Ja’far nunca festejava, Sinbad já havia percebido isso. Sempre que havia alguma festa ou festival, ele se limitava a verificar como tudo estava indo, resolvendo um problema ou outro. Às vezes, bebia um pouco com todos, mas ele nunca aproveitava de verdade. Aquilo incomodava um pouco o rei. Ja’far era seu amigo de longa data e lhe preocupava que o albino fosse tão sério que não soubesse se divertir ou relaxar. Aquilo não podia fazer bem a ninguém.
-Ei, Sin - Ja’far bateu na cabeça do rei usando o pergaminho que lia momentos antes, - você está ouvindo o que estou dizendo?
-Hã? Desculpe. Estava distraído.
Sinbad pôs a mão na cabeça e riu, tentando aplacar a fúria do seu general. Ja’far suspirou, cansado. Sin não tinha jeito mesmo.
-Preste atenção.Esse é um documento importante da Aliança dos Sete Mares. Você, como presidente, precisa analisá-lo e assinar. É o seu trabalho.
-Eu sei, eu sei.
Sinbad apoiou o queixo em uma das mãos, claramente entediado. Antes que Ja’far pudesse reclamar da postura do rei, ouviram gritos vindo da cidade. Ao olhar pela janela, eles viram uma das criaturas dos mares do sul invadindo a praia, quase chegando a cidade.
-Parece que teremos um festival essa noite.
Sinbad saiu da sala, sendo seguido por Ja’far, o mais jovem tinha certeza que aquele documento não seria assinado hoje.
Spartos e Pisti cuidaram de tudo antes mesmo que o rei e seu assistente chegassem ao local. Tudo foi resolvido rapidamente e ao escurecer a festa estava pronta.
A cidade estava completamente enfeitada com flores, mesas longas eram ocupadas por pessoas bebendo e rindo e não havia um único lugar da cidade de onde não era possível ouvir a música animada. Sinbad observava aquilo cheio de felicidade e orgulho. Aquele era seu povo, pessoas boas que queriam viver em paz naquele mundo caótico, e eles estavam felizes. Sindria era seu maior sonho e era real. Não podia sentir mais paz vendo aquilo.
Não demorou para que Sharrkan o encontrasse e os dois começassem a beber juntos. Sinbad não viu Ja’far por boa parte da noite. Tinha um plano em mente para aquela noite. Enquanto todos arrumavam tudo para o festival, e ele ficava preso em sua sala, obrigado por Ja’far a terminar seu trabalho antes de qualquer coisa, decidiu que faria o homem se divertir naquela noite. Beber, dançar, conversar com lindas mulheres, tudo o que devia ser feito em uma festa. Porém, o albino havia desaparecido por todo esse tempo e Sinbad ainda não havia tido uma oportunidade.
-Onde ele terá se metido? - Sinbad perguntou a si mesmo.
-Eh? Disse alguma coisa?
-Ah, não. Não foi nada.
Sharrkan, sentado ao seu lado, não se importou de perguntar duas vezes. Ele estava ocupado demais brigando com Yamuraiha para isso. Masrur assistia a tudo calado, bebendo de sua taça vez ou outra.
O rei suspirou, frustrado, quando todos passaram a ir embora, o festival havia acabado. Não havia posto seu plano em prática e perdera uma ótima oportunidade, mas afinal, onde Ja’far havia se metido a noite inteira?
Entrou no castelo, se dirigindo a seu quarto, mas no meio do caminho passou por sua sala e encontrou Ja’far sentado a sua mesa, com um pergaminho nas mãos.
-O que está fazendo aqui?
-Hã?
Ja’far ergueu os olhos do pergaminho para Sinbad. O rei entrou na sala, notando que o pergaminho que Ja’far lia era o mesmo que eles examinavam juntos naquela manhã.
-Por que está lendo isso?
-Esse documento precisa ser entregue amanhã de manhã. Sabia que não deixaria de ir ao festival e que acordaria cansado no dia seguinte então pensei em revisar o documento eu mesmo e apenas discutir o que precisaria ser mudado com você no dia seguinte.
-Então… está fazendo o meu trabalho? - Ja’far suspirou voltando os olhos para o documento.
-Sim, Sin, estou fazendo seu trabalho.
Sinbad olhou para o amigo, se sentindo culpado. Ja’far havia passado todo o festival fazendo seu trabalho. Claro que não havia pedido isso a ele, mas devia saber que Ja’far faria isso. Ele era muito responsável e estava sempre cobrindo suas falhas. Deveria ter imaginado.
-Venha.
Sinbad pegou uma das mãos de Ja’far e puxou o conselheiro consigo pelos corredores do palácio.
-Ei, Sin, eu ainda não terminei. Para onde estamos indo?
-Apenas venha.
Ja’far pensou em discutir com o rei, mas isso não adiantaria nada. Era melhor apenas fazer o que ele pedia por enquanto e voltar para seus afazeres o mais rápido possível.
Eles saíram do palácio e andaram pelas ruas da cidade até chegarem à praia. Sinbad só parou quando estavam a beira do mar, a água molhando seus pés. Ja’far precisava admitir, era uma sensação refrescante. Sinbad estava com o rosto erguido em direção ao sol prestes a nascer enquanto o vento bagunçava seus cabelos.
-O que estamos fazendo aqui, Sin?
-Você passou a noite toda trabalhando, achei que a brisa do mar lhe faria bem. E eu estou um pouco bêbado, então também preciso disso?
Sinbad olhou para o albino e riu, uma das poucas risadas sinceras que ainda possuía. Ele parecia tão em paz que Ja’far não se atreveu a repreendê-lo por beber tanto, apenas olhou para o mar a sua frente. Percebeu que ainda segurava a mão de Sinbad, mas não viu motivos para soltá-la. Fechou os olhos, esperando que o som do mar acalmasse seu coração.
-Ja’far.
O albino abriu os olhos, percebendo que Sinbad olhava para ele. Antes que pudesse perguntar por que ele havia o chamado, Sinbad o puxou pela mão, agarrou sua cintura e começou a rodar.
-Sin, o que está fazendo?!
-Dançando.
-O que?
-Você nunca dança, nunca se diverte. Por que?
-Não há nem ao menos música para dançarmos aqui.
-Você não me respondeu.
-Hã? Por que isso agora?
Ja’far desviou o olhar, e Sinbad pensou tê-lo visto corar. Diminuiu um pouco o ritmo da dança para que pudessem conversar.
-Estou curioso.
-Eu… não sei dançar.
A resposta foi tão baixa que Sinbad não teria ouvido caso não estivesse tão próximo do conselheiro.
-Claro que sabe, está dançando agora. Eu diria que só precisa encontrar o par certo.
O rei sorriu, e Ja’far finalmente viu por que tantas mulheres se apaixonaram por ele. Era verdade que a posição, as riquezas e a aparência encantavam, mas a forma como Sinbad fazia com que se sentisse, como se estivesse seguro e num furacão ao mesmo tempo era incrível. Apoiou a cabeça no ombro do rei, e aos poucos fechou os olhos. Talvez fosse o cansaço, o som do mar ou a presença de Sin, mas Ja’far sentia-se tão leve, era como se não sentisse o chão.
Estava muito distraído para demorou a perceber que Sinbad havia erguido seu rosto. Quando abriu os olhos, sua boca já estava colada a dele. Primeiro a surpresa tirou o ar de seus pulmões, e então a sensação do beijo dominou tudo e Ja’far apenas se deixou levar. Quando se separaram, e o conselheiro olhou nos olhos de Sinbad é que finalmente despertou e teve consciência do que havia acontecido. Afastou seu rosto, confuso, enquanto Sinbad tinha um enorme sorriso no rosto.
-Sin… o que foi isso.
-Considere um agradecimento, por ter feito meu trabalho e pela dança. Eu não poderia ter encontrado parceiro melhor para essa noite.
Antes que Ja’far pudesse dizer qualquer coisa, o rei o soltou e saiu em direção a cidade. O albino ficou na praia até o sol nascer, vendo a bela paisagem e tentando entender o que Sin havia pretendido com aquilo. Talvez não devesse pensar muito no assunto. Seu rei sempre fazia o que lhe vinha na cabeça, sem pensar nas consequências. Aquilo provavelmente havia sido apenas um estranho desejo momentâneo.
Enquanto isso, Sinbad andava pelas ruas da cidade, sorridente. Não havia planejado exatamente aquilo, mas jamais poderia dizer que havia se arrependido. Pôs uma das mãos sobre a boca, pensativo. Ja’far tinha lábios mais macios do que imaginava. Aquela não seria a única dança que compartilharia com o conselheiro no futuro, ou o único beijo. Não se dependesse dele.
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