Acordo, me levanto da cama e me arrumo para ir à escola. Seria mais um dia normal no Ensino Médio da minha escola, sendo obrigado a rever assuntos que nunca vou usar na faculdade, como Equação de Torricelli e Bháskara. E, depois de 8 horários, o encontro diário com o Clube de Literatura, onde Monika, Natsuki, Yuri e, é claro, Sayori, esperavam pelo meu mais novo poema.
Lembrando-me disso, pus a folha de papel com minha produção da noite anterior dentro de meu fichário, que havia comprado havia dois dias, para guardar as folhas das produções pelo clube. Dei uma última olhada. Suspirei. Tenho certeza que ela gostará do poema que eu escrevi hoje, ele me lembra tanto ela...
Saio de casa e começo a caminhar calmamente em direção à escola, até que, no meio do caminho, me lembro de Sayori e do nosso trato implícito de sempre nos acompanharmos no caminho para a escola. Suspiro, pensando em, pelo menos uma vez na vida, cumprir meu lado do trato. Volto para a casa dela, e paro em frente a porta.
Acredito que o mais educado seria bater, mas estávamos tão acostumados a entrar na casa um do outro, e eu até mesmo tenho a chave...
Abri a porta com cuidado para que ela não rangesse. Adentrei em direção à sala, procurando pela garota. Não estava lá. Nem na cozinha. Em um súbito de irracionalidade, entrei em seu quarto, após uma batida única na porta dele.
Encaro o quarto e avalio ele mais uma vez. Nada mudara desde a última vez que estive ali. Não que fizesse muito tempo desde a última vez...
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Encontro ela deitada na cama. Já vestida para a escola, com a bochecha suja de gordura, provavelmente do bacon que ela comeu mais cedo. Ela estava deitada de costas para mim. Sentei na cama ao seu lado, e a vi virar em minha direção lentamente e se levantar de súbito.
Ela sorriu e disse que estava grata por eu ter vindo buscá-la, e que só tinha se distraído um pouco. Exclamei algo como “Sempre distraída, Sayori”, sorrindo.
Levantamos da cama e saímos em direção à escola, chegando atrasados e perdendo o primeiro horário. Mas ela me fazia sorrir tanto com suas maluquices que eu nem me importei.
Resolvemos então ir à cantina e comprar algo. Tive que pagar a comida dela, por que ela esquecia propositalmente o dinheiro que ela tinha para que eu lhe faça o cavalheirismo de comprar sua comida. De qualquer forma, não era um problema: paguei um sanduíche simples de mortadela para ela e um X-tudo para mim com o maior prazer.
Mas não pense que eu fui maldoso, pois eu não consigo fazer isso com ela. No final das contas, ela acabou ficando com o X-tudo, e eu, com o de mortadela. Limpei a sua boca, que estava melada de maionese, assim como a gola da camiseta por baixo do suéter. Tentei novamente fechar o seu suéter, mas ele ficou novamente apertado em seus seios. E, bem, extrovertida como Sayori era, não foi um problema para ela exclamar isso em voz alta, com um sorriso que soaria pervertido e malicioso se não viesse de uma garota tão fofa.
Seguimos o dia conversando entre as aulas, e brincando de jogar papeizinhos com bilhetinhos hilários quando o outro estava distraído, ou de fazer careta quando nossos olhares se cruzavam. Não lembro de tê-la visto sorrindo tanto desde... sempre. Até que chegou o horário de ir à sala do Clube de Literatura, em uma ala da escola que já estou familiarizado de entrar apenas para os encontros do clube. Cheguei, e as garotas me cumprimentaram como sempre. Hoje era dia de festa, para comemorar a entrada de novos membros.
Yuri estava, como sempre, vidrada em um livro com um título suspeito ― desta vez, se chamava “Criminosos de Novembro” e tinha uma capa com um desenho que simulava sangue escorrendo ― e uma xícara de chá nas mãos. Mas, surpreendentemente, havia alguém ao seu lado, um garoto de cabelos escuros que conversava com ela sobre o livro que ela lia. Aparentemente, ele também gostava deste exemplar.
Natsuki entregava seus cupcakes com decorações de unicórnios de marshmellows com um sorriso satisfeito no rosto. Ela conversava com todos e estava muito animada com todos os elogios sobre o sabor e aparência de seus bolinhos, apesar de soltar um olhar fulminante para alguns integrantes, que tiveram a ousadia de a chamar de "fofa".
Monika, como uma boa líder, estava toda sorrisos na porta, apresentando cada novo membro aos veteranos, e virce-versa. Ela abriu um sorriso largo ao me ver, e eu fingi não perceber ela fechar a cara para Sayori, que entrava na sala logo depois mim.
― Acredito que vocês chegaram meio em cima da hora, mas tudo bem. Já está bem próximo da sua vez, e logo depois, a da Sayori.
Só então percebi o número de pessoas diferentes e novas na sala, todas com as cadeiras viradas em uma única direção, viradas para um canto da sala, onde um pequeno palco foi montado. Sayori sussurra em meu ouvido, apreensiva:
― Ah não, eu tinha esquecido que íamos apresentar, e tem tanta gente aqui...
Apertei sua mão em um gesto encorajador, como quem dizia “Vai dar tudo certo”. Ouço Monika anunciar meu nome praticamente no mesmo instante em que apertei a mão da garota, então subo no palco, dando um último olhar para uma Sayori sorridente.
Leio o meu poema, milagrosamente, sem gaguejar. Depois que termino, ajudo Sayori a subir no palanque, segurando na sua mão e puxando para cima. Depois que ela sobe, eu sigo o sentido oposto e pulo para fora do palco, ficando de frente para ele. Ouço a garota respirar fundo antes de recitar seu poema:
"Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha Cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça. Saia da minha cabeça.
Saia.
Da.
Minha.
Cabeça.
Saia da minha cabeça antes que eu faça o que sei que é melhor para você.
Saia da minha cabeça antes que eu dê ouvidos a tudo que ela me disse.
Saia da minha cabeça antes que eu te mostre o quanto te amo.
Saia da minha cabeça antes que eu termine de escrever esse poema.
Mas um poema nunca acaba de verdade...
Ele só para de se mover.”
Sinto minha visão embaçar lentamente, vendo Sayori chorar de joelhos em cima do palco e Monika sorrir de forma maligna e amedrontadora do outro lado da sala. Agora eu sabia de tudo, não era como da primeira vez que eu li esse poema.
Eu sabia que o poema era para mim, e que Sayori me amava. Sabia que a “ela” do poema era Monika, falando para Sayori se suicidar. Sim, eu sabia, agora eu sabia de tudo. Mas não era para isso ter acontecido...
Fecho os olhos, tentando desesperadamente conter as lágrimas.
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Abro os olhos.
Estou na cama dela. Na cama de Sayori. Deitado por entre suas pelúcias. Apertando com força aquela maldita corda.
Olho para o pôr do sol na janela do quarto. Era bonito, e deixava muitas pessoas felizes. Mas, agora, o pôr do sol só me lembra a Sayori, e não me deixa mais feliz. Por que, quando o sol se põe, toda a luz e calor dele se vão, restando apenas escuridão. E foi exatamente o que aconteceu naquele dia, naquele dia em que a Sayori se foi para sempre, por que deu ouvidos àquela maldita manipuladora. Sim, ela se foi completamente.
O sol volta a surgir todas as manhãs, assim como eu volto ao quarto imaculado dela todas as manhãs, e permaneço até a noite, devaneando. Imaginando sozinho no quarto dela o que estaríamos fazendo se ela ainda estivesse aqui, criando o dia perfeito para ela. Todos os dias. Mas Sayori nunca voltará.
Ah, aquele seria um dia maravilhoso para Sayori, uma vida maravilhosa...
Porque eu não pude dar isso a ela enquanto ainda estava viva? Ela sempre se chamou de egoísta, até o último segundo. Mas, hoje, vejo que eu sou muito mais egoísta do que ela jamais foi. Eu daria a minha vida para ter ela de volta, mas agora é tarde demais. Ela se foi, tudo isso só porque, naquele final de tarde, eu fui covarde demais para dizer "Eu te amo", e me contentei com um "Você será minha amiga mais querida".
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