“A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo”- Eduardo Galeano.
Seu plantão havia acabado há quase duas horas e ela ainda permanecia naquela sala de cirurgia. O cérebro exposto a deixava animada e toda a concentração a mantinha acordada naquela cirurgia de quase dez horas.
- Como se sente senhor Yamato? – questionou.
- Acho que ainda consigo tocar – ele brincou e dedilhou em seu violão. Pela visão periférica podia ver a quantidade de residentes e atendentes que assistiam à retirada de um tumor maligno do córtex pré-frontal enquanto o paciente permanecia consciente e falante. Aquela era uma das cirurgias mais empolgantes para um neurocirurgião ou aspirante, a adrenalina de abrir o cérebro enquanto o paciente ainda estava consciênte.
- O que acha de cantar algo romântico para mim? Faz muito tempo que não ganho uma serenata – ela disse conseguindo ver o final daquele maldito carcinoma que tinha tirado boas horas de seu dia.
- Huum – ele pensou – gosta de cantigas espanholas?
- Oh, eu adoraria – ela sorriu e viu seus auxiliares passando os instrumentos com destreza – Ai – franziu o cenho quando o bisturi elétrico causou uma hemorragia. Percebeu que a voz do paciente começou a ficar pastosa e apressou os procedimentos – Fique tranquilo senhor Yamato, está tudo sobre controle, foi apenas uma veinha que decidiu estourar, em alguns segundos o senhor já irá recuperar sua belíssima voz – disse suturando e irrigando com maestria.
- ooaaaa ooaaaa – o paciente falava sem conseguir formular as palavras – oaaooa eu não... oh céus – riu – que sensação terrível, agora posso ouvir minha voz novamente.
Alguns auxiliares sorriram e Sakura respirou fundo.
- Acho que a serenata terá que ficar para uma próxima – brincou – o responsável por toda a sua dor de cabeça foi completamente removido, vamos nos preparar para fechar. Tudo bem?
- Tudo bem. Já estou com minha bunda dolorida doutora.
Ela riu.
- Certo, minhas mãos também estão doloridas – brincou – Sente alguma coisa diferente?
- Não – sorriu – Só estou cansado.
- Já estamos terminando e logo, logo o senhor poderá descansar.
{...}
Tirou aquelas roupas azuis plastificadas e descartou.
- Belíssima cirurgia doutora Haruno.
- Obrigada dr. Gaara – riu – Onde esteve durante as 11 horas que passei costurando o cérebro do seu paciente?
Ele fez uma careta e suspirou.
- Eu tenho nojo de cérebro prima, você sabe – o ruivo disse e ela riu.
- Você não presta, vou pra casa – respirou fundo – preciso da minha cama e dormir por umas vinte horas seguidas até voltar a ser uma mulher de verdade.
- Sua avó piorou– suspirou – Ino me disse que seus pais estavam a levando para casa esta tarde.
Sakura suspirou.
- Não acho que em casa ela ficará mais lucida do que na clínica, mas obrigada de qualquer forma.
Ele assentiu.
Sakura rumou para o dormitório. Estava cansada demais para discutir com seus pais os melhores métodos para sua avó com Alzheimer, trocou a roupa e pegou suas coisas. Dirigiu automaticamente até a enorme residência da família, não via a hora de ter o apartamento pronto para ter um pouco de paz, não que tivesse sobre o que reclamar. Sua família era uma das mais tradicionais de Brighton, a cidade litorânea que ficava próxima de Londres. Era comum para a região ter mansões tradicionais e que toda a família morasse junta demonstrando a sociedade que eram unidos e fortes.
Sakura ouviu o celular tocar e deixou que o mesmo reproduzisse a ligação no modo viva voz.
- "Priminha?" – Naruto nem esperou que ela respondesse.
- Já estou chegando em casa Naruto.
- "Ah sim, já soube sobre a vovó?"
- Sim, quem teve a brilhante ideia? – revirou os olhos.
- "Sua mãe, é claro, mas a tia Tsu que tomou a iniciativa de ir busca-la na clinica essa manhã. Conversei com eles e todos concordamos que seria interessante começar uma proposta diferente, lembra daquele amigo que se formou comigo e que..."
- Naruto... sabe o quanto eu aprecio e reconheço a importancia de sua profissão, mas não acho que iniciar uma psicoterapia com a vovó irá trazer resultados. Ela já está em um nível muito cronificado da doença.
-"Eu sei Sakura, mas já fizemos trabalhos com pacientes de Alzheimer e tivemos resultados. Sasuke acabou de se mudar para nossa cidade, vai ser uma ótima oportunidade."
Ela suspirou.
- Se vocês já tomaram a decisão, por que precisa tanto que eu concorde?
-"Porque querendo ou não, você faz parte dessa família linda e eu quero que você esteja ciente de tudo o que fizermos pela melhora da vovó."
Sakura suspirou mais uma vez.
- Ok, pode fazer o que achar melhor, mas irei continuar com a conduta medicamentosa que iniciei na clínica, espero que seu colega não queira mexer nisso.
- "Não seja boba Sakura, Sasuke é um profissional respeitado e muito ético, acha mesmo que ele iria ir contra sua conduta médica sem nem mesmo avaliar o caso. Não nos formamos esse ano."
Ela riu.
- Certo, me desculpe. Quando ele virá?
-"Amanhã a tarde, o pessoal da clinica fez a medicação endovenosa e ela vai dormir as próximas horas."
- Conversou com ela?
-"Ainda não, mas pelo que eles falaram, não teve muitas mudanças desde a última vez."
- Ok, estou chegando. Nos falamos mais tarde.
-"Até mais Priminha."
- Até mais.
Fez o caminho em silencio até começar a avistar a enorme mansão ao topo da colina. Desde que sua avó começou a dar indícios do Alzheimer a família entrou em pânico, a maioria era médico ou tinha envolvimentos com a área da saúde, contudo, mesmo com o diagnóstico precoce, sua avó continuava regredindo. Esse foi um dos motivos para iniciar sua carreira como neurocirurgiã, queria ajudar a avó e outras pessoas como ela.
{...}
Após um bom tempo dormindo, Sakura levantou e começou a se arrumar. Já era tarde da noite e sabia que logo sua prima iria invadir seu quarto para chama-la para o jantar. Agradeceu a Deus por seus avós terem tido apenas três filhos, caso contrário aquela mansão seria pequena para toda a família.
- Testudinha querida – a voz de Ino vinha juntamente com as batidas na porta – Você já tirou seu soninho da beleza?
- Sim porca – riu abrindo a porta – trabalhou muito hoje?
- O desfile está se aproximando, sabe como fica o ateliê – suspirou – mas estou dando conta, ainda bem que Temari contratou uma estilista nova, você irá ama-la. Ela é totalmente adorável.
Sakura riu, Ino era uma das únicas que não quis seguir a tradição da família e jogou-se de cabeça no mundo da moda, cresceu ainda mais quando sua cunhada teve a ideia de montarem uma boutique e depois um ateliê, atualmente elas eram referencia na cidade e faziam roupas para muitas lojas em Londres e toda a Inglaterra.
- Um dia desses, quem sabe.
- Ela se mudou para cá há poucas semanas, Naruto disse que ela é cunhada do tal Sasuke, o amigo bonitão.
Sakura riu.
- Você deveria se controlar, sabe que Gaara não gosta quando faz esse tipo de comentários.
- E você sabe muito bem que eu não dou a mínima quando ele fica emburradinho, na verdade eu até gosto.
- Maluca.
Elas terminaram de descer as escadas e caminharam até a enorme mesa de jantar, a família já estava toda reunida e no topo da mesa, como se estivesse completamente lucida, estava sua avó.
- Olá vovó – Sakura beijou sua testa.
- Oh... como você é bonita... tem os cabelos e olhos de uma boneca, qual o seu nome?
Sakura sorriu tristemente, há muitos anos sua avó não a reconhecia.
- Sakura e como a senhora se chama?
- Mito, Uzumaki Mito – sorriu – estou esperando meu namorado... ele vai chegar a qualquer momento.
- Ele marcou com a senhora?
- Sim, ele não costuma se atrasar, estou começando a ficar preocupada. Você não o viu por aí? Ele é muito bonito, tem cabelos negros e olhos da mesma cor, a pele clara e uma voz – ela sorriu – aaah, como sua voz é bonita.
- Pare com isso mamãe – Minato repreendeu – Sakura, deixe sua avó em paz. Sabe como ela fica quando você da corda para seus delírios.
- Eu gostaria de um copo de água aromatizada, por favor – Mito encarou o filho ao seu lado carinhosamente – pode pedir que tirem a casca na laranja?
- Claro mamãe.
Sakura suspirou e sentou-se ao lado de Ino, Gaara não estava presente devido o turno no hospital, caso contrário já estaria paparicando a esposa.
- Antes que diga alguma coisa – Mebuki encarou a filha – sabemos que o ideal seria que ela permanecesse mais tempo na clínica, porém ela já está cansada e não sabemos quanto tempo mais ela tem.
Sakura suspirou e assentiu.
- Não vou fazer objeção.
- E quanto a visita do psiquiatra? – Tsunade encarou a sobrinha.
- Também não – ela se serviu de salada e um frango grelhado – Eu sei que costumo ser a do contra, mas dessa vez não irei opinar, contato que minha prescrição medicamentosa permaneça.
- Já disse que Sasuke não irá mexer na medicação, ele apenas quer avaliar o transtorno e tentar entender os delírios – Naruto disse – sabe, ele é tão cabeça dura quanto você, formariam um casal peculiar.
- Não estou interessada – rebateu – e já que temos a companhia da vovó essa noite, gostaria de comunicar que recebi o e-mail do empreiteiro e meu apartamento irá sair em pouco tempo.
- Sakura... – Kizashi encarou a filha – ainda não desistiu dessa ideia?
- Que mal há em uma mulher bem resolvida ter o próprio apartamento?
- Não há mal algum – Tsunade disse – eu mesma já quis fazer isso, a questão é que essa sociedade é complicada, somos uma cidade tradicional e aqui a maioria só sai de casa quando se casa.
- Já conversamos sobre isso – Kushina disse – vamos discutir novamente durante o jantar? Se Sakura acha mais interessante morar perto do hospital ela precisa seguir seus planos, os tempos estão mudando, não podemos permanecer no século passado.
Sakura sorriu para a tia.
- De qualquer forma, ainda tenho quatro meses até eles entregarem a chave. Gostaria de dedicar esse tempo a vovó.
- Está certo – Minato disse – Agora podemos voltar ao jantar, por favor?
Sakura respirou fundo e terminou sua refeição, amava seus familiares mais do que tudo, porém sabia que iria enlouquecer se continuasse a viver com eles. Passou pelo escritório e viu seu tio conversando com Naruto e Karin, sabia que aquele seria mais um dos sermões intermináveis de Minato.
Caminhou até o jardim e suspirou, a noite estava linda e sentia-se completamente aprisionada.
- O jardim é tão lindo – ouviu a voz de sua avó e caminhou até o local a encontrando sentada na grama com Deidara e Sasori.
- Oi irmãzinha – Sasori sorriu – Como foi o plantão?
- Cansativo – sentou-se ao lado do ruivo – fiz a extração de um tumor enorme do cérebro de um paciente, como estão as coisas na clínica?
Ele suspirou.
- Graças a Deus sem muitas ocorrências, Deidara e eu decidimos passar um tempo com a vó.
- E a senhora está gostando? Eles não estão te irritando né?
A mais velha sorriu.
- Eles são educados e alegres, gosto disso.
- Ouviu sua chata – O loiro disse presunçoso – ela gosta da nossa companhia.
- Mas quando Madara irá chegar?
- Esse Madara de novo vó? – revirou os olhos – o nome do seu esposo era Iroshi.
- Ela não consegue se lembrar Dei – Sakura suspirou.
- Mas desse tal Madara ela se lembra.
- Por que deve ser fruto de sua insanidade – ela disse – vovó começou a falar dele pouco depois que o vovô faleceu.
- E se esse cara for real? – Sasori encarou a irmã – Existe essa possibilidade?
- Ela não consegue identificar o real do imaginário Saso, não tem como a gente saber uma coisa dessas.
- Ele disse que viria me visitar essa noite – a mais velha sorriu para a lua – nós sempre dançávamos no lago em noite de lua cheia.
- Pronto, o cara é um lobisomem agora – Deidara revirou os olhos.
Sasori socou o primo no braço, mas não segurou o riso.
- Vocês são muito infantis – ela se levantou – vovó, está na hora dos seus remédios, o que acha de entrarmos um pouco? Eu peço para avisarem o Madara que estamos lá em cima.
- Mas ele não pode me ver em meus aposentos – ela arregalou os olhos – Imagine o escândalo que seria? Meus pais jamais vão me deixar casar com ele.
Sakura sorriu.
- Pode ficar tranquila, nós vamos dar um jeito de vocês se encontrarem.
- Obrigada querida – ela sorriu – você é muito gentil, qual o seu nome mesmo?
Sakura sorriu de forma triste e acompanhou a avó.
- É Sakura.
- Um lindo nome.
A rosada viu a mais velha subindo as escadas na companhia de um dos cuidadores e respirou fundo.
- Sim, foi a senhora que escolheu.
Continua...
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