1. Spirit Fanfics >
  2. Perdida em Skyrim >
  3. A Cidade-Cemitério

História Perdida em Skyrim - A Cidade-Cemitério


Escrita por: xamanegro

Notas do Autor


Um capítulo bem grande mas bem fluido, eu espero kkkk
Espero que as descrições dos cenários tenham ficado claras o suficiente. Me deem um feedback dizendo se estiver confuso. Obrigado!

Capítulo 6 - A Cidade-Cemitério


Fanfic / Fanfiction Perdida em Skyrim - A Cidade-Cemitério

 Buscando se afastar do caminho para o qual o dragão havia rumado, Lucina desceu um pouco pela inclinação do terreno onde estava até não ver mais neve. O caminho seguia para a direita, mas ela passou por cima de algumas pedras e se foi pela esquerda. O vento estava frio e a tarde logo chegaria ao fim, mas o cheiro de mata e de liberdade era agradável a Lucina. Helgen fedia a fumaça e mijo, isso sem falar dos esgotos.
 Lucina subiu uma colina passando por mais algumas pedras e um tronco de árvore caído e, chegando ao cimo da mesma, avistou vários metros à sua frente uma estrada de pedras que vinha de algum lugar mais alto (provavelmente a própria Helgen, a julgar pela direção) e seguia descendo floresta adentro. Bastava descer a colina e ela chegaria à estrada.
 -Toda estrada leva a uma cidade... - Pensou.
 Lucina carregava uma pederneira e um riscador de metal (na verdade uma faca bem cega) nos bolsos enquanto perambulava por Cyrodiil, mas agora seus bolsos estavam vazios. Certamente os soldados da Legião a haviam revistado e tirado tudo o que ela tinha após a capturarem. Agora Lucina não tinha nenhuma condição acender fogo e, se a noite caísse antes dela encontrar uma cidade, talvez congelasse até a morte.
 -Fria, montanhosa e selvagem... Que terra amaldiçoada. - Pensou Lucina.
 Ela começou a descer a colina quando avistou entre as árvores um cervo a olhá-la com curiosidade. Era um animal grande e ostentava na cabeça uma galhada que certamente seria perigosa. Em circunstâncias normais, Lucina teria tido mais medo, porém ela havia acabado de passar por um dragão, quatro aranhas gigantes e uma ursa. Aquele cervo não iria impedi-la de continuar seu caminho. Ainda assim, a imperial manteve uma distância segura e andou com passos lentos, tentando não fazer movimentos bruscos. Alcançou a estrada e começou a desce-la. O cervo a acompanhou com os olhos ate que sumisse de vista.
 A estrada descia em meio a barrancos, arbustos e mais e mais árvores. Porém, em uma curva, Lucina avistou ao longe, entre troncos de árvores, o que parecia ser uma casa ou uma enorme cabana nórdica. Apressou seu passo. Talvez quem morasse ali pudesse abrigá-la ou pelo menos dar algo de comer ou indicar a direção de uma cidade. Lucina se aproximou da casa e viu alguns tocos de árvores cortadas próximos à mesma. Talvez fosse habitada por uma família de lenhadores. De fato, ela avistou em um canto próximo à porta de entrada uma pilha de lenha. A casa era feita de pedra e o teto era coberto por palha, provavelmente sobreposta sobre uma estrutura de vigas de madeira. Não havia nenhuma janela.
 Lucina aproximou-se da porta e bateu algumas vezes.
 -Olá. Tem alguém em casa? Eu... Eu preciso de ajuda. Estou perdida.
 Não houve nenhuma resposta e Lucina decidiu tentar de novo. Mais pancadas na porta.
 -Olá?
 Ninguém respondeu. Lucina engoliu em seco e tentou girar a maçaneta. Estava trancada. Ela então decidiu circundar a casa para ver se achava uma janela ou outro meio de se comunicar. Encontrou um curtume com uma pele esticada, pensou ser de raposa. Avistou alguns buracos laterais na estrutura de madeira que compunha o teto, porém estavam altos demais para alcançar. Mais algumas pilhas de lenha e um jardim com uma pequena horta, onde nasciam batatas e alho-poró. Também haviam dois arbustos de pequenas frutinhas vermelhas, amoras da neve, que só nasciam em regiões frias como Skyrim. Lucina achou que o proprietário da casa pudesse se incomodar se ela roubasse de sua horta, mas certamente ninguém ligaria se comesse algumas daquelas frutas. Ela esvaziou um dos arbustos, comeu todas as frutas, mesmo as que ainda estavam verdes. As amoras da neve não davam muita sustância, quase nenhuma na verdade, mas só de estar colocando algo dentro do estômago, Lucina achava que poderia aliviar um pouco sua fome. Não comia nada haviam quase trinta horas. Quando terminou de comer, Lucina notou algo em seus sentidos. Seu tato estava diferente. Ela agora não sentia mais o calor do sol, ou o de suas roupas. Não havia aumentado seu frio, ele permanecia o mesmo, ela apenas havia ficado insensível ao calor. A jovem então percebeu que as amoras da neve tinham propriedades mágicas de resistência ao calor. Muitos elementos tinham esses efeitos. Alquimistas os buscavam para misturar e extrair, e assim fabricarem poções mágicas através dos mesmos. As amoras da neve seriam um bom ingrediente para alguém que quisesse fabricar uma poção de resistência ao calor ou ao fogo. Sem a mistura apropriada, aquele efeito não duraria mais do que dois minutos.
 Lucina continuou andando em torno da casa mas não encontrou nenhum jeito de entrar. Não sabia se não havia ninguém lá dentro ou se talvez houvesse alguém que não a quisesse deixar entrar. Não seria de se estranhar. Vivendo no meio da floresta em uma terra perigosa como aquela, era necessário ter cuidado.
 -Por favor! Eu preciso de ajuda! - Lucina aumentou o tom de voz e bateu mais forte na porta. - Eu estou com fome. Estou morrendo de frio. Por Mara[1]!
 Lucina encostou seu ouvido à porta tentando escutar qualquer coisa que fosse do lado de dentro. Não ouviu nada. Viu um barril ao lado da porta e, no chão, encostado no barril, havia um saco com algo dentro. Ela se abaixou e abriu o saco, esperando que houvesse algo para comer no interior. De fato haviam quatro maçãs. Lucina não podia ficar ali por muito tempo. Se a noite chegasse, animais perigosos poderiam aparecer.
 -Eu... Você se incomoda se eu pegar uma dessas maçãs? Eu estou morrendo de fome! - Gritou para a porta mas novamente não obteve resposta alguma. Enfiou a mão no saco e apanhou uma das maçãs. - Eu estou pegando uma. Que os Divinos lhe paguem com sua graça.
 Lucina levantou-se e saiu. A cidade não devia estar longe. Ela continuou seguindo a estrada enquanto comia desesperadamente sua maçã, o efeito mágico das amoras da neve já havia passado há muito. Desceu por alguns metros e, ao longe, avistou uma estrutura entre duas pedras altas que formavam uma espécie de desfiladeiro dentro do qual a estrada passava. A estrutura era como uma ponte de madeira bem grossa e firme, que ligava as duas pedras, uma de cada lado da estrada, de modo que a ponte passava por cima da estrada. Viu movimentação na ponte, pareciam ser pessoas. Talvez houvesse uma aldeia ali.
 Lucina interrompeu seus pensamentos ao ouvir uma movimentação no mato ao seu lado. Tomou um susto, não havia percebido ninguém ali. Quando olhou para conferir, viu um lobo de pelos cinza-escuros prestes a saltar sobre ela. A imperial deu um pulo para o lado e também um grito:
 -Deuses!
 O lobo pulou e passou ao lado da imperial. Seu ombro direito bateu na barriga da mesma, empurrando-a para o lado. Lucina cambaleou mas logo retomou seu equilíbrio, e então começou a correr o mais rápido que podia na direção da ponte, gritando aos que estavam em cima da mesma:
 -Socorro! Alguém me ajude! Um lobo!
 Com o susto, Lucina havia largado o que restara de sua maçã e nem viu onde caiu. Correu o mais rápido que pôde, o lobo a perseguindo de perto. Quando se aproximou da ponte, ela ouviu um estalo, como o de um mecanismo sendo ativado por alguém lá de cima. Várias pedras enormes e pesando toneladas caíram em sua direção, vindas de cima da ponte, uma armadilha para deter caravanas ou pelotões militares que passassem por baixo, ou mesmo vítimas desavisadas como a própria Lucina. Aquele era um acampamento de bandidos. A despeito da aparência empobrecida da jovem, os bandidos haviam decidido esmagá-la com sua armadilha para depois roubar o que seu cadáver pudesse ter de valor. No entanto, a imperial havia descoberto que o pânico a tornava uma verdadeira atleta, e escapar do perigo estava se tornando comum para ela. Ela não tinha tal confiança em si mesma, mas havia aprendido durante as suas primeiras horas em Skyrim que é necessário tentar, não há lugar para quem não tem coragem naquele país. Lucina acelerou o passo o máximo que podia, a adrenalina outra vez se espalhou pelo seu corpo. Ela passou por baixo da ponte tão rápido que as pedras sequer tiveram tempo de chegar até ela. O lobo já quase a estava alcançando, mas uma das pedras caiu sobre ele, esmagando-o enquanto o animal soltava um ganido de dor. O impacto foi pesado e sonoro, levantou poeira e rachou o chão, mas Lucina havia passado e não sentiu absolutamente nada. A falta de arma ou armadura a deixava muito leve, e mesmo com os pés doloridos, a barriga vazia e o corpo cansado, ela não pretendia desistir ali.
 Os bandidos estavam incrédulos com o fato de a jovem imperial ter atravessado sua armadilha ilesa, mas tinham uma segunda estratégia para alvos que sobrevivessem. Armados com seus arcos, miraram na jovem e começaram a atirar. Lucina não olhou para trás, nem mesmo quando ouviu o som de uma das flechas batendo no chão de pedra atrás de si. Nem quando um segundo projétil passou ao lado de seu rosto, fazendo ruído ao cortar o vento, e caindo poucos metros à frente dela. Ela continuava olhando para a frente. Viu uma árvore bem grossa poucos metros à sua direita, fora da estrada, e correu para se esconder atrás da mesma. Escutou o impacto da terceira flecha se cravando na árvore. Lucina respirava fundo e ofegante. Tentando manter as costas alinhadas com o tronco maciço da árvore, ela correu em linha reta pulando sobre pedras e pisando no mato, a estrada dobrava para a direita poucos metros à sua frente e se continuasse correndo, Lucina a alcançaria de novo.
 Um tronco gigantesco caído à sua frente a obrigou a deitar de barriga sobre o mesmo e passar uma perna de cada vez para cruza-lo. Nesse movimento, acabou olhando para trás e percebendo que não podia mais ver os bandidos, pois estava entre várias árvores, e provavelmente eles também não poderiam vê-la. Ela ainda viu uma última flecha sendo lançada a esmo entre as arvores, mas passou bem longe de si. Uma vez cruzado o tronco caído, Lucina seguiu de volta para a estrada, andando apressada pois sabia que os bandidos poderiam ter um jeito de descer rápido de sua instalação para procurá-la. Continuou seguindo os ladrilhos de pedra, apressada, rezando para encontrar uma cidade.
 A estrada fazia uma descida íngreme e muito comprida. Lucina eventualmente teve que parar de correr para seguir andando, seus pés e tornozelos doíam demais. Ao fazer uma curva para a esquerda, ainda durante a descida, ela avistou a cidade ao longe, em meio a brumas. Respirava com dificuldade devido ao cansaço. Cambaleou para fora da estrada para se apoiar em uma árvore.
 -Graças aos deuses... Divinos, obrigada. Muito obrigada!
 A esperança encheu seus olhos e seu coração. Ela desceu o caminho inteiro repetindo as palavras:
 -Glória aos deuses! Glória aos deuses! Glória aos deuses!
 Estava cansada e com a garganta seca, falar era ruim, mas ela simplesmente não podia ficar sem agradecer aos Oito Divinos pela sua proteção. O lobo e os bandidos se somavam aos outros adventos terríveis, seu primeiro dia em Skyrim havia sido, no mínimo, perigoso.
 Lucina desceu por mais vários e vários metros até se ver diante do muro da cidade. Assim como o de Helgen, havia uma plataforma coberta sobre o cimo do muro para que os guardas circulassem. Essa plataforma ligava duas paredes separadas entre si, formando um arco de entrada. A cidade não tinha portão. Em uma das paredes que compunham o muro, havia uma bandeira lilás com uma mancha branca. Sobre a mancha, um desenho também lilás, mas em um tom variante do fundo da bandeira. O desenho era de um cervo de olhar austero e uma galhada cheia de pontas para cima.
 Sob o arco de entrada, um guarda da cidade vigiava a estrada, mas agora seu olhar havia se desviado para a direção de Lucina. A armadura do guarda era composta da mesma maneira que a armadura dos Mantos da Tempestade: uma cota de malha de ferro sobre o corpo, que ia até os ombros, e o tronco envolto por uma couraça acolchoada feita de várias camadas de couro curtido sobrepostas. No entanto, o manto que usava sobre a armadura, no lado esquerdo do corpo era lilás. Ele tinha na cintura uma espada imperial semelhante à que Hadvar possuía e no braço esquerdo tinha um escudo com borda de ferro e tábuas de madeira no interior, cujo centro estava manchado de tinta lilás e ostentava um desenho de um cervo em tinta branca, o mesmo cervo que enfeitava a bandeira da cidade. Na cabeça do guarda estava encaixado um elmo de ferro totalmente fechado, de modo que seu rosto ficava coberto. Haviam apenas dois buracos no elmo, na altura dos olhos, para que o guarda pudesse enxergar.
 Ao ver a mulher se aproximar correndo, o guarda deu um passo na direção dela e se deteve como que em posição de "sentido".
 -O que aconteceu, imperial? - perguntou ele.
 -Um dragão! Um dragão destruiu Helgen! A cidade está em ruínas, tudo está queimado! - respondeu Lucina afoita.
 -Um dragão? Mas que besteira é essa? - o guarda retrucou irritado. Lucina se aproximou mais dele.
 -Precisa acreditar em mim! - Disse ela. - Acha que eu teria vindo até aqui se fosse mentira? Eu estava lá! Vi a cidade virar ruínas!
 -Pare de falar bobagem, louca alucinada. Ninguém vê um dragão há séculos. Eles desapareceram. Agora saia daqui antes que eu a prenda por vadiagem!
 Lucina estava incrédula. Depois de tudo o que havia passado, agora não poderia entrar na cidade por causa de um mero guarda que não acreditava em sua história. Ela reavaliou seu dia em seu cérebro procurando por algo com que sua arma - a inteligência - pudesse trabalhar. Precisava de um argumento, algo que fosse capaz de encantar aquele homem da mesma maneira que ela havia encantado os Mantos da Tempestade que mataram Hadvar. Lembrou-se de uma informação que talvez pudesse ter bastante valor para a maioria dos nórdicos.
 -Ulfric! Ulfric Stormcloak estava em Helgen, prestes a ser executado. Ele pode ter escapado durante o ataque do dragão! O General Tulius também estava lá, ele pode ter morrido, você precisa avisar alguém. Um Jarl, vocês tem um Jarl que governa esta cidade, não tem?
 O guarda a olhou em silêncio. Lucina não podia ver sua expressão por dentro daquele elmo de metal, mas sabia que ele estava ponderando sobre o que acabara de ouvir.
 -Tem provas do que está falando, mulher? - Perguntou ele.
 Lucina estava aborrecida. Que mal faria a ele acreditar nela? Será que alguém realmente teria motivos para cruzar uma estrada perigosa como aquela apenas para ir mentir na entrada de uma cidade?
 -Não tenho. - respondeu ela - Mas você pode enviar alguém até lá para verificar se eu digo ou não a verdade.
 O guarda voltou a ficar em silêncio por mais alguns segundos. Longos segundos. Lucina o olhava um pouco tensa, mas paciente, esperando que ele decidisse no que acreditar. Por fim, o nórdico declarou em um tom um pouco mais baixo:
 -Me siga, a levarei até o Jarl. Mas se estiver mentindo pra mim, juro por Talos que vai apodrecer em uma cela.
 Lucina estranhou um pouco. Ninguém mais em Cyrodiil venerava Talos, afinal de contas estava proibido. Em Skyrim, porém, parecia que muita gente não estava respeitando tal proibição.
 Lucina seguiu o guarda para dentro da cidade. Quase todas as construções ali eram feitas de blocos de pedra sobrepostos e telhados de palha sobre estruturas de madeira, iguais à casa que ela havia encontrado quilômetros acima na estrada. Ela passou por uma serraria bem grande que possuía um mecanismo de serragem que funcionava com a força da água de um riacho que corria ao lado do mesmo. Era água limpa e abundante, e Lucina se lembrou então que estava com sede, mas não achou que seria uma boa ideia sair de perto do guarda que a guiava. Viraram a primeira esquerda e Lucina se viu ao lado de uma casa enorme e extensa, que ocupava um vasto terreno. Haviam quatro degraus de madeira que precisavam ser subidos para se chegar até a porta. Esta estava ladeada por duas bandeiras idênticas à que Lucina havia visto no muro, e claramente era a bandeira da cidade. Para aquela construção ter duas delas, certamente devia ser algo importante, um tipo de sede governamental ou coisa do tipo. Era uma das famosas Casas Comunais que os Jarls de Skyrim possuíam. Lucina não a achou tão sofisticada quanto as residências dos nobres de Cyrodiil, a Casa Comunal era bem mais rústica, porém claramente bem mais respeitável para o povo nórdico.
 Subiram os degraus e atravessaram a porta, adentrando o salão principal. O ambiente lá dentro era sombrio, mas imponente. Ao seu redor, Lucina percebia um segundo andar com parte na ala direita e outra parte na ala esquerda do salão, mas ambos os lados não possuíam ligação entre si, como se fossem dois mezaninos construídos em lados opostos do salão. O Salão Principal, no meio entre as duas alas, possuía um andar apenas, e o espaço entre o chão de pedra e o teto côncavo devia ser de dez metros ou mais. No centro do salão havia uma plataforma retangular de pedra lisa e sobre ela outra estrutura, também de pedra, formando um retângulo cujo interior oco continha vários e vários pedaços de lenha que crepitavam e brilhavam em meio a chamas, mantendo o salão pelo menos um pouco mais aquecido que o lado de fora. As várias colunas que davam sustentação ao andar de cima e as enormes e envergadas vigas que estruturavam o teto do edifício eram grossas e maciças, posicionadas algumas à esquerda e à direita da grande fogueira retangular e outras à esquerda e à direita do trono do Jarl, que ficava de frente para a mesma, na parede do outro extremo da sala. De sua posição, o Jarl ficava bem de frente para a porta de entrada, vendo e sendo visto por qualquer um que entrasse.
 Lucina não acreditou quando viu, mas as velas nas duas luminárias de ferro em ambos os lados da porta e nas quatro luminárias em redor do trono do Jarl haviam sido feitas em chifres de boi. Cada luminária continha quatro chifres cujos interiores haviam sido preenchidos com cera e um pavio acoplado, que queimava e tremeluzia. Nas quatro colunas aos lados da fogueira haviam também uma vela de chifre em cada, Lucina se perguntou como faziam para acendê-las, visto que estavam presas a mais de dois metros de altura.
 Lucina bateu e esfregou as botas no tapete da entrada, tentando limpá-las da sujeira, terra e folhas nas quais havia pisado. O guarda fez o mesmo. Ambos seguiram para a frente, na direção do trono do Jarl, passando ao lado da grande fogueira retangular. A jovem sentiu em fim o conforto do calor. Mal se lembrava como era. Skyrim era fria até mesmo quando debaixo do sol. Perante o Jarl, havia outro tapete sobre o qual os dois pararam. Lucina não pôde deixar de notar: nas duas paredes ao lado do Jarl, haviam três cabeças de animais em cada; duas cabeças de cervo jovem com chifres pequenos estavam empalhadas uma de frente para a outra, ladeadas por outras duas de alces, com galhadas enormes, também de frente uma para a outra. Abaixo de cada "dupla de cabeças", havia uma terceira pendurada, porém não estava empalhada, era apenas o crânio esquelético com chifres de algum cervo abatido, não havia sequer um resquício de pele. Assim como as outras cabeças, as esqueléticas estavam também penduradas uma de frente para a outra. Lucina se perguntou o porque da fixação daquela cidade com cervos. Talvez fosse apenas o animal mais abundante da região, visto que a própria Lucina havia encontrado um bem perto da estrada. Talvez fosse o subsídio da população, fornecendo pele e carne. Talvez Lucina devesse perguntar depois. O fato é que as referências ao animal não acabavam ali: havia uma coluna atrás do Jarl ladeada por duas peles esticadas na parede, peles que Lucina não conseguiu identificar a que bicho pertenciam. Pendurado nessa coluna, pouco acima da altura do trono do jarl, outro crânio seco de cervo jazia. De cada lado desse crânio, havia mais uma bandeira da cidade, com o desenho do tão estimado animal.
 O trono do Jarl ficava sobre um pedestal formado por dois patamares quadrados, um menor por cima de outro maior, como se fossem dois degraus. Era uma cadeira bonita e bem trabalhada, feita de madeira nobre (Lucina sabia reconhecer quando via) e com estofado lilás, a cor da bandeira da cidade. O homem sentado de forma despojada sobre o trono era mais jovem do que Lucina imaginava que um Jarl fosse. Usava botas de pele de morsa de qualidade, não como as rústicas botas de couro ressecado de Lucina, e sim algo feito com finesa para um nobre daquele calibre. Sua túnica refinada era alaranjada com um bordado dourado no meio, cheio de detalhes bem desenhados; possuía pelos em torno dos ombros mas não possuía mangas, deixando expostos os braços torneados e peludos do nobre. O Jarl tinha cabelo curto e preto, perfeitamente penteado para trás. Sua barba era bem aparada, deixando apenas um pequeno quadradinho de pelos ralos debaixo de sua boca. Em sua cabeça havia um diadema feito de um metal que Lucina não conseguiu identificar, e adornado com uma esmeralda grande e redonda bem no centro e outras duas menores uma de cada lado da esmeralda principal. Tão verdes quanto as ditas esmeraldas, eram os olhos do Jarl pouco abaixo das mesmas.
 Em outras circunstâncias, Lucina teria achado aquele um homem bonito e distinto, porém a primeira impressão foi diferente graças ao jeito enojado com que o nobre a olhava.
 -O que significa isso? Quem é essa mendiga?
 Lucina ficou boquiaberta. Definitivamente ela não estava esperando ser tratada daquele jeito pelo nobre, e não conseguiu responder nada. O guarda ao seu lado começou a explicar:
 -Jarl Siddgeir, esta mulher diz que Helgen sofreu um ataque.
 Vendo a falta de reação de Lucina, o guarda falou em um tom mais áspero:
 -Diga a ele o que me contou, imperial!
 Lucina limpou a garganta se recuperando do choque de ser maltratada por causa de suas roupas e falou:
 -Senhor... Tem que acreditar em mim. Eu estava lá.
 O Jarl se ajeitou na cadeira, pronto para prestar mais atenção nas palavras dela. Lucina continuou:
 -Um dragão... Helgen foi destruída por um enorme dragão negro que fazia chover fogo do céu.
 Siddgeir arregalou os olhos e olhou para o guarda incrédulo.
 -Foi pra isso que você me importunou? - Perguntou o Jarl em um tom ameaçador - Para contos de fada?
 Lucina rapidamente retrucou:
 -Milorde, não são contos de fada. Eu estava lá! Precisa acreditar em mim, eu o vi com meus próprios olhos.
 Siddgeir olhou para Lucina e, dessa vez, parecia ainda mais enojado do que antes.
 -Tire essa louca daqui. E lhe dê uma surra.
 Lucina deu um passo para a frente na direção do trono, roubando a atenção do Jarl que ficou ainda mais ofendido. O guarda colocou a mão no cabo da espada com o movimento brusco, mas não fez mais nada ao ver que a imperial havia se detido. Lucina disse:
 -Nobre Jarl Siddgeir, com todo o devido respeito, o senhor acha que eu teria vindo correndo de Helgen sozinha até aqui, enfrentando os perigos da estrada e da floresta, apenas para mentir para o senhor? O que eu ganharia com isso? Eu vim avisá-lo do perigo que cerca sua província! O dragão voou para a direção oposta daqui, mas nada impede que se volte nessa direção a qualquer momento. O senhor precisa se preparar! Além disso, Ulfric Stomrcloak estava na cidade, e o General Tulius também. Eu não sei se conseguiram escapar, mas da última vez que os vi, ambos estavam vivos. Dependendo do que tenha acontecido a eles, o destino da guerra pode mudar completamente! Envie alguém para lá e verá que eu falo a verdade!
 Siddgeir colocou a mão no queixo, pensativo.
 -Me explique uma coisa então, mocinha. - pediu ele. - Como é que nenhum dos guardas treinados de Helgen e nenhum dos experientes soldados da Legião Imperial conseguiu escapar da cidade e chegar até aqui com essa notícia, mas você, uma mera mendiga estrangeira que, embora peituda, é bem magricela, conseguiu chegar aqui para agredir meu nariz com o seu fedor?
 Lucina estava espantada com o caráter do Jarl. Ele demonstrava ser um homem muito machista, soberbo e não muito inteligente. Antes dele ter aberto a boca, ela teria apostado que sua personalidade era completamente o contrário. Lucina suspirou, lembrando do que acontecera no forte, e então respondeu:
 -Eu acho que... Eu dei sorte. Eu... e outros cidadãos... fomos escoltados por um soldado da Legião chamado Hadvar, através de uma passagem secreta na guarnição de Helgen. Mas alguns Mantos da Tempestade que haviam se libertado no caos causado pelo dragão haviam chegado antes de nós. Eles apanharam as armas dos soldados Imperiais mortos e quando nós os encontramos, tentaram nos matar. Hadvar morreu nos defendendo. Eu consegui fugir e não vi o que aconteceu aos outros.
 De uma porta à esquerda do tapete onde Lucina se encontrava, emergiu um homem grande de cabelo preto curto e costeletas peludas na lateral do rosto, ligadas ao seu grosso bigode. Ele usava uma armadura pesada da Legião Imperial, semelhante à que Lucina havia visto no corpo da Capitã Imperial em Helgen, porém o homem estava sem capacete. Lucina compreendeu que as armaduras leves de couro dos soldados da Legião eram para aqueles de cargo mais baixo e imediato, enquanto comandantes usavam aquelas pesadas couraças de aço, com uma saliência em forma de disco em cada ombro, em ambos os lados do pescoço, certamente para evitar decapitação. Lucina se perguntou se aquela armadura podia ser colocada por uma pessoa sozinha sem ajuda de ninguém. Mas imaginou que, uma vez colocada, ela certamente tornaria muito difícil matar seu usuário.
 O oficial Imperial, que havia saído apressado do cômodo à esquerda, se deteve ao lado do tapete e perguntou a Lucina:
 -Esse soldado que você falou, Hadvar. Como ele era?
 -Nórdico, cabelo castanho comprido até a nuca, olhos castanhos, uns trinta anos de idade ou menos. - Respondeu Lucina.
 O oficial olhou para o Jarl Siddgeir e disse:
 -Eu o conheço. Hadvar de Riverwood. Ele faz parte da guarda pessoal do General Tulius. Ela pode estar dizendo a verdade...
 Riverwood... Lucina tentava se lembrar onde já havia ouvido aquele nome. Ela costumava ser elogiada por todos por sua boa memória. Lembrou-se de Hadvar, com a lista de prisioneiros nas mãos, chamando-os pelos nomes e locais de origem. "Ralof de Riverwood". Agora Lucina entendia porque eles haviam conversado como se conhecessem um ao outro na frente da guarnição de Helgen. Ela começava a ponderar sobre o quão horrorosa podia ser aquela guerra, que colocava vizinho contra vizinho, amigo contra amigo e talvez até mesmo parente contra parente.
 Siddgeir olhou na direção de Lucina com uma expressão preocupada. Ela o olhou pensando que ele lhe dirigiria a palavra, mas então percebeu que o Jarl não olhava para ela, e sim para alguém atrás dela. Virou-se e viu uma alta elfa de cabelo loiro tão curto quanto o do Jarl e tão bem penteado para trás quanto o mesmo, andando na direção do trono. A elfa tinha olhos vermelhos e pele amarelada, e vestia uma roupa fina de pele de cabra, bem costurada e cortada, e comprida a ponto de cobrir o corpo inteiro. A roupa parecia extremamente confortável, inclusive pelos sapatos de camurça, e era composta por uma túnica interna de um tom de marrom claro e, por cima uma casaca mais grossa em marrom mais escuro, com um cinto na cintura que a prendia. Bem agasalhada. Lucina sentiu inveja.
 Siddgeir disse para a elfa em um tom preocupado:
 -Nenya... Isso pode ser possível? Se Helgen tiver sido destruída, isso significa que eu perderei dois quintos do dinheiro que arrecado com impostos no Domínio!
 Em um tom gentil e bajulador, a elfa respondeu:
 -Acalme-se, milorde. Eu enviarei alguém imediatamente para averiguar a veracidade dessa história. Se for verdade, trabalharemos juntos em uma maneira de recuperar os lucros.
 O oficial militar disse:
 -Enviarei um mensageiro ao Castelo Rígido[2] para me informar sobre a situação do General Tulius.
 Siddgeir permanecia em silêncio com uma cara pensativa. Nenya parou ao lado do trono, à esquerda do Jarl, e voltou-se para Lucina:
 -Viu para onde esse tal dragão foi?
 Lucina respondeu um tanto confusa:
 -Não sei dizer a direção cardeal exatamente, mas do lugar em que saí, ele foi para a minha direita. Então eu fui para a esquerda e cheguei até esta cidade.
 O guarda que a havia acompanhado falou:
 -Ela veio pela estrada leste.
 Nenya ficou pensativa:
 -Hm... Então, acho que ele pode ter ido na direção de Whiterun... Se for verdade, logo as notícias chegarão. De qualquer modo, enviarei alguém a Helgen imediatamente. Teremos certeza do que aconteceu logo pela manhã.
 Lucina lembrou-se dos bandidos pelos quais havia passado na estrada. Quem quer que a elfa enviasse por aquele caminho, certamente estaria sujeito a ser assaltado ou mesmo morto.
 -Tem mais uma coisa que precisam saber. - disse a imperial - No caminho para cá, passei por grupo de ban...
 -É só isso, imperial! - Interrompeu Nenya.
 Lucina não entendeu por que a elfa não queria lhe ouvir.
 -Mas... - Insistiu ela.
 -Guarda, tire ela daqui! - Ordenou Nenya a interrompendo mais uma vez.
 O guarda segurou Lucina pelos braços e começou a empurrá-la para fora.
 -Esperem! - disse ela. - Eu não fiz nada!
 -Pare! - Ordenou o oficial Imperial, aproximando-se de Lucina. O guarda obedeceu e o homem continuou. - O que queria dizer, menina?
 Lucina começou:
 -Na estrada pela qual eu vim...
 O Jarl Siddgeir se levantou furioso de seu trono, lançando um olhar ameaçador para a menina. Como estava de costas para o Jarl, o oficial militar não viu a atitude do mesmo. Lucina temeu continuar a frase. Claramente o Jarl sabia sobre os bandidos, e por algum motivo não queria que nada fosse feito a respeito.
 -Eu... - Gaguejou Lucina. - Na estrada, eu não consegui encontrar nada para comer... Não como há dois dias seguidos.
 O oficial ficou um tanto confuso. Não era aquilo que esperava ouvir. Lucina olhou para Siddgeir e este sorriu de canto, lançando-lhe um olhar de aprovação. Em seguida, despencou sobre seu trono novamente. Nenya soltou a respiração que havia prendido e disse:
 -É claro! Tenho aqui algumas moedas para você! Compre algo para comer na Bebida do Homem Morto.
 Lucina ficou se perguntando o que era a "Bebida do Homem Morto". Deduziu que seria a taberna da cidade, mas aquele era um nome um tanto fúnebre para uma taberna. Nenya tirou alguns septins[3] do bolso da túnica e estendeu a mão. O guarda soltou os braços de Lucina e ela andou até a elfa, coletando as moedas de sua mão.
 -Obrigada, - disse Lucina. - Que os divinos abençoem seu bom coração.
 Após virar as costas para sair do salão, Lucina ouviu a voz de Siddgeir:
 -Não saia da cidade até confirmarmos a sua história, menina.
 Ela se virou de frente para o trono outra vez e fez uma leve reverência com a cabeça enquanto dizia:
 -Como quiser, milorde.
 Então virou-se novamente e saiu da Casa Comunal, recebendo o ar frio do exterior em seu rosto após abrir a porta. O guarda saiu logo atrás e, fechando a porta atrás de si, dirigiu-se de volta para seu posto na entrada da cidade, despedindo-se de Lucina com as palavras:
 -Fique fora de problemas, imperial.
 Lucina ainda estava tentando entender o motivo do Jarl não querer acabar com os bandidos que agiam perto de sua cidade. Decidiu não pensar mais naquilo, não era de sua conta de qualquer forma, e ela estava com fome demais para se preocupar com qualquer outra coisa.
 Seguiu a rua para a esquerda procurando pela taberna. Passou por uma loja de alquimia cujo nome na placa dizia: "Concocções da Sepultura". Lucina se perguntou por que todos os estabelecimentos da cidade tinham nomes tão fúnebres. Não era nada atrativo. Vendo que a rua acabava no que era o quartel dos guardas da cidade, ela decidiu voltar atrás e seguir para onde seria a direita da porta da Casa Comunal. A rua terminava em outra que a cruzava, a mesma pela qual Lucina havia entrado na cidade. Decidiu seguir aquela até o fim e logo avistou a placa da Bebida do Homem Morto. O Sol já estava se pondo. Com sorte, Lucina conseguiria um lugar perto da fogueira para passar a noite.
 Ao abrir a porta da taberna, a moça sentiu o ar quente escapando lá de dentro e acariciando seu corpo. Ele trazia consigo um cheiro de comida fresca recém-cozinhada. Ela entrou e fechou a porta. De forma parecida com a Casa Comunal, a taberna tinha chão de pedra, várias colunas grossas de madeira com pedaços envergados amarrados em cima para dar sustentação ao teto de palha, e em quase todas as colunas havia uma vela de chifre. Aquelas velas eram mais comuns em Skyrim do que Lucina imaginava, e haviam duas delas em cada uma das cinco mesas que beiravam as paredes da taberna. As mesas eram retangulares e bem rudimentares, feitas de madeira grossa e, diante de cada uma delas, um banco retangular, também de madeira rudimentar. De forma semelhante ao salão do Jarl, havia uma fogueira retangular feita de pedra no meio da taberna, porém esta queimava muito mais intensamente, com muito mais lenha, aquecendo o lugar de verdade.
 Espalhadas pelo chão da taberna, haviam peles de animais de vários tipos e tamanhos, a maioria delas com pelos bem visíveis. Uma delas, bem diante da porta de entrada, servia como capacho para quem entrasse, e Lucina tentou limpar as solas das botas ali.
 A "Bebida do Homem Morto" estava praticamente vazia, não fosse por dois velhos que bebiam em silêncio suas cervejas em suas canecas de ferro, sentados em duas das três pequenas cadeiras de madeira no canto da taberna, à direita de Lucina. Um dos velhos estava usando uma armadura de couro muito bem trabalhada, com ombreiras grossas e um protetor acima do ombro esquerdo semelhante aos que Lucina havia visto na armadura do oficial na Casa Comunal. A armadura tinha um cinto grosso com uma fivela grande de ferro e vários rebites de metal na couraça e nas botas, parecia muito mais dura e resistente do que as armaduras leves de Imperiais e de Mantos da Tempestade que Lucina havia visto. O velho tinha cabelo branco comprido até pouco abaixo da nuca e ao seu lado, apoiada em sua cadeira, estava uma espada comprida e grossa, de boa qualidade, guardada dentro de uma bainha.
 O outro homem era tão calvo que mal se podia perceber os poucos cabelos brancos que ainda tinha atrás da cabeça, e possuía uma barba branca comprida e espessa, mal dava para se ver sua boca através dela. Usava roupas finas e caras: botas pretas aveludadas de pele de algum animal raro, calça marrom de lã, camisa verde de algodão e um casaco, também verde, com detalhes em vermelho na parte dos fechos. Por cima dos ombros, usava uma capa pequena de pele com pelos marrons, presa por um broche de ouro.
 À esquerda de Lucina estava a fogueira e, ao lado desta, uma mulher ruiva com cabelo penteado e uma trança de cada lado da cabeça varria o chão com uma vassoura de madeira e palha. Ela usava um vestido verde de alça, feito de linho, que era aberto na lateral da perna esquerda. Calçava botas de couro de boi e tinha várias argolas finas de bronze em redor dos braços. Por cima do vestido, na barriga, usava um espartilho de couro de cavalo, apertado por vários cadarços de linho.
 Do outro lado da fogueira, um bardo bretão[4] loiro de cabelo curto e um bigode em forma de arco, vestido em uma roupa toda azul de algodão com mangas longas e calçando botas idênticas à da mulher que varria o chão, estava limpando sua flauta, preparando-se para tocar.
 No extremo esquerdo da taberna ficava o comprido balcão de atendimento atrás do qual a proprietária do lugar, uma mulher imperial de pele escura, estava de pé com as mãos debruçadas na madeira do balcão. Ela tinha cabelo preto na altura do pescoço e usava um vestido também de alças, porém com mangas compridas e brancas. Com a entrada de Lucina, a mulher detrás do balcão cravou seu olhar na mesma, inquieta. Não pretendia deixar nenhuma mendiga perturbar seus clientes pedindo esmola dentro de seu estabelecimento. Lucina avançou na direção do balcão e mostrou as moedas que tinha. Falou um pouco envergonhada:
 -Eu... queria algo para comer. O que posso comprar com isso?
 Ela entregou as moedas nas mãos da mulher de pele escura e a viu contá-las. Eram apenas sete.
 -Sete septins. - Disse a mulher de trás do balcão. - Temos uma guloseima feita de nozes trituradas e um pouco de farinha, batidas no mel, por seis septins. Também temos o rolo doce por seis septins. Farinha com algumas gotas de vinho, coberto com glacê de claras de ovos batidas ao leite com mel.
 Doces? Lucina estava decepcionada. Estava esperando que pudesse comer algo com mais sustância, alguma carne talvez. O bardo começou a tocar sua flauta, uma melodia doce e alegre.
 -O que pode melhorar no rolo doce por sete septins? - Perguntou Lucina.
 A mulher olhou para a jovem com suspeita. Lucina retribuiu o olhar com uma expressão de súplica, tão natural quanto a fome e a sede que ela realmente sentia. A mulher guardou as moedas no bolso e disse:
 -Colocarei um pouco de banha dentro da massa para você.
 Lucina balançou a cabeça, quase que se curvando perante a proprietária da taberna.
 -Muito obrigada. - Disse ela.
 A mulher acenou para a ruiva que varria o chão e que tinha prestado atenção na conversa. A nórdica apoiou a vassoura na parede e foi para dentro da cozinha para preparar o alimento de Lucina. A atendente voltou a olhar a jovem de olhos de anil.
 -Cruzou a fronteira recentemente, não é mesmo? - Perguntou ela.
 -Sim. - respondeu Lucina. - E você? Está aqui há muito tempo?
 A mulher soprou o ar pelas narinas como que simulando uma risada.
 -Muito. - Respondeu ela. - Fugi das lutas em Cyrodiil apenas para elas me encontrarem aqui. Eu sou Valga. Valga Vinicia. E você é?
 -Lu... - Lucina hesitou. Talvez não fosse bom falar seu verdadeiro nome. Ainda estavam relativamente perto da fronteira e talvez a influência de Varichello se estendesse até mesmo àquela parte de Tamriel. Ela também não poderia usar o mesmo nome falso que havia dado em Helgen, talvez algum soldado Imperial tivesse escapado e ouvido, talvez se lembrasse que ela era uma condenada. Achou melhor criar outra identidade a partir daquele momento. - Lumia. Lumia Covetis. É um prazer.
 -Bem vinda a Falkreath, a cidade-cemitério.
 -Por que tudo aqui tem nome de morte?
 -Você não viu o cemitério lá atrás? Muita gente morreu nessas terras antes da cidade ser construída, e seus corpos eram enterrados lá mesmo. O povo dessa terra tem uma certa... obsessão... por batalhas e morte, e por isso esse solo adquiriu um certo valor cultural para os guerreiros de Skyrim. Muitos alegavam que, quando morressem, queriam ser enterrados aqui, e assim foi sendo. O cemitério cresceu muito. A cidade foi sendo construída ao redor pouco a pouco, sempre sendo mais conhecida pelo cemitério, isso moldou toda a cultura de Falkreath. Se tornou meio que uma tradição nomear seu comércio com alguma relação ao cemitério. - Explicou Valga.
 O bardo parou de tocar sua flauta e anunciou sua próxima música:
 -Essa é uma das minhas canções preferidas, e uma das primeiras que aprendi: Ragnar, o Ruivo!
 Lucina decidiu prestar atenção na letra da música. Ela narrava a história do tal Ragnar, um homem que entrou em uma taberna para beber e contar sobre seus feitos heroicos e batalhas que havia vencido. Entretanto, seu parlatório acabou por irritar uma guerreira que também estava na taberna, e esta o acusou de mentir e reclamou por Ragnar beber demais, decidindo por matá-lo. A história acabava quando a guerreira decepava a cabeça de Ragnar, com uma arma não citada na letra, fazendo a cabeça ruiva do protagonista rolar pelo chão.
 Ao término da canção, Lucina estava horrorizada. Era aquilo que os nórdicos chamavam de cultura? Aparentemente era, porque os dois velhos sentados no outro extremo sorriam e aplaudiam entusiasmados à performance. Ela duvidou que o bretão houvesse dito a verdade sobre aquela ser uma de suas canções favoritas, sabia que o povo de Highrock era mais civilizado do que aquilo. Mas para aquela ter sido uma das primeiras músicas aprendidas pelo homem, certamente ele havia chegado bem jovem a Skyrim, talvez ainda durante a infância, e os anos o haviam transformado em um bárbaro assim como os nativos. Lucina se perguntava se ela também estaria fadada a ser endurecida por aquela terra. Parecia ser o único jeito de sobreviver. Em seu primeiro dia no país, ela já havia cruzado armas contra inimigos e decapitado um cadáver; não se imaginava capaz disso até o dia anterior.
 A mulher ruiva trouxe o rolo doce de Lucina em um prato e o depositou no balcão à frente da mesma. Lucina sentiu o cheiro doce subindo-lhe às narinas. Fechou os olhos, juntou as mãos e sussurrou:
 -Stendarr[5] seja louvado!
 Valga lhe indicou uma das mesas retangulares com a mão, dizendo:
 -Vá! Sente-se, menina!
 Lucina pegou o pratinho nas mãos e foi se sentar. Sentiu a coluna e as pernas relaxarem por fim. Ela realmente precisava sentar. Agora, não sabia se poderia voltar a levantar tão facilmente. Colocando o prato sobre a mesa, ela apanhou o doce nas mãos e começou a comer. O sabor era deveras agradável, e a sensação de colocar finalmente algo dentro da barriga era tão reconfortante que os olhos de Lucina se encheram de lágrimas. Aquele havia sido um dia difícil e, embora não estivesse à altura, a recompensa havia chegado. Lucina tinha passado por muitos problemas, mas considerando que estava viva, acreditava que não tinha do que reclamar.
 Lucina comeu com voracidade e ficou triste ao perceber que o lanche havia acabado. Lambeu os dedos sujos de glacê, apanhou os farelos e grãos do prato com as pontas dos dedos e os depositou na língua, sempre olhando para os lados, envergonhada para o caso de alguém a ver se comportando daquela maneira.. Havia aprendido a comer da forma mais refinada possível, mas naquela hora a fome era mais forte do que as considerações sobre a etiqueta à mesa. Sem se conter, ela segurou o prato de madeira nas duas mãos e o lambeu até não sentir mais o gosto de nenhum resquício do rolo doce. Ainda estava com fome, mas menos do que antes.
 Lucina pousou o prato novamente na mesa e fechou os olhos, respirando um pouco mais tranquila. Atrás de si, a fogueira ardia aquecendo suas costas e seus braços. Lucina sentiu o corpo relaxar e as dores do estresse do dia começarem a lhe acometer, junto ao cansaço. Pouco a pouco, suas pálpebras foram ficando pesadas e seu pescoço pendendo, deitou sua cabeça na madeira da mesa e ali adormeceu.


Notas Finais


[1] - Mara é a deusa do amor e da piedade, uma dos Oito Divinos.
[2] - O Castelo Rígido é o Quartel-General da Legião Imperial em Skyrim.
[3] - Septim é o nome da moeda corrente no Império.
[4] - Bretões são os habitantes da região de Highrock, a oeste de Skyrim, e embora tenham uma aparência mais próxima à dos humanos, sua raça é fruto das relações entre Altos Elfos e humanos.
[5] - Stendarr é o deus da justiça e da misericórdia, um dos Oito Divinos.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...