memória não é lá das melhores, faço cá os meus recortes para que no final, possa ter o meu próprio álbum mental. Quem sabe, no final de tudo isto, eu não descubra que, realmente, tudo não passara de um sonho. Respingos de água gelada foram atirados à minha cara, fazendo-me ter um arrepio de frio na espinha.

- Muito divagas tu, David! – Admoestou ela. Já haviam passado seis dias desde que a conhecera e parecia-me que fora uma eternidade. Será estranho dizer que parece que conheço Nuki desde que nascemos? Como se alguma garra do destino a tivesse colocado propositalmente no meu caminho. Agora, Nuki bailava, com água até à cintura. Ela entrara no lago mesmo vestida e parecia fluir-se com dinâmica no meio aquático. A água parecia acolhê-la como uma filha e a lua, em decrescência, fazia brilhar os seus contornos e juntava-os aos da água cristalina. Nuki conseguia manter água nas mãos sem que esta lhe escorresse por entre os dedos. Ela conseguia fazer as gotas pairaram no ar, ao seu redor, como se fossem leves bolhas de sabão. Realmente, eu nunca conhecera ninguém como Nuki. Tão... especial. Caminhou na minha direção, sem se incomodar com o frio que adentrava pelo seu vestido e assoprava nas suas pernas molhadas, e disse, zombateira:

- Vem David, a água está uma delícia. Bem precisas de tomar um banho! – Fingi rir sarcasticamente, em resposta ao comentário dela sobre o meu cheiro. E daí se eu tenho um cheiro um tanto quanto... forte? Todos os zumbis têm essa característica, por serem meio mortos, não pode aquela Ghast recriminar-me por tal coisa. O vírus tem a culpa! Sim, é ele quem devemos culpar. Mesmo assim cedi aos caprichos de Nuki e juntei-me a ela na água. Eu não sabia nadar, tão pouco flutuar. Se o lago não fosse raso, decerto me afogaria. Nuki mergulhou nas águas, percorrendo a superfície abaixo do espelhado como uma alforreca meio transparente. Quando ela me rondou, tal qual tubarão, eu acreditei que ela era boazinha demais para me puxar para dentro de água... pois, pensei errado! Os risos dela ficaram a ecoar-me na cabeça mesmo enquanto eu escorria o meu longo cabelo verde, já fora de água. Odiava quando tinha o cabelo molhado. Ele fazia-me impressão ao bater na linha dos ombros e pescoço.

E agora, que tudo virara a calmaria de uma noite sem lua, eu e Nuki estávamos mais uma vez na beira do lago. Eu não entrara nele desta vez, já bem me bastara a outra. A pequena e franzina Ghast, pelo contrário, quis despedir-se da água. Em breve só veria a lava do Nether. Sentia um frio no estômago ao pensar que ela tinha de ir embora.

- Nuki, sabes, eu estive a pensar... mesmo tu vivendo no Nether, não precisas de ficar lá sempre! Podes vir visitar-me de quando em vez. – Esperei uma resposta que não veio. Olhei pelo canto do olho a pálida garota e vi que ela chorava. Não, não eram rastros de água cintilante, eram mesmo lágrimas que escorriam de um rosto contorcido pelo choro. Como não sabia consolar pessoas, apenas esperei que Nuki se acalmasse. Isso demorou um pouco a acontecer mas, por fim, ela limpou com o vestido molhado a cara seca com o sal das lágrimas.

- Ah, David, se tu soubesses... – Ela disse apenas, com um sorriso triste. – Eu não acredito que vás voltar a ver-me. – Aquelas palavras fizeram os meus receios vir à tona, todos de uma vez. As palavras atropelavam-se na minha garganta, todas querendo sair ao mesmo tempo, mas não cheguei a conseguir expressar as minhas dúvidas. Nuki emudeceu-me colocando o dedo indicador nos meus lábios e fazendo um sinal de negação com a cabeça. – Não me peças para explicar. Tu não entenderias! – Apontou para o papel com quase todos os itens já riscados. – Falta um, David. Não terás nada que eu possa levar para o Nether? Eu preciso de algo que me dê força e coragem.

Engoli em seco ao aperceber-me que tinha esquecido o último item da lista. As minhas mãos e bolsos estavam mais vazios que uma igreja na segunda feira de manhã. Vasculhei com os olhos toda a extensão de relva escura na minha frente e, iluminada por um raio de luar, encontrei uma pedra. Ajuntei-a do chão e depositei-a nas mãos em concha de Nuki. Ela arqueou uma sobrancelha ao reconhecer o objeto redondo.

- Uma pedra? Eu... devo admitir que esperava outra coisa. – Um dos cantos da sua boca elevou-se num sorriso incrédulo, mas ainda assim pareceu-me decepcionada. E eu não queria decepcionar Nuki logo na nossa despedida. Tive que inventar, pois claro!

- Queres melhor presente que uma pedra? Ela irá durar anos e anos, é praticamente imortal. Poderá sobreviver às condições do Nether. E, além disso, essa não é uma pedra vulgar, mas sim uma opala. Se a observares na luz verás que irá refletir-se numa miríade de cores. Se reparares, também é leve o bastante para a transportares ao pescoço sem que isso te prejudique ou aleije. É redonda, pequenina, cabe direitinho na palma da tua mão. – Nuki interrompeu a minha enumeração de características elogiosas com uma gargalhada.

- Nunca vi ninguém esforçar-se tanto para disfarçar que se esqueceu de um presente. – Explicou entre gargalhadas e eu senti as bochechas queimarem de tão envergonhado que fiquei. Nuki apanhara-me direitinho. Sou um zumbi e e, afinal, enganar pessoas não é a minha especialidade. A jovem Ghast atou a opala num cordel e colocou-a ao pescoço. Na bem delineada curva da garganta, a pequena pedra não tardou a refletir tudo o que rodeava, desde as árvores lá distantes, até à água do lago, fazendo parecer que ela guardava tudo aquilo no seu coração. Realmente, foi até melhor eu ter-me esquecido da pequena lembrança. De propósito nunca conseguiria arranjar algo que combinasse tão bem com ela.

- É tão bonita! – Exclamei, sem pensar, fazendo Nuki lançar um olhar inquiridor na minha direção. – Quero dizer, a opala, ela é bonita! – Recriminei-me internamente por ser tão estúpido, lento e idiota. Realmente eu não acerto uma. Abobadamente e enrolando-me cada vez mais, logo já estava a dizer: - Não que tu não sejas.

«Tenho que aprender a falar menos... ou a pensar mais... das duas uma!» Pensei, sentindo uma espécie de vapor a sair por cada um dos meus poros.

- A Nuki está feliz por ter um amigo como o David! A Nuki acha o David muito engraçado! – Troçou simpaticamente a rapariga, enquanto enrolava os braços ao redor do meu pescoço, puxando-me para um abraço. Correspondi ao abraço meio atabalhoadamente, aspirando o cheiro que se desprendia dos cabelos de Nuki. Era uma fragrância limpa e pura... como ela própria. Mesmo aconchegado no seu abraço, não me obstive de reclamar:

- E não fales comigo como se eu fosse um bebé! – Nuki apenas soltou uma curta risada antes de ficar tensa, ainda nos meus braços. Lentamente ela deixou-se deslizar para longe de mim e o seu rosto tornara-se subitamente sério.

- Aconteça o que acontecer, não me sigas! – Advertiu, antes de desaparecer completamente entre as árvores, as suas formas translúcidas confundindo-se no ar da noite. Deixei a rocha num salto. O que fora aquela despedida? Eu esperava algo diferente! Eu queria cumprir a ordem de Nuki. Queria mesmo! Mas eu não consegui evitar começar a correr aos tropeços e solavancos atrás da ainda misteriosa Ghast, como no dia em que pela primeira vez a vira. Ainda havia tanto sobre ela que parecia vital para mim descobrir. Eu não conseguia suportar a ideia de que não poderia vê-la nunca mais. Tinha medo de para sempre, quando me recordasse de Nuki, me viesse à mente, não o abraço que ela me dera, mas sim o olhar que me deixara antes de desaparecer, naquelas palavras frias como um glaciar. Nos olhos acinzentados eu vira tanta dor e tanto medo. «Será que ela percebe que a sigo?» Foi um dos meus pensamentos, que logo foi abandonado. Para ser honesto isso já nem me importava! Ela que ficasse zangada comigo, desde que eu confirmasse que ela estava bem, pouco o resto importava. Se eu não tivesse convivido com Nuki na última semana e não tivesse observado cada um dos seus fluidos e despercebidos movimentos, passaria pelos dois Ghasts sem os ver. Mas, pelo contrário, consegui facilmente detectar as duas formas ebúrneas. Escondi-me atrás da árvore, tentando não fazer ruído com a minha respiração descompassada pela corrida. Havia um Ghast quase adulto perto de Nuki. Olhava-a severamente, mas não o suficiente que pudesse amedrontar alguém. Parecia que havia algo que corroía a censura nos seus olhos e esse algo era pena. O Ghast era parecido com Nuki. Tinha curtos cabelos brancos e também mantinha uma fisionomia esbelta. Mas os olhos, ao invés de cinzentos, eram azul claro. Vestia a rigor, com jaqueta branca sobre uma camisola também branca. Ao que parece é tradição os Ghasts vestirem-se todos de branco. Não admira que Nuki quisesse colorir o vestido com todas aquelas variadas flores. Mesmo os puritanos iriam enjoar com tanto branco.

- Porque fugiste à tua responsabilidade, Nuki? – Perguntou o tal Ghast, pretendendo transmitir um tom bravo nas palavras, mas falhando redondamente. Por pouco a sua voz não tremia. Como se isso fosse ajudar, ele desviou o olhar da menina e por pouco não fui apanhado, quando os seus olhos caíram num troço de horizonte, que, por coincidência, incluía a árvore atrás da qual eu estava escondido.

- Eu só queria ver a lua! – Murmurou Nuki, com a voz embargada. Imaginei-a a olhar para os pés, com os olhos ardendo em culpa. – Eu ia voltar! Eu juro! Mas precisava disto antes de ir! Não queria que os meus sonhos se perdessem...

Ouvi um suspiro do indivíduo masculino. Um suspiro de resignação. Soube que ele não iria mais criticá-la. Nuki estava livre de qualquer castigo por parte deste Ghast. O  que eu não imaginava... era que houvessem coisas piores prestes a acontecer a Nuki. Um castigo... seria o céu comparado com a realidade que ainda não aparecera aos meus olhos.

- Eu compreendo, Nuki. Eu lamento muito mesmo, querida prima. Sabes como te estimo. Mas ainda há esperança... Herobrine poderá conseguir curar-te!

- Quantas  terão ouvido isso? Sabes que é mentira! Quando a maldição recai sobre uma Ghast, já nada conseguirá salvá-la. Isso acontece todas as décadas! – Nuki começara a chorar. Eu conseguia percebê-lo pelas vezes que fungava. – Eu nunca pensei que eu seria a escolhida, primo! Porque tenho que ser portadora da maldição?! Não é justo, eu sou tão nova! Eu sei que o Herobrine vai tentar curar-me, mas nunca antes os seus métodos resultaram. Todas as outras Ghasts foram mortas! E por esse mesmo Herobrine. Como queres que eu pense nele como um salvador? Ele vai ser o meu assassino!

- Estás a ser injusta, Nuki! A maldição é a culpada de tudo! Herobrine está apenas a tentar ajudar! Claro que, quando ele não consegue, não lhe resta outra alternativa senão eliminar o mal pela raíz. Eu amo-te muito, prima. E sabes que me dói muito ter de... ter de assistir à tua provável morte. Ter de te levar até lá, até ao castelo do Herobrine.

- Não te preocupes, primo... – O olhar de Nuki tornou-se determinado. Ela apertou com força a opala que tinha ao pescoço, com tanta força que fiquei grato por não ter-lhe dado um presente frágil. – Eu vou cumprir o meu dever! Antes morrer do que tornar-me um monstro e dizimar uma população. Não vou deixar a história de há 100 anos repetir-se. Se a maldição me escolheu como sua presa em busca de um coração fraco que se deixasse levar pelo medo da morte, então ela escolheu erradamente o seu alvo. – Os seus olhos voltaram-se em busca da lua e apavoraram-se ao não a encontrar. Pois claro, era noite de lua nova. Vi que a mão de Nuki ainda agarrava firmemente a opala e esta tremia. Pobre Nuki... tão frágil e com uma sina tão grande que carrega sozinha. E, de repente, a música fez sentido. A canção de Nuki sobre a lua... e sobre ela própria. Porque eu não conseguira-lhe encontrar o sentido na altura? «So my heart that was dark...» e «So please hear my call, set me free» são claramente referências à maldição. Não,eu não posso tolerar isto! Não consigo acreditar que Nuki é a portadora de uma maldição. Ela é tão doce, tão pacífica e tão deslumbrada! Sem dúvida tudo não passa de um engano. Eu não vou deixar que a matem! E só há uma maneira de conseguir proteger a condenada Ghast. Segui-la até ao castelo, convencê-la de que ela não é um monstro demoníaco e fugir com ela! Engoli em seco quando vi o primo de Nuki a levantá-la pela cintura e a pousá-la na parte traseira de uma carroça. Acariciou ao de leve a face de porcelana da menina e disse:

- Sê corajosa, Nuki! Em breve toda essa angústia irá passar!

- Quero falar com os meus pais. Despedir-me deles quando pela minha casa passarmos. Se tenho que voltar ao Nether, eu quero vê-los. – O olhar aflitivo de Nuki fez com que o primo dela ficasse nervoso. Tentou inutilmente acalmá-la com leves pancadinhas no cabelo platinado. Por fim, rendeu-se:

- Vai te fazer sofrer mais! Mas não estou no direito de te negar algo tão nobre na verdadeira acepção da palavra. Tens todo o direito de veres os teus pais antes de caminhares para a forca! – Irritava-me a forma como aquele Ghast falava, encarando aquilo com tanta naturalidade. Via-se que não fazia por mal, que falar abertamente era uma característica pessoal, mas isso não deixava de me exasperar. Nuki estava a sofrer e ele vinha-a relembrando de que ela iria morrer?

A carroça começou a andar, puxada por dois burritos. Para minha sorte não eram cavalos os animais que os transportavam, senão seria muito mais difícil acompanhá-los. O primo de Nuki também não se esforçava para chegar rapidamente ao Nether. Parecia desanimado e frustrado. Tinha razões para se sentir dessa maneira. Nuki tinha a cabeça baixa, os longos cabelos brancos cobrindo-lhe olhos. Tinha sono mas recusava-se a dormir, por esse ato se assemelhar em tanto à morte. Por vezes as suas mãos fechavam-se sobre o coração, necessitada de ouvir a sua batida, para ganhar forças.

Na orla da floresta deparei-me com a indecisão. Se seguisse a carroça até ao Nether podia não voltar. O que diriam os meus pais quando eu não voltasse para casa pela manhã? O meu pai diria apenas que eu tinha-me dissolvido no sol, como fraco que sou. Mas a minha mãe iria chorar. Iria sentir pela minha perda. Por outro lado, ela o meu pai iam acertar-se. Não haveriam mais discussões ou entraves ao amor dos dois. Sim, porque eu via que, no fundo e apesar das diferenças, aqueles dois se amavam. Podiam até arranjar outro filho. Uma cria de humanos que não tivesse problemas de nascença. Suspirei, devotando mais um pensamento à minha querida mãezinha, sentindo-me ingrato por não deixar nem uma explicação para ela. Talvez, no fundo, ela acabasse por compreender que era o melhor para todos. Olhei mais uma vez para trás e depois corri, porque a carroça já ao longe ia.


Notas Finais


E então, o que acharam?
Perceberam a história direitinho? Eu acho que, lá para o meio, na parte em que eles cumprem os itens da lista, ficou meio confuso. Eu não queria descrever cada uma das cenas, porque isso iria alongar muito a história. Então eu cortei e fiz leves referências à maior parte dos sonhos de Nuki.
Para quem não sabe, hemofilia é uma doença que afeta especialmente as pessoas do sexo masculino. Os hemofílicos têm problemas na coagulação do sangue o que os faz sangrar durante mais tempo. Qualquer ferida ou lesão pode ter graves efeitos.
Acho que alguns de vocês já perceberam porque eu pus esta cena logo agora, após a transformação da Cris. É talvez meio óbvio esta história da maldição da Ghast, mas não deixa de ser uma ideia razoável.
Vou deixar o link da música aqui para se vcs quiserem ouvir (se já não procuraram no youtube quando eu mencionei o nome dela nas notas iniciais):
https://www.youtube.com/watch?v=SyHCer8Aang

Até ao próximo capítulo!


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