Fazia-se anos que eu não visitava mais aquele velho casarão de minha família na costa do mediterrâneo, a última vez eu tinha 22 anos, hoje volto depois de completar meus 35. Não vim a meu bel-prazer meus pais haviam falecidos e o lugar se encontrava abandonado desde então. Uma pessoa se interessou por ela e cá estou para encontra-lo em frente a casa. Tomei um molho de chaves antigas de meu bolso e a abri, poeira e umidade, tratei de abrir as janelas buscando amenizar, lençóis brancos cobriam a maior parte dos móveis. Continuei até chegar a uma fatídica sala.
Apenas deixei a sala aberta sem abrir uma cortina e entrei, caminhei até quase o centro dela e puxei o lençol revelando um velho piano de calda negro, admirei ao notar que ele estava impecável o mar não conseguiu tocá-lo. Permiti-me sentar no banco em frente ao instrumento e pousar as mãos no teclado. Uma brisa suave entrou pela porta aberta trazendo um cheiro amadeirado misturado ao de laranjas. O cheiro dele. Olhei a minha volta e não vi ninguém, foi como voltar ao passado, há 13 anos ele estava ali eu posso ver como se fosse agora. Perto a janela o espanhol de cabelos negros e face séria, me olhando, eu exatamente a onde estou agora dedilhando algo no piano.
- Sísifo, eu já o vi várias vezes sentado tocando notas sem sentido. – Eu o olhei curioso, já esperando um pedido que veio logo em seguida. - Toque algo para mim.
Cid é mais jovem do que eu, filho de um dos comerciantes do vilarejo próximo a minha casa, nos conhecemos em um campinho perto da praia, nos tornamos amigos e agora na lembrança ele olhava para mim com o semblante sério, mas nos olhos escuros um brilho de curiosidade. Eu nunca tinha tocado a serio para ele. Na realidade, para ninguém, todavia, foi só escutar aquele pedido que comecei a tocar. Não um clássico composto por um dos grandes do passado, mas um dedilhar de tango “Balada para un loco”, não sei exatamente o porquê, mas foi o que me pareceu certo para tocar naquele momento.
[...]
Quereme así, piantao, piantao, piantao…
Trepatea esta ternura de locos que hay en mí,
ponete esta peluca de alondras ¡y volá!
¡Volá conmigo ya! ¡Vení, volá, vení!
Quereme así, piantao, piantao, piantao…
Abrite a los amores que vamos a intentar
la mágica locura total de revivir
¡Vení, volá, vení! ¡Trai-lai-la-larará!
[...]
Enquanto tocava me peguei pensando na letra, a figura do louco. Não percebi o aproximar do outro, de olhos fechados só pude perceber o hálito quente e o beijo que me deixei levar. Eu nunca pensei que um dia viria a ser correspondido por aquele homem, não, eu nunca nem se quer me imaginei naquela situação. Senti um palpitar em meu peito a cada momento que aquele beijo se aprofundava, tirei minhas mãos do teclado e busquei instintivamente enredar meus dedos em seus fios negros. Ele parou e se afastou me fitando. Não como era acostumado, havia algo de diferente. Sim, um pequeno sorriso nos lábios que prontamente retribuí, sempre foi tão difícil vê-lo sorrir até mesmo uma leve torção dos lábios. E eu o achei naquele instante belo, muito mais belo do que um dia o pensei ver. Quando dei por mim, ele havia se sentado a minhas costas, passando uma perna de cada lado e eu sentado quase na ponta do banco entre ambas.
- Continue... – Disse com sua voz rouca baixinho quase num ronronado ao meu ouvido, seus lábios desceram ao meu pescoço e eu passei a tocar “Romance” de Jean Sibelius. Ele foi soltando os botões de minha camisa, passeando com seus dedos por meu torso, a gola de minha camisa já torcida e aberta onde sua boca insistia em tocar, senti seu toque rosar em meu mamilo direito sua mão esquerda buscava minhas pernas.
- Cid... – Ele me respondeu com um singelo “Shiii apenas a música”, eu tentei continuar a tocar aquela música, nunca algo me pareceu tão difícil. Sua mão em minha coxa deslizando suavemente para a parte interna, tocando minha virilha. Não pude evitar emitir um gemido contido em contra partida, tenho quase certeza que ouvi um quase sorrir vindo dele, contudo não tive tempo para descobrir se tratava de um outro belo sorriso, suas mãos me tocavam intimamente. Errei as notas surpreso.
- Não erre. – De novo aquele zombeteiro. – Finja que não estou aqui.
Como se fosse fácil, quando foi mesmo que eu tinha o permitido de tentar algo assim ou dar a entender que queria? Ah eu nunca... Mentira eu sei bem quando foi, mas voltando, ele queria que eu imaginasse um fantasma ali? Sorri, sim por que foi o que me passou a mente. Sua mão já tinha feito todo o trabalho de me deixar livre, um cabrito mágico era o que faltava.
“Ignore... Ignore, não! Não ignore continue sim... continue.”
Eu senti meu corpo pulsar em suas mãos, aquela felação deliciosa, tentei continuar a canção, mas nem teclas podia discernir, meu corpo estava em terra e minha alma a caminho do céu, foi inevitável, eu me desfiz em suas mãos. Larguei as teclas do piano e me deixei ser erguido e virado, ele me encarando enquanto eu fazia meu retorno espiritual a meu corpo, aqueles olhos escuros de jabuticaba madura. Nossas bocas voltando a se tocar, a tampa do piano sendo abaixada e eu me apoiando no instrumento que momentos antes tentava tocar enquanto recebia a delirante e prazerosa tortura.
Foi a primeira e última vez que fizemos amor. Dormimos embolados no tecido das cortinas, no mesmo cômodo em um dos antigos sofás herdados de um passado muito distante. Pela manhã ele já havia partido quando me levantei. Em cima do piano um bilhete avisando que teve de voltar a vilazinha e que viria me ver mais tarde.
Eu fui embora em exatos 30 minutos depois.
Meu devaneio foi despertado por três batidas dadas no arco da porta, me voltei a ela e me deparei com alguém que não imaginava encontrar ali acompanhado de um senhor já de seus sessenta anos e, não, não era ele mas sim um garoto que deveria ter no máximo uns 12 anos.
- Como pedido velhote eu o trouxe aqui agora me deve duas pratas. - Espantei me ao perceber a semelhança da criatura com o homem que habita meu passado naquela casa. Poderia ser ele criança. Acabei me distraindo enquanto o observava. Ele não pareceu perceber ou apenas não se importou, pegou o dinheiro e saiu correndo daqui, mas antes de agradecer. - Gracias.
- Eu agradeço bravo Shura, por ter me ajudado a encontrar o lugar. Mande lembranças a tu papa. - O garoto respondeu com um aceno e sumiu.
"Não pode... Deve ser coincidência"
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