Já estávamos no quinto ano de Harry, 1995, e a cada dia que se passava ele parecia mais estranho. Como eu o conhecia bastante, por assim dizer, percebi logo de cara que ele não parecia bem. Seus cabelos estavam mais curtos, o corpo mais desenvolvido, músculos se destacando sob a blusa colada, olhos mais verdes e profundos do que nunca. Ele parecia ter passado por um estresse muito grande ou um trauma; eu esperava que não, mas a julgar de suas expressões, aquele ano nunca seria amigável, por mais que fosse o meu desejo.
O vi na entrada do castelo assim que chegou, as já tão conhecidas picuinhas com Draco Malfoy se mostrando mais resistentes do que nunca, minha vontade de falar algo tão latente que me doía as entranhas, mas me contive. Para falar a verdade, me senti despedaçado ao vê-lo defronte a mim e não ter tido coragem de cumprimenta-lo, tampouco receber um “oi” que fosse de si. Aquele primeiro contato fora quebrado antes mesmo de existir e mais uma vez, engoli a seco.
Após aquele triste episódio, eu mal via Harry. Ele estava na classe, mas sua cabeça estava voando em qualquer outro lugar, ele mal falava ou se expressava nas aulas e todos os professores falaram a mesma coisa. De todas as coisas que eu nunca pensei ouvir foram comentários daquele tipo e por mais louco que fosse, eu queria protege-lo, queria saber o que estava acontecendo e ajuda-lo, mas ele não se abriria comigo, eu era sonserino e seu inimigo, pelo menos eu acreditava nisso a julgar pelo nosso passado e o meu jeito tão peculiar de trata-lo.
O mais engraçado e curioso era que aquela estranheza toda não era apenas com os professores e demais colegas, mas até com seus amigos do peito, Weasley e Granger, ele estava distante. As aulas mal tinham começado e Harry parecia ter desistido sem antes tentar e aquilo me preocupou de tal maneira que pensei em falar com Dumbledore, mas o mais incrível era que ele nunca estava em seu escritório. Bufei, pensei, repensei, analisei e então, decidi falar com o garoto assim que houvesse uma brecha. Não era minha função, mas eu me sentia responsável por ele, estava preocupado e meu coração pedia por aquele alívio imediatamente ou eu surtaria. O que eu mais amava em Harry além de seus olhos lindos, era sua vivacidade, a mesma que havia me tirado do fundo do poço e me trazido à superfície, aquela que coloriu meus dias e encheu-os de várias nuances poderosas.
Não faria mal algum tentar, ao menos, retribuir isso. Sem sentimentalismo, sem pieguices, sem segundas intenções, apenas acalmar seu coração tão jovem. E o meu, não tão jovem, mas cheio de amor para com ele, para com sua rebeldia e nervosismo tão grandes.
Minha aula finalmente havia chegado e fiquei surpreso ao constatar que Harry havia chegado na hora junto com os outros dois. Dei um sorrisinho de canto, imperceptível, e logo pedi para abrirem o livro numa página específica. Enquanto faziam isso, meus olhos negros como a noite o fitaram, suas expressões de desinteresse e tristeza não me passando despercebidas. Aquilo me machucou, óbvio, mas não me deixei abater; se eu quisesse ajuda-lo, teria que garantir um mínimo de equilíbrio, não poderia estar vulnerável, aliás... Eu havia passado todos aqueles anos muito exposto, precisava recompor minha compostura urgentemente.
Não sabia se estava enlouquecendo finalmente, mas enquanto virava as muitas páginas, ele parecia me olhar furtivamente, com receio de que eu percebesse mas caso isso realmente fosse verdade, sim, eu havia percebido. Tentei controlar as batidas frenéticas e exageradas do meu coração – por que logo naquele momento? – e então continuei dando a aula, tentando me concentrar e esquecer seus olhos lindos que pareciam queimar-me mais do que as labaredas das lareiras. Fiquei satisfeito pois, havia notado que ele estava prestando atenção na aula, aliás todos, as brincadeiras haviam ficado no passado e aquilo era ótimo.
Era perfeito demais conseguir dar uma aula inteira sem chamar a atenção de ninguém, mas estava claro que aquela calmaria poderia acabar caso eu não me controlasse, pois Harry olhava-me direto nos olhos. Eu não sabia o motivo, mas me incomodava muito aquele olhar, ele parecia saber o que se passava dentro da minha alma, no meu coração, e eu tinha medo, mesmo que soubesse que ele nunca adivinharia minhas angústias. Decidi esquecer isso quando os liberei, o garoto passou por mim dando uma pequena olhada e abaixando a cabeça, e eu sem entender nada. Por que adolescentes não vinham com manual de instruções? De preferência, um que estivesse escrito “Harry Potter”, para que eu finalmente pudesse entender o que se passava com aquela criaturinha.
Assim que todos saíram, arrumei a sala e fui até o Grande Salão me juntar aos outros professores, sentando-me calmamente na cadeira de veludo e apreciando mais um ano letivo.
- Boa tarde, professor. – Ouvi a tão conhecida voz calma e melodiosa dizer. – Como está seu dia?
- Dumbledore. – Dei um pequeno sorriso de desagrado, odiava quando ele puxava conversa logo quando eu estava fugindo disso. – Bem e o seu?
- Ótimo. – Ele sorriu e me senti tentado a lhe azarar, mas aquilo seria pouco para sua perspicácia. – E então, como estamos indo?
- O que quer dizer? – Rosnei entre dentes; eu sabia bem do que ele falava, mas queria evitar aquele assunto a todo custo, haviam muitas pessoas e Harry estava logo ali e mesmo que distante, eu não queria que ele sequer deduzisse o que acontecia.
- Você sabe, Severo. – Falou maldoso – Aquele nosso assunto.
Fechei os olhos e suspirei profundamente. Dumbledore era um excelente amigo e profissional, mas sabia deixar minha paciência no limite. Que parte do diálogo monótono ele não havia entendido?
- “Aquele nosso assunto” continua pendente. – Disse irritado, me servindo de um pouco de vinho. – E você sabe muito bem disso.
- Eu sei? – Fingiu-se de desentendido e continuou sorrindo. – Você é um homem muito paciente e honesto, Severo. Vai alcançar seus objetivos com um pouco mais de sorte, talvez.
E assim, encerrou-se nossa conversa. Tomei um gole do vinho e quase me engasguei ao ver Harry olhando diretamente para mim; tentei disfarçar e engoli a bebida a contragosto, não sabia o porquê de acha-lo sempre tão intimidante, eu sempre fui ótimo na arte da camuflagem de sentimentos. E então, por um segundo, me senti patético. Eu já sabia o motivo, só não queria ter que admitir pela milésima vez.
Eu o amava e tinha medo que descobrisse o meu segredo.
O almoço demorou a acabar e eu já estava satisfeito e pronto para deixar a mesa, porém a voz de Dumbledore quebrou o silêncio:
- Severo. – Disse como um aviso. – Muito cuidado, esse ano as coisas estão mais sombrias do que antes. E eu sei que já notou isso.
Não sei com que propósito havia me alertado, mas um arrepio estranho correu pelo meu corpo, como se fosse um mau agouro. Suspirei e assenti, logo saindo e me deparando novamente com aquele par de olhos intimidadores, engolindo o que quer que eu estivesse sentindo e fui andando rumo ao meu quarto.
- Snape! – Ao ouvir aquela voz, duas coisas muito sinistras aconteceram comigo. A primeira foi o arrepio incontrolável que percorreu todo o meu corpo, fazia um bom tempo que não o ouvia e foi como música para os meus ouvidos; e a segunda, foi o estranhamento que aquilo me causou. Desde quando Harry me chamava? E daquele jeito apressado?
Parei de andar na mesma hora e fiquei alguns poucos segundos de costas, me virando assim que peguei um pouco de fôlego, olhando-o com certa firmeza, precisava fazer isso e convencer, ou minhas pernas tremeriam e eu não conseguiria manter o olhar.
- O que foi, Potter? – Odiava a impessoalidade e odiava ainda mais o fato de chama-lo daquela forma, mas ele não poderia me sentir diferente, eu não queria dar esse gostinho a ele, por mais que meu coração gritasse por isso.
- Eu... Eu queria te perguntar uma coisa. – Disse me olhando firme, mas bem no fundo, vacilante. Eu não sabia o que estava acontecendo com ele ou mesmo o que se passava em sua cabeça, mas devia ser algo que mexia com ele. Sinceramente, eu queria saber, mas tinha medo do que era.
- Pois então, pergunte. – Falei como quem não queria nada, em meu típico tom displicente. Queria mostrar a ele que nada havia mudado, que eu ainda era o mesmo, mesmo que isso não fosse verdade. Ele não poderia nunca saber que mudei.
A julgar de suas expressões, Harry parecia um pouco curioso, irritado e disperso, seus olhos bonitos estavam estranhamente mais petulantes do que antigamente, seus ombros pareciam meio tensos.
- Eu queria saber o quanto pareço especial para você.
Tive que me controlar muito para não arregalar os olhos. Mas que espécie de pergunta era aquela? Eu não sabia exatamente o que responder, mas precisei dizer algo.
- Especial? Ora, não me faça rir, Potter. – Disse ríspido, enquanto meu coração doía e me implorava para dizer o contrário. – Você pode ser qualquer coisa para mim, menos especial.
Senti a força daquelas palavras o atingirem e fiquei esperando uma resposta, que não tardou a vir.
- Eu não sei porque tem que ser tão ríspido, mas tudo bem, nunca lhe pedi nenhuma gentileza. – Bufou, a voz parecia trêmula, mas ao mesmo tempo contida, como se ele não quisesse que eu percebesse seu nervosismo. O que estava acontecendo com Harry? – A única coisa que eu queria saber era o que tem de tão interessante em mim para que ficasse me olhando.
Naquele instante, engoli todos os meus sentimentos e possíveis respostas, estava num beco sem saída. Quer dizer que ele havia reparado que o olhava durante todo aquele tempo? Harry realmente não era tão míope assim.
- E quem disse a você que eu fico o olhando?
- Ninguém, eu só havia reparado isso durante um tempo e queria entender o porquê. Gosta de mim por acaso? Eu nunca soube que gostava de me aturar. – Disse petulante ou então, ele só queria mesmo saber, era curioso afinal.
Meu coração bombeou tão forte contra o peito que eu pensei que perderia o ar e a vida com aquelas palavras. Eram palavras fortes, ditas jogadas ao vento, não podia ter sido daquela forma. Mas então, me lembrei. Harry não sabia dos meus verdadeiros sentimentos, então ele podia fazer o que quisesse sem preocupação e constatar aquele fato, me fez sentir uma dor aguda. Mesmo tremendo, as mãos suando, me obriguei a responde-lo à altura, a calá-lo ou eu não suportaria.
- Gostar de você? – E mais uma vez, o peito agoniava sem saber para onde ir ou o que fazer, mas eu precisava mentir. – Não diga sandices.
Não sei como e nem porquê, mas dentro de mim, algo se quebrou ao dizer aquilo e impressionantemente, algo se apagou dos olhos de Harry. Eu não sabia se ele esperava uma resposta contrária ou se estava apenas colhendo ainda mais ódio de mim, mas o que eu podia fazer? Eu não podia confirmar sem levar a culpa de tudo, a culpa pela minha covardia, falta de senso e vergonha na cara.
Eu não tinha como explicar que gostava do menino à minha frente, tantos anos mais jovem do que eu. Parecia simples mas para mim, não era nem um pouco. Era difícil demais ter que guardar para mim tamanho sentimento, mas eu só podia fazer isso, caso contrário iria ofender meus princípios, tudo pelo qual batalhei todo aquele tempo.
- Sem querer faltar com respeito... – A voz de Harry se fez presente, me fazendo pigarrear tentando não parecer muito incomodado. – Mas o senhor não precisa mentir sobre nada, professor.
Não sei como e nem porque, mas me senti um pouco ofendido com o que ele disse e resolvi revidar.
- Mentir? Por que acha que minto? Nem todo mundo gosta de você, Potter. – Empinei meu nariz, para que ele se colocasse no lugar dele. – Achei que isso já estivesse ficado claro.
E com aquele fim de conversa, ele apenas me olhou de forma penetrante, como se fosse me furar, e me deu às costas, desaparecendo logo em seguida. Eu não estava entendendo o meu coração, nunca antes havia sentido vontade de retrucar algo, mas Harry havia me feito perder a compostura. Quem era ele para dizer tais coisas com tanta propriedade? Ora, se eu mentia ou não, o problema era único e exclusivamente meu, ninguém tinha nada com isso. Nem mesmo um garoto magricela de olhos tremendamente bonitos.
Bufei e fui aos meus aposentos, minha cabeça estava demasiado cheia.
Uma semana já havia se passado desde que eu e Harry nos confrontamos daquela maneira e eu pude jurar que ele se escondia de mim. Eu não o via muito bem nas aulas, algumas ele até havia faltado, tampouco nas refeições, mas podia sentir seu olhar me queimar timidamente, com medo de ser descoberto. Era incrível como ele não parecia desistir de saber o que se passava comigo e tive medo daquela cisma, afinal, ele não parecia ter curiosidade sobre mim até o presente momento. O que o havia instigado àquilo? Suspirei, entender aquela cabeça adolescente era tarefa árdua demais e eu não tinha mais idade para isso.
Tentava me concentrar em dar as aulas do melhor jeito possível e consegui, mas por dentro, eu ansiava que elas terminassem depressa, para que eu pudesse pensar nele um pouco mais e tentar me acalmar, apesar da súbita curiosidade e da estranheza de toda aquela situação. Como era se de esperar, na minha vida nunca nada deu certo e somente piorou quando Dolores Umbridge resolveu fazer parte do corpo docente do colégio, o que certamente acabou com toda a minha sanidade. Eu me forçava a levantar todos os dias e a aguentar as maluquices daquela velha insuportável, como persuadir Malfoy e até mesmo ocupar o lugar que eu sempre quis em Defesa Contra As Artes Das Trevas.
Eu podia suportar muita coisa, até mesmo me manter discreto em relação a Harry, mas quando ela começou a cismar com ele e a maltratá-lo, a coisa mudou de figura. Todos sabiam que ela era uma secretariazinha ridícula do Ministério da Magia, mas eu não tinha nada com isso. Eu queria que ela se danasse e levasse suas malditas regras junto! Não podia negar que adorei o fato de alguns alunos manterem a postura, mas ela estava mandando na escola de um jeito que eu nunca havia visto em anos de ensinamento. Ela estava enlouquecendo a todos.
Fingi engolir a seco as broncas e puxadas de orelha que dava em Harry no corredor que dava para o salão, até mesmo me fingi de surdo quando algum aluno comentava algo sobre ela perturbar o menino, mas quando o vi sentado com Granger e Weasley na mesa do Grande Salão, resolvi me mexer. Mesmo que não desse em nada, eu precisava reclamar por ele. Harry estava com uma cicatriz na mão esquerda, obviamente com algo escrito de forma crucial em sua pele, um castigo muito usado em tempos bem primórdios. Aquilo não podia ficar assim.
- Pode entrar.
Adentrei o escritório de Dumbledore sem a mínima cerimônia, eu queria conversar e saber o que poderia ser feito para minimizar os danos que ela estava causando a Harry. Eu havia passado por tanta coisa, cuidado dele como podia, como em tão pouco tempo ela se meteu a destruir a via dele daquela forma? Isso não estava certo e eu tinha que me mexer, tinha que fazer algo, pelo menos tentar. Assim eu me sentiria menos culpado por eu também causar dor naqueles olhos tão profundos e lindos.
- No que posso lhe ser útil, Severo? – A voz tranquila e divertida do diretor chegou aos meus ouvidos, me fazendo respirar profundamente, me sentando de forma dura, encarando seus oclinhos de meia-lua atenta e firmemente.
- Harry, Dumbledore. – Suspirei. – Algo tem que ser feito.
Ele pareceu inspirar o ar de forma rasa e preocupada, logo soltando-o, as expressões tranquilas tornando-se desconfortáveis.
- Eu já soube do que houve, Severo. Acredite, não estou nada contente com isso.
- Então, por que permite? – Indaguei desesperado, quase me debruçando na mesa como se implorasse um perdão necessário. – Por que deixa atrocidades como essa acontecerem com ele? Dumbledore... O menino sempre foi nossa responsabilidade, você sabe disso.
- Nossa responsabilidade? – E então, ele pareceu relaxar um pouco, já que um sorriso travesso e sincero se desenhou em seus lábios.
- Sim, nossa. – Reforcei, certo do que dizia. – Eu o tirei de lá aquela noite, eu o salvei e me apaixonei por ele... E você é o diretor e sempre o teve em grande estima, logo... Ele é nossa responsabilidade, devemos cuidar dele.
- Eu sei de tudo isso, Severo, mas sempre achei que ele era mais responsabilidade minha do que sua, afinal, eu quem providenciei tudo para que o menino pudesse crescer num ambiente aceitável até estar preparado e fui eu também quem o passou lições valiosas sobre a vida. – Disse em um tom calmo e despreocupado, até doce eu diria. Se eu realmente soubesse com clareza o que era isso. – Eu só espero que essa paixão que nutre por ele não desgrace sua vida, Severo. Você sabe o quanto me preocupo com você também, por conta de tudo.
Ao ouvir aquilo, algo desceu embolado em minha garganta e eu nem quis constatar que fosse minha saliva, parecia mais com dor mesclada a desgosto. Eu não sabia definir o que estava sentindo, só queria buscar apoio e ajudar Harry a se livrar da estúpida. Era apenas isso o que eu desejava no momento.
- Você pode achar o que quiser, Dumbledore, mas o que sinto por ele é amor, nada mais do que isso. Eu o quero bem, o quero feliz e realizado, por mais que ele nunca fique comigo, que ele nunca saiba do que sinto. – Falei dolorido, o coração doendo a cada batida, a respiração um pouco dificultosa. – Eu sei que tenho zero chances com ele, não precisa jogar isso na minha cara, eu só queria seu apoio, um consolo que fosse. Eu nunca te pedi nada assim desde o dia em que implorei pela minha vida. Você sabe disso. – Aquele dia ainda era tão nítido... Eu era um comensal, mas Dumbledore havia me perdoado em troca de fidelidade e proteção a família Potter, uma proteção que fora inútil, mas meu Harry havia sobrevivido graças a Merlin. Uma parte do meu coração havia sido protegida com unhas e dentes, feitiços e encantamentos mais poderosos que qualquer mal que houvesse na Terra. O amor mais puro de minha doce Lílian.
- Eu não duvido de seus sentimentos, nunca lhe disse isso. Eu só temo que possa vir a se decepcionar. – Falou sereno, como se contasse uma fábula infantil. – Aqui em Hogwarts temos poções e feitiços para todos os tipos de malefícios, menos para a dor de um coração ferido. Você sabe disso.
- Sim, eu sei, por isso digo que não me importa se ele nunca ficar comigo ou que sequer saiba, por mais que me doa, eu só quero vê-lo bem e livre de Dolores, ela o está maltratando muito e eu não estou mais suportando isso! – Meus olhos estavam arregalados, a respiração rasa e os músculos tensos, eu queria que ele fizesse alguma coisa! – Dumbledore... E você? O que sente com o menino sofrendo dessa maneira? Por que não me diz o que pensa?
- O que penso é irrelevante. – Suspirou. – O jovem Harry poderá se deparar com coisas muito piores do que isso esse ano, ele poderá suportar, é um menino forte e valente, você não parece conhece-lo bem, eu presumo.
Ao ouvir aquilo, senti minhas bochechas enrubescerem, mas me contive, aquela afronta não me faria perder a compostura.
- Não conheço... Eu o conheço melhor do que ninguém. Não me venha com tamanhas bobeiras!
Ele se limitou a sorrir.
- É, a paixão o modificou muito, Severo. Quem diria, não?
- Ora, seu... – Ia ralhar mais um pouco, mas me contive. Aquela briguinha não daria em nada e Dumbledore provavelmente riria de mim nos próximos dias, então o melhor era eu me controlar.
- Seu...?
- Nada. – Suspirei, nervoso. – Você sabe muito bem do tamanho da minha dificuldade em te pedir algo assim, não sabe?
- É claro que sei. Eu o conheço muito bem, Severo, não é à toa que eu sou bem mais velho, acompanhei sua família ou parte dela, em alguns acontecimentos.
- Sim, você já me disse isso. – Suspirei mais impaciente – Então, deve ter noção do quanto é estranho e complicado praticamente implorar pela segurança do menino, não é?
- Sim, eu sei de tudo isso, mas sabe, Severo, quando temos amigos, não devemos ter medo ou vergonha de pedir algo que se precisa. – Sorriu bondoso, algo que eu odiava por completo nele, me fazia sentir uma criança de pré-escola. – Sempre lhe deixei isso muito claro.
- Você não perde uma oportunidade, não é? – Indaguei extremamente irritado e envergonhado por dentro. Eu sabia que tinha amigos, mas não estava acostumado a pedir qualquer coisa que fosse, por menor que pudesse ser.
- Não perco mesmo. Somos amigos, Severo, e mais do que isso, companheiros de batalha e você sabe porquê. – Oh, eu sabia sim. Já havíamos conversado tantas vezes sobre o mal e que um dia ele poderia tentar triunfar. Prometemos estar lado a lado em qualquer luta que viesse a ocorrer e eu honraria esse compromisso até o fim.
- Sim, eu sei. Nossa história é bem extensa. – Falei, sincero. Aquele assunto não me agradava, me fazia relembrar dias ruins e eu não queria que começássemos a falar daquilo. – Obrigado por tudo, Dumbledore. De verdade. E Harry?
Ele então suspirou profundamente.
- Bom, eu não sei se vou poder fazer muita coisa, afinal, Dolores já foi cotada como Alta Inquisidora, mas vou fazer o possível para que Harry se prepare para o que poderá vir a acontecer.
Não entendi o que ele quis dizer, então, passamos mais algum tempo conversando e ele me contou algumas coisas que mais ninguém sabia. Ele temia por Harry, tão ou mais do que eu, temia pelo desconhecido que se aproximava cada segundo mais, temia pelo que o menino poderia virar. Eu não tirava a sua razão; Harry estava cada dia mais irritadiço e distante, nas aulas sua presença parecia vaga e indiferente, seu olhar transmitia intensidade e até ódio eu diria, se eu acreditasse que ele fosse capaz de sentir tal sentimento.
Após aquela conversa, fiquei assustado. Fiquei como nunca havia estado na vida, mas vesti a melhor máscara, não queria que ninguém, sobretudo Dumbledore, visse minhas reais fraquezas. Suspirei e resolvi ir até próximo ao campo de Quadribol, queria observar as árvores e sentir o cheio da natureza, quem sabe assim eu poderia me acalmar. Fosse o que acontecesse, eu estaria com Harry e não permitiria que nada lhe acontecesse. Desde que o salvei, havia assumido esse compromisso por ele e por ela, minha Lílian. Eu não deixaria seu filho tão amado abandonado à própria sorte, podendo ser morto por nada. Eu podia ter um passado manchado e vergonhoso, mas ainda possuía honra e amor em meu peito tão ferido.
Eu o protegeria a qualquer custo.
Assim que cheguei ao jardim, fiquei observando o campo, avistando algumas pessoas do time da Grifinória treinando Quadribol, fato que me fez sorrir de lado. Eu imaginava Harry lá, voando majestosa e despreocupadamente, a miopia não o impedindo de capturar o pomo de ouro mesmo num reles treinamento. Após todo aquele tempo, eu conhecia bastante o menino, claro que algumas coisas ainda faltavam para montar todo o quebra cabeça, mas boa parte dele eu já havia desvendado.
Eu sabia que ele possuía uma miopia tão grave que se ficasse sem os óculos, não enxergaria um palmo à sua frente e que tomava um cuidado excessivo com eles, ainda mais quando estava numa partida. Sabia também que apesar de não ser o metido que eu pensava que seria (no primeiro ano), ele não se vangloriava por ser um apanhador, o mais jovem do século. Harry era muito bondoso e apesar de parecer diferente, nunca o vi destratar ninguém durante os treinamentos, muito menos agora que estavam quase todos reunidos sem ele. Continuei observando, até que notei um barulho vindo de dentro e me surpreendi ao ver uma discussão acalorada entre Harry e Draco. Revirei os olhos, qual seria a picuinha da vez?
Suspirei e caminhei rapidamente até o local, logo me deparando com um semicírculo, onde Harry e Draco se olhavam profundamente.
- Ora, Potter, eu espero que Azkaban tenha uma cela com seu nome nela! Alguém já te falou que bastardos não deviam estar soltos em Hogwarts?
Ao ouvir aquilo, fiquei nervoso e meu coração se acelerou, mas eu não podia intervir e encher Malfoy de socos, por mais que eu quisesse. Eu seria expulso e Dumbledore poderia usar todos os argumentos disponíveis contra mim, e eu não estaria apto a cuidar de Harry, caso isso viesse a acontecer num futuro próximo. E afinal de contas, porque Draco estava tão irritado daquela forma? Nunca havia visto Harry provoca-lo, dar-lhe razão para tal coisa.
- Me chame de bastardo mais uma vez e eu vou quebrar sua cara, Malfoy. – A voz de Harry estava irritada e ríspida e por um momento, o desconheci. Não parecia o meu Harry ali, o meu pequeno, aquele menino tão bondoso e um pouco sem jeito que eu havia conhecido.
- Ah, é? Eu pago pra ver... Potter. – Draco disse a última palavra com mais desprezo do que eu preveria e então, Harry não se fez de rogado, jogou-se contra o corpo dele e desferiu três socos no rosto irritado, em segundos estavam rolando no chão se batendo e socando, enquanto os malditos pirralhos em volta gritavam “Briga, briga, briga!”, o que me deixou profundamente irritado.
Numa primeira impressão, fiquei sem saber o que fazer, mas então, resolvi fazer algo a respeito. Entrei na briga e os separei com muito custo, segurando Harry por baixo das axilas e o arrastando para longe de Draco, entre gritos.
- Você merecia muito mais, seu maldito riquinho! – A voz saiu dificultosa, o peito subindo e descendo rapidamente, o corpo tenso e quente devido a briga. – Me chame assim novamente e eu juro que acabo com você, Malfoy! Acabo com você e com qualquer um que tenha esse maldito sobrenome na certidão! – Eu nunca havia visto Harry com tanto ódio como nesse dia.
Pensei em ajudá-lo a se levantar, mas ele se debateu e então, tive que solta-lo.
- O que acha que está fazendo? – Rosnou me olhando bem irritado, fazendo com que eu sentisse uma mistura de raiva com ressentimento.
- Salvando você, é claro, que pergunta. – Tive que ser grosso. Harry devia aprender a ser agradecido, pelo menos uma vez.
- Não preciso ser salvo, ainda mais por você. – E então, pela primeira vez, cheguei à conclusão de que Harry havia se perdido do próprio caminho e que aquele com quem eu estava falando, era um desconhecido. Essa descoberta fez meu peito arder, mas eu tinha que ser forte, eu não poderia recuar. Eu era um homem adulto, eu devia ter mais consciência e parar de agir feito uma menininha!
Só me restou agir cinicamente. Era aquilo ou desabar como um idiota que eu sabia que não era.
- Vejo que está bem melhor, não é? – Espetei, vendo-o me fuzilar com o olhar, logo levando os dedos ao nariz e vendo-os voltarem manchados de sangue. – Acho que não tenho outra saída, senão levar os dois mocinhos para a enfermaria e depois, para uma longa conversa com o diretor.
Harry fez menção de protestar, mas como eu era mais forte, o segurei firmemente pela manga e o carreguei até onde Draco estava, fazendo o mesmo com ele, que estava coberto de sangue na mesma proporção, ouvindo os murmúrios conforme deixávamos todos para trás. O caminho até a enfermaria foi silencioso, mas eu sabia que ambos queriam se matar, mesmo que não pudesse ver suas expressões. Assim que chegamos, Madame Pomfrey nos recebeu chocada e logo preparou dois leitos para que se sentassem, frente a frente, o que, acredito eu, piorou toda a situação, mas nós não nos importávamos. O que importava no momento era estancar o sangue que continuava a sair e limpar aqueles ferimentos, Hogwarts era um lar seguro e eu sabia que não seria nada bom chegar aos ouvidos dos Malfoy que o filho deles havia se metido em uma briga e se machucado daquela forma. Harry, por outro lado, não tinha ninguém por ele, eu não podia me responsabilizar, então devíamos fazer tudo de forma igualitária. Sem privilégios, sem desordem.
- Oh, francamente! – Disse Madame Pomfrey enquanto limpava os ferimentos de Harry, fazendo-o soltar alguns sibilos de desconforto, as expressões fechadas em incredulidade. – Dois rapazes tão educados, estudantes da melhor escola de magia e bruxaria do mundo, se enfrentando parecendo dois trouxas! Nunca pensei que te veria dessa forma, Potter. – Harry soltou um muxoxo devido a pressão que ela fazia para limpar os pequenos cortes em seu rosto, me deixando preocupado. Acreditei que Papoula estava fazendo de propósito. – Nem você, Sr. Malfoy. – Disse olhando para Draco, que fez uma cara de troll que caiu da mudança.
Pela primeira vez, eu não queria realmente dar o braço a torcer, mas Harry me surpreendeu. Tudo o que Dumbledore havia dito fazia sentido. O menino precisava de ajuda, mas quem o ajudaria? Eu não poderia me aproximar sem que ele me direcionasse ódio pelas próximas gerações e Dumbledore tampouco falaria com ele. Ambos estavam bem impessoais naquele ano e eu compreendi o motivo. Harry estava se tornando vulnerável demais. E eu, sinceramente, estava com medo do que aquilo queria dizer.
Assim que terminou os curativos dos dois rebeldes sem causa, Madame Pomfrey nos expulsou e eu os carreguei para a diretoria, porém Dumbledore não quis vê-los. Estranhei aquela atitude, alguma medida deveria ser tomada, mas ele não fez nada, me deixando a ver navios. Como castigo, então, pedi a Draco que escrevesse três rolos de pergaminho sobre a última aula, fazendo-o ir embora reclamando e quanto a Harry, decidi não fazer nada. Não era certo deixa-lo sem uma punição, mas eu acreditei que ser chamado de bastardo já era uma e tanto.
Eu não queria magoá-lo e irritá-lo mais. Apenas dei uma última olhada em seus olhos desafiadores e virei às costas, indo para os meus aposentos. Lá, repensei em tudo o que houve, em como meu desejo latente de protege-lo se tornava cada dia mais incontrolável, mas eu era humano, eu tinha o direito de querer o bem daquele menino, por mais que ele me odiasse tanto quanto odiava Voldemort. Eu não podia fazer nada, somente pedir para que tudo desse certo, no fim.
À noite, fomos todos ao Grande Salão para jantar e me senti mais introspectivo do que nunca ao sentar com os outros professores, visto que Dolores ainda estava entre nós e respirar o mesmo ar que ela, me fazia ter vontade de azará-la de verdade. Eu estava cansado de ter que olhar para ela e imaginar as atrocidades que estava fazendo com Harry e por ainda, sem receber punição alguma por isso. Fudge merecia ir para Azkaban apenas por permitir aquela maluca de lecionar. Avistei Minerva e Dumbledore juntando-se a mim e então, o diretor disse algumas palavras e enfim, começamos a jantar.
Comi meu frango assado com um nó enorme na garganta, Dolores estava ao meu lado, mais para a frente havia Harry que de vez em quando me olhava e Dumbledore inquisidor sugerindo que algo estava acontecendo. Era pressão demais e meus olhos e ouvidos não conseguiam acompanhar aquela situação, por isso, tentei comer o mais depressa possível, queria me recolher e fingir que nada estava acontecendo. Queria deixar para lidar com o que fosse mais tarde, quando eu estivesse mais descansado e menos preocupado. Assim que terminei, dispensei até a sobremesa e tomei meu vinho a goles duros, me levantando e saindo rapidamente, evitando qualquer contato que fosse com Harry ou outra pessoa.
Fui até meu aposento e o tranquei bem, murmurando alguns feitiços para me sentir mais seguro. Suspirei profundamente, logo me despindo e indo tomar um banho, eu estava precisando relaxar, não estava suportando aquele dia exaustivo. Enquanto me lavava, pensava nas matérias que teria que dar, nas encrencas que teria que resolver e principalmente, no que estava por vir. Será que mais uma guerra seria travada? Bom, quanto a isso não haviam dúvidas. Mas, quando seria? Amanhã? Daqui há um ano? Eu estava tremendamente curioso, queria estar preparado, mas eu sempre estava, eu não ousaria, com tantos anos de experiência nos dois lados do combate, abaixar a guarda logo para meu antigo ‘chefe’.
Voldemort teria que ser muito bom para derrotar o lado do bem dessa vez e mesmo sabendo que ele era excepcional, eu faria com que Harry ganhasse. Eu sabia que era só questão de tempo até ele vir atrás do menino e em hipótese alguma, eu o deixaria para morrer. Nem por honra, nem por coisa alguma. Eu o amava, não? Mais alguém teria que salvá-lo pelo amor, por que não eu? Suspirei e logo terminei o banho, me enxugando rapidamente e deitando na cama, praticamente desabando e fechando os olhos, imaginando o de sempre.
Harry, sua dupla petulância, sua falta de modos comigo e mais uma porção infinita de coisas. Acho até que sonhei com um beijo.
Assim que amanheceu o dia, me espreguicei e sorri, havia tido um sonho bom no meio de tantos problemas. Harry estava lá comigo, mas não lembrava com clareza do que havia acontecido, só sabia que havia me deixado extremamente feliz. Rapidamente me levantei, fiz minha higiene e fui tomar café da manhã, quase cantando de forma serelepe como os muitos pássaros do jardim. Fui calmamente até o Grande Salão e me sentei à mesa junto com Dumbledore e Minerva, que me olharam curiosos.
- Sonhou com araramboia dessa vez, Severo? – Indagou ela, quase achando graça do meu estado.
- Araramboia? É claro que não! – Disse fazendo careta. – Na verdade, acho que sonhei com um pequeno pássaro.
- Pássaro? Ora, mas que sandice é essa? – Ela quis saber, porém eu não contaria e ela sabia disso.
- Pássaro, sim? Daqueles do tipo porte pequeno e de bonitos e extasiantes olhos esverdeados, não é? – Dumbledore cutucou, sorrindo, quase me fazendo corar, deixando Minerva atônita.
- Você também, Alvo? Que história é essa de pássaro? – Ela olhou de mim para ele e vice-versa, querendo uma explicação. Eu mataria Dumbledore se ele revelasse algo.
- Não é nada, Minerva, eu só estava perturbando Severo, ele é tão sério, não é? Um pouco de riso faz bem para a alma. – Disse e me fez semicerrar os olhos, pegando um pouco de pudim e comendo com raiva. Apesar das brincadeiras, eu estava realmente muito feliz.
Estava tão feliz que realizei todas as tarefas de forma bem-humorada (não deixei os estudantes saberem que eu estava diferente) e tudo se seguiu bem, o dia passou lentamente e pela primeira vez em tantos anos, eu estava otimista sobre tudo.
Sobre mim, sobre Harry e sobre a guerra que teríamos que vencer.
No dia seguinte, mal cheguei ao campo de Quadribol e acabei por avistar Harry e Draco discutindo novamente, as vozes bem alteradas e a fúria transparecendo em seus rostos juvenis, a tensão criada me fazendo temer que logo uma agressão física aconteceria. Tudo aconteceu rápido demais: eles trocaram socos novamente e Harry fora expulso do time. Nem acreditei que aquilo havia acontecido, meus olhos se negaram a acreditar.
- Hahaha, expulso Potter, você ouviu? Nunca mais vai poder ficar se achando em cima daquela vassoura velha! – A voz de Malfoy continha um deboche tão grande que me deu vontade de estapeá-lo. Outra vez.
- Cala a boca, Malfoy! Se eu fui ou não, não é problema seu! – Gritou furioso, os olhos fitando o outro com absoluto ódio. Virou-se então para os ex-companheiros e foi um pouco mais ameno, mas sem perder a compostura. – Vocês estão me expulsando? Ótimo. – Disse e saiu andando desajeitadamente, com Granger e Weasley em seu encalço. Eu só havia notado a presença dos dois quando finalmente meu cérebro havia processado as informações.
Harry havia sido expulso do time. Como eu ficaria agora sem poder vê-lo dar aqueles saltos incríveis, voando tal como um pássaro em dias de primavera? Suspirei vendo-o desaparecer com os amigos enquanto a srta. Johnson dizia algo com os companheiros, algo que eu não pude entender com clareza. Eu queria poder consolar Harry, mas entendi que era um momento pelo qual ele precisava passar. Isso construía o caráter, o deixaria mais forte e seguro com o passar do tempo.
O curioso era que as brigas permaneceram, mesmo com Harry tendo perdido seu posto. Ele sempre estava quieto no canto e Draco o perturbava, fazendo-o sair do sério para que ele parecesse o provocador, quando na verdade era Malfoy. Eu conhecia aquela índole de longe e detestava pessoas assim, mas não podia me meter por completo ou descobririam o que eu tanto queria manter em segredo. Passei a observar mais meu menino, queria entende-lo e mesmo que eu não fosse capaz, sabia que ele precisaria de mim algum dia. Dei minhas aulas como de costume, mas não sei porque, todas as noites que se seguiram, não consegui dormir.
Eu não sabia dizer se era por ver Harry sempre me encarando pensando que eu não via ou toda a tensão criada por conta dos últimos acontecimentos, mas o fato era que eu ficava muito perturbado e rolava na cama, assustado. Parecia que algo iria acontecer e não saber o que era, me fazia tremer. Eu nunca gostei de ser pego desprevenido, quem gostava? Só sei que passei a pedir a Merlin que tivéssemos um pouco de sorte e que a paz durasse um pouco mais ou que eu pudesse fazer algo, mas eis que numa dessas noites levei um grande susto.
Estava tentando pregar o olho quando avistei Minerva adentrar meu aposento sem a mínima etiqueta.
- Você estava usando feitiços de proteção aqui? Tive o maior trabalho para entrar! – Apontou a varinha que iluminava todo o quarto para mim, as vestes de dormir ainda em seu corpo.
- O que houve, Minerva? – Indaguei fazendo careta, tentando proteger meu rosto de toda aquela luz.
- Potter está com problemas, Dumbledore me pediu para chama-lo. O menino sonhou novamente com algo perigoso.
Novamente? Do que ela estava falando? Como sempre, eu era o último a saber. Me levantei rapidamente, surpreso em como qualquer coisa que acontecesse a Harry me deixava naquele estado, desesperado e preocupado. Coloquei minhas vestes negras novamente e saí com ela quase correndo, logo chegando ao escritório de Dumbledore, que parecia um pouco atônito encarando Harry. Acreditei que haviam discutido pelo jeito como estavam.
Harry mal me olhou, suas vestes estavam marcadas de suor, seus cabelos espetados devido a umidade, o olhar assustado e temeroso. E então, me recordei daquela noite. Meu menino havia, por um breve momento, se tornado uma criança tão indefesa novamente. Era meu dever protege-lo mas tive receio de não conseguir.
- Mandou me chamar... Diretor? – Me dirigi a Dumbledore, que logo me olhou e assentiu.
- Sim, Severo. É chegada a hora. Se esperarmos mais, podemos ficar vulneráveis. – Disse com tanta seriedade que tive que controlar meu coração. Tudo o que havíamos conversado tomava corpo e eu finalmente estava entendendo o que viria. Era mais grave do que eu pensava.
Sem perder tempo, assenti e segurei Harry pelo braço, displicentemente, sem me preocupar se o estava machucando, eu o queria seguro e deveria agir a meu próprio modo. Sei que ele também não estava muito feliz de ter que precisar da minha ajuda, porém eu era o mais qualificado a isso. O levei para uma sala minha antiga e o sentei numa cadeira, sem prestar muita atenção em si, virando-me de costas a fim de pegar minha varinha.
- O que está acontecendo? – Indagou, sua respiração ofegante me fazendo sentir coisas que antes eu não sentia. Estávamos em alerta, o que eu estava pensando? Será que... Aquela mesma voz que parecia agoniada de terror era a mesma que poderia gemer em outras circunstâncias? Talvez eu estivesse finalmente enlouquecendo. Por que num momento como aquele eu tinha que levar as coisas para o outro lado? Aquilo não era certo... Mas a voz de Harry ofegando no mesmo aposento que eu também não parecia certa.
- Voldemort. – Suspirei, segurando minha varinha com rapidez e me virando para olhá-lo. – Devemos começar algumas lições, Potter. A não ser que queira que ele invada sua mente e o enlouqueça.
Seu olhar arregalou-se e pude sentir a tensão crescente que seu corpo emanava, alertando-o do perigo que não tardaria em chegar.
- E o que exatamente vamos fazer? – Indagou grudando os braços na cadeira, como se aquele simples ato pudesse livrá-lo do que eu pretendia fazer.
- Vamos praticar a arte da Oclumência. Dessa forma, você poderá conhecer as propriedades e impedir que ele invada sua mente e use suas lembranças contra você. Está preparado? – Eu sabia que estava sendo invasivo e rígido demais, porém não poderia desperdiçar a única chance que tínhamos.
Harry não me respondeu, somente se encostou mais à cadeira para se proteger, mas mal sabia ele que eu não o faria nada de mal. Tudo o que eu sempre fiz foi para seu bem, para vê-lo feliz e seguro.
- Legilimens! – Conjurei o feitiço e na mesma hora, um feixe de luz saiu de minha varinha e conectou-se as lembranças de Harry, seu grito ecoando por toda a sala e rasgando meu peito. Eu sabia que era indolor, mas ele estava assustado e eu não gostava disso. Para me distrair, o feitiço começou a mostrar-me lembranças de Harry com seus amigos, os jogos de Quadribol, as visitas a Hogsmeade, as vezes em que quebraram várias regras da escola, quando ele se encontrava mais feliz e mais triste também. Haviam memórias suas chorando e aquilo me fez ofegar, o peito dolorido.
Por mais que eu estivesse sentindo suas emoções, eu não poderia me deixar afetar por aquilo. Eu deveria ser o professor, o mais velho ali, eu precisava ser aquele que mais o ajudaria. Eu devia isso a ele. Eu devia isso a mim.
- Pare, por favor, pare! – Seu grito cortou a minha conexão e acabei por parar, ato esse que não deveria ter acontecido. Realmente, o poder que Harry tinha sobre mim era absurdo demais.
- Por que me pediu para parar? – Indaguei abaixando a varinha, olhando-o seriamente, a testa um pouco molhada de suor.
- Porque eu não queria que visse minhas memórias, são pessoais.
- Não para mim, Potter. Você não quer que eu te ajude? – Fui realista e direto, ele não poderia se dar ao luxo de recusar, estávamos com problemas bem mais sérios do que uma crise adolescente. Ele estava com vergonha do que eu poderia ver ou tinha medo? E se tivesse medo, do que seria? E a vergonha? Sempre pensei que me odiasse, então não haveria espaço para aqueles sentimentos.
- Eu... – Sua voz morreu em seguida. Ele tinha vergonha de admitir ou era orgulho demais? Eu nunca entenderia Harry. Sei que tínhamos nossas diferenças, mas eu estava ali, bem diante dele, me despindo de qualquer ressentimento com ele ou a família e me dispondo a ajuda-lo a vencer, a se manter seguro, e o que eu ganhava em troca? Ingratidão, medo, raiva. Seja lá o que fosse, eu estava com medo. Eu não queria me ferir mais, mas não poderia deixar de estar ali para ele.
- Responda, Potter. Estamos todos nessa luta por você. – Engoli em seco. Eu devia estar dando muita bandeira. – Unicamente por você e sei que sabe disso.
Ele pareceu pensar um pouco e então, após alguns segundos eternos, assentiu com a cabeça. Olhei para sua face ainda impressionada com os acontecimentos recentes e assenti, criando mais coragem do que nunca para acompanha-lo naquela caminhada tortuosa.
- Eu quero. – Afirmou com uma certeza que flamejava em seus olhos bonitos. – Eu quero sua ajuda, professor. – E então, eu tive que me controlar em dobro para não desmaiar. De repente, se tornou algo muito sensual o fato dele aceitar minha ajuda, mas eu não sabia afirmar se era por isso ou pelo ‘professor’ que havia saído por seus lábios finos. Oh, eu nunca havia parado para pensar profundamente que aqueles lábios eram daquele formato... Eu precisava tomar cuidado.
Dei um meio sorriso, algo que o fez desfigurar o rosto em uma careta e tomei isso como um estranhamento, já que eu nunca sorria perto dele. Continuamos então com as lições até próximo do amanhecer, quando o mandei para o dormitório quase como um bagaço, ele estava muito cansado e eu também. Felizmente, poderíamos dormir mais um pouco e com sorte, progrediríamos naquele estudo.
Harry e eu praticávamos Oclumência todas as quartas feiras e estávamos nos saindo bem. O garoto tinha um certo talento para preguiça e era um pouco desajeitado, mas aquelas eram apenas algumas das coisas que eu amava nele. Aos poucos, ele conseguia se concentrar e quase não deixava que eu invadisse sua mente e para alguém que não sabia sobre o assunto, ele estava se tornando um expert. Não era tão bom quanto eu, claro, eu possuía muitos anos de estudo, mas aquela era magia que seus colegas não iriam aprender, pelo menos não naquela série.
Aquela era uma das quartas feiras e já estávamos no mesmo lugar de antes, prontos para mais uma lição. Eu não podia dizer, por mais que quisesse, que aqueles encontros estavam se tornando quase tão pessoais quanto um de verdade. Provavelmente, eu me azararia caso deixasse algo escapar, mas a cada aula, meu coração batia mais descompassado. O que aquele Potter havia feito comigo? Por mais que eu pudesse ser sonhador demais, eu havia notado uma certa aproximação entre Harry e eu, nada tão forte que pudesse ser chamado de amizade, mas ele parecia menos tenso ao estar no mesmo ambiente que eu. O que eu achava que era um grande feito. Ele parecia confiar em mim.
- Pois bem, Potter. Já avançamos bastante, mas precisamos continuar. Somente a prática vai leva-lo a perfeição, a impedir que Voldemort nunca consiga saber o que ronda a sua mente. Está preparado? – Indaguei com a varinha em riste, olhando-o tão profundamente que o percebi incomodado. Será que ele sentia algo quando eu fazia aquilo? Será que bem no profundo do seu consciente, ele sentia que eu o amava?
- Estou. – Disse sem muita emoção, somente confirmando que deveríamos prosseguir. Seu corpo estava bem ajustado na cadeira e ele não parecia mais aquele menino assustado, pois sabia do que aconteceria, mas isso não mudava o fato dele parecer sempre muito incomodado. Eu também não gostaria que ninguém invadisse a minha mente, mas no caso dele, era mais do que necessário.
Suspirei e conjurei o feitiço, sem pestanejar. Eu não sabia se continuava aquelas lições puramente por conta do perigo iminente ou se eu estava, de fato, curioso para descobrir mais memórias dele. De certo modo, aquela curiosidade toda podia me machucar, mas eu não estava me importando muito. Eu queria saber tudo sobre ele.
- Legilimens! – E novamente, a varinha fez seu excelente trabalho de me mostrar o que tanto havia naquela cabecinha perturbada. Lembranças e mais lembranças mesclando-se, quase todas sobre a família e os amigos dele, mas logo uma me fez parar no tempo. Havia dois corpos muito próximos, lábios conectados, um menino e uma menina. Aqueles cabelos, eu os reconheceria em qualquer parte do mundo. Eu... Harry estava beijando uma menina. E eu tinha certeza de já tê-la visto. Não, não podia ser. Ele estava beijando Cho Chang, uma sextanista da Corvinal.
Eu não consegui dizer nada, e sabia que não deveria, mas logo quebrei o contato, abaixando a varinha e deixando o restante daquelas memórias em paz. Ofeguei um pouco, evitando a qualquer custo demonstrar tudo o que sentia, mas Harry não era bobo, ele sempre fora desconfiado demais quando o assunto era eu.
- O que houve, professor? – Indagou e mesmo que eu pudesse ter identificado uma nota de cinismo em sua voz, eu sabia que não teria direito algum de perguntar nada e nem de ser ríspido com ele, já havíamos passado daquela fase.
- Nada, Potter, eu só... – Engoli em seco aquele amor dolorido e continuei o olhando, sua expressão curiosa me fitando sem perder o foco. – Eu acho que está bom por hoje.
- Mas mal começamos! E o senhor vive me dizendo que devemos praticar sempre que pudermos e eu quero continuar. – Não, ele não podia querer apenas continuar, havia alguma coisa implícita ali e que eu ainda não havia captado.
- Potter...
- Por favor, professor. É a minha lição, é a minha batalha, não é? E eu aceitei a sua ajuda. – O moleque havia sido tão convincente que não pude negar. Ele tinha razão, com todas as letras.
Apesar dele insistir muito com a continuação da aula, algo dentro de mim me avisava que ele estava planejando algo. Harry podia ser preguiçoso, mas era muito esperto quando queria e aquilo, definitivamente, era algo para se ter cuidado. Suspirei e me recompus, logo deixando a varinha novamente em riste e então, conjurei o feitiço mais uma vez, com ainda mais seriedade e vontade para que isso camuflasse a dor que ameaçava me fazer cair.
- Legilimens!
E então, tudo aconteceu muito rápido. Eu não estava contando que ele fosse tão curioso a ponto de me atrair para sua teia. Eu nem cheguei a invadir sua mente, pois ele me contra-atacou e meus olhos se arregalaram.
- Protego!
Minhas pernas estavam tão moles quanto o pudim que serviam no Grande Salão. Eu parecia ter entrado numa espécie de transe, mas na verdade, estava mais vivo do que nunca, respirando e vendo tudo o que acontecia naquele exato minuto. Harry havia conseguido entrar em minhas lembranças, ele havia conseguido o que ninguém jamais ousou conseguir.
Ele invadiu minha privacidade, meu íntimo, meus segredos mais secretos. Ele me viu chorar por ele, me viu machucado e tão encolhido quanto um pequeno roedor contra uma parede, ele me viu vulnerável da forma que eu nunca quis que ele visse. Eu sabia que, daquele dia em diante, eu não seria mais o mesmo, pois ele havia desvendado o meu olhar, a minha alma e o meu coração.
Ele saberia então porque eu vivia de luto, de cara fechada e distante de tudo e todos, ele finalmente descobriria o grande motivo. Não era somente por sua mãe, mas sim, por conta dele também. Um amor não correspondido era pior do que a morte, era pior do que nunca ter nascido. Era ferida aberta que se doía na mesma intensidade que ver mais outro amanhecer solitário. Eu havia tido dois amores não correspondidos e esse segundo, estava doendo com todas as minhas forças.
Harry não sabia, mas ele violou mais regras do que podia em sua vida, principalmente se tratando da minha mente bagunçada e um tanto quanto destruída.
Aqueles minutos pareceram a eternidade e então, finalmente o contato foi quebrado. Não consegui olhar diretamente para ele quando tudo acabou, somente fitava um ponto acima de sua cabeça que parecia muito interessante no momento, eu estava perplexo. Como o encararia agora? Como viveria? Céus, eram tantas dúvidas! Eu só queria poder me esconder e sumir de sua vista, mas infelizmente, eu estava preso por seus olhos bonitos e toda a sua aura que me pregava ao chão.
- Professor? – Chamou, mas eu não consegui responder. Abaixei lentamente meu braço e continuei respirando, o cérebro tentando processar que ele havia finalmente descoberto o meu grande segredo. Algo dentro de mim temia que ele contasse a alguém ou pior, temia que isso pudesse nos distanciar, mas eu preferi não falar nada e simplesmente, abaixar meu olhar lentamente, encontrando o dele, tão inocente e límpido que fez meu coração se abalar mais ainda. Aqueles acontecimentos estavam me deixando louco.
- Sim... Potter? – Foi só o que minha boca conseguiu dizer. Eu não sabia se havia algo que devesse ser dito ou explicado, eu só queria terminar aquela lição e sumir da frente dele pelos próximos mil anos. Todos ficariam muito felizes, inclusive ele, apesar de não termos mais brigado.
- Tem alguma coisa que eu deva saber? – Oh, por Deus, ele já sabia de tudo! Não era possível que queria saber da minha própria boca. Cada minuto ali, estava me deixando mais claustrofóbico e temeroso, eu queria ir embora, mas algo nele me prendia e não me deixava em paz. Ou... Eu devia querer ficar, apesar de toda a situação.
- Potter...
- Professor. Snape. – Disse seriamente, sem piscar um momento sequer, nem fazer movimento algum. – Tem alguma coisa que queira me contar?
Naquele instante, tudo o que eu quis foi chorar. Eu tinha tantas coisas para contar, mas eu não podia, não sem me comprometer e estragar tudo o que tínhamos, que para mim já era muito. Sem falar em Dumbledore, o que ele acharia disso? O que pensariam? Um professor com seu aluno... Que absurdo, não? Mas talvez eu estivesse fadado ao absurdo desde que havia conhecido Lílian, pois de alguma forma, eu sabia que ela nunca olharia para mim. E por que seria diferente com o filho? Ainda mais com ele sendo tão mais novo e nós tendo Hogwarts inteira como plateia. Eu realmente não sabia o que pensar, aliás eu nem queria pensar, só queria que aquele dia acabasse. Estava sendo a pior quarta-feira de todas, uma vez que eu não queria que ele descobrisse daquela forma.
- Potter, eu... Você já viu minhas lembranças... – Lutei para que minha voz não saísse tão trêmula, mas talvez Harry já tivesse notado que faltava pouco para que eu sucumbisse.
- Eu vi, Snape, mas eu quero ouvir de você. – E então, eu percebi que ele queria que eu falasse de mim, do que eu sentia. Bom, eu não tinha mais nada a perder.
- Eu o amo, Harry. – Confessei, derrotado, os olhos nublados de lágrimas. – Eu sempre o amei.
- Me ama? Sempre? – Ele estava cheio de perguntas, mas eu não sabia se era a hora certa para responde-las. Ele era tão novo, devia estar bem mais confuso do que eu. – Desde quando?
- Desde muito tempo. – Sorri pequeno e sem graça. – Você nem imagina quanto.
Harry não disse mais nada, apenas ficou me olhando e eu, roxo de vergonha internamente, me calei também. Não havia mais nada a ser dito, as lembranças falavam por si mesmas, não havia necessidade de explicação. Eu amava Harry e não queria ter mostrado isso numa lição de Oclumência, mas se foi para acontecer daquela forma, não havia mais o que fazer.
Agora, era me segurar diante de sua força, sua petulância e seus olhos bonitos.
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