Havia se esquecido de afinar as cordas de sua harpa, se arrependia amargamente por isso, apreciava o som límpido e puro do instrumento, mas já estava ali, não iria voltar agora, nem podia, precisava de um tempo para tudo e para todos. O que um dia foi uma das pedras de sustentação dos muros do Palácio Targaryen, não passavam de ruínas mal esculpidas e desgastadas pelo tempo tão desprovido de misericórdia, que agora serviam como bancos para Rhaegar.
As ruínas que assombravam os reis Targaryen e espantavam viajantes, traziam para o espírito de Rhaegar familiaridade e paz. Diziam que aquela tragédia haviam moldado a figura melancolica do príncipe dragão e, talvez fosse verdade, havia nascido cercado pela morte e pelo luto, acolhido pelos braços de sua mãe sujos das foligens do fogo que incendiaram Solarestival, enquanto a jovem Rhaella lamentava a morte de seu avô e tio. Em meio a tanta dor e perdas, a magnitude do nascimento de seu filho, havia sido camuflado por todo o contexto no qual o bebê resolvera vir ao mundo.
Os dedos longos passaram pelas cordas da harpa entoando notas melódicas que ressoaram através dos muros de Solarestival, ecoando nos ouvidos de Rhaegar. Não havia um ritmo definido, seus dedos cortavam as cordas sem um padrão pré estabelecido, um reflexo confuso e enigmático dos sentimentos do príncipe, ainda sim, era uma uma confusão bela, assim como ele. A harpa foi apoiada com mais firmeza sob sua coxa direita e, Rhaegar se curvou um pouco, os longos cabelos platinados escorriam por suas costas e caiam na lateral de sua face, cobrindo parcialmente seu rosto.
Se fechasse os olhos, abrisse seus ouvidos aos ventos que movimentavam as folhas das árvores e ricocheteavam nas ruínas do que um dia fora um belo castelo, se seus movimentos fossem tão vagarosos sem, no entanto, perder nenhum mísero movimento, ele poderia vê-la ali, os risos dela tomariam todo aquele ambiente, e ela dançaria no alto dos salões dos reis que já se foram, com os seus fantasmas, todos eles.
Jenny dançaria com aqueles que ela perdeu, ela dançaria com aqueles que encontrou, dançaria com aqueles a quem ela mais amou e aqueles que estiveram fora por muito tempo. Era quase como se pudesse visualizar a sombra disforme de Duncan segurando as mãos de sua lady camponesa, valsando por aqueles salões, e a jovem de Pedra Velhas sorriria e riria, um som doce, alegre e puro, era quase insana aquela imagem. Ela passaria pelos braços de honrados cavaleiros, de grandes reis e príncipes, sobre o olhar atento de rainhas e nobres ladys e, no final, Jenny voltaria para as sombras de seu amor perdido, para o vazio dos braços que ele deixara.
E ela continuaria a dançar, percorreria todo aquele salão com os pés descalços, na neve e no verão, até que tudo se repetisse, até que ela não pudesse mais contar quantas luas haviam se passado desde que eles se foram. Jenny permaneceria ali, mesmo que as muralhas caíssem e desmoronassem ao seu redor, cercada por todos os seus fantasmas naquelas pedras velhas e úmidas, permitindo que eles lhe tirassem toda a dor e sofrimento, mesmo que ela não se lembrasse do nome deles.
Nunca haveria um final para ela, seria uma dança eterna até que eles pudessem se reencontrar distante do desastre que os separara. Quando a face de seu jovem Duncan se tornasse tão distante ao seu toque, as lágrimas desceriam por sua face como adagas afiadas, e mesmo sob os olhares atentos daqueles que a deixaram, mesmo que ela parecesse um retrato melancólico da loucura, Rhaegar apenas veria nela, a saudade, o remorso e o luto eterno que ela negava a aceitar, em uma busca desesperada por aquele que deixou todo seu dever por amá-la.
As lágrimas continuariam a escorrer pela face de Jenny de Pedras Velhas, rodeando todo o mistério e enigma sobre uma mulher que ninguém sabe se foi beijada pela morte. E ela dançaria, até que seus pés não aguentassem, até que a visão de seus fantasmas já não a assombrassem, até que a neve sob seus pés se tornasse tão pesada e congelante a ponto de queimá-la, até que toda a saudade lhe consumisse, até o dia que ela encontraria o seu príncipe, porque diferente deles, ela jamais seria capaz de deixá-los como fizeram com ela...
Ela nunca quis partir, nunca quis partir...
Quando Rhaegar abriu seus olhos, um vento frio se chocava com seu rosto, e a visão das ruínas de Solarestival lhe pareciam maiores, mais assombrosas e cada vez mais tristes. Pegou um pedaço de papel e escreveu as letras de uma simploria canção, a canção que um dia faria Lyanna Stark, sempre tão forte e irredutível, chorar no banquete do torneio de Harrenhal. Uma canção que, sem nenhuma intenção, contou a própria tragédia do príncipe dragão e da jovem loba.
A escolha entre o amor e o dever sempre seria cruel e com consequências impiedosas.
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