Nova York, Centro. Ano de 2021
Lembra daquela música...
"Foi assim, como ver o mar
A primeira vez que meus olhos
Se viram no seu olhar
Não tive a intenção de me apaixonar
Mera distração e já era
Momento de se gostar
Quando eu dei por mim nem tentei fugir
Do visgo que me prendeu dentro do seu olhar
Quando eu mergulhei no azul do mar
Sabia que era amor e vinha pra ficar
Daria pra pintar todo azul do céu
Dava pra encher o universo com a vida que eu quis pra mim
Tudo que eu fiz foi me confessar
Escravo do seu amor, livre pra amar
Quando eu mergulhei fundo nesse olhar
Fui dono do mar azul, de todo azul do mar"
Foi assim que ela se sentiu, derretida na imensidão do mar, flutuando na vastidão do céu. E aqueles olhos olharam diretamente para dentro dela e enxergaram tudo o que havia ali, seus medos, seus anseios, sonhos, manias. Ela sentia que ele enxergava sua alma, não conseguia desviar o olhar e não soube por quanto tempo permaneceram olhando um para ao outro até que ele se levantou e deu início à aula, desviando os olhos dos dela.
Durante todo o primeiro tempo ficou muda, sentia algo estranho como se ele a observasse o tempo todo. Era algo que beirava o incomodo e a curiosidade, queria desvendar o motivo pelo qual ele a buscava em meio à multidão e porque ela procurava o olhar dele e quando encontrava desviava envergonhada.
Ariana foi a primeira a notar a estranha troca de olhares entre ela o professor Francis Elliot, suas colegas também perceberam e não gostaram muito. Assim que terminaram o primeiro tempo saíram para almoçar na lanchonete onde sempre comiam.
– Clari, você está bem? – Sondou preocupada.
– Claro, porque não estaria? – Sorriu – Está bem, não estou bem, estou me sentindo esquisita, quando o Francis me olhou foi como se ele enxergasse minha alma, foi muito invasivo e.... não sei explicar. Me senti exposta. – Pediram o almoço e se sentaram à mesa.
– Vocês ficaram se encarando por bastante tempo, foi meio desconfortável pra gente assistir aquilo. Será que ele te reconheceu de algum lugar? Existem vários vídeos seus rodando pela internet, você já se apresentou várias vezes e....
– Acho que não – Interrompeu Clarissa, nervosa - foi o Pranav maldito que fez minha caveira e agora ele sabe que eu sou a aluna encrenqueira e vai me infernizar, dando continuidade ao trabalho exaustivo e pouco rentável do maldito do Pranav! – Disse alto, se levantando para pegar o guardanapo que não viera com a comida quando deu de cara com o autor de seu desconforto.
– Você ainda lembra desse cara, ele já foi expulso da universidade, não tem mais que se preocupar com esse babaca otário. – Ariana odiava o antigo professor da amiga tanto quanto ela.
O professor Francis estava sentado no balcão comendo seu almoço calmamente enquanto uma multidão o observava de longe, tirando fotos e dando gritinhos irritantes. O sangue de Clarissa ferveu, como assim essas garotas agiam de maneira tão infantil perto de um professor, e ele ficava lá se mostrando para as meninas enquanto deveria comer com os outros professores.
Espera! Será que ele ouviu o que ela disse? Se antes ele não sabia do histórico dela, agora ficara sabendo. Merda. Pegou os guardanapos e voltou ao seu lugar, terminou de comer em silencio e voltou para sua aula no segundo tempo.
– Vou para minha aula, agora tem a Mariá e ela é cheia de passar musical, preciso garantir um grupo decente. Te vejo no estúdio – Abraçou a amiga apertado - Vai ficar bem? Quer ir comigo? – Ariana tentava sondar.
– Não, pode deixar. Agora vem a prática e sem querer me gabar, mas já me gabando, eu sou a melhor da turma. – Disse dando de ombros. Será que conseguiria dançar com aquele par de olhos a encarando?
– Te vejo no estúdio então. – Ariana não conseguia simplesmente não se preocupar, Clarissa era doida e sempre as metia em confusão. – Qualquer coisa, me chama! – Disse se afastando.
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O segundo tempo não foi de todo ruim, ao contrário do que ela imaginara, o novo professor a ignorara solenemente, ele havia pedido que se organizassem em trios e criassem uma coreografia de 5 minutos de Bharatanatyam, e apresentassem, básico. Com isso ele queria ver o que a turma conseguia fazer e claro, o grupo dela havia sido o melhor. As outras alunas não ficaram muito contentes, no entanto...
Como alguns colegas não estavam com uma cara muito boa para ela, decidiu sair alguns minutos mais cedo para evitar a turba de alunos que grudariam no professor. Ela já havia sido alvo de muita fofoca envolvendo um professor e não queria ser motivo de criticas novamente. Enquanto subia as escadas ouviu alguém chamando seu nome.
– Srta. White a aula ainda não acabou. Temos 15 minutos. A não ser que queira perder a primeira peça do trimestre é melhor se sentar. – Francis deu a dica.
A canceriana estancou na escada, revirou os olhos e bufou se sentando na cadeira mais próxima de onde estava. "Começou" ela pensava.
– As equipes serão compostas por cinco alunos cada. O prazo de entrega do esboço é quinta feira da semana que vem. O projeto concluído deve ser entregue em vinte dias e eu quero de 20 a 30 paginas de relatório escrito. Vou formar as equipes, podem ver o grupo em que estão amanhã cedo. – O desânimo foi geral.
Como ela sempre dizia, nada de bom vem de uma segunda feira. É o dia em que as piores merdas acontecem. E quando ele pediu para lhe falar após o término da aula, sabia que vinha encrenca. – Pois não, Francis.
– Sente-se, por favor. - Indicou o assento em frente o dele- Você já dança profissionalmente, já se apresentou em vários países e concluiu com bastante antecedência todos os créditos para a formatura. No entanto, no relatório do antigo professor suas notas estão todas abaixo da média. O que aconteceu?
– Prefiro não falar. - Ela estava desanimada.
– Se não me contar não poderei ajudar.
– E porque o senhor me ajudaria? Eu não preciso dessas notas, já passei com sucesso, como o senhor mesmo ja disse.
– Creio que não saiba, mas no final do curso os alunos concorrerão a uma vaga para estagiar na Fundação Graad. As notas serão fator determinante para escolher o candidato.
Hmmm... Aquilo sim era interessante. A Fundação Graad, todos já ouviram falar dela, a atual presidente Saori Kido era uma das maiores patrocinadoras das artes a nível mundial. Seria uma chance em um milhão, mas com aquelas notas ela nunca conseguiria passar nem perto do prédio empresarial.
– Certo, mas como o senhor vai me ajudar? E com qual interesse? – A segunda era a única questão que importava.
– Quero que todos os alunos compitam de forma justa e as sentenças que ouvi do professor anterior não são compatíveis com o que vi hoje.
Sim, certamente o maldito do Pranav deveria ter inventado todo tipo de impropérios para calunia-la. – Tudo bem, mas não é uma história boa...
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Quando Clarissa chegou ao estúdio ja estava quase na hora de irem embora, como sua cabeça doía ficou deitada com os olhos fechados imaginando todas as atividades que o professor Francis havia passado e que teria que entregar em tempo recorde. Quando ele chegou com aquela pose de intocável, postura arrogante e ar superior ela jamais pensou que fosse um ser tão humano quanto lhe mostrara durante aquela conversa ou que acreditaria nela quando os outros duvidavam de sua palavra mesmo tendo provas de que estava certa.
No estúdio elas eram livres para fazer e treinar o que queriam e gostavam, alugavam uma sala para praticar e enquanto Ariana tocava as músicas preferidas de ambas, Clarissa dançava, as vezes elas até invertiam os papeis, o que era um pouco engraçado de ver..... Agora Ariana tocava melodias reconfortantes.
Quando saim do estúdio encontraram o professor Francis na recepção, devolvendo algumas chaves, ele estava com os olhos fechados. Não era estranho que ele estivesse ali, muitas pessoas da Juilliard alugavam as salas daquele estúdio para treinar, as meninas o cumprimentaram respeitosamente e seguiram a pé até o apartamento de ambas, três quadras acima. No trajeto perceberam que alguém as seguia e apavoradas, apressaram o passo evitando os becos, assaltos eram comuns naquele horário.
Shaka nao entendia porque as duas estavam correndo daquele jeito, nao havia ninguem atras delas num raio de quilometros alem dele. Sera que o confundiram com algum assaltante ou aproveitador? De qualquer forma ele sempre as seguia no caminho de volta do estudio para casa, era uma das funções dele garantir a segurança de ambas.
As duas chegaram cansadas e esbaforidas de tanto correr, apertaram o sétimo andar no elevador e advinha quem entrou junto com elas? O professor Francis, novamente de olhos fechados. Qual era a dos olhos? Ele a estava perseguindo, por acaso? Isso era perseguição, assédio, será que ele era um stalker? Quando abriu a boca para falar impropérios, Ariana conhecendo a amiga barraqueira que tinha, se adiantou
– Boa noite, professor Francis. O senhor está gostando da Juilliard? – A reação dele foi aparentemente normal, para um stlaker.
- Boa noite, Ariana, Clarissa. Sim, é uma bela cidade apesar de um tanto barulhenta, a academia é agradável e o estúdio serve ao seu propósito. – Disse calmo. – Me mudei para cá essa semana e ainda não terminei de desencaixotar as coisas.
“Isso explica muita coisa, dona Clarissa estressada” – Ariana fuzilava a amiga pelo olhar. “E como eu ia saber que ele morava justo aqui? NY tem milhões de edifícios” – Respondeu Clarisa, pelo olhar. Assim a porta do elevador se abriu e os três saíram, Elliot foi para o apartamento 701 e as meninas entraram no 703.
O primeiro dia havia sido uma tortura completa e Shaka se sentia esgotado, como as pessoas conseguiam viver em lugares como aquele? Seu desejo era meditar a noite toda para ver se encontraria alguma paz para seu coração perturbado. Infelizmente havia algo que precisava fazer e envolvia o "Maldito do Pranav". Quando as luzes do apartamento das meninas se apagou ele trocou de roupas e saiu. Tinha contas a acertar.
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Décimo Terceiro Templo, Santuário de Atena. Dias atuais (2023).
Assim que Atena saiu do jardim acompanhada por Mii de golfinho, ele se levantou e Helena pulou em cima dele enlaçando seu pescoço. – Que lindo, fofinho! Estou tão orgulhosa de você!
– Epa, como assim fofinho? Vamos ter que melhorar isso aí, vai pegar mal se o pessoal te ver me chamando assim. – Constrangedor, como saíra de "Máscara da Morte" para “Fofinho” em menos de uma vida?
– Você gostou do que eu planejei? Se não gostou de algo podemos mudar as coisas, eu só pensei que seria bom ter uma vida tranquila e pacifica como a que eu tinha em Asgard, mas como você. - Helena havia pensado em tudo achando que ele gostaria, mas agora estava receosa.
– Tudo bem, acho que vai ser melhor assim. – Disse segurando a mão da namorada – Eu não tinha certeza do que fazer da vida até te ver naquele salão. Antes de você chegar eu ia mandar todo mundo se lascar, ia jogar tudo para o ar e... bom, não sei o que faria, só queria ser livre pelo menos uma vez na vida, fazer o que eu quiser sem ter que dar satisfação a ninguém. Viver largado por aí e quem sabe, me encontrar.
– Eu sinto muito se arruinei seus planos. - Disse arrependida.
– Ora essa, nunca mais ouse repetir isso. Você não arruinou plano nenhum Helena, você me salvou. – Segurou o rosto dela com as duas mãos a fazendo olhar para ele – Depois que te vi tudo clareou, eu tive certeza do que queria fazer. Tanta certeza que até troquei uma vida de liberdade largado como um cachorro sarnento para ficar com você. Se me quiser, é claro.
– Não seja ridículo, você nunca foi um cachorro sarnento. É um cavaleiro de ouro! Se recomponha ou vou te dar uns tapas! - Ameaçou - E é claro que eu te quero. Mas me diga, o que decidiu fazer quando me viu?
– Ora, decidi te seguiria até o fim do mundo, é claro. A única coisa que poderia fazer, já que sou um vira lata bem fiel. - Disse rindo amargo. E, tomou um tapa. - Ai! Tudo bem então, sou um nobre vagabundo fiel.
– Eu disse que ia te bater! E bato de novo se repetir isso. - Vendo que ele se desculpou com o olhar, continuou - Seria um problema para você se meus irmãos morarem conosco?
– É claro que não, os pirralhos são minha família tanto quanto você é agora. Serei um irmão mais velho para eles e se quiser, posso ser até um pai. Seria bom treinar para o futuro. - Lançou a isca e desviou o olhar, de repente a oliveira carregada de frutos era a coisa mais interessante do universo.
– Obrigada. Conto com sua ajuda - Estava emocionada e segurava as lágrimas para não caírem até que uma mão áspera tocou seu rosto e limpou uma gota que havia transbordado. O contraste entre a pele de ambos se tornou evidente e parecia perfeito que fosse aquele toque rustico da mão calejada em sua pele macia, nenhum outro serviria.
Quando se encontraram no salão a emoção tomou conta, eles não pararam para pensar sobre o que fariam, simplesmente se deixaram levar pelo que foi dito e principalmente, o que não foi dito no momento em que ela morreu nos braços dele. Agora ali, eles tinham tempo e poderiam se conhecer melhor, poderiam aprofundar a relação e planejar o futuro. Isso era algo que ambos tinham em comum, queriam estar presentes e compartilhar a vida um com o outro.
– Ainda tenho muito o que arrumar até me desvencilhar do meu antigo nome e de tudo o que ele representa. Serei o mais breve possível ao resolver meu passado para poder te dar um futuro decente, Helena. – Evitava olhar nos olhos dela.
Como ele conseguia ser fofo as vezes! - Está tudo bem, fofinho. Estamos aqui e estamos juntos. – Respondeu tocando o rosto do italiano e o fazendo olhar em seus olhos – Vamos ficar bem! E você terá tempo para limpar todas aquelas cabeças da casa de câncer. Infelizmente, não vou te ajudar com aquilo! – Sorriu para tentar alegrar o canceriano.
– Então, você viu? - Sua garganta dera um nó e ele não conseguia encará-la. Sentiu os dedos finos e macios dela em seu rosto, mas não queria, não conseguia imaginar o que ela pensaria dele. O veria como um monstro, sairia correndo, teria medo dele? Por Atena, tudo menos isso, ele suportaria uma guerra santa, lutaria em nome de qualquer deus que aparecesse em sua frente, faria qualquer coisa, mas não suportaria ver a mulher que ele amava o desprezar.
– Ei, não fica assim, está tudo bem. Quando quiser conversar é só me falar. Estou aqui com você e não vou te deixar. - As mãos dela estavam por sobre as dele em um carinho reconfortante.
– Tudo bem, eu... eu vou te explicar tudo, só preciso de um tempo. - Não queria que sua voz estivesse tremula, não queria demonstrar medo, mas estava apavorado. Vendo o estado em que ele se encontrava, Helena o abraçou da forma como conseguiu. Um abraço forte e demorado deveria ser capaz de afastar ao menos um pouquinho o desconforto dele. - Agora vou ir ver o Afrodite, me acompanha até lá, namorado?
– É noivo. - Corrigiu.
– Não me lembro de ter sido pedida em casamento. - Alfinetou ela.
– Mas será, assim que meus cunhados chegarem vou pedir a eles a mão de sua linda irmã mais velha em casamento. E olha só, se aquela sardinha enlatada ficar te olhando com cara de peixe morto, eu vou mandá-lo pro Yomotsu! – O ex Mascara da Morte já imaginou a cabeça de Afrodite enfeitando a casa de câncer. Helena apenas balançou a cabeça em negação. Como podia ser dramático quando queria...
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Então, quer dizer que vocês vão comprar aquela pocilga e reabrir? – Afrodite de peixes estava chocado com a ideia de jerico de Helena. Bem que tinha de ser a escolhida do Mascara da Morte ou melhor, agora era Carlo, eles combinavam.
– Não é uma pocilga! Quer dizer, agora é uma pocilga, mas quando terminarmos a reforma, a taverna de Rodório será um barzinho incrível, com muita comida e bebida gostosas, com lugares confortáveis para se sentar e conversar depois de um dia de treinamento pesado e principalmente, com música boa! – Disse Helena defendendo seu novo lar.
– É, ainda não sabemos quem vai cantar a música boa, mas por enquanto comida e bebida bastam. – Carlo fazia carinho em forma de círculos no braço de Helena.
– Hmmm, posso cuidar do design de interiores da sua pocilga, digo, da sua taverna. Vamos chamar de Pub, está bem? Soa mais elegante. – Afrodite já começava a se empolgar em fazer a decoração do ambiente. Aí está! Era algo que ele gostava de fazer, poderia cursar arquitetura.
– Ai, Afrodite, seria perfeito! Obrigada! – Helena estava feliz que seu melhor amigo e seu namorado estavam novamente na vida dela, tudo estava se encaixando...
– Que bom que vocês estão felizes. Eu sou o padrinho, é claro. Tanto do casamento quanto dos filhos, sou o primeiro.
– Hunf, vou pensar no seu caso... – E se despedindo de Helena com um beijo apaixonado, um beijo na ponta do nariz e um beijo no topo da cabeça, se dirigiu para a casa de câncer. Tinha muita bagunça para arrumar. – Cuida dela, baiacu. Mais tarde estou aí.
– Pode deixar seu madruga, Heleninha e eu vamos nos dar muito bem! – Afrontoso, Afrodite de peixes passou o braço pelo ombro de Helena a conduzindo ao interior do templo. – Vamos ter um dia de realeza, querida, nós merecemos!
Casa de Libra, dias atuais (2023)
Apósa reunião com a deusa, eles desceram para a casa de Libra e todos gritavam ao mesmo tempo sobre suas visões limitadas dos acontecimentos, parecia que a qualquer momento começariam uma guerra de mil dias. Ao contrário dos colegas, Saga havia sido, por bem ou por mal, o patriarca daquele santuário durante mais de dez anos e entendia como funcionava o mundo dos deuses. Já que ele mesmo havia sido possuído a mando de uma. O que um deus – ou deusa – diziam nunca poderia ser de fato, interpretado ao pé da letra. Sempre havia algo por trás.
Junto a Aioros, ele incentivou os outros a treinar um pouco para aliviar o estresse, pelo menos era algo que todos faziam com perfeição. Com a exceção de Shaka que se confinou em Virgem, e Camus que estava enfurnado na biblioteca do santuário, os outros cavaleiros foram ao coliseu se exercitar. Já ele fora para Gêmeos, tomou um banho, vestiu sua armadura e foi ao encontro da deusa.
Já imaginava o que Atena queria com ele, mas ao contrário de Máscara da Morte, não se julgava digno ou merecedor de nada, nem que morresse ou fosse torturado no inferno por toda a eternidade, ele sempre seria um pecador. Chegando à pequena sala de jantar privativa de reuniões se anunciou à deusa, que o convidou para entrar e almoçar com ela. Havia pães, vinho tinto, queijo feto, salada grega, tzatziki, pastitsio, gemista, cordeiro, Baklava e outros pratos que ele adorava. Ele se sentou, se serviu e esperou que ela dissesse algo.
– Saga, como está se sentindo? – Ela perguntou de forma cortes.
– Estou bem, Senhorita Atena. Um pouco confuso, assim como todos os outros. Com a exceção de Máscara da Morte, é claro.
– Por favor, me chame de Saori enquanto estivermos à sós. Aceita vinho? – Ela se levantou e serviu uma taça a ele.
– Se me permite, Senhorita Atena, não se sinta pressionada a senhorita fez o que podia. Tenho certeza de que se houvesse outra maneira, teria encontrado a solução.
– Queria que houvesse outro jeito. Infelizmente esta era a única forma de tirá-los daquele lugar sem entrar em guerra com ninguém. - A única pessoa que ela poderia culpar era a ela mesma.
– Perdoe-os, Atena. Eles devem permanecer assim por um tempo. No entanto, posso garantir que não estão com raiva nem odeiam a senhorita. Estão confusos porque foram treinados para lutar e este é o único propósito que acham que tem. Com esse acordo firmado, tenho certeza de que encontrarão outras vocações e poderão desfrutar da paz que tanto lutaram para conseguir.
Atena estava emocionada, alguém ali a compreendia. Ela sabia que ele era além de inteligente, perspicaz e portanto deveria saber que ela não contara a história toda. Deuses nunca dão nada de graça nem mesmo a outros deuses, o preço a se pagar é quase sempre alto demais, no entanto ela não abordaria aquele tema naquele momento.
– Bom, eu te chamei aqui com um propósito. Como sabe, o santuário está sem um grande mestre e você conhece o funcionamento deste lugar melhor que ninguém. Gostaria de assumir definitivamente a posição? – Atena foi direto ao ponto.
Saga sabia que naquele momento ele era a melhor opção para o santuário pelo menos até treinar um substituto, mas não se sentia digno. – Não precisa me responder agora, apenas peço que considere com carinho minha proposta. – Retorquiu a deusa.
Saga abaixou a cabeça e deixou as mãos caírem no colo, lagrimas caíram por seu rosto e Atena se levantou, foi até ele e abaixando para ficar na mesma altura dos olhos dele, enxugou as lágrimas com carinho.
– Saga, não importa o quanto você seja incrível ou o quanto eu deseje sua felicidade, não importa o perdão de seus companheiros, de seu irmão, se você não se perdoar de nada adiantará. Por favor, se perdoe e se permita ser feliz. É tudo o que eu mais desejo para você...
– Eu entendo, Atena, me perdoe. – Dizia entre lágrimas abaixando a cabeça numa altura mais baixa que a dela. – Eu sei que não sou digno, mas farei e darei o meu melhor para me redimir por tudo o que eu fiz e prometo que vou encontrar um jeito de me perdoar, Senhorita Atena.
– Por favor, me chame de Saori. Eu sei que se sairá muitíssimo bem, Saga. A deusa Afrodite encaminhou Layla como companheira do Mú de Áries, mas decidi aproveitar a ajuda dela e pedi para atuar com psicóloga no santuário, ela vai te ajudar no que for preciso, também temos uma equipe especializada para cuidar de você e garantir que você possa, da melhor maneira possível, cuidar de todos nós. – Saori o tranquilizava. – Coma um pouco antes que esfrie, mandei preparar os seus preferidos. – Sorriu carinhosa.
– Deusa Atena digo, Senhorita Saori, os cavaleiros estão desorientados com essa história de par perfeito. Estamos emocionalmente fragilizados, tem certeza de que isso não é uma armadilha de Afrodite? Seríamos um alvo fácil se essas pessoas que ela escolheu fossem nossas inimigas no futuro.
Saori já havia pensado sobre isso, mas sabia o que estava em jogo e que a irmã jamais perderia a oportunidade de derrota-la em um confronto limpo. Naquele acordo ela não tinha nada a oferecer à deusa do amor a não ser, ela mesma. Valia pena o sacrifício? Era mais que apenas isso. Seus cavaleiros se sacrificaram pelo bem da humanidade mais vezes do que ela poderia imaginar, foram tantas batalhas, tantas vitórias, derrotas e embates sangrentos que se ela não pudesse proporcionar a eles o que eles fizeram por ela e pela Terra, que tipo de deusa seria?
– Eu sei que essa possibilidade não existe, Saga. Nosso acordo é muito bem consolidado e a única coisa que poderia rompe-lo seria o não cumprimento de uma das partes. Afrodite quer demais o que ofereci a ela, não faria uma besteira para correr o risco de perder.
– Sabe, em nenhuma época de guerra santa Atena viveu por tempo suficiente para ver o que aconteceria no pós-guerra. Essa é a primeira vez e particularmente estou feliz com isso, é minha vida, afinal. Se eu puder ao menos ver que estão todos bem e realizados já terei vivido tempo suficiente. - Se serviu de um pouco mais de cordeiro.
– Infelizmente isso é algo que como Patriarca, não poderei aceitar senhorita Saori. - Se ela quisesse que ele começasse um tratamento médico ele começaria, se pedisse para entrar em batalha contra todos os deuses ele entraria, se pedisse para dominar o mundo ele dominaria, se pedisse para se matar, ele faria, mas não poderia e jamais deixaria que ela se sacrificasse pelo bem de nenhum deles.
– E os serviçais conspiradores, disseram mais alguma coisa? – Perguntou se sentindo culpado.
– Não, apenas mais do mesmo. Eu não fazia ideia que neste santuário haveriam tantas pessoas insatisfeitas com Atena. É algo que preciso corrigir imediatamente e para isso vou precisar da ajuda da Dra. Layla, como psicóloga, da sua ajuda como Patriarca e de quem mais estiver disponível para encabeçarmos uma reforma administrativa.
– O que a senhora pretende fazer?
– Bom, rever as leis que regem as amazonas e traze-las mais para perto. No passado elas não foram tratadas com respeito e dignidade como os cavaleiros e isso se mostrou um erro grave. Também quero desenvolver melhor um sistema de tratamento para o pós-guerra, com psiquiatras e psicólogos e toda a equipe que for possível para dar suporte tanto aos cavaleiros que passaram pelos traumas quanto aos aspirantes que ingressarem no santuário futuramente.
– Quero melhorar o sistema tecnológico do santuário, criar uma universidade em Rodório, criar um programa de apoio às crianças e adolescentes vítimas da guerra e uma instituição que acolha com humanidade os idosos que sofreram com a perda de filhos e entes queridos. Também pretendo modernizar a cidade e criar espaços de lazer para que as pessoas tenham acesso à cultura.
– É bastante coisa – Saga estava impressionado com o esforço da jovem deusa para melhorar a vida das pessoas daquele lugar. Se dedicaria todos os dias de sua vida a cumprir todas as determinações que ela impusesse. Faria o sonho dela se tornar real.
– Teremos muito chão pela frente. – Levantou a taça de vinho para brindarem. – Ao começo de uma nova era. - Ele propôs.
– Ao começo de uma nova era. – Brindaram
Fazenda Talismã, Barretos, São Paulo, Brasil. Dias atuais (2023)
O dia começava cedo na Fazenda Talismã. As 4h Ana Isaura tirava as vacas do curral e as levava para a sala de ordenha onde tiravam o leite que tratavam, consumiam e vendiam e por fim, as levava de volta.
Recebia o Zootecnista onde discutiam sobre a saúde, a alimentação e disposição dos animais, manejava os cavalos e depois o gado leiteiro para pastar e os trazia de volta, supervisionava e conferia o trabalho do tratador dos equinos, os cavalos eram de raça Manga-larga Paulista e Campolina e ficavam separados para que não houvesse cruzamento indesejado.
Conferia se os equipamentos estavam sempre limpos e bem arrumados e prontos para uso, no galpão. Dava ordens aos peões e serviçais da fazenda, e conferia de perto se o trabalho estava sendo bem executado.
Como dizia seu pai: “É o dono do boi que faz o boi engordar” E como sempre, ele tinha razão, os funcionários que faziam corpo mole não duravam uma semana sob sua tutela, eram logo demitidos. Ela não tinha preguiça de trabalhar e não admitia que tivessem também. Haviam sempre os jacu que cresciam pro lado dela, por ser mulher. Pois eles saiam com um quente e três fervendo, a marrenta logo mostrava porque tinha o apelido de Animal.
Não que não fosse feminina pelo contrário, ela gostava de se arrumar tinha suas vaidades, mas fazia isso longe do ambiente da fazenda, quando viajava para o exterior ou para a cidade grande. Na fazenda, ser feminina significava ser assediada e tratada como inferior, era um ambiente machista que não favorecia as mulheres.
Por isso ela agia de modo bruto, se tornava a “Animal”, fazia tudo o que os homens faziam e melhor. Era ela a quem os cabocos chamavam quando não conseguiam domar um cavalo bravo, cuidar de um animal machucado, inseminar os animais difíceis, enfim, ela era pau para toda obra.
Mas estava cansada. Por mais que se esforçasse e fizesse tudo o que um homem fazia, ela não era reconhecida ou tratada de forma igual, isso a irritava até os ossos, e se tornava mais arredia, agressiva e afrontosa. Muié-macho, bruaca, juma marruá, animal, jabiraca, era o que ouvia pelas costas porque, se virasse de frente, só via cabeças e chapéus baixos.
O que andava tirando seu sossego agora era a festa do peão de Barretos que estava chegando, em três meses. Os peões da fazenda eram aguados, não duravam nem 6 segundos em cima de um touro bravo, iam perder de novo esse ano e arrastariam o nome da fazenda pra lama. Já ela por outro lado tinha paixão por touro e rodeio, desde que era menina e viu seu pai ser campeão em cima do touro Bandido.
Foi a melhor sensação que ela já teve em vida, a emoção de ver seu pai em cima do animal feroz, a apreensão em imaginar se ele conseguiria ficar os oito segundos em cima do bicho, o touro John Wick pulando igual pipoca na panela, seu pai estava incrível se equilibrando em cima dele, todos em volta na expectativa aflitos, rezando e vibrando. E quando ele ganhou o torneio, recebeu o troféu, correu até ela que até então contava com seus 6 anos de idade e dois dentes a menos e a levantou, correndo pela arena.
Desde então a paixão dela era a montaria. Por mais que dissessem que mulher não tinha futuro naquilo, não era esporte de mulher, mulher não podia participar... os olhos dela brilhavam ao ver um rodeio, treinava sempre com os peões da fazenda e quando eles competiam, ganhavam e recebiam glórias, a ela restava a fria e dura realidade da arquibancada.
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