História O erro mais perfeito - New York Fashion Week

P.O.V Jasmine Bradshaw 

Era o quarto semáforo vermelho que eu pegava. Definitivamente, quem anda de a pé em Manhattan chega bem mais rápido de quem tem carro.

Mais uma semana de moda começava, New York Fashion Week, depois de Londres, Milão e Paris, esta era a mais esperada. Todas as modelos, estilistas, grifes e revistas ficavam loucas para conseguir uma pequena participação nela, mesmo tendo que pagar milhões para isso. E essa seria a primeira vez que eu participaria. O Hugo Boss, uma das minhas grifes favoritas, havia entrado em contato com minha agência, Status Model’s, a mais ou menos dois meses perguntando se eu queria ir ao casting para seu desfile, durante toda semana de moda. Obviamente, eu aceitei. Fui ao casting e três dias depois eles ligaram falando que participaria do desfile. Eu fiquei completamente feliz, seria minha primeira vez ali, com grandes modelos e eu poderia chamar atenção dos holofotes como modelo, já que eu era um pouco conhecida como filha de Angeline Bradshaw, uma das maiores estilistas de moda italiana.

Minha mãe sempre me estimulou a ser modelo. Eu sempre fui alta e magra, e com o tempo, comecei a tirar fotos e fiz meu portfólio. A Status Model’s foi a primeira agência que me aceitou. Não posso mentir dizendo que meu belo sobrenome não me ajudou, mas nunca deixei ser maior que meu primeiro nome. Jasmine.

Com o tempo, comecei a fazer editoriais pra grandes revistas como Teen Vogue, e depois de três anos, posei pra Vogue americana. Eu me lembro desse dia. Eles entraram em contato com a agência, mas era coisa pouca, duas fotos, nenhuma seria sozinha. Mas foi, com certeza, o dia que descobri que meu esforço estava valendo a pena. Que passar horas na frente do espelho fazendo várias expressões não foram em vão e nem shoots de brincadeira com minhas amigas.

Falando em amigas, Liana tentava me ligar desde o momento que coloquei meus belos saltos pretos Valentino para fora de casa.

Nós morávamos uma com a outra há dois meses, como ambas faríamos faculdade juntas, resolvemos morar no mesmo apartamento, como sempre sonhamos. Nossa universidade era a Fordham, uma grande, antiga e bela faculdade.

Liana sempre quis fazer ciências sociais, e eu moda, então procuramos uma faculdade que tivesse as duas, para continuarmos juntas.

Ela havia passado na Yale, e eu na Parsons, The New School For Design, mas pensar na possibilidade de ficarmos longe uma da outra foi triste demais para a gente. Então, fizemos nossas inscrições para Fordham University e fomos aceitas. O melhor de tudo foi que não tivemos que nos mudar de Manhattan, apenas alugamos um apartamento para nós duas, na Fifth Avenue, que sempre foi o lugar onde queríamos morar.

Quando estacionei meu carro na Lincoln Center, vi o aglomerado de pessoas fora do local. Blogueiras, celebridades, fotógrafos, empresa e paparazzi. Estava uma loucura. Respirei fundo me olhando no vidro do retrovisor antes de sair do carro. Não era meu primeiro desfile. Eu estava confiante com meu catwalk e com minha foto. Estava confiante em relação a tudo. Mas era minha primeira vez com uma marca realmente grande, e ainda por cima, na NYFW. Era simplesmente incrível e novo para mim.

Quando sai do carro, senti alguns flashes em minha direção, mas nada que realmente me incomodasse.

Estava vestindo uma calça de alfaiataria rose, com um cropped de pele e manga comprida do mesmo tom. New York estava gélida, como de costume, então apenas andei rápido até o estabelecimento.

O local era pintado de cor cinza, as luzes eram amareladas para dar o ar de “desfile de moda”. Havia vários stands de marcas de beleza como TRESemmé, MAC, entre outros. Havia um grande relógio na parede, que marcava 12h30. O desfile começava às três da tarde. Mas, eu deveria estar aqui às 12h40, no máximo.

Meu coração estava batendo forte e rápido, e, acho que qualquer pessoa que estava presente ali podia ouvi-lo. O frio na barriga aumentava a cada passo que dava até onde seria o desfile. Coloquei meu crachá e me dirigi até a porta, onde um segurança estava.

O segurança analisou meu nome naquele pequeno papel e liberou minha passagem.

Quando botei meus pés no lugar onde seria realizado o desfile, um longo suspiro de satisfação saiu de meus lábios. O local era enorme, com baixa iluminação e várias portas. Não havia apenas uma passarela, e sim inúmeras que se cruzavam. Obviamente, a principal era a primeira, onde todas as modelos passariam e tirariam a foto principal.

Treinamos três vezes para conseguir fazer tudo certinho. 

Com meus pensamentos conturbados, nem prestei atenção quando uma garota, de cabelo curtinho e meio azulado, veio falar comigo. Ela era da produção e só disse para irmos logo ao backstage, para eu começar a me arrumar. E então, parecia que havia acabado de entrar em uma selva.

Havia pessoas correndo de um lado para o outro, gritando uma com as outras, surtando para falar a verdade, maquiadores, barulho de secador, modelos falando em seus telefones. Sim, coisas demais para analisar.  

A garota que me trouxe para cá, puxou meu braço e me levou até um dos maquiadores, a mesma entrega duas folhas para o homem e ele as cola no espelho iluminado por conta das luzes que o cercava.

Era igual aos dos editoriais e desfiles. Uma penteadeira com vários produtos de maquiagens em cima e alguns utensílios para o cabelo. Nos papéis, cada um continha um desenho. O primeiro era de maquiagem e outro de cabelo. A maquiagem era simples, o rosto era marcado levemente pelas bochechas, as deixando mais saltadas e os olhos marrons com poucas camadas de rímel. Nos lábios, sem batom, apenas um pouco de pó para ele ficar mais apagado e um gloss por cima, para deixar molhado. Em meu cabelo negro, um coque solto, com algumas mexas soltas em meu rosto, deixando o foco total na roupa e em seus detalhes exuberantes.

Depois de quarenta minutos de maquiagem e cabelo, uma mulher esguia, da produção do desfile, entrou e gritou com uma voz claramente irritante: – Já são duas e quinze. Apressem, garotas!

Se eu achei que na hora que coloquei meus pés aqui dentro estava uma loucura, não havia adjetivos para o que aconteceu naquele momento. Todas modelos, sem exceção, se levantaram e o seu maquiador/cabelereiro as guiaram até as araras com milhares de roupas.

Chris, o nome do homem que estava me maquiando, mandou segui-lo até uma das araras e eu obedeci, indo rapidamente atrás dele. Ele pegou o cabide com a roupa que usaria no desfile e me entregou, guiando-me até um pequeno espaço, onde havia um espelho de corpo todo e uma costureira, pronta para fazer algum ajuste se necessário. Ao meu lado, todas modelos estavam ali, da mesma forma que eu.

Tirei minha roupa rapidamente apenas ficando com a calcinha e coloquei a roupa do desfile. Minha roupa era uma calça de alfaiataria preta, uma blusa larga, sem mangas, preta com uma faixa bege e outra transparente. Na transparência, que deixava parte de meus seios de fora, havia algumas flores e pétalas. A blusa também tinha um recorte moderno e a silhueta marcada. Nos pés, eram botas pretas de salto fino. O zíper era na frente, o que deixava a roupa rígida e fluida ao mesmo tempo. Com certeza, eu iria compra-la.

Eu seria a terceira a entrar, então teria que estar pronta antes que as demais. Estava prestando atenção na conversa do maquiador com a costureira que decidiam ou não se iam fazer um pequeno ajuste em minha cintura, já que havia emagrecido, quando escutei uma voz conhecida, uma voz que eu escutava há anos pelas entrevistas.

Ai meu Deus!

Doutzen Kroes estava do meu lado. Eu nem tinha percebido ela ali, o que me fez pensar que a modelo pode ser a mais talentosa, conhecida e maravilhosa, ela continua tendo postura nos desfiles. Eu escutava que quando as supermodelos estavam no backstage do desfile, tentavam mandar na produção, eram grossas e tudo mais. Mas Doutzen não era assim, pelo menos não com a equipe. Ela estava quieta, apenas obedecendo às instruções, sem reclamar ou retrucar com eles.

­– Eu não acho que precise ajustar, mas a senhora que deve que decidir. – a voz calma e serena da garota, chegou a meus ouvidos fazendo com que eu finalmente conseguisse encara-la e não ficasse viajando em meus pensamentos, lembrando que ela sempre foi um ícone para mim.

Sua maquiagem estava parecida com a minha, e o cabelo igual, na verdade, todas estavam iguais, a não ser uma garota que tinham cabelos curtos e cacheados. Sua roupa era parecida com a minha, mas estava mais para um casaco do que para uma blusa.

Seus grandes glóbulos azuis me encararam e ela abriu um enorme sorriso mostrando as duas fileiras de dentes enquanto tombava sua cabeça para o lado. Deus estava na minha frente.

– Jasmine certo? – sua voz soou da mesma forma de quando falava com a costureira. Fiquei viajando por um tempo a olhando, até que ela deu uma risada me fazendo voltar ao meu estado anterior.

– Sim... – murmurei. Balancei a cabeça negativamente soltando um pigarreio e proferi as próximas palavras com mais firmeza. – Sim, você é a Doutzen certo? Olha, me desculpa por estar parecendo uma loser, mas é que meu deus! Eu me inspiro em você desde criança. – Falei tudo tão rapidamente que ela parecia perdida em meio minhas palavras. Ela semicerrou os olhos e abriu um largo sorriso para mim.

– Muito obrigada. Vi seu editorial para Vogue de janeiro, ficou lindo. Você tem boas expressões, só precisa deixa-las mais vivas. – Ela esticou sua magra mão em minha direção e eu a apertei levemente. Ainda não havia caído a ficha que Doutzen Kroes estava na minha frente.

– Meu deus, muito obrigada por elogiar, e também pela dica. Irei melhorar. – Sorri para ela. Não podia acreditar que ela já tivesse visto meu shoot pra Vogue. Era incrível.

A garota que tinha aparecido para anunciar o horário, voltou e gritou: – Vinte minutos!

A costureira resolveu deixar sem ajustes minha roupa, e o homem que estava me ajudando desde o começo, me guiou até a fila.

Na minha frente havia apenas três garotas. Suas roupas não eram tão diferentes das minhas, nem os calçados. A garota que estava na minha frente sorriu para mim e soltou uma longa respiração. Ela parecia tão nervosa quanto eu. A menina se virou novamente para mim e falou:

– Desculpa, é minha primeira vez no NYFW e em uma marca tão grande quanto essa, eu devo estar parecendo uma louca – em uma outra situação, eu arquearia minha sobrancelha e a ignoraria, típico de Jasmine. Mas como eu estava ali, sem ninguém, na minha primeira vez, deveria ser simpática.

– Tudo bem, é a minha também. –Tombei a cabeça para o lado a analisando. Ela parecia realmente uma modelo, mas seus cabelos negros não combinavam com seu rosto nem com a roupa. A deixava apagada.

Minha mãe sempre me ensinou a pensar em como melhorar o visual das pessoas, ela disse que sempre me ajudaria a modelar e tirar fotos melhores, então sempre prestei atenção quando ela falava com uma modelo e nos backstage dos seus desfiles. Mesmo tendo ido a poucos, já que o colégio não ajudava muito.

Então, talvez se fosse loira, ela seria perfeita.

– Me falaram que tem vários editores de moda importantíssimos aí, e alguns representantes das agências, como a IMG e a Ford. – A garota falou me fitando, tirando-me de meus pensamentos.

IMG e Ford eram as melhores agências do momento, e ser agenciadas por uma delas era como um enorme passo para ser uma supermodelo. A IMG já havia agenciado Gisele e Kate, duas das melhores supermodelos que eu já conheci. Eu teria que arrasar nesse desfile, meu futuro estava em jogo. Nunca gostei de nepotismo, e sempre morri de medo das pessoas falarem isso de mim, por isso sempre lutei para ter as melhores expressões e o melhor catwalk, e hoje, eu iria mostrar todo o meu talento para mundo. Iria ser o centro das atenções.

– Então, que eles contratem a melhor. – Pisquei para garota que ficou perplexa e arrumei minha postura.

O som começou a tocar e as luzes ficaram bem mais fracas. Reconheci a música que tocava, era Yall de Hundred Miles. As luzes amareladas acima das portas ficaram fortes e todos da equipe estavam do nosso lado. Então a primeira garota da primeira porta saiu. Depois a segunda, e finalmente eu. Coloquei meus ombros para trás estufando o peito e saí da porta com um pé a frente do outro. Meus joelhos estavam flexionados demais, eu sabia disso, e os braços não estavam balançando da mesma forma, então apenas tentei relaxar. Quando cheguei a primeira e mais importante passarela, fixei em um ponto acima dos fotógrafos e fiquei encarando. Quando dei a parada no final da passarela, travei meu maxilar e algumas mexas do meu cabelo, caíram em meu rosto. Todas as atenções estavam em mim, e eu adorava isso. Estava confiante, meu pescoço estava alongado me deixando mais alta, e tudo estava perfeito.
 
               Logicamente, não estava nem aos pés de Naomi Campbell, mas estava bem para o meu tempo de trabalho e como minha primeira vez em um NYFW. Todo e qualquer nervosismo havia se dissolvido por conta da adrenalina que ainda corria em minhas veias. Ao chegar ao final da passarela, dei um sorriso pequeno para as câmeras e entrei indo em direção ao backstage. Doutzen, que estava ali, me abraçou.
 
              Doutzen estava me abraçando.
 
              Sem surtos, sem surtos.
 
               A abracei com força e abri um largo sorriso.
 
               – Você foi ótima! Estou falando sério, para uma modelo da sua idade, foi incrível. Seus braços não estavam ótimos no começo, muito menos seu joelho, mas você não deixou o nervosismo e foi incrível. Meus parabéns, Jasmine! Acho que você é uma das únicas modelos dessa geração que o talento vale mais que a família.
 
              O desfilo havia sido um sucesso, de acordo com algumas representantes da revista Vogue – que não era Anna Wintour – um dos melhores da temporada. Elas também disseram que alguns modelos haviam se destacado mais que os outros, isso fez todas nós ficarmos animadas.
 
               Na escola, eu sempre fui a melhor em tudo, até nas notas, e isso ficava cada vez mais simples, além de eu ser extremamente inteligente, todas as bolsistas queriam um tempinho comigo, eu apenas deixava-as sentar um dia comigo na hora do almoço e pronto, elas faziam trabalhos e até mesmo provas para mim.
 
                 Mas, no mundo da moda eu sabia que não seria mais o menos assim. Sempre usei as pessoas para subir, nunca vou negar isso, usar pessoas sempre foi comigo, e não tenho problemas em realizar. Só que no mundo da moda, eu não sou a única que usa os outros. Esse mundo é construído com as cabeças dos que não se cuidam, mas ninguém sabe fazer isso tão bem quanto eu.
 
                  Com minhas roupas já no corpo, peguei minha bolsa da Chanel e olho meu celular vendo as horas. Quase sete horas. Soltei um longo suspiro e achei a chave do carro. Dei tchau para algumas garotas que estavam ali e sai do backstage indo direto para fora daquela sala enorme. Já estavam desmontando tudo, provavelmente aconteceria outro desfile aqui em breve, o que não era muito comum.
 
                   Quando já estava quase na porta, uma japonesa loirinha, parou ao meu lado segurando levemente meu punho. Ela o soltou e olhou para o amontoado de papeis em seus braços.
 
                    – Jasmine Bradshaw?
 
                    – Sim?
 
                    – Eu sou da IMG Model’s, e nós gostamos de você. – Ela me fitou com um sorriso enorme no rosto – Queríamos te convidar para a afterparty que vai ter no último dia de NYFW, esperamos que você possa ir.