Park Jimin, era dos príncipes, princesas e os pobres ogros que eram obrigados a trabalhar nas casas. Eu terminantemente odeio essa política de utilização dos “menos aptos” como mão de obra, primeiro que ogros são mais fortes do que seres humanos, inteligentes eu não posso afirmar, mas dado a situação atual onde um ser humano se acha no direito de dizer que algum ser vivo merece menos privilégios que ele, para mim isso não é ser inteligente. Mas um Park só não muda o mundo.
Estou de pé na sacada de meu quarto, olhando para o quintal recheado de macieiras e alguém está lá regando as mesmas. Os cabelos negros, o rosto pálido e a pele alva, não parece que esconde a pele verde ao cair do sol. “A noite de um jeito, de dia de outro, essa é a maldição, até encontrar o primeiro beijo do amor verdadeiro.”
Meu pai lançou a maldição em seu ogro para que não fosse “tão nojento e feio”, uma vez que o ser pertence a nós e está sempre nos jardins regando as flores e outras coisas, ele não tem muita escolha. Claro que poderia fugir e coisa e tal, mas aqui ele encontra abrigo e comida, sem contar que ninguém pode caçá-lo ou coisa parecida, apesar de que pela manhã ele parece mais um príncipe do que eu, de verdade. A noite ele se parece com um ogro, mas quem disse que isso diminui sua beleza?
Observo-o desde que chegou em nosso castelo. Ele já chegou com a forma humana, até aí eu não fazia ideia de que ele tinha outra forma e também não tinha como saber, meus pais me proibiam terminantemente de chegar perto dele. Eu nunca entendi porquê alguns pais tentam nos afastar de pessoas que aparentemente estão num nível social mais baixo, como se fôssemos pegar algum tipo de doença por isso ou algo desse tipo, quando a pior doença quem tem são eles, que é o dinheiro e a necessidade desesperada da posse da beleza e poder.
Enfim, não podia chegar perto dele e apenas o admirava pela janela, comentando com Taehyung, meu conselheiro, acompanhante, maquiador e tudo que alguém pode fazer por um príncipe, comentando o quanto gostaria de conhecê-lo, parecia muito mais inteligente e reservado do que a máscara que meu pai pintava nele. Até que um dia eu saí muito tarde para devolver um livro a biblioteca e buscar outro e lá estava ele, lendo, ao mesmo tempo que limpava algumas prateleiras, dei um grito alto quando o vi por causa de sua aparência e só não corri para pegar o primeiro objeto pontudo e cortante, pois percebi as roupas e o quão os olhos e a forma que franzia o cenho e arregalava os olhos em confusão, era exatamente igual ao jardineiro.
Foi quando exigi que meu pai explicasse na manhã seguinte o que era aquilo e ele disse que uma bruxa, que era uma velha amiga sua, tinha jogado um feitiço no ogro para que ele não se parecesse tão horrendo nas horas em que tinha que transitar pelas imediações do castelo, meu pai não queria ser obrigado a ter náuseas ao olhar para ele, foi como descreveu. Aquilo realmente me irritou, ele estava desmerecendo alguém, alguém que com toda certeza merecia até mais respeito e admiração do que ele próprio, desde o momento que ele tinha dito aquelas palavras, decidi que não ouviria mais o meu pai e que faria de tudo para me aproximar do ogro e para protegê-lo. Tinha certeza que por trás daquelas camadas tinha um homem incrível, esperando para ser amado.
— Ah, não, Jimin! De novo não! — Taehyung exclamou, adentrando no quarto com minha roupa do dia em seu ombro esquerdo.
Revirei meus olhos quando ele entrou, pois sabia exatamente o que ele iria dizer e seria um saco ouvir a mesma coisa de sempre, mais uma vez.
— Tae, eu estava admirando os jardins do palácio. Há algum problema nisso? — Dei uma risadinha, não era o melhor em esconder esse tipo de coisa, principalmente do Taetae.
— Então, quer dizer que jardins agora se movem e jogam seus belos cabelos negros para trás, com a mão delicada que nem mil espinhos de rosas machucam, não é mesmo? — Chegou insinuando e eu ri um pouco alto demais na sacada, o que fez a água que jorrava da mangueira que molhava as plantas e estava nas mãos do ogro, parasse, quando o mesmo olhou para cima e eu empurrei o de cabelos castanhos para dentro do quarto, entrando também.
— Quer falar um pouco mais alto? Acho que as pessoas do reino de Tão Tão Distante ainda não ouviram.
— Jimin, você não pode ficar da janela namorando um ogro.
— Eu não estou namorando ele. E também eu sou um príncipe, posso tudo. — falei a segunda coisa quando ele tinha dado meia volta e estava colocando minha roupa em cima da cadeira que ficava de frente para a penteadeira, me olhou por cima do ombro e eu me encolhi. — Isso foi muito pretensioso, desculpe.
Eu odiava usar aquele tipo de argumento, como se o mundo tivesse de estar aos meus pés só porque eu sou um príncipe e tenho privilégios. E o que isso tem a ver? Eu posso ter todo o dinheiro do mundo e ainda assim ser um idiota, não era o caso, mas os príncipes de outros reinos são exatamente dessa forma. Por isso eu mantinha meus pés no chão e colocava na cabeça que deveria usar minha posição de destaque apenas para coisas boas, coisas das quais eu me orgulharia de mim mesmo no futuro. Não há sentimento pior no mundo do que chegar em algum momento da vida e perceber que não se orgulha de si mesmo. Eu prefiro nem imaginar um momento como esse.
— E o que você pretende fazer para agarrar o coração do seu “príncipe encantado”? — perguntou, segurando um risinho.
— Pare de alfinetar ele assim, senão vou alfinetar você. E eu não sei, vou tentar mais tarde ir na biblioteca no horário que tenho certeza que ele estará lá. — Taehyung deixou cair meus sapatos no chão.
— Jimin, é muito arriscado! — Revirei os olhos para a frase.
— O que você acha que ele faz, Taehyung, mói os ossos dos humanos para pôr no pão?
Na verdade diziam que era exatamente isso que os ogros faziam, comiam os olhos das pessoas no café da manhã, usavam a pele para fazer lençol e os dentes, colar; mas acho que tudo isso é lenda de pessoas que nunca nem se dispuseram a estudar eles mais a fundo. Acho que as pessoas têm a errônea mania de ter medo do que é diferente, então escolhem julgar, em vez de procurar saber um pouco mais sobre, um motivo a mais para achar que os humanos são mais ignorantes do que as criaturas que eles mesmos julgam como inferiores.
Meu plano, meta ou seja lá o que eu espero que aconteça com isso, é apenas ir na biblioteca por volta das dez ou onze da noite, que é o horário em que todas as pessoas do castelo já se recolheram e ele fingia que ia limpar as prateleiras da biblioteca, apenas para ficar lá lendo alguma coisa. Eu adoro pessoas que leem, pessoas inteligentes no geral são imensamente atraentes, as que leem ainda mais porque é como se tivessem um universo diferente em sua cabeça e confesso que por vezes tudo o que eu queria era poder ter um universo alternativo para onde fugir.
Nem sempre a vida de alguém importante é fácil, seguir regras o tempo inteiro, estar condicionado a um determinado comportamento porque as pessoas que estão de fora esperam algo de você, esperam que você ande na linha, que você seja inteligente, que não faça nada de errado, que saiba tudo, eles esperam, esperam e esperam e se você quiser continuar sendo o que é, precisa nutrir a imaginação deles e cumprir com as expectativas, mas cumprir com as expectativas de treze milhões de pessoas nem sempre é a melhor escolha a se fazer. Às vezes pessoas como eu querem apenas ser normais por um dia.
Estar com ele me faria sentir normal, sei que não é uma comparação muito boa, tendo em vista que estamos em posições totalmente distintas, no caso da dele muito pior; mas ele com certeza entenderia o que é se sentir preso, preso num lugar onde não se pode sair, preso num modelo que fizeram de você, te moldaram e você não tem escolha a não ser seguir esse padrão, como um guia de instruções. Ele saberia entender o que eu sentia e naquele momento eu só precisava de alguém que entendesse o que eu sentia.
Esperei até que desse o horário em que sabia que o encontraria na biblioteca e entrei silenciosamente. Estava em mente que eu não era o único que o olhava, há tempos que quando eu o olhava ele estava me olhando algumas vezes, talvez fosse só porque eu era o dono da casa e ele o empregado, talvez porque se alguém estivesse olhando para mim, eu certamente ficaria curioso em saber porquê e olharia de volta. Mas mesmo assim, tinha algo em seus olhos, tinha algo na forma como ele me olhava e como nos olhávamos que era digno de eu estar completamente louco e bitolado em um conto de fadas impossível. Incrível como não se pode ser um príncipe sem deixar as velhas normas e clichês de lado.
Sentei na poltrona da mesa que ficava no centro da biblioteca e ele estava ali já, no fundo, lendo com uma mão e limpando com a outra. A postura ereta era uma coisa ainda mais encantadora, não que pelo fato de ser um ogro ele não pudesse ter uma postura ereta, mas o conjunto da obra era menos de tirar o fôlego, ele estava sim verde, os cabelos negros com orelhas estranhas entre eles e o rosto tenderia a uma aparência monstruosa e gritante, se eu não fosse eu e não estivesse perdidamente apaixonado pelo jardineiro.
— Alteza! Eu não queria... — Nem percebi quando ele se virou para frente e nossos olhares acabaram se cruzando, ele me desviou de meus pensamentos e percebi que o tinha feito derrubar os livros que estava carregando e o que estava lendo, levantei rapidamente para ajudar.
— Jeon, não foi minha intenção causar problemas, eu só... — falei, indo em direção a ele e me abaixando rapidamente, enquanto ele guardava todos os livros em suas respectivas prateleiras.
— Você sabe o meu nome. — O ogro pontuou e eu ri pelo nariz.
— Claro que sei o seu nome. Eu moro aqui, tenho que saber o seu nome. — O outro deu de ombros e guardou o último livro.
— Ei, não precisa guardar o livro, eu vi que você vinha aqui algumas vezes por semana para ler. Não se incomode e pegue-o novamente.
— Eu não quero problemas para mim, mais do que os que já tenho. E a maioria das pessoas aqui não sabem o meu nome, me conhecem como “O ogro” ou “A criatura”. Elas me julgam antes mesmo de me conhecer.
Eu sabia que por trás daquela frase tinha uma pequena mágoa guardada, não por eu ser o príncipe que anteriormente todos já julgavam como se tivesse de ter um bom comportamento e agir de acordo com as regras que, até o presente momento, não sei quem inventou ou, no caso, de quem foi a ideia, mas as pessoas tinham aquela mania de julgar tudo antes de compreender mais sobre e as coisas vão se acumulando, é horrível você ter tanto a mostrar e tão poucas pessoas dispostas a conhecerem isso, esse seu lado.
Segurei o pulso alheio quando o mesmo ia saindo e o puxei de volta para perto de mim.
— Eu acho você muito inteligente e tenho muita curiosidade em saber o que você tanto lê. É um bom pré-julgamento ou ainda estou sendo cruel? — perguntei com um sorriso e mais alto ficou com parte do rosto na luz que vinha do lado de fora, entrando pela janela e a outra parte, no escuro do lugar em que nos encontrávamos.
— Você não se incomoda com a minha aparência? Uma coisa é você me observar da varanda do seu quarto todos os dias enquanto está claro e eu estou bonito, outra coisa sou eu estar de frente para um príncipe… Assim.
Me afastei dele por perceber que eu não estava tão anônimo quanto pensava esse tempo inteiro, acerca de ter a certeza absoluta de que ninguém me via da janela do quarto.
— Então, você já me viu enquanto eu te observava? — Não tinha mais como negar e eu não era o melhor em mentiras.
— Impossível não percebê-lo, príncipe Park, você ri como um animal com penas. — Arregalei os olhos e me virei de frente para ele rapidamente.
— Uma galinha?!
— Não, uma cacatua!
Sustentamos o olhar um do outro por um tempo, antes de começarmos a rir desesperadamente, eu como uma cacatua e ele como uma criança. Ele não parecia um ogro naquele momento, não um ogro como as pessoas pintavam e faziam caveira, a coisa horrenda que ia me devorar. Ele parecia um ogro sim; mas não significava algo ruim, ele era um ogro e isso era ótimo. Era melhor como ogro do que todos os príncipes e princesas que conheci até hoje.
Tudo que se falava mal de outra pessoa acerca de sua aparência física não me interessava e isso não era apenas pelo “Não se julga um livro pela capa”, é porque não faz sentido se apaixonar pelo exterior de alguém, é claro que quando ficamos com alguém o visual nos atrai, mas o tempo pede algo a mais, não que a intenção seja se apaixonar por pessoas que nem todos acham bonito, o ponto é que tem algumas pessoas que simplesmente nos apaixonamos e não fazemos a mínima ideia do porquê, não temos um motivo, muitas vezes não é atraente aos olhos dos outros, parece não dizer nada interessante ou simplesmente diz coisas demais que os outros não estão interessados, ainda assim, há algo, sempre há algo que ninguém mais vê, além de você. Esse é o bom do amor, é assim que o amor é gostoso de ser sentido, quando você se apaixona por alguém que ninguém vê mais nada, além de você. É bom o sentimento do único, não?
Ninguém achava Jeon bonito, claramente porque eles sabiam que ele era um ogro e, na cabeça deles, aquele era o máximo que ele conseguia ser, mas naquela noite eu aprendi um pouco mais sobre ele do que eu podia esperar, além de ter uma risada adorável, o garoto era muito inteligente e sabia sobre diversas coisas por causa dos livros, ele dizia que sabia fazer um carpaccio de rato que era mesmo “de morrer”, como o mesmo fez questão de expressar, eu apenas ria e me admirava do quanto de coisas podemos aprender, quando não esperamos nada de alguém e deixamos apenas que a mesma nos surpreenda. Não esperava que ele fosse um príncipe, tão pouco que ele fosse menos ogro para que eu me sentisse mais confortável, eu esperava que ele fosse ele e isso me permitiu não me decepcionar, receber nada mais do que informações positivas que aqueciam o meu peito.
Era quase de manhã quando voltamos ao meu quarto, o rei acordava muito cedo porque tinha seus afazeres reais, a rainha a mesma coisa, eu precisava voltar ao meu quarto e ele não tratou de chegar muito perto, apesar de que o sol estava muito próximo de nascer e, em breve, ele se tornaria um humano de novo.
— Foi interessante. — ele disse, antes de eu fechar a porta. Me sentia uma adolescente puxando assuntos aleatórios para ver se ia acontecer o beijo ou não.
— O quê? A nossa noite?
— Também, mas... O fato de você ter estado comigo sem esperar ansiosamente pelo amanhecer, que é quando eu mudo de forma. Parecia até como se você realmente quisesse estar comigo, independente de eu ser um ogro ou não. — Eu ri da forma que ele falou, não desdenhando de si, mas porque ele estava seguindo pelo caminho certo da verdade sem se dar conta.
— Jeon, eu sabia quem você era desde o começo, não é como se fosse uma surpresa, estive com você porque queria estar, não me importa como você fica pela manhã. Se eu sei que isso é um feitiço e sua verdadeira forma é a que eu vi a noite inteira, porque eu ansiaria pelo amanhecer? Prefiro te ver de verdade do que desejar ser alimentado com uma mentira.
Esse é o tipo de coisa que as pessoas deveriam dizer, não porque sinceramente é algo que todos gostariam de ouvir e sim porque é a verdade; sim porque é muito melhor gostar de alguém pelo que a pessoa é, em vez de se alimentar com uma máscara, a beleza um dia se finda, o que sobra são todas as coisas belas que vocês construíram. Não vou ser hipócrita e dizer que desde o primeiro momento que o ogro apareceu eu o tinha achado bonito, porque não era esse o caso, em algum momento eu devo sim ter achado Jungkook feio, mas o que importa é a visão que se tem quando o tempo passa e você conhece melhor a pessoa e agora que eu conheci um pouco mais sobre Jeon, percebi que a única coisa de ogro que ele tinha era a espécie.
— Foi muito bom passar a noite com você, príncipe Park. — Ri pelo duplo sentido que aquilo causou e ele riu em seguida. Deveria ser o seu intuito.
— Digo o mesmo, Jeon.
— Jungkook. Pode me chamar apenas de Jungkook.
O sorriso era amarelado e as orelhas verdes entre os cabelos se moveram quando ele sorriu, era um graça, não conseguia achar ele feio nem por um segundo, o nariz era grande e tinha uma bola na ponta, era meio redondo, os olhos castanhos eram mais claros do que os meus, era como se eu pudesse ver tudo, mas não pudesse desvendar nada. Eu tinha certeza que mais ninguém o via tão bonito quanto eu via e era isso que fazia de tudo ainda melhor.
A luz entrou por entre as janelas enormes de meu quarto e como num passe de mágica, sua pele verde se desfez como poeira, o brilho amarelado do pó mágico voou pelo ar e ele deu um sorriso sem jeito, antes de eu passar a mão em seus cabelos, lugar onde anteriormente tinha suas orelhas, baguncei os cabelos.
— Vou sentir falta delas até a noite.
Seu sorriso ficou maior e mais brilhante e eu me questionei, tem algo melhor no mundo do que fazer alguém sorrir?
Ele se despediu de mim e deu as costas, descendo as escadas rapidamente para voltar aos seus aposentos no fundo.
Enquanto caminhava ao banheiro para tomar banho e tentar dormir um pouco, percebi que apesar de não o ter beijado, o dia tinha valido muito mais do que se eu o tivesse beijado, porque eu o conheci por dentro, mesmo sem o ter tocado por fora.
Tive os melhores sonhos de minha vida, provavelmente a melhor noite também, meu corpo estava descansado, pleno e calmo como nunca antes, estava feliz porque tinha certeza que ninguém tinha me visto entrar no quarto e nem ao Jungkook e mais feliz ainda por estar na flor da idade e ser um príncipe adolescente estava começando a valer a pena verdadeiramente.
— Jimin, acorda! Príncipe Park! — Ouvi a voz de Taehyung, mas queria não ter ouvido, tentei nem me mexer, mas aquele ser humano parecia conhecer até a forma que minha respiração se modificava quando eu estava acordado e quando não estava. — Levanta, eu sei que você está acordado!
Me virei lentamente, tentando imprimir em meu rosto a melhor expressão de desgosto por estar abrindo meus olhos, eu tinha certeza que não tinha dormido nem três horas, pois ele nunca me acordava depois das oito, geralmente eu me sentia bem quando acordava naquele horário, no momento eu só queria morrer.
— Queria estar morto.
— Se você estivesse morto, eu perderia meu emprego, pois você precisa levantar e se arrumar agora. Vamos. — Ouvi a cadeira da penteadeira sendo arrastada, com certeza ele estava pendurando a roupa do dia lá.
— Levantar para quê? Não tem nada na minha agenda hoje. Tae-yah! — exclamei o último pois ele começou a puxar o meu pé. Nós tínhamos uma relação tão íntima que nem parecia que ele, na teoria, deveria trabalhar para mim.
— Você não tinha. Seu pai disse que você vai visitar uma princesa hoje e disse que você tem de estar preparado para cortejá-la.
Cortejar, pela lógica, deveria ter a ver com eu estar preparado para conquistar a princesa, dizer coisas que conquistassem o coração dela, mas duas coisas eram engraçadas nessa situação, a primeira era que eu tinha de cortejar alguém que eu não tinha a mínima intenção de o fazer, pois não estava interessado em; e segundo que cortejar em língua de rei significava você vai casar e já está tudo pronto, estou apenas te dando a oportunidade de conhecer sua princesa antes.
— Casamento arranjado? Como? Por quê? De onde surgiu essa ideia repentina? Ontem estava tudo bem...
— Eu não sei, eu sei que hoje ele mandou me chamar assim que o sol tinha nascido e mandou eu me arrumar e te arrumar o mais rápido possível.
Quando ouvi sobre o sol ter acabado de nascer meu coração gelou completamente, será que ele por um acaso tinha me visto junto com o ogro?
— Minha mãe não disse nada?
— Sua mãe não muda as regras impostas pelo seu pai no castelo. Você sabe disso.
Ah, como eu odiava isso! Esse pensamento machista e a forma como ela não podia intervir, como se ele governasse sozinho e o mais engraçado era que as decisões diplomáticas todas ele pedia dicas a minha mãe antes de decidi-las, a verdade era que ela era cérebro por trás das coisas, mas ele agia como se fosse ele, Isso me irritava num tanto, ela não tinha voz para reclamar, nunca soube se ela não reclamava porque não queria ou qualquer coisa assim, mas me irritava e não era só em situações como essas.
— Onde está o ogro? — Tentei parecer descontraído ao perguntar isso, mas acho que os olhos arregalados denunciavam minha preocupação e interesse.
— Por que quer saber?
Suspirei. Eu teria de contar, eu nunca escondia nada dele.
— Tae, senta aqui, talvez seja uma história meio longa.
Contei absolutamente tudo sobre a noite, sobre como eu me sentia verdadeiramente — até o momento ele sabia apenas da queda que eu tinha pelo Jungkook —, como eu o achava lindo e como tinha quase certeza de que estava perdidamente apaixonado por ele.
— Você o quê?! — deu um grito no meio do quarto e eu corri para tampar sua boca, pedindo que ele não chamasse mais a atenção do que em breve chamaria.
— Eu estou gostando de um ogro, qual o problema? Tem restrição de espécie para se apaixonar agora?
— Se você for um príncipe...
— Ah, quem se importa se eu sou um príncipe! Eu vou desistir da minha coroa então, se para ser rico eu tenho de abrir mão da minha felicidade, prefiro viver num pântano! — Taehyung me deu um tapa na coxa, não sei se doía mais por minha coxa ser farta ou porque a mão dele era enorme. — Taehyung-ah!
— Não se atreva a dizer algo assim!
— Qual o problema? Se eu morasse num pântano você não iria me visitar?
Então eu tive uma ideia incrível. Na verdade não era incrível, era estúpida e burra, era quase como assinar meu atestado de óbito, era como assinar um termo de “Tenho certeza que sou um idiota e me importo zero com as consequências disso”.
— Kim Taehyung, eu vou fugir com o ogro.
Eu falei aquilo como se fosse óbvio que daria tudo certo sendo que era óbvio que ele não sabia mais do que o meu nome, meu amor por ele era totalmente unilateral e eu sou só um garoto de quinze anos esquecendo completamente que todos as pessoas do reino me conhecem porque afinal, eu sou o filho do rei.
— Você vai o quê? Não faça piadas, Park! Não é só porque você passou a noite com ele que significa que vocês vão sair para constituir família em seguida. — Minhas bochechas ficaram vermelhas pelo duplo sentido que mais uma vez a frase tinha tomado e eu dei uma risadinha.
— Não fale desse jeito.
Pretendia falar mais alguma coisa, falar que iria descer para conversar com o ogro ou algo parecido com isso, mas logo em seguida o sino do castelo tocou, o sino que indicava que um acontecimento real grande estava próximo de ser anunciado. Meu noivado.
— Não, Taehyung, eu não posso deixar isso acontecer. Nunca!
Saí da cama desesperado para o closet, abrindo as portas de todos os armários para pegar a mochila surrada que eu gostava de usar em minhas aventuras pela floresta, quando eu ia atirar com o meu arco por um tempo, coloquei apenas uma calça de algodão e uma camisa de mangas, calçando minhas botas o mais rápido que pude, para onde eu ia, não precisaria de muito mais do que duas mudas de roupa, eu precisava fugir, se prezasse mesmo pela felicidade.
Vesti uma roupa formal, para que de primeira as pessoas pensassem que o príncipe estava apenas indo tranquilamente ver a princesa que lhe foi prometida e não saindo de vez daquela vida.
— Jimin, isso é loucura! Você está fugindo da sua casa, da sua vida! Está abrindo mão de ser o futuro rei!
— Eu estou optando por ser feliz, Taehyung, não é isso que você quer? Você quer que eu fique aqui e case com uma princesa, sendo infeliz, tendo que viver uma vida que eu não escolhi, me deitando com alguém que garanta netos aos meus pais? Eu não pedi o cargo de príncipe, eu não o quero! Se você quiser pegá-lo em meu lugar, fique à vontade.
Enchi o bolso interno da camisa com pequenos saquinhos e desci correndo as escadas do fundo, encontrando Jungkook capinando os arbustos como sempre estava fazendo naquele horário. Peguei sua mão, após olhar de um lado para o outro e comecei a correr, sem me importar se ele fazia ou não ideia de para onde eu estava indo.
— Jimin, espera! Para onde estamos indo?
— Jungkook, seria muito precipitado se eu dissesse que estamos fugindo para sermos felizes nesse exato momento? — Continuamos correndo e ele estava em silêncio, olhei para trás e para ele várias vezes, a última vez ele começou a rir, parecia incrédulo.
— Ser feliz? Com você?
— Olha, você está me ofendendo agora. Parece até que não dá para ser feliz com um príncipe!
Cheguei até os limites do castelo e os guardas estavam no alto das torres vigiando as saídas e é claro que eu não iria conseguir sair sozinho e ainda arrastando o ogro. Parei, soltei sua mão e me agachei no chão, colocando ambas as mãos nos cabelos e puxando. Pensando e pensando.
— Jimin, por que estamos aqui? Está acontecendo algo? — perguntou e eu nem mesmo conseguia dizer algo a respeito, afinal estava sim acontecendo algo, mas eu não fazia ideia de como resolver, mediante a situação.
— Você ouviu o sino Jeon? É o sino que representa decisões reais importantes que serão anunciadas em breve ao povo do reino. Meu pai decidiu hoje que eu iria conhecer uma princesa, então provavelmente ele está prestes a anunciar meu noivado. Bem depois da noite que passamos juntos, não é muita coincidência?
— Isso significa que a culpa foi minha?! — Abaixou o olhar, tentando encontrar o meu, pois quando olhei para cima ele desviou e eu suspirei.
— Não, significa que eles querem estragar minha chance de ser feliz. — Abaixei a cabeça novamente no momento em que ouvi a grama sendo pisada rapidamente, como se alguém estivesse correndo em nossa direção.
Taehyung vinha correndo com uma mochila pendurada no ombro, me puxou rapidamente pela gola e empurrou o ogro na frente.
— Andem como se nada estivesse acontecendo, vamos fingir que eu estou levando vocês, ajam naturalmente. — ele falou baixinho e ergueu meu pescoço me puxando pela gola, empurrando o ogro mais para frente.
Olhou para os guardas, que pareciam analisar se deveriam ou não abrir o portão, endureceu sua postura e expressão.
— Eu achei que você não achasse que era uma boa ideia.
— Eu não acho uma boa ideia você se impedir de ser feliz por causa dos seus pais também, por isso siga em frente e não olhe para o lado.
Os guardas abriram as portas para nós e até chegarmos a uma distância considerável, na entrada da floresta onde poderíamos correr, nos esconder entre as árvores e salvar nossos pescoços, fizemos isso, até que ser calmo e andar pacientemente já não era mais uma opção.
“O príncipe fugiu com o ogro! Fechem os portões! Fechem os portões!”
Certo, mas a lógica não podia ser que o príncipe fugiu para um lado e o ogro fugiu para outro? Por que eles fugiram juntos? Acho que as pessoas fazem ligações soltas das coisas e tem a certeza de que está tudo certo. Coisa de contos de fadas e coisa e tal.
— Sebo nas canelas! Corram, corram! — Taehyung gritou e quando olhei para trás vi a porta do castelo sendo aberta e um batalhão vindo atrás de nós com espadas e lanças.
Aparentemente ogros são realmente fortes, Jungkook me pegou, me pendurando no ombro, segurou a mão de Taehyung forte e começou a correr, como se eu fosse um príncipe e Taehyung o melhor amigo. Ah, espera...
A coisa inteira não parecia fazer sentido se você pensasse que eu estava fugindo com alguém que passei apenas uma noite com, mas tudo isso não tinha a ver com Jeon e a noite da biblioteca, tinha a ver com todos os dias em que eu nutri sentimentos por ele, todos os outros dias em que eu observei ele da sacada de minha janela e me imaginava trocando duas palavras com ele, apenas por ter me apaixonado pela forma bela como ele regava as flores, ou o jeito único que ele sorria, até mesmo pela forma triste que eu via ele ler as coisas, se esgueirando pela noite. Ele era triste por não poder ser liberto, assim como eu, talvez eu tenha me apaixonado pela sua falta de liberdade e pelas coisas quebradas dentro dele. Pessoas partidas tendem a se apaixonar por outras coisas partidas, na intenção de que juntos possam se consertar. Talvez tenha sido isso ou um milhão de outras coisas mais.
Quem explica os motivos pelos quais se apaixona por alguém?
Corremos durante muito tempo, Taehyung conhecia o reino com a palma das mãos, Jeon parecia conhecer a floresta com a palma da mão, eu negligenciei muitas das minhas aulas sobre a Geografia de BusanCity, o reino onde nasci e onde governaria no futuro. Governaria, no passado. Não me arrependia nem um pouco de nenhuma das minhas decisões até agora, mesmo que isso significasse que eu estava abrindo mão de tudo que passei treinando anos para ser, a felicidade não pode estar em algo que você tem que treinar para ser, temos de ser felizes naturalmente, se é preciso treinar para o cargo que vai me trazer felicidade, então essa felicidade não devia me pertencer.
— Até onde pretendem correr? — Jeon perguntou, incrivelmente não parecia cansado.
— Até que não possamos ver mais nenhum guarda sequer. — Tae disse e o mais alto assentiu.
O que quis dizer sobre ambos aparentemente conhecerem o lugar por onde estávamos andando é que sempre parecíamos estar indo na direção correta, uma hora um dizia para a esquerda e outro para a direita, o importante é que não estávamos perdidos e nem iríamos. Pela primeira vez estava indo na direção certa da minha vida e estava feliz com isso.
— Quanto tempo mais passarei aqui pendurado? — perguntei, enquanto estava de cabeça para baixo no ombro do ogro e tinha certeza que ia desmaiar a qualquer momento, minhas mãos estavam geladas já.
— Até chegarmos onde precisamos.
Tinha de admitir que talvez eu ficasse cansado em algum momento e quisesse parar, mas não era como se eu fosse frágil e não fosse tão apto a correr quanto eles, mas não queria discutir isso naquele momento, tudo o que eu podia fazer era dormir.
Sonhei com dragões e uma aventura animal, um ogro lutava com uma espada de prata e dizia que ia proteger o nosso “Reino de lama” e aquela foi a coisa mais doce que eu já tinha ouvido alguém dizer que faria por mim. No momento eu não sabia que era um sonho, mas dentro dele eu senti como se fosse exatamente algo que Jungkook faria por mim, era altruísta, mesmo que estivesse em perigo tendia a colocar a necessidade dos outros acima das suas, para cuidar deles, era encantador do seu próprio jeito, tudo nele me encantava dentro do sonho e, pensando racionalmente, dizem que os sonhos mostram o que nós queremos que aconteça na realidade.
Acordei com um cheiro de comida no fogo e quando abri os olhos, cabelos negros e desgrenhados, olhos castanhos muito claros e uma pele alva, estava me olhando muito de perto, caiu para trás quando me viu acordar, recuou rapidamente, abrindo a porta de algum lugar e sumindo por lá.
— Bom dia, Bela adormecida. — Ouvi a voz de Taehyung e me virei para o lado, observando ele cortar lenha com um machado.
As mangas da camisa estavam dobradas, os músculos da coxa sendo tensionados e o músculo dos braços flexionados, o suor escorria por sua testa e ora ou outra ele limpava. Tinha de admitir, Kim Taehyung também era extremamente atraente.
— Já é de manhã novamente? — perguntei, coçando os olhos de forma sonolenta.
Jeon saiu de dentro do local carregando cinco ratos mortos pelo rabo, o que fez com que eu arregalasse os olhos e desse um pulo do lugar em que estava.
— O sol nem caiu ainda, príncipe. Conseguimos despistar todos os guardas, depois de nos embrenharmos muito pela floresta, estamos no epicentro dela. Onde tudo no submundo acontece.
— Tudo isso foi graças ao Jeon. — Tae disse e o outro deu de ombros, se abaixando em direção a uma fogueira improvisada no meio de onde eu estava, não tinha percebido a presença dela antes, mas agora pelo menos entendia por que estava tão aquecido.
— Não foi nada! Eu também estava salvando minha pele. Jimin, por que está correndo do nosso almoço? — perguntou a última coisa e eu olhei, ele balançou os ratos e sorriu, percebi que os dois dentes da frente dele eram meio tortos, o que o deixava com uma aparência incrivelmente mais bonita. Tinha como ele ficar mais bonito?
Levantei correndo e fui para trás do casebre em que estávamos na frente, vomitando no mato. Ouvia a risada dos dois lá e comentário do Taehyung “Ele tem estômago sensível para aventuras” e alguns xingamentos vindos de minha parte. A verdade é que eu nunca tinha estado numa aventura, mas era a primeira vez que me sentia tão feliz daquele jeito.
O rato tinha cheiro de frango quando ia para a brasa, aquele era então o tal carpaccio que ele tinha dito que sabia fazer, eu tinha me recusado terminantemente a comer aquilo, afinal de contas era rato, mas enquanto eu observava eles comerem, Taehyung tinha dito que os bois comiam coisa muito pior, até porque eles pastavam e o mato que eles comiam podia ter resquícios do cocô deles e do de outros animais, então no geral eles eram uma mistura de resto dos restos, fiquei enjoado de novo e acabei vomitando, mas no fim, experimentei um pedaço daquele rato e não era tão ruim, comi com gosto. O que o amor não faz com o ser humano, não é?
O Kim foi para mais longe, dizendo que ia pegar mais lenha para passarmos a noite, mesmo que eu não fizesse ideia de como iríamos os três dormir ao relento com só uma muda de roupa na mochila para nos escondermos do frio e Jeon sem nada, era aquele tipo de milagre da multiplicação que eu sinceramente não tinha ideia de como ia acontecer. Ficamos os dois arrumando a fogueira e o sol estava quase se pondo, mas eu estava sorrindo.
— Foi a ideia mais louca que alguém já teve. — Jungkook comentou e me pegou desprevenido, enquanto eu estava distraído.
— Hm? — perguntei novamente e ele sorriu.
— Essa ideia de me puxar para sua aventura louca por causa de uma única noite na biblioteca, foi algo e tanto. — Me endireitei e sabia que em algum momento ele cometeria aquele equívoco.
— Jeon, não foi por causa do dia da biblioteca. Não, quer dizer, foi por causa daquele dia também, mas não foi o principal, eu tenho gostado de você há muito tempo, tenho te observado pela janela e imaginado o quão incrível você poderia ser pessoalmente. Eu sei, eu sei, sei que é impossível manter uma paixão por alguém que nunca se trocou uma palavra com, sei que eu devo ter idealizado um milhão de diálogos em minha mente sobre coisas filosóficas que você provavelmente responderia às minhas perguntas e um milhão de coisas loucas desse tipo, então, em resumo, é um amor platônico e parece louco, porém... É isso, eu tenho gostado de você há muito mais tempo, aquele dia na biblioteca apenas serviu para que eu afirmasse os meus sentimentos ao te conhecer melhor por dentro.
É sobre isso que eu tinha dito. É claro que a aparência da pessoa te atrai de alguma forma, você só vai falar com uma determinada pessoa porque ela tem algo que te atrai, isso é normal e todas as pessoas são assim, no entanto não é isso que fica, características físicas são boas nas duas primeiras horas, no resto do tempo o que conta é a conversa e a possibilidade de seu universo está contido no universo da outra pessoa e vice-versa, o que conta depois é o que ela é e o que vocês podem ser, juntos. Eu tinha experimentado aquilo com ele e mesmo que parecesse louco a princípio, é como as coisas geralmente acontecem, uma evolução que não segue uma linearidade.
— Não se explica esse tipo de coisa, Jimin. — Concordou, se encaminhando para o casebre e girando a maçaneta.
Eu sabia que estava fazendo aquilo justamente porque o sol estava perto de se pôr. Puxei-o pela mão e o trouxe de volta para onde o sol pudesse clarear seus olhos e iluminar seus cabelos.
— O que encerra esse feitiço? — perguntei, nossos corpos estavam perto e eu pude, pela primeira vez, tocar em seus fios escuros.
— Um beijo do amor verdadeiro.
Ri daquilo. Tão clichê. Pensei em dizer que não sabia porque tinham colocado algo assim, mas eu sabia exatamente o porquê.
— Ele achou que ninguém seria capaz de amar alguém como você, não é?
Jeon abaixou a cabeça e ficou em silêncio, não disse nada. Não havia nada a ser dito. Segurei seu queixo com a mão direita e com a canhota o puxei pela cintura para ainda mais perto de mim, deixando um espaço mínimo entre nossos corpos. Claro que o ogro não estava apaixonado por mim, não tinha nem como estar, mas eu o amava verdadeiramente e nem sempre um beijo do amor verdadeiro se refere ao amor verdadeiro da pessoa que será beijada.
Seus lábios eram quentes e não pareciam nada ásperos, mesmo no momento em que senti o mesmo pó mágico voar com vento e os lábios finos se tornarem grossos e com uma textura diferente e que, ainda assim, não era desagradável, não tinha a intenção de aprofundar aquilo, mas apreciei muito quando seus lábios prenderam o meu inferior entre os dentes, puxaram brevemente e soltaram, selando ambos em finalização ao contato. Ele tinha me tocado, o que era um estranho bom começo, tinha sido bom, mas eu não esperei que fosse diferente.
— Por que fez isso? Por que encerrou a maldição?
— Porque não quero ver você escondido atrás de uma máscara, seja por um período ou pela vida inteira, eu quero ver você como você é. Eu quero amar você. — Segurei seu queixo novamente e levantei seu rosto, que insistia em admirar o chão.
— Mas eu sou feio.
— A beleza não está na aparência, Jungkook, a beleza está nos olhos de quem vê e a sua está bem aqui. — Toquei em sua cabeça e não no clichê do coração.
Sim, ele tinha um coração e tanto, porém sua inteligência era admirável, ele sabia fazer de tudo, era encantador em tudo que se dispunha a fazer e eu poderia escrever mais um milhão de coisas e ficaria enfadonho no final, quem ama não mede escrúpulos porque o amor nunca é tão bem expresso em palavras, como é quando posto em ações.
— Não temos nada, não temos uma casa, não temos para onde ir. Jimin, você é o príncipe de Busan, todos te conhecem aqui, eu não posso te dar mais do que algumas histórias, amor e um rato morto no almoço e... — Coloquei o indicador entre seus lábios, pedindo que se calasse e ele assim o fez.
— É mais do que suficiente para mim.
Bom, eu sempre tive tudo, mas não significa que o tudo material substitui um terço do que o emocional e o sentimental acabam significando, quando se obtém. No entanto, só o fato de ele estar falando “nós” como se, apesar de por enquanto ser algo unilateral, ele estivesse se dispondo a tentar, já valia a pena. Enquanto um estivesse pronto e o outro estivesse disposto a tentar, as coisas iriam tender a fluir, com rumo.
— Como vamos nos virar?
Coloquei a mão dentro da camisa e tirei três sacos médios cheios de ouro até em cima, joguei todos no chão e o barulho do ouro, pela primeira vez, me fez feliz.
— Daremos um jeito.
Caminhamos por mais dois ou três dias até que finalmente achássemos um lugar que valeria a pena tentar alguma coisa, andamos o suficiente para chegar no reino de Gwacheon, onde o rei, além de ser um homem amável e incrível, com certeza não seria solidário como meu pai porque odiava a forma que ele governava de forma autoritária, por isso, se algum dos seus me achassem e eu explicasse a situação, ficaria tudo bem. Dei a Taehyung um saco de ouro e pedi que ele fosse recomeçar lá no reino, que mudasse de nome, arranjasse uma nova identidade para si e alguém que o amasse, como eu o amava fraternalmente, pedi que viesse me visitar toda semana, até que a saudade dele fosse suportável e eu pudesse seguir em frente, não choramos quando ele partiu, porque eu sabia que entre nós nunca haveria uma despedida real.
Eu e Jeon achamos um pântano abandonado, o que era muito cômico porque ele tinha dito que mesmo sendo um ogro, o sonho dele era morar num pântano, enquanto o meu era o beijo do amor verdadeiro e tínhamos proporcionado a realização do sonho de ambos, estando juntos. Mas o amor são essas duas coisas, não é? Vê no outro o que ninguém mais vê e ver nele a realização de todos os sonhos de sua vida, porque para-se de sonhar em unicidade e começa a se sonhar em conjunto.
Empurramos a porta e o cheiro de lama e mofo subiu, me fazendo espirrar, ele apertou minha mão e disse que daríamos um jeito. Acho que aquela era a nossa frase “Daremos um jeito’. No amor, tudo tem jeito.
— Você acha que dá para construir o nosso Reino de Lama aqui? — perguntou e eu ri como um desesperado, me lembrando daquele sonho esquisito que eu tive.
— Do que está rindo?
— É que quando estávamos vindo e você me pendurou em seu ombro, tive um sonho muito engraçado em que você lutava contra pessoas, segurando uma espada de aço e dizia que juntos iríamos construir o nosso reino de lama. E aqui estamos nós. — falei, olhando ao redor, parecia extremamente feliz, meu peito ia explodir, eu tinha certeza.
— Aqui estou eu, o ogro segurando o príncipe. — disse, segurando minha cintura e me levando para perto de si. Me joguei em seu pescoço e fiquei feliz por ele ser forte.
— Aqui estou, o príncipe Park, completamente apaixonado pelo ogro de Busan City.
Eu não vou dizer que tivemos um felizes para sempre, porque ninguém é feliz para sempre. Felicidade é um estado passageiro, mas todos os momentos de felicidade que tive com Jeon, fizemos questão de aproveitar como se fosse o último de nossas vidas, ele me fazia sentir como se todos os dias fossem o último. Acho que o amor nos deixa intensos e imortais. Ou é só a consequência óbvia de que criaturas de contos de fadas não morrem. A única morte que tive foi de amores pelo meu ogro.
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