Estavamos no harém, aquela tarde entediantas. Não haveria mais nenhuma atividade. Todas esperavam o príncipe chegar e tirar uma de nós para um passeio. E até agora nada de Amen.
Ele certamente estava treinando. Era sua atividade preferida. Ele só estava seguindo uma tradição de família. Tanto Seti, quanto Ramsés foram grandes soldados do exército e participaram de importantes guerras e batalhas.
Uma geração após outra de guerreiros.
Meryt estava ao meu lado.
Conversamos, quando ela perguntou:
— Você e o príncipe já conversaram?
— Sim, duas vezes.
— Nós fomos apenas uma — ela contou. — E foi um pouco estranho.
— Estranho, mas porquê?
Ela se endireitou na cadeira.
— O príncipe é lindo. Simpático, gentil. Mas não foi como eu imaginei que seria. Minha irmã mais velha, já se casou. Uma vez perguntei à ela como eu saberia quando me apaixonasse. Ela disse que o coração dispara. Você fica feliz, quer ver a pessoa, quer está perto dela. Bem, eu gosto de está perto dele... e só. Estava tão empolgada com a Seleção. Eu e toda minha família. E agora não sei o que fazer.
Meryt não pedira um conselho, mas parecia precisar de um.
Ela estava decepcionada, pois deveria sentir algo pelo príncipe. Eu achava uma pressão grande demais das famílias — que eu não sofria, mas as outras Seleionadas, sim — como se fosse obrigatório se apaixonar pelo príncipe. Mas na minha opinião, não fazia o menor sentido.
Se as trinta e cinco Selecionadas se apaixonassem pelo principe, trinta e quatro voltariam com o coração partido para casa? Não era justo!
— Sobre o que conversaram? — perguntei.
— Ele perguntou sobre minha vida. Como era minha vida, antes do palácio. E você, Maya? Conversaram duas vezes?
— Pois é, os assuntos vão surgindo naturalmente. Também não sinto esses sintomas que sua irmã descreveu. Mas gosto de está perto dele. Não é uma experiência constrangedora, nem desagradável. É natural.
— O problema deve ser comigo. Eu não combino com a nobreza, com o palácio, com esse luxo todo. Eu não nasci para ser princesa. Eu sou uma plebeia e me sinto bem, desse jeito.
— Não é mais, tudo mudou. Depois de acabar a Seleção, você será uma nobre: Três, Quatro ou até Um.
— Não serei a próxima princesa, Maya. Tenho absoluta certeza. Eu não importo. Só não queria decepcionar minha família, eles estão tão confiantes.
— Todos os plebeus estão — completei. — Com a pequena possibilidade de ter uma plebeia, como rainha.
— E é por isso que você tem que ganhar, para representar o nosso povo. As Dois e Três não fazem ideia de como é a vida dos plebeus.
— Dizem que Anippe, Anath e Isetbela tiveram mais encontros que a todas as outras. Também elas são Dois. Tem mais afinidades com os nobres, como elas. E conhecem o principe desde criança.
— Mas não são as únicas Dois da Seleção.
Mas as nobres eram as mais próximas do príncipe. Anath, principalmente.
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Estava indo em direção ao meu quarto, depois do jantar na sala dos banquetes,quando a nova dama da princesa Meritamon me disse que a princesa gostaria de falar comigo.
Quando entrei, pude perceber que tinha algo errado. Ela parecia muito para baixo, triste, nem a via pelo palácio à uns dois dias, nem esteve presente no jantar daquela noite. De repente, me senti mal, tinha algo de errado com a Meri, e eu só percebi agora, que fui chamada por ela. Deveria ter vindo antes.
— Princesa, deseja falar comigo? — perguntei, fazendo reverência, ainda na porta do quarto.
Ela ergueu o olhar e disse:
— Sem formalidades, May. Você é minha amiga. Afinal, preciso de alguém que fale comigo, esquecendo que sou princesa.
— Desculpe, Meri. — falei entrando no quarto. — É a força do hábito.
Ela deu um leve sorriso. Pelo seu jeito, sabia que tinha algo grave, acontecendo.
— Sente-se, Maya. — ela pediu.
Assim eu fiz.
Sentei de frente para ela. Ela olhou para as duas criadas que estavam no quarto.
— Podem ir, se eu precisar de algo mais, mando chamá-las.
Ela fizeram reverência e saíram.
— Gostei de ver, Maya. — comentou a princesa. — Estava acompanhando a aula de dança das Selecionadas e para uma iniciante, você se saiu muito bem.
— Obrigada, Meritamon. Bem, é algo que eu sempre fazia na festa dos hebreus, mas estou adorando. Dancarei sempre que puder, agora.
As aulas de dança começaram na segunda semana da Seleção.
O que era ótimo, ainda havia muitas Selecionadas, e ter aulas no palácio era melhor que qualquer outro lugar, e uma oportunidade única. Isetnefert, esposa do rei, ficou responsável pelas aulas. Ela dançava muito bem, e estava fazendo milagres, eu nunca havia dançado antes.
E agora, estava aprendendo e adorando. E claro, haviam jovens que dançavam a muito tempo e sequer precisavam das aulas. Anath estavam em uma das que mais se destacava, afinal ela era dançarina. Meryt estava na mesma situação que eu: nunca dançara antes, e estava adorando.
— Muito bem, não pare mesmo. — ela aconselhou.
— Confesso que ne sinto um pouco perdida, às vezes. Cresci entre duas culturas completamente diferentes.
— Compreendo que não deve ser muito fácil. É difícil para mim entender que possa existir um Deus, sen nome, sem rosto, mas eu respeito outras crenças.
Houve uma pausa. Olhando aquele quarto fascinante da princesa mais uma vez, comecei a pensar que essa vida de princesa era uma quase realidade para mim.
Só o fato de estar entre as trinta e cinco, mudará toda minha rotina, e toda minha vida. Duvidava que eu algum dia tudo voltasse a ser como era antes.
— E o que foi, Maya? — perguntou a princesa, preocupada. — Estamos aqui conversando, e de repente você ficou tão pensativa.
— Nada demais princesa, é que coisas que eu nunca imaginei, aconteceram com a minha vida, e tudo muito rápido. Eu vim para o palácio, servir e acabei sendo servida, tendo uma dama. Sendo tratada com uma nobre.
— E você não tem gostado dessa nova vida?
— Sim, claro. O conforto do palácio, todas as regalias, acho que ninguém rejeitaria nada disso, mas quando penso em todas as responsabilidades que uma princesa, e principalmente a futura rainha terá, me parece um desafio muito grande.
— Não vou dizer quer ser princesa é fácil. Ás vezes é meio sufocante, mas eu admito tenho muita sorte. Sou filha do protegido dos Deuses, do Hórus Vivo. Agora, ser rainha só minha mãe pode dizer, ela simplesmente nasceu para esse cargo. E exerce com excelência — ela falou, com certo orgulho, na voz.
— Claro, e é isso que me deixa insegura.
— É apenas isso que te preocupa?
— Não mesmo. Estou pensando em Mitri, meu avô paterno.
— Deveria ouvi-lo. — aconselhou ela. — Ele é o escriba real. Pensávamos que ele não tinha descendentes, desde que o filho morreu, mas existe você.
— Tem toda razão. As pessoas mudam com o tempo. Ele pode ter mudado.
Estava decidido, eu conversaria com meu avô.
Olhei para ela.
Estava falando de mim, mas ela não parecia nada bem.
— Está doente, Meri? — perguntei. —Tem passado tempo demais afastada, faz uns dois que não a vejo, pelo palácio.
Ela suspirou.
— Antes eu estivesse doente. Posso até fingir, mas não por muito tempo.
— O que é, então? Estou ficando preocupada!
— Calma, vamos começar por você. Como está indo a Seleção?
— Está correndo tudo muito bem, as princesas Henutmire e Tia, estão sendo muito gentis com todas nós.
— Minhas tias, eu as adoro. Ambas maravilhosas. — ela sorriu. — E eu me espelho nelas. Espero um dia ser uma princesa tão amada e querida, pelos súditos, quanto elas.
— E você será, pode ter certeza.
— Eu preciso desabafar com alguém e só confio em você. Minha única amiga.
— Você não sabe o quanto é prazeroso ouvir isso, princesa. Seria tão bom se Meryt ficasse no palácio, também.
— Uma das Selecionadas, não é?
— Sim, é mais próxima de mim. Ela é Cinco. Filha de comerciantes.
— Tive poucas oportunidades de conversar com ela, mas acho que seríamos boas amigas.
— Bom, o que me deixou para baixo, foi o que o meu pai comentou hoje, na Sala do Trono, que eu me casarei logo depois de Amenhotep.
— Então comecei a pensar em como os casamentos são injustos para as princesas, filhas do rei. Se fosse a alguns anos, eu teria que me casar com Amenhotep.
— E ao mesmo tempo que desejo ser como a tia Henutmire na personalidade, eu penso em como seu casamento dela, aconteceu.
— Ela se casou com o antigo general do exército de meu avô Seti: Disebek, que faleceu à alguns anos. Eles não se amavam. Ela foi com um prêmio. Pela competência dele.
— Isso me parece triste — observei.
— E se meu pai quiser que eu me case com o homem de maior confiança dele, como fez o meu avô Seti?
Pensei rapidamente. O general do exército era sem dúvida o homem de confiança do rei Ramsés: Bakenmut. Ele possuia uma boa aparência, e era muito forte, mas tinha certamente vinte anos a mais que a princesa.
— O general Bakenmut? — perguntei.
— Exatamente, mas eu não quero me casar com ele, Maya — ela olhou para os lados, afim de ter certeza, de que ninguém nos ouvia, depois sussurrou:
— Eu estou apaixonada.
— Certamente por algum nobre que veio na última grande festa do palácio.
Ela balançou a cabeça.
— Não é. Na verdade, eu estou apaixonada por... Chibale. — ela revelou, sorrindo.
— Eu passei minha infância brincando com Chibale, ele era alguns anos mais velho, mas sempre foi um fofo. Gostava de brincar com as crianças mais novas, não só comigo. E sempre teve um talento surpreendente para cozinha, diferente de mim que sempre passei bem longe — ela riu.
— Faz algum tempo que eu percebi que é mais que afeto. Nós dois crescemos, e que meus semtimentos por ele cresceram e aumentaram. Se tormou muito mais que amizade.
Ela continuou, depois de uma breve pausa:
— Resolvi esconder isso de todo mundo, porque sabia que meu pai não aceitaria, mas agora que meu pai planeja me casar não posso ignorar que vou perder a chance de ficar com quem eu amo.
— Você consegue ver o coração das pessoas. Muito além da função, ou das castas, admiro muito isso, Alteza.
— Podem dizer que ele não serve para mim, porque é Seis, um simples cozinheiro. Mas eu conheço o Chibale, ele é tão adorável. Foi impossível não me apaixonar por ele. Mas eu nem sei se ele sente o mesmo por mim.
— Meri, você é tão linda, gentil. Se ele ainda não notou seus sentimentos por ele, está perdendo tempo. Ou ele tem medo.
— Todos parecem ter medo, May. Ser filha do rei, tem suas desvantagens.
Eu não conseguia imaginar, que algum dia iria ouvir essa frase.
Primeiro porque não me imaginava que algum dia ficaria tão perto de uma princesa — a ponto de trocar conficidências — e também, porque achava que uma princesa tinha uma vida perfeita.
Em seguida, pensei em Chibale. Ele estava apaixonado pela princesa e não se declarava por insegurança. Não achava justo contar isso ela. Esperava que eles pudessem ficar juntos e viver esse amor, algum dia. Não podia ser tão impossivel assim. Eu também, achava impossível me casar com um príncipe, e estava na Seleção.
— Você me dar esperanças com sua história de vida, é inspiradora. Uma plebeia, que estava vivendo junto dos Sete e agora, está aqui. Tão perto de ser a próxima princesa. Faz parecer que nada é impossível. E acreditar que no final, eu e Chibale ficaremos juntos.
— A Seleção é grande avanço, quem sabe as coisas não ficam menos severas, agora? — falei, tentando animá-la.
— Que os Deuses te ouçam.
No futuro, pensei comigo mesma; se eu tiver a chance, pouparei a princesa Meritamon do destino de se casar sem amor.
Houve batidas na porta. Era o príncipe Amenhotep. Ele entrou em seguida.
— Meri, eu... — começou o principe e parou assim que me viu. — Maya?!
Olhei para o príncipe e levantei, fazendo reverência em seguida.
— Alteza.
— Maya veio me ver. — falou a princesa. — Eu a chamei aqui. Sinto falta dela.
— Sua antiga dama permaneceu no palacio, não há motivos para sentir falta — observou o príncipe.
Meri balançou a cabeça, e foi até o príncipe o abraçando. Lembrei de meu irmão Elias, éramos muito próximos também, e agora estávamos distantes.
— Mesmo assim. Não nós vemos com muita frequência. Ela anda ocupada com os afazares das Selecionadas.
— Pelos Deuses! Não me faça pensar nessa competição mais do que eu já penso minha irmã, por favor — falou o principe, caminhando pelo quarto.
Eu nunca tinha o visto tão a vontade. Percebi que ali, com a irmã, ele poderia ser ele mesmo.
— Você está diante de uma Selecionada, Amen. Daqui a pouco, ela vai pensar que você odeia a Seleção. — repreendeu a princesa.
— A senhorita Maya sabe que não ódio que eu sinto, e sim incerteza, diante uma escolha tão importante — ele respondeu, olhando para mim.
— Onde esteve que abandonou todas suas garotas, essa tarde no harém?
— Na sala de treinamentos. Um guerreiro, nunca deve parar seu treino.
— É fascinado por guerras, batalhas. Como nosso pai. — observou Meri.
— Bem, eu acho melhor ir para os meus aposentos. — eu disse. — Todos temos que acordo bem cedo, amanhã.
— Tudo bem, você tem razão — concordou a princesa. — Mas, volte assim com conseguir um tempo livre.
— Pode deixar Meri.
— Tenha uma boa noite, senhorita — desejou o principe.
— Boa noite, Amen.
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