1. Spirit Fanfics >
  2. Profano >
  3. Profano

História Profano - Profano


Escrita por: Isa_HU

Capítulo 1 - Profano


Luciano se lembrava bem daquela missa, a maldita missa que foi apenas a pedido de sua mãe, pois gostava de vê-la feliz e se ele entrasse naquela maldita igreja, ela sorriria para ele e tudo valeria a pena, ainda mais que era apenas um domingo, um maldito domingo onde ele não tinha que fazer nada, e sendo totalmente honesto, preferiria passar 4 horas ouvindo um sermão do que passar 4 horas tenso a espera de seu pai embreagado em casa. Tudo era melhor fora de casa.

De qualquer forma, sua primeira missa foi em um domingo de setembro, antes de ir, ele havia sido convidado por sua mãe a participar da próxima missa que seria no domingo daquela semana, ela tinha um sorriso receoso no rosto e parecia tão tímida em pedir a companhia do filho, Luciano vendo isso, não teve a coragem de negar, mesmo que não fosse o mais religioso, acreditava que, se sua mãe estivesse feliz, tudo estaria bem, por ela estaria bem.

Quando chegou, viu uma estrutura intimidante para si, viu estátuas de santos que pareciam chorar pelo tanto de pecadores que não mudavam seu ser e que achavam que sua presença lá já mudava todo o pecado que eles carregavam nas costas. Lá estava o padeiro que traía sua esposa todas as noites, assim como lá estava o filho mais velho do mesmo padeiro afastado do pai pela raiva que não desaparecia, por isso gastava tudo no álcool, mas nunca parando. Também estavam ali duas idosas na casa dos 70 que ao verem Luciano e sua mãe, faltaram queimar de ódio em vê-los, normal nos anos 90, Luciano, mesmo com 14 anos, estava se acostumando com aquilo. Bem, ele também avistou uma das mulheres que se jogavam para seu pai em busca do dinheiro que ele gastava com bebida, a dona do mercadinho da região, uma família formada por um homem moreno, uma mulher loira e 3 crianças vestidas como bonecas de pano. Luciano já viu todos esses e já teve boas conversas, ele sabia bem a índole de cada um.

Lembrava de estar atento com aquelas pessoas ali, como se temesse ser atacado, já que estava em um lugar novo e estranho para si e também se mantinha perto de sua mãe que permanecia em silêncio quanto ao olhar nojento das duas idosas. Luciano queria perguntar se elas perderam a bunda com eles para ficarem os encarando daquela maneira, mas era arriscado só de existir naquele tempo. Mas bem… 

Ele se sentou ao lado de sua mãe, que tinha sua única bíblia em mãos e olhava para o altar com paciência a espera do padre chegar começar a missa, isso enquanto ele ainda observava o novo lugar, deixando seus olhos passearem por cada estrutura de aparência medieval ou gótica como denominou seu livro de artes.

Até o momento que seus olhos pararam, avistando algo que nunca pensou que pudesse realmente existir.

Ele estava vidrado.

Dreads longos e bem penteados, pele escura mas com algumas manchas brancas em sua face e mãos, olhos tão escuros e profundos que foi neles que Luciano se perdeu confuso. Vestia uma camisa social com estampa de flores rosas e uma calça cor caqui que estava presa em sua cintura com um cinto de couro da mesma cor, calçando um sapato oxford também marrom e brilhante. Ele era alto, talvez mais que ele e... Esse sorriso... Um sorriso de alguém distraído por estar ocupado demais arrumando algumas coisas ali, ele arrumava o piano da capela.

Aquela visão era algo anormal para Luciano, que não entendia o que via de tão especial naquele homem e muito menos entendia o que sentia naquele momento, isso até que sua mente lhe deu a resposta para essa questão tão óbvia.

Era claro como a luz do dia, Luciano acabara de avistar um anjo.

Passaram 6 anos desde aquele dia e Luciano nunca faltou a uma missa, apenas para poder ver Fernando, o anjo que ele avistou no seu primeiro dia naquela igreja. E desde aquele dia, Luciano, que nunca havia se sentindo bem com tudo ao seu redor, estava lá, sorrindo ao ver um anjo tocando piano, se encantando com cada nota tocada por seus dedos tão ágeis. Como, mesmo de olhos fechados, sabia onde tocar?

Bem, a missa acabou e todos ali estavam já se retirando, juntamente de Luciano que após respirar fundo, se levantou, mas logo foi impedido por sua mãe que com sua pouca força, o chamou puxando a manga de sua camisa, o que o fez olhar para ela curioso.

— Filho! Pode me esperar um pouco lá na frente? Preciso... Fazer algo antes... — ela parecia ter vergonha de falar que iria pro confessionário falar com o padre, mesmo sabendo que Luciano não via problema nisso, afinal, ela tinha muita coisa guardada para desabafar e achava mais que bom ela ao menos ter onde falar, já que com ele, ela sempre dizia: “Não quero te encher com os meus problemas filho”

— Certo, vou te esperar na entrada, tudo bem? — falou suspirando e assentindo, perguntando a mãe ao olhar para ela.

Dona Marcia, 37 anos, pele negra, cabelo crespo preto amarrado em um coque, vestindo um vestido túnica longo de uma cor semelhante a de uma tangerina, calçando uma sapatilha branca também e carregando sua bolsa onde apenas guardava a chave de casa, sua carteira e bíblia, essa era a mãe de Luciano.

— Certo, prometo não demorar — sorriu e Luciano fez o mesmo, já bem satisfeito.

— leve o tempo que precisar... — falou vendo a mulher se levantando, sorrindo ainda e logo indo se aproximar do local onde era o confessionário.

Bem logo após isso Luciano foi o próximo a se levantar e foi até a entrada da igreja calmamente, passando pelas pilastras e encostando em uma, que ficava ao lado da grande porta e perto de uma salinha onde estava a imagem de Santo Antônio, o santo casamenteiro,e isso o fez lembrar das atuais perguntas que seus pais o faziam.

Quando ele arrumaria uma mulher para si?

Para Luciano, aquela questão já tinha uma resposta e era simplesmente que apenas focaria em sua carreira  por agora, não gostaria de casar e pensar em ter filhos quando ainda tinha 20 anos, isso não era para ele, tinha que estar focado e depois pensaria em um compromisso mais íntimo, alguém para passar a vida e amar.

— Ei Lu, oi — e de repente, Luciano sentiu todo o seu ar desaparecendo e uma ansiedade subindo, seu coração pulou uma batida? Misericórdia senhor... — esperando sua mãe?

— Ah, hm, sim — e quando foi olhar, sentiu-se mais ainda intimidado, pois deu de cara com o sorriso de Fernando direcionado a ele. Porra

Fernando era agora um homem assim como Luciano, quando se conheceram ele tinha 16 anos e até hoje continua maior que ele, tendo agora 1,80 enquanto Luciano tinha 1,78. Fernando estava com mais uma camisa florida, o que fazia pensar que ele tinha uma parte do guarda-roupa destinada apenas àquelas peças de roupa. De toda forma. Desde que se conheceram, vieram a se tornar bons amigos, eram diferentes em certas coisas mas também tão iguais, praticamente complementares um do outro. Praticamente melhores amigos.

— Sabe... — o de vitiligo se pronunciou, meio sem graça pelo silêncio repentino — andei pensando que... Faz tempo que não saímos juntos e a gente quase nem se vê fora da igreja... — ele queria pedir algo, mas estranhamente, parecia nervoso quanto a isso. Por que? Se perguntou olhando curioso para ele.

— Bem, você também anda bem sumido daqui — sorriu para ele de volta, agora olhando para ele de canto, observando como ele o olhou e pareceu relaxar, dando um riso nasal.

— Digamos que eu ando me encontrando, sabe? — falou coçando sua nuca e ficando ao lado de Luciano, observando a imagem do Santo também.

— Não sei não — foi outro que deu uma risadinha — mas e aí? Veio me chamar pra sair com o pessoal do grupo? — perguntou um pouco mais relaxado com a presença de seu amigo.

— Isso, mas não exatamente com o grupo...— olhou para um canto e respirou fundo, Luciano não estava entendendo essas reações — só nós dois, um tempo para nós, passar o tempo fora de casa e apenas aproveitar, sabe?

— Sei sim — balançou a cabeça positivamente e pensando um pouco — hm, bem, eu estou livre durante a tarde nessa semana.

— Ótimo... — suspira e aperta uma mão. Por que está nervoso? Perguntou a Luciano mentalmente, mas decidiu prolongar a conversa.

— E pra onde vamos? Já sabe que nenhum de nós curte nada badalado — e Fernando o olhou, sorrindo de canto.

— Só tomar um sorvete e passear pela praça... Quero passar um tempo com você — admitiu, e essa frase por algum motivo deixou o peito de Luciano aquecido, confortável e de certa forma inflou seu ego. Luciano gosta disto...

— Oh... — suspirou e respirou fundo. Luciano gosta muito disso — tudo bem então, amanhã que horas? — e encostou na parede ao seu lado, agora olhando Fernando diretamente pelo canto dos olhos.

— Pode ser às 14, pode ser? Afinal você acorda cedo e pode fazer suas coisas já.

— Beleza, assim tenho tempo de ajeitar meu armário, tô preso arrumando ele — riu cruzando os braços e Fernando riu junto, e essa visão foi brilhante aos olhos de Luciano, que se via novamente vidrado em Fernando.

— Amém não é? Agora sim vai ter mais tempo pra mim — soltou e logo se calou, respirando fundo e parecendo entrar em um certo pânico, o que quase foi o estado de Luciano se o choque não fosse maior. Por que essa simples frase estava mexendo tanto com ele? Caralho! O que caralhos tinha de errado com ele?!

— Ahh... — é, ele não sabia o que dizer em seguida, e o momento pareceu bem constrangedor pros dois, então... — amanhã às 14? — perguntou o olhando meio sem graça para ele, dando um sorriso nervoso e Fernando pareceu na mesma, nem o olhando de volta, só para um canto daquela salinha.

— Sim... — suspirou coçando a nuca — bem... Tenho que ajudar o Sr. Saulo a arrumar umas coisas então... Até? — olhou para ele meio sem graça, com a mão no pescoço e um sorriso torto.

— Até... — também suspirou, ainda o olhando e vendo Fernando se recompor, ainda com aquele sorriso nervoso e logo ele veio a se afastar, deixando Luciano lá, imerso a um questionamento que nasceu com força em sua mente.

Por que sinto tudo isso por ele?...

Luciano não entendia isso, todas essas sensações que sentia sempre que via Fernando e sabia menos ainda o porquê de sentir tudo isso na presença de Fernando. Ele dizia que se sentia meio que intimidado, mas isso também não parecia certo para dizer o que era aquele sentimento. Luciano simplesmente não sabia e também não queria saber muito o que era. Talvez pela resposta? Talvez ele soubesse, mas não tinha a certeza.

Olhou outra vez para Santo Antônio, ainda na mesma posição santa que foi feito. Se perguntou por um momento se ele tinha a resposta para a sua questão, suas questões na verdade, mas novamente, ele não queria saber das respostas, pois talvez ele soubesse, no fundo de seu âmago talvez ele soubesse, apenas não queria saber.

— Filho? — a voz de sua mãe o chama a atenção, fazendo com que o jovem de 20 anos levasse um leve susto por se sentir pego desprevenido. Estava bem distraído olhando para a imagem de Santo Antônio enquanto pensava em seus sentimentos por Fernando. Negue tudo o que ela perguntar! Pensou, ficando tenso por um momento, e quanto a olhou, deu logo de cara com o olhar desconfiado de Dona Márcia e isso era brabo de se enfrentar. Mas qualquer coisa ele fingia demência.

— Oi mãe, vamos? — perguntou dando um sorriso meio torto para ela, se aproximando e tentando esconder seu nervosismo até que ele desaparecesse de vez de seu corpo.

— Fazendo um pedido para Santo Antônio? — perguntou ainda com o seu olhar desconfiado para ele, colocando a mão na cintura enquanto o olhava.

— Hm? Não... Apenas olhando para a imagem... — responde respirando fundo, gesticulando seus dedos um pouco. O que eu pediria para Santo Antônio?

Por um momento tudo ficou em silêncio, com Luciano sendo encarado por sua mãe que ainda parecia desconfiada de algo, para de repente vir uma expressão mais preocupada e chocada, como se ela tivesse descoberto algo que não era certo.

— Mãe? O que foi? — e ao notar isso o jovem se aproximou da mãe preocupado, por cada expressão diferente era um pensamento diferente, e Luciano tinha um certo temor pelos pensamentos de sua mãe.

— Estou bem — mentiu, se recompondo e respirando fundo, passando a mão no rosto — apenas cansada, filho, mas estou bem — olhou para o filho e deu um sorriso baixo, parecendo chateada com algo. A culpa tomou conta de Luciano, mas sua mãe pareceu ver isso — não é com você, calma — se aproximou e pegou na mão do maior, sorrindo um pouco mais para o confortar. Ela sabe de algo — vamos pra casa, ainda tenho que fazer a janta para você e seu pai — e Luciano fechou um pouco a cara e sorriu um pouco.

— Por mim ele morreria de fome — soltou sem nenhum remorso, e isso deu um susto na menor.

— Luciano! Olhe onde estamos! — o repreendeu e Luciano quis rir, o problema não era ele ter falado o que falou, e sim ter dito no lugar onde estavam.

— Vamos pra casa — riu e se virou para sair da igreja, sendo acompanhado com o bufar da mais velha, mas podendo ouvir um risinho dela e logo estava ao seu lado. Andando ao seu lado para irem para casa.

.
.
.
.
.

O silêncio entre eles era normal após a missa, com poucas vezes que eles se falavam, sendo essas para resolver algo entre eles, seja alguma briga, questão de casa envolvendo um ao outro ou apenas um comunicado que vem a se estender a uma conversa, mas eram poucas vezes isso.

— Vai sair com o Fernando? — A

— Ah, sim? — olhou para a mãe meio surpreso dela saber... Ela ouviu a conversa... — é... É amanhã à tarde... Tem problema? — e novamente o nervosismo voltou.

— Não, claro que não, é bom você sair com os seus amigos — olhou para ele com um sorriso de canto — vai só vocês dois?

— Sim... — olhou para frente quando ela o olhou, respirando fundo — vamos tomar sorvete e passear na praça para passar o tempo juntos.

— Então só vocês?

— Só a gente... — isso tava estranho para ele, a culpa ainda estava em si pelas expressões bem expressivas da mais velha para ele naquela igreja, onde por um momento se sentiu uma criança pega fazendo coisa errada que magoou a mãe. Ele sentia que estava a magoando agora.

— Tomem cuidado, certo? Não quero nenhum dos dois indo muito longe — voltou a olhar para frente e o maior seguiu o olhar, mas não antes de notar o olhar surpreso e incomodado da mãe.

Quando viu, tinha dois garotos de mãos encostadas mais a frente deles.

Era nítido que queriam estar de mãos dadas, só pelo jeito que suas mãos estavam, isso era mais que claro para a dupla mãe e filho, com a mãe estando incomodada só por essa aproximação das duas figuras. Luciano soube disso e não pode negar que também se sentiu incomodado e no fundo, triste pelos dois. Era confuso para ele.

— Esse mundo está perdido mesmo, que pecado... — suspirou sua mãe com ar de desgosto e tristeza, logo parando em frente ao prédio e indo buscar suas chaves na bolsa — enfim... Não sejam irresponsáveis, tudo bem? — Luciano sentiu que ela queria dizer outra coisa.

— Ei Lu! Aqui! — exclamou o de dreads ao avistar o amigo, se levantando com um sorriso no rosto direcionado a Luciano, que acabara de chegar e já sentia-se intimidado por Fernando, que estava lindo... Fernando era lindo… 

Ele vestia uma regata, não branca, mas tinha um leve tom de rosa nela que era pouco perceptível, mas que Luciano notou, ainda mais das manchas esbranquiçadas de seus fortes braços. Fernando também vestia uma calça cor carmim pouco folgada, mas bem justa em sua cintura e um sapato brogues preto. Fernando estava desgraçadamente lindo.

Enquanto isso Luciano que andava até Fernando, também vestia também uma camisa, só que realmente branca e uma calça jeans bootcut azul bem escuro, calçando um tênis preto também. Nada comparado a Fernando.

— Oi Fê — comprimentou calmo, com o coração aquecido enquanto já estava perto. Lindo... Assim que pensou isso, Luciano se amaldiçoou.

— Oi Lu, vem, só tava te esperando para entrar — falou em pé e sorrindo para Luciano, que pensava a mesma coisa para logo se amaldiçoar. Não queria saber, não podia saber, mas queria apenas aproveitar.

Na perspectiva de Luciano, tudo pareceu um maldito filme onde está se passando as novas memórias felizes do protagonista, começando por Fernando abrindo a porta para os dois entrarem na sorveteria, olhando nos olhos dele onde naquele segundo se sentiu a mercê daquele olhar tão profundo e gentil que era dado a si, mesmo que não merecesse isso. Pulamos para os dois conversando sobre alguma besteira, Luciano contando sobre alguma besteira que um colega de quarto do quartel fez que faz Fernando rir graciosamente achando engraçado a história, e mesmo não sendo muito de rir por supostamente não ter senso de humor, Luciano ri, ele ri e se sente bem com isso enquanto já começam a escolher os sabores de sorvete que queriam e que gostavam, podendo com o dinheiro que tinham do trabalho deles, com Luciano como um soldado do exército brasileiro e Fernando como recém musicista, já trabalhando na sua área finalmente. Agora com esse assunto e sorvete em mãos, eles falam de trabalho e suas experiências, Fernando conta como um dos vocais foi grosso consigo na frente de todo o set, chamando ele de nojento.

— Nojento é ele, só mais um mauricinho sem noção que quer atenção já que na própria criação nem mãe tinha praticamente, se o pai dele deixou ele quando criança foi a melhor escolha do que ser pai de uma porra dessas — responde Luciano após ouvir toda a história, saboreando seu sorvete de creme.

— Misericórdia Luciano, coitado dele — parecia que estava o repreendendo, mas Fernando foi outro que riu de seu comentário.

— Ava! Você concorda comigo! Tá até rindo — apontou sorrindo pro de vitiligo, que agora segurou seu riso e olhou pro outro lado — nem tenta Fê, eu vi e cego eu não sou, além de que você sabe que provavelmente esse cara tava era se mordendo de inveja por que não tem sua dedicação na música — e Fernando riu de novo, mas de uma forma mais leve e voltou a olhar para o Carvalho.

— Acha que eu sou bom no que faço? — perguntou com um sorriso de canto para o menor, que suspirou.

— Você é perfeito em tudo o que faz Fernando, acho bom que já fique sabendo bem disso — e virou para voltar a tomar seu sorvete, tentando esconder leve rubor em suas bochechas. Luciano se sentiu intimidado.

Logo após isso Fernando deu sua leve risadinha novamente e vocês saíram da sorveteria, já que o sorvete já estava pago e não precisavam se preocupar em sair com o sorvete a não ser que levassem uma rasteira, mas tirando isso, estava tudo bem. Eles foram para a pra a praça, não parando de falar sobre certas experiências envolvendo o trabalho. Luciano contava sobre o treinamento e como foi desafiador o começo, acordar às 4 da manhã e começar logo o treinamento, sobre certos abusos de poder dos superiores para com os mais novos naquele ramo, sendo um deles Luciano que também veio a sofrer um desses abusos, mas disse que isso nunca o desmotivou e sim o motivou a crescer mais nesse ramo como militar.

— Quero ser capitão — admitiu já os dois sentados num banco da praça, quase terminando seu sorvete. Fernando não estava tão surpreso, imaginava que Luciano gostaria de crescer nesse ramo militar já que o mesmo não parou em nenhum momento e sempre parecia bem dedicado no que fazia.

— Tenho certeza que vai ser um dos melhores, você tem a dedicação para isso — diz ele com um sorriso singelo para ele, dando uma colherada em seu sorvete — super imagino você comandando uma tropa, quando tem evento na igreja você toma bem as rédeas.

— Você acha? Parece que é bem natural para mim — diz sorrindo orgulhoso de si, ficando feliz pelo comentário do mais velho e olhando para o chão — gosto de ordem.

— Eu sei, é tão organizado que tenho medo do que vai pensar do meu quarto se for na minha casa algum dia — riu um pouco da própria fala, terminando seu sorvete e Luciano deu uma expressão convencida.

— Se eu for, vai ser sem avisar, pois quero só ver aquele pé de guerra que você tanto fala — cruzou os braços o olhando divertido — quem sabe um dia eu vou lá — deu de ombros olhando um pouco para a estátua à frente deles.

— Sabe que pode vir a hora que quiser, falo tanto de você que minhas tias tão a tempos querendo que você vá lá, mas...

— Nunca tenho tempo, eu sei — riu balançando a cabeça em compreensão — mas posso arranjar, consegui hoje ficar contigo, então posso arranjar um tempo para invadir sua casa — falou como uma piada, se sentindo tão confortável ali com Fernando que nem parecia mais ligar para o que dizia. E nem ele parecia ligar, estando confortável igual.

— Bem, já disse, é bem vindo lá e pode aparecer quando quiser — riu e o observou terminar seu sorvete, mas com algo diferente. Um brilho nos olhos que era direcionado a Luciano, notado por ele que em seu mais sincero ser, amou que aquele brilho era para ele.

Lindo… 

E dessa vez Luciano nem lembrou de se amaldiçoar por pensar isso de Fernando.

Eles terminam seu sorvete, ficam mais um tempo conversando e decidem andar um pouco pela região, olhando algumas barraquinhas que vendiam bijuterias, docinhos e várias outras artes que havia naquela praça, que também ficava em frente a Igreja que frequentavam.

As conversas que tiveram não importam muito, trabalho, faculdade, experiências e acontecimentos um com o outro, infância... Assunto esse somente contado por Fernando, já que Luciano não gostava muito da sua, e Fernando sabendo pouco, mas o suficiente para saber o porquê, diz:

— Tudo bem, mas saiba que estou aqui para qualquer coisa, pode contar comigo para tudo — ele diz isso com aquele mesmo sorriso, sorriso que intimidava Luciano e o fazia se sentir bem e ele sabia disso, assim como sabia que com Fernando, ele estava seguro.

Luciano estava tão bem ao lado de Fernando, que por um momento pensou se seria assim um casamento, se era isso que Santo Antônio preparava para si.

Ele pensaria nisso depois.

.
.
.
.
.

— Caralho, isso foi muito bom — falou Fernando parando em frente a uma casa, a sua casa, olhando para Luciano expressando sua felicidade quanto ao dia que tiveram.

— Sim, eu tava precisando disso a muito tempo — Luciano tinha que concordar, aquele dia havia sido muito bom e fazia um bom tempo que não tinha momentos como aquele, onde ele podia andar tranquilamente pela cidade e conversar com um amigo. Bem, fora da Igreja, Luciano não tinha muitos amigos — bem, er... A gente pode marcar de sair de novo outro dia né? — perguntou com a mão na sua nuca, parecendo receoso em fazer tal pedido.

Nesse passeio Luciano se abriu bastante para Fernando, e isso foi bom.

— Claro que sim, fez bem para nós dois e... — abaixou a cabeça e pareceu timido ou receoso em falar, mas sorriu levemente — eu também gostei muito de passar esse tempo com você... — disse baixo, num suspiro enquanto coçava a nuca.

— Oh... — Luciano teve que respirar fundo, pois sentiu que perdeu seu ar com a frase do maior — bem... — tremeu os lábios — eu também... Gostei muito de passar esse tempo com você — seu coração batia forte naquele momento, e ele apenas queria que aquele dia não tivesse fim, que não acabasse nesse momento.

— Então... — deu um riso nasal e olhou para um canto qualquer — marcamos outro dia pra gente...

— Sim... — poderia ser amanhã, poderia ser depois de amanhã, gostaria que aquele dia se repetisse várias vezes apenas para que ele não fosse para casa.

Ficar com Fernando era melhor, era seguro.

— Bem... — Não diga tchau pra mim — tchau Lu, até outro dia — e ele se virou para abrir o portão.

— Tchau... Até... — ao menos veio um até, que ao menos assegurava um até mais. Eles se veriam novamente outro dia, seja na igreja ou em mais um rolê.

Luciano ficou ali observando tudo, viu Fernando sorrir para ele e entrar no quintal dele e andar até a sua porta, o viu destrancar a porta de sua casa e se virar para ele novamente, ainda com esse mesmo sorriso lindo e dar um tchauzinho com a mão e logo ele entrou dentro de casa após Luciano retribuir o gesto. A porta se fechou e Luciano viu que era hora de ir.

O tempo parecia não o favorecer para chegar logo em casa, mas as memórias sim, de repente ele estava revisando tudo o que passou em sua vida, antes e depois de conhecer Fernando. Lembrou de um amigo que fez na escola chamado Matheus, que era tão legal consigo que Luciano, segundo ele, ficou obcecado, Luciano tinha 13 anos na época e aquilo foi intenso, ele queria sempre impressionar Matheus e queria sempre estar por perto, adorava como ele sorria para si... Bem, meses depois Matheus de mudou, e isso doeu em Luciano, mas logo passou… 

Lembrou de quando viu em uma revista uma tal de parada LGBT ou movimento GLS, que envolvia pessoas que trocavam de gênero e pessoas que se relacionavam com pessoas do mesmo gênero, havia também aqueles que podiam se relacionar com pessoas dos dois gêneros e mais um monte de coisa que o jovem Luciano de 12 anos não entendia direito, mas que se viu fascinado e interessado por aquilo.

Mas logo depois, seu pai o viu lendo aquilo e arrancou a revista da mão dele para depois dar uma surra nele. Lembrava bem das palavras cruéis de seu pai para si.

“EU NÃO CRIEI FILHO MEU PRA SER VIADO! NEM TENTE VER ESSA MERDA DE NOVO SEU PIRRALHO NOJENTO!”

A cada palavra uma cintada em sua cara, costas e braços. A lembrança deixou Luciano arrepiado em lembrar.

No mesmo dia, enquanto sua mãe cuidava de seus machucados, ela conversou com ele, de uma forma mais leve e carinhosa, mas no fundo do coração tão machucado de Luciano, ouvir aquilo o machucou mais ainda.

“Filho, eu sei que você não é como eles, você não pode e sabe disso, Deus não gosta disso e aos olhos dele, essas pessoas são nojentas e pecaminosas, mas você não é assim, sei disso pois é meu filho e te conheço, sei que não vai virar isso... Sei que não é...”

Ele sentia a incerteza nas palavras dolorosas dela, que claramente diziam que ela mesma duvidava da índole... Não, não era assim que se falava, parecia ruim, era mais de sua... Sexualidade... Até mesmo Luciano duvidava dela.

Também havia o fato de que... Nunca entendia essa necessidade dos homens quererem mulheres, seja para fazer coisas ou casar e ter filhos, tipo, era uma necessidade? Se for do querer do outro, beleza, mas Luciano não sentia que queria isso, gostaria de querer uma mulher mas ele não quer, e isso tá tudo bem não é?... Ele só não se sente assim com outras mulheres, não se vê com uma... Não consegue se ver em um futuro com uma mulher... Mas sim com Fernando

Se via num almoço de domingo com ele, se via em um passeio à tarde como aquele, os dois rindo e se divertindo, se via viajando com ele e... Convivendo na mesma casa com harmonia. Aquela que ele tanto desejava em um futuro próximo.

Ele dizia tanto para si mesmo que se sentia intimidado por Fernando, que não sabia as respostas para as perguntas de sua mente, mas no fundo, em seu interior ele sabia, ele sabia bem da verdade por mais que não quisesse aceitá-la, por mais que não a quisesse, ele sabia, sabia bem mas não queria saber, ele só... Não estava pronto ainda para isso... Ele só tinha 20 anos… 

Olhou para frente, viu que chegou no prédio de casa e olhou um pouco pela calçada, se lembrando do dia anterior onde com sua mãe, viu um casal supostamente gay na frente deles. E se fosse ele e Fernando no lugar deles? Sua mãe falaria a mesma coisa?... Provavelmente...

    Suspirou e pegou suas chaves e logo foi abrir a porta do prédio para subir. Tinha que estar em casa ao menos quando seu pai chegasse do trabalho para algumas coisas em casa serem feitas.

Já havia se passado uns 5 dias desde o passeio de Luciano com Fernando, era sábado então eles se veriam de novo na missa da próxima noite e Luciano estava feliz com isso, estava satisfeito, mesmo com o clima desagradável na mesa, apesar de que um evento histórico esteja acontecendo nesse momento, que era o simples fato de que o pai de Luciano estava lá presente para o jantar, então claro que o clima do momento estaria maravilhoso.

Dona Márcia já estava de cabeça baixa enquanto já terminava de comer, isso após tentar ter uma conversa decente com seu esposo, coisa que não conseguiu por ser respondida de forma passiva agressiva por parte dele, que comia o prato cheio que estava a sua frente junto com uma garrafa de cachaça, sua melhor amiga.

Luciano era outro que estava em silêncio naquele momento, porém mais tranquilo por se acostumado com ele e também adorá-lo, apesar dos pesares, aquele era um melhor cenário que qualquer outro, então apenas terminaria de comer, ajudaria sua mãe com a mesa ao som dos resmungos do patriarca e depois iria para o seu quarto estudar um pouco até dormir.

— Então Luciano... — ata, ele queria assunto agora? Realmente um evento histórico — anda saindo com seus amiguinhos não é? Soube esses dias que estava saindo com aquele seu amigo da igreja — certo, Luciano não se sentiu seguro com aquele assunto, ainda mais com seu pai dando início a ele.

— Sim?... — olhou para o mais velho de forma desconfortável, em dúvida se deveria dizer alguma coisa sobre — algum problema?...

— Além dos dois se engraçando pra cima um do outro, como dois cachorros? — e nesse exato momento, o brilho de Luciano desapareceu, se dissipou como uma névoa e tudo pareceu se perder dele. Ele travou e sentiu que não respiraria mais.

A esse ponto, todos da mesa pararam de comer, Márcia olhou surpresa pro marido, difícil de entender se era pela fala dele ou por, além de estar presente pro almoço, falou alguma coisa. Sérgio, pai de Luciano, agora olhava para ele com seriedade, e segundo Luciano que conhecia bem aquele olhar, havia desgosto. Falando em Luciano, ele não sabia bem o que falar naquele momento, não tinha ideia e buscava isso na sua cabeça, mesmo que agora bem bagunçada diante a fala imprevisível de seu pai.

— Não sei do que o senhor está falando... — tentou não continuar o assunto, tentou acabar com ele naquele momento e tentou deixar parecer que não fazia ideia do que ele falava. Mas ele sabia, sabia bem do que era real ali, e aparentemente seu pai também sabia, pois queria agora por esse assunto na mesa logo na frente de sua mãe, que estava com uma expressão confusa que alternava entre o marido e o filho. Ali não era seguro.

— Como assim se engraçando? Luciano, o que vocês fizeram? — agora olhava para o filho que já estava tenso, apenas desejando não ter aquela conversa sem sequer estar pronto para ela, e ver ele daquela maneira a fez temer ainda mais pela resposta — Luciano?!

— Nós tomamos sorvete e ficamos passeando e conversando na praça, é isso! Isso é se engraçar para você?! — olhou para seu pai, em uma revolta que nasceu da pressão que sentia em si, o olhar confuso de sua mãe que queria saber mais e o olhar de desgosto de seu pai que apenas se intensificava, todos os pensamentos sobre aquilo... Luciano não estava pronto para aquilo, não estava seguro pra isso.

— Não era você falando que esse garoto era perfeitinho em tudo o que fazia?! — ele se exaltou também levantando de sua cadeira para ficar maior, como se fosse um animal em uma briga — Tolo! Burro! Pensava o que?! Que ninguém iria ouvir aquela sem vergonhice?! Tava tão distraído agindo como um viadinho que nem notou que não eram os únicos no mundo!

— Abaixa a voz — mandou Luciano se levantando também, e se a intenção de seu pai era intimidá-lo, ele podia fazer pior e melhor que ele. Se ele queria ofendê-lo, ele sabia fazer pior e melhor que ele. Mas quando ia falar algo, sua mãe se apressou em falar também.

— Não! Calma! Parem, vamos conversar! — Dona Márcia não gostava de brigas, não gostava de quando seu filho e seu marido brigavam e muito menos gostava do resultado daquilo. Estava tão bem sem nenhuma briga dessas... — meninos, vamos se sentar e conversar, vai ser melhor-

— Cala a boca mulher! Eu sento quando eu quiser e abaixo a voz quando eu quiser! Essa casa é minha ou você esqueceu disso, seu pirralho desgraçado?! — deu um tapa na mesa e Luciano quase tomou um susto se aquilo não fosse algo previsível dele. Eles ainda se olhavam com a expressão fechada, sem nenhum pingo de respeito um pelo outro. Sérgio por simplesmente não acreditar que deveria respeitar o filho e Luciano por crescer listando motivos do porquê aquele homem não merece seu respeito.

— Abaixa a voz e senta, e não se esqueça que não tenho mais 12 anos pai, não sou mais uma criança que você acha que tem poder em cima pelo medo — sua voz saía grossa e estranhamente suave, graças a calma que Luciano mantinha em si para não fazer nada de insolente com aquele homem que diziam tanto que era seu pai e que ele devia respeito. Pura ladainha isso.

— Não tem mais 12 anos, é?! Pois o que eu tô vendo é aquele mesmo viadinho de merda! Seu lixo... — havia nojo na voz de Sérgio, nojo, repulsa e muito desgosto, que pela primeira vez em anos, causaram dor em Luciano.

— Parem! — a matriarca pediu com as mãos nos ouvidos, claramente cansada daquilo já e assustada, e aquilo foi tudo o que Luciano levou a sério.

— Senta de uma vez e come... — suspirou passando a mão no rosto e voltando a olhar pro pai com insatisfação — e faça quantas acusações quiser, pois elas não passam de nada...

— Ao menos agora você tá como um homem no mínimo — retalhou em desdém, faltando cuspir em Luciano nessa hora, mas claro, Sérgio não calava a boca, então quando Luciano estava respirando fundo e indo se sentar, ele soltou — diferente do maricas do seu namoradinho — Luciano olhou para ele novamente.

— Não fala assim dele, nem pense em falar dele pois você não deve... — falava grosso na voz, mas segurando o que queria dizer e fazer, mas pensando seriamente em meter o foda-se e descer o soco no mais velho por falar daquele jeito de Fernando

— Por favor! — novamente a mulher ali se pronunciou. se levantando e quando viram, ela se meteu no meio deles — não vamos brigar! Não nesse momento! Vamos apenas sentar e conversar melhor depois, tudo bem?! — ela também estava exaltada, estressada e mais ainda assustada com tudo aquilo, mas também havia raiva na voz dela.

A raiva realmente fazia parte da vida de Luciano. Tanto que mal conseguiu controlar o que faria após a atitude de seu pai.

— Cale a boca mulher! — e a atitude seguinte de Sérgio foi assistida naquele segundo em câmera lenta na visão de Luciano, que viu a mão de seu pai se levantar para a mulher e a empurrar com força pro lado, a fazendo bater contra a pia da cozinha. Um grunhido de dor dela foi como o gatilho perfeito para a ação de Luciano — mulher impresta- — Luciano não permitiu que tal frase fosse terminada.

Bem, ele fez o mesmo que seu pai, porém maior, mais forte, mais preciso e com mais vontade. levantou seu braço e fechou o punho, o direcionou no rosto de seu pai e com a força de uma raiva crescente desde que era um mísero feto, finalmente pode derramar tudo aquilo que guardava para si mesmo.

Toda a raiva de anos foi despejada em um único soco.

.
.
.
.
.

Não era muito recomendado isso, alguém como ele, um homem negro, andar pela rua a noite, ele sabia disso mas para ser mais honesto, pouco se importava naquele momento com qualquer violência policial contra ele, não quando sua mente já estava cheia de pensamentos constantes do que aconteceu naquele jantar. Eles sabem…

Esse pensamento era referente ao assunto que foi posto na mesa de seu pai que, claro que propositalmente, queria causar uma intriga, alguma briga pois Sérgio e Paz na mesma frase não funciona, aquele traste tinha que estragar tudo e expor o filho daquele jeito na frente da mãe que ele tanto gosta de dar orgulho. Tudo pro ralo... Pensou enquanto continuava a andar pela calçada.

Eram tantos pensamentos diferentes em sua mente, tantos eram principais e tantos se multiplicavam e isso estava acabando com ele de uma maneira que ele nem sabia direito como lidar, tipo, quando foi tão perigoso pensar demais? Quando isso se tornou um problema? Quando... Quando ele passou a ser assim?...

Eram muitas perguntas em sua mente que ele, naquele mesmo momento parou para prestar atenção em pelo menos um deles. Mas qual deles? O pensamento de como sua mãe estaria? Provavelmente cuidando daquele desgraçado... E seu pai? Espero que tenha pegado uma concussão. Talvez desejar isso tenha sido pesado, mas a essa altura do campeonato ele já havia desejado que esse homem passasse fome, tivesse cirrose ou que algum agiota fosse cobrar ele, já desejou tudo de ruim para o mais velho, mas preferiria que o mesmo apenas fosse comprar cigarro e nunca mais voltasse pra casa, por mais que dependente que sua mãe fosse, ela também sabia que o melhor para aquela família era o afastamento de Sérgio.

Voltou a andar, não sabia para onde, apenas andava, com uma cara fechada de poucos amigos que afastava qualquer um que o visse, nem as crianças que brincavam na rua escapavam disso, mesmo que ele não quisesse as afastar. Ele não faria nada, apenas queria passar e seguir seu caminho sem rumo enquanto pensamentos que o tiravam do sério atormentavam ele.

Que lixo.

Desde de que saiu de casa estava um caco, tanto que parecia que ele se colocou em um controle automático e seguiu para algum lugar que nem foi ele quem pensou em ir, e sim seu próprio corpo que pensou por ele naquele momento, apenas chamando a atenção dele quando se sentou e quando ele viu, estava na praça.

A mesma que passou o dia com Fernando... Droga.

Ele queria evitar aquele pensamento a todo custo, evitar pensar em Fernando, evitar pensar o quão certo seu pai estava sobre ele, que ele era nojento, um viadinho de merda e um lixo tolo o suficiente para esquecer de ser discreto, e ele sabia disso a muito tempo, ele sempre soube e ter isso escancarado na sua frente estava o deixando angustiado e enjoado.

Agora ele se perguntava, quando? Desde quando ele era isso? Quando foi que Deus olhou para ele e decidiu que ele seria tal qual essas pessoas que... Eram assim? Então ele seria assim? Como essas pessoas que apenas existiam e já sofriam com crimes de ódio para cima delas. Luciano até que já sabia um pouco do que era aquilo, mas agora saberia o que era ser odiado por apenas existir novamente, mas com o motivo não sendo o fato de que ele era um homem negro, e sim porque ele é gay.

Luciano Carvalho é gay.

Assumir isso para ele mesmo foi uma mistura de angústia com uma sensação libertadora em si. Era isso, ele é gay e quanto mais pensava nesse fato, mas via o quão óbvio estava na sua frente, desde sua obsessão por Matheus até... Se ver completamente confuso sobre o que sente por Fernando... Além de outros fatores e... Isso faz parte, não é? Se perguntava enquanto olhava pro chão, com um olhar vazio e confuso, pois era assim que se sentia no momento.

A confusão vinha de si mesmo, dele mesmo, já que ele não entendia o porquê dele ser assim, se é que tinha um porquê, existia um porquê? Existe uma resposta para esse porquê? Ele teria sua resposta? E se não tivesse, o que ele teria que fazer agora? Sua mãe o odeia agora, sentia e sabia disso, ainda mais quando o motivo dele estar fora de casa era porque ela o expulsou após ele acertar um soco no pai. Se Sérgio estivesse sentindo dor, Luciano sentia essa dor 10X mais com a rejeição de sua mãe. Isso doía nele. É bem, essa ação de sua mãe era o motivo de seu vazio.

    Veja bem, que filho quer decepcionar a mãe ou pai? Ou ter atrito com eles? Tolos e estúpidos aqueles que pensam que é uma simples birra, pois nunca é uma simples birra. Luciano nunca quis odiar seu pai, mas ele sempre dava motivos para isso. Luciano nunca quis decepcionar sua mãe, mas ali, o que ele podia fazer?... Ele era gay sim... Mas nunca escolheu ser isso...

    Luciano não estava bem, no momento sentado em um banco daquela praça, passava a mão no rosto enquanto se controlava para não chorar, pois ele pode ser gay, mas era um homem e homem não chorava!... Lembrou nesse momento de uma frase infeliz de uma amiga de sua mãe, que ficou por muito tempo em sua mente.

    “No fundo Luciano, você tem algo do seu pai, seja pensamento igual ou características no geral, mas você, não importa se quer queira ou quer não, algo do seu pai está em você pois você é filho dele, veio dele e esse laço não pode ser desfeito... Algo dele vai ser para sempre parte de quem você é...”

    Ele odiou aquela mulher pelo resto de sua vida após essa frase, tanto pela mensagem e tanto por estar certa... Seu ódio, raiva, rancor, tudo isso era de seu pai e ele sabia disso, suas feições eram daquele homem maldito, sua mania de resmungar sempre que estava insatisfeito vinha dele, tudo de ruim que havia em Luciano, ele sabia que tinha de seu pai, pois não importava o que, aqueles detalhes apenas mostrava a ele o quanto não poderia partir aquele laço, mesmo se quisesse...

    Seu rosto esquentava, escondia ele em sua mão enquanto transparecia frustração, ele tentava se controlar, tentava não ceder mas parecia que precisava daquilo? Ele precisava tanto chorar? Era necessário isso?... Luciano precisava chorar…

— Lu? — e de repente, o som de uma voz o despertou de seu diálogo interno, onde ele estava para se render a si mesmo e chorar em praça pública — ai céus! O que aconteceu?! — e quando Luciano foi olhar quem falava consigo, reconheceu a voz na hora que viu dois pares castanhos de olhos tão... Belíssimos... Ele queria tanto chorar... Quando viu, Fernando, o dono dos olhos castanhos escuros, estava sentado ao seu lado e o cobrindo com esse frio que só naquele momento Luciano pode notar. Chuviscava um pouco.

— Que?... — olhou confuso para o maior, não entendendo o que acontecia até sentir seu corpo tremer um pouco, para logo em seguida, Fernando o abraçar, como se quisesse o proteger daquela chuva.

— Vamos pra minha casa, você não pode ficar aqui... — falou com seriedade para Luciano, que agora naquele momento pode o ver ele só de uma camisa branca que estava molhando.

— Seu... Seu casaco...— tentou devolver a peça, retirando ela mas foi impedido por Fernando que ainda mantinha uma expressão impassível.

— Você precisa mais do que eu... — suspirou e fechou os olhos por um momento e os abriu novamente — vamos, estamos a muito tempo aqui e você não está bem — e logo após isso, segurou a mão de Luciano, que quase se arrepiou com tal ato. 

    Fernando não disse mais nada após isso, levou Luciano com ele, praticamente com a mão agarrada na dele e andou com ele para o outro lado da praça. Luciano estava confuso, para onde estavam indo mesmo? E por que Fernando estava lá naquele horário? Ah, talvez estivesse ajudando na igreja, já que a mesma ficava ali perto, mas de toda forma, apenas o seguiu.

Seus pensamentos pararam como se um interruptor tivesse o desligado pelo choque do contato de ambas as mãos, entretanto Luciano mal se importou no momento, afinal, seus pensamentos desligaram, ele pensaria depois quando seus pensamentos o atormentassem novamente. Era provável.

Suspirou e olhou para Fernando que pegou a frente deles, notando sua expressão agora preocupada. Era com ele? Ah, depois pensaria nisso...

.
.
.
.
.

    As paredes eram brancas, havia um armário de madeira escura grande que tampava uma parede inteira e ficava ao lado de uma única janela. Estava sentado em uma cama com colchão de mola e o tipo da cama tinha uma arquitetura até que bonitinha. Aquele quarto também tinha um tapete com um tema tribal, nem sabia se era assim que falava, mas era assim que soube identificar. De toda forma.

    Luciano estava no quarto de Fernando, a espera do mesmo que havia ido ao banheiro para aparentemente dar uma ajeitada nele, dizendo que ele poderia ficar lá a vontade e o mandou deitar também para que pudesse descansar, mas, mesmo que realmente precisasse, não o fez, estava inseguro com isso e se julgava um folgado. A propósito, por que cargas d’água Fernando levou ele pra casa dele?!

    Não que esteja reclamando, a casa era linda, bem arrumada, confortável, principalmente o quarto de Fernando, mas mesmo assim, por que?... Certo, hora de pensar, se matar com isso e agora sim se deitou. Haja frustração.

    Virou de lado olhando para o armário de Fernando, o encarando com o seguinte pensamento: Se eu revelar isso, o que as outras pessoas vão achar?... Isso importava para Luciano, talvez até demais... Não... Importava mais o que sua mãe achava e ela já havia deixado isso bem claro quando olhou com desdém para aquele suposto casal gay que tanto queria dar as mãos. Se fosse comigo, ela me olharia daquele jeito? A triste resposta para aquilo era um sim, triste, sincero e realista.

    — Porra — murmura e sente seu rosto esquentar novamente. De vergonha de si mesmo ou porque ainda queria chorar e ainda não tinha feito? Talvez os dois.

    Estava para fechar seus olhos, apenas para descansá-los um pouco, também sua cabeça, pois era bem provável que depois teria uma dor de cabeça, mas como dizem, a alegria do pobre dura pouco.

    Não tinha como não levar um susto, a porra da porta foi aberta de uma forma tão grosseira que pareceu seu pai, mas ao menos não era seu pai, era... Uma mulher que Luciano não tinha conhecimento de quem era.

    Ela era grande em corpo, tamanho e presença. Ela usava uma calça azul escuro justa em si, também estava usando uma blusa verde escuro também, mas que mostrava os ombros e era sustentada por suas alças pretas. Seu cabelo era curto e cacheado e ela era uma mulher negra, com algumas sardas no rosto. Tinha ar de poderosa.

— Oi? — se pronuncia para Luciano pela primeira vez desde que o viu, e agora sim, de verdade, ele se sentia intimidado. Era muita presença.

— Oi... — era quem? Alguma parente de Fernando ou... Nem fudendo... E se fosse a parceira dele?! Fernando tinha uma namorada? Olha, para ser honesto, não parecia não, ainda mais quando ela parecia também um pouco mais velha... Bastante, mas com todo o respeito, é claro.

Quando viu, estavam se encarando por longos segundos, com nenhum dos dois tirando os olhos um do outro como se tivessem travado nisso. Bizarro cara...

— Então você é o Luciano, presumo — quebrou o gelo finalmente falando alguma coisa, parecendo abrir um sorriso no rosto com a certa suposição.

— Ah, sim? Sou eu... — é, era ele, e ele também estava tenso na presença daquela mulher, ainda se perguntando quem ela seria.

— Sou a Helena, mãe do Fernando — graças a Deus, Luciano faltou soltar fogos de artifício em comemoração, mas lógico, não iria transparecer sua alegria, nem era permitido por si, afinal, a presença daquela mulher ainda pisava nele — não sabia que viria, se soubesse faria algo mais gostoso para comer — disse com uma risadinha e o olhou de maneira mais simpática — o que faz aqui a essa hora? Vai passar a noite aqui?

— Ah… Cheguei agora pouco e... Provavelmente sim? — a intimidação que sentia amenizou um pouco, mas mesmo assim se sentia estranho ali. Deu uma tossida — hm, inclusive, prazer Dona Helena…

— O prazer é todo meu querido, fico feliz em finalmente te conhecer, meu filho nunca para de falar de você — diz dando uma outra risadinha. E aquela fala para Luciano, era inevitável não se sentir "mexido" com ela, mas ele gostou de saber disso.

— Mãe? — falando na margarida. Fernando apareceu agora, atrás da mãe com um olhar curioso e confuso — chegou agora?

— Sim, e finalmente pude conhecer o Luciano que você tanto fala — sorriu pro filho, se virando para ele naquele momento — vou pegar o colchão, ele já me falou que vai dormir aqui — deu espaço para o filho passar e entrar no quarto. Voltou a olhar Luciano — Vai querer alguma coisa Lu? Posso te chamar assim?

— Ah... Sim, pode sim e não, não vou querer nada, obrigado... — falou meio sem graça, retraído, olhando para um canto meio envergonhado.

— Caso queira, pode nos pedir, não precisa ficar guardando para si, certo?  — falou com um belo sorriso em seu rosto, compreensiva com Luciano, como se soubesse que a situação dele estava complicada. Talvez ela soubesse mesmo.

— Oh... — olhou para baixo por um momento, analisando a situação. Parecia seguro, mas... — pode deixar... Qualquer coisa eu chamo.

— Ótimo — sorriu mais ainda para ele e se virou para Fernando, falando algo que soou baixo para Luciano poder ouvir, então ele não conseguiu distinguir o que era, mas fez Fernando dar um sorriso sem graça. Fofo.

De toda a forma, logo Helena saiu do quarto e deixou apenas ele e Fernando dentro daquele quarto.

Silêncio.

— É... — e  silêncio foi quebrado — minha mãe gostou de você — e se aproximou para se sentar ao lado de Luciano, que olhou para Fernando curioso e rindo um pouco.

— Bem, é uma coisa boa não é?

— É ótimo — respondeu ainda sorrindo agora para ele e agora olhando para o chão — como você tá? Se sente melhor?

— Sim... — olhou para o chão também e suspirou — só acho que logo terei uma dor de cabeça... — disse passando sua mão no rosto e suspirando — mas e você? Como está?

— Preocupado — soltou simplesmente ainda olhando para Luciano, mas transparecendo esse sentimento em sua expressão, uma mudança rápida de feição.

Bem, Luciano sabia bem que o Carvalho estava preocupado com ele, afinal, as circunstâncias eram uma denúncia de que algo, na visão de Fernando, estava errado, errado com Luciano que para completar ficou em silêncio após essa fala dele, como se tivesse travado, e claro, isso foi como mais um motivo para Fernando estar daquele jeito.

—... Lu, o que aconteceu para que você estivesse daquele jeito?... — aquilo foi bem direto na percepção de Luciano, que precisou lembrar de respirar para pensar em como responder — olha... Não precisa falar se não quiser... — desviou os olhos para o chão novamente — mas tenha em mente, você não está sozinho, não precisa guardar as coisas para você mesmo, sabe?... Ao menos aqui, comigo, você nunca vai estar sozinho... — ah... Seu coração quase pulou uma batida.

— Obrigado... — foi a única coisa que pode falar naquele momento, ainda que, se sentindo tenso e que precisava pensar mais se falaria sobre o incidente ou não, Fernando estava lá, oferecendo sua casa para ele e sua atenção devido ao problema de Luciano que ele sequer sabia, e ainda entendendo e respeitando que talvez Luciano não queira falar.

Um anjo... 

— Não precisa agradecer Lu... — deu um sorriso leve — Faria isso por você sempre…

— Por mim?... — isso aquecia o peito do jovem, que olhava agora para os cantos com um pequeno sorriso nascente — por que?...

— Por que a pergunta? — olha para Luciano ainda com o sorriso.

— Perguntei primeiro — pontuou e foi cruzando os braços — por que por mim?

— Por que você é você — responde, logo respirou fundo e olhou no fundo dos olhos de Luciano, sendo assim que ele interpretou, analisando minuciosamente a feição de Fernando naquele momento. Ele queria falar algo.

— E... ?

Nada Fernando diz, agora ele quem travava e parava a respiração, ficando tenso nesse instante. Ele desvia o olhar e Luciano pensa que foi um erro supor que havia mais alguma coisa a ser dita pelo Carvalho. Porra Luciano, tinha que meter uma merda dessas?! Pensou o mais baixo suspirando e se levantando, atraindo a atenção de Fernando.

— Acho... Que já vou tomar banho — respirou fundo e se espreguiçou um pouco. Novamente, Fernando pareceu querer dizer alguma coisa, mas parou.

— Sua toalha é a azul, pendurada — falou abaixando um pouco a cabeça — vou separar uma roupa para você.

— Obrigado, novamente — não se virou para o olhar, se afastou dele para sair do quarto. Fernando só pode olhar para ele e suspirar.

Ele apenas queria dizer a ele o que estava entalado em sua garganta, por mais leve que um “Porque eu gosto de você” pareça, era uma bomba enorme, para ele e Luciano, que já estava lidando com muita coisa no momento, não queria encher ele com uma declaração repentina.

Bem, Luciano já saiu do quarto e Fernando ficou ali com seus pensamentos, respirando fundo e se levantando para ir até o armário, pegar roupas para seu querido amigo... Gostaria que não fossemos apenas amigos Lu... 

Fernando queria mesmo era dizer que o ama.

    Madrugada, a madrugada era sempre um momento perfeito para poder desabar, para poder pensar em tudo  o que aconteceu nos últimos tempos e em como aquilo te afeta, pois provavelmente estava te afetando agora. Luciano muitas vezes, por mais que dormisse bem, usava a madrugada para desabafar, em pensamento no caso.

    Estava agora em um colchão ao lado da cama de Fernando que dormia como um verdadeiro anjo como ele é, em um sono tão profundo que Luciano se viu admirado com a tranquilidade que aquele ser maravilhoso tinha. Fernando era um homem lindo, Luciano sabia disso... Ele sempre soube disso... Ele sempre deu sinais.

    Isso tudo era novo demais para ele, era algo que ele não imaginava que era mas ai de repente ele descobre que é e que era tão óbvio pra ele mas ele só foi descobrir isso com 20 anos. Ele estaria atrasado não é? Tinha tempo para descobrir que é assim? Isso deixava ele nervoso e desconfortável consigo mesmo.

    Até então não era estranho, era apenas... Novo... 

    Se sentiu mal naquele momento por olhar para Fernando com tanta admiração, que não era admiração e sim uma paixão tão forte que Deus estava o olhando com nojo naquele momento. Olhou pro teto como olhava pro céu, como quem tentava olhar para Deus.

    Sente nojo de mim como eles?... Me olha com nojo por eu o amar tanto? Ele pensava com uma expressão de aflição, como um filho olhando para seu pai, esperando não se decepcionar com aquela figura divina que o criou. Por muito tempo Luciano olhava seu pai assim, com os olhos implorando para não se decepcionar de vez. Deus o olhava assim não é? Se pudesse ver seu rosto, sua mente dizia que sua expressão seria de receio, desespero para não se decepcionar com mais um filho.

    Eu amo o Fernando.

    Luciano chorou nessa noite após esse pensamento, dormiu assim, tendo em mente que agora Deus o olhava com decepção agora.

    Ao admitir que você ama alguém igual a você, Deus te verá como algo profano.

.
.
.
.
.

    Era noite de missa e Luciano iria, pois não se sentia confortável em ficar só na casa de Fernando e queria o acompanhar, por mais que sabia bem que encontraria sua mãe naquela igreja. Se ela fosse.

    Luciano foi mais cedo do que o horário que normalmente iria, isso pois Fernando ajudava em algumas coisas lá e pensando nisso Luciano resolveu que iria ajudar também, para ter o que fazer lá enquanto a missa ainda não começava, mesmo que tivesse a opção de apenas não fazer e esperar, o mais novo preferiu ajudar, afinal, era de seu feitio isso.

    O Padre recebeu Luciano com um sorriso e um abraço, agradecendo a ajuda extra, o elogiou, perguntou como ele estava e conversou um pouco. Padre Saulo era alguém gentil, que realmente seguia os fundamentos ditos nas escrituras sagradas, pregava o amor, o respeito e a boa índole, um gentil velhinho de 70 anos que apenas queria paz em sua vida e que todos ao seu redor ficassem bem. Luciano gostava dele.

    Bem, de toda forma a conversa teve que acabar para que os dois jovens ajudassem os outros a arrumar as coisas daquela missa, fazendo apenas o básico ali, mas isso deu o momento perfeito para que Fernando pudesse se ver sozinho com Luciano. Eles tinham que achar algum produto de limpeza no depósito para limpar as sala de Santo Antônio.

    — Quando foi tão difícil achar um desinfetante? — pergunta Luciano para ninguém em especial, mexendo nas prateleiras daquele depósito tal qual Fernando, que até então se encontrava pensativo — hm? É um com a embalagem roxa?

— Lu, você tá bem? — de repente Fernando pergunta, se virando para Luciano com um olhar de preocupação, sendo a primeira coisa que o próprio notou ao se virar curioso com a pergunta. A resposta era não.

— Hm? Claro que sim, por que não estaria? —  isso pareceu estranho, pros dois, para Fernando que sabia bem que não pois puta merda, ainda tinha a imagem de como encontrou Luciano naquela praça e para Luciano,pois foi literalmente expulso de casa pela mãe. Claro que ele não tá bem, até tossiu um pouco vendo o quão contraditório era isso. Fernando pôs a mão na cintura.

— Lu... Sua mãe vai vir... — Luciano respira fundo naquele momento, e ele soube que se entregou ali — sei  que não posso te forçar a contar o que aconteceu mas... Tem haver com ela? — havia receio em sua voz.

Aquilo não era um impasse, era só simplesmente contar, afinal, estavam eles apenas em um depósito, longe dos outros e do Padre, mas mesmo assim, Luciano olhou pros lados e ao seu redor, como quem temesse estar sendo observado. Bem, era apenas eles ali, então suspirou e olhou para Fernando.

— É... Ela me expulsou de casa — e a reação de Fernando quanto a isso foi arregalar os olhos com a notícia, colocando a mão em sua boca e respirar fundo. Lógico, estava em choque com aquela notícia.

A relação de Dona Márcia e Luciano era ótima, uma linda amizade de mãe e filho que se amavam incondicionalmente. Bem, depois dessa notícia, talvez só por parte de Luciano mesmo. Fernando estava genuinamente triste e decepcionado com aquilo, pois não esperava que Dona Márcia despejasse seu único filho daquele jeito.

— Mas foi porque eu dei um soco no meu pai também, então ela tem motivo — e Fernando olhou confuso para  Luciano. Ele queria era rir, mas o choque era maior — olha... Meu pai viu a gente saindo na segunda e pensou besteira da gente... Não vou entrar em detalhes mas... 

— Coisas homofóbicas? — esperava que não tivesse dado na cara, Fernando apenas soltou isso porque sabia que era inevitável pensar isso de dois homens que estavam saindo para se divertir um com o outro. As pessoas pensavam besteira com muita facilidade — desculpe, mas meio que... Ninguém pode ver dois homens apenas sendo amigos próximos que pensam essas coisas, quer dizer, você é o amigo mais próximo que eu tenho... Desculpe... — e olhou para o chão com a mão na nuca envergonhado. Deixei muito na cara, não é?

—... Bem, isso é verdade — ele leu sua mente e afirmou seus pensamentos. Fernando quis se jogar da ponte — mas nós... Somos amigos apenas e ele tá errado em pensar essas coisas, falar essas coisas, tipo, não é como se fossemos algo a mais e mesmo que fossemos, isso não dá a ele nenhum direito de falar coisas sobre a gente... Muito menos de você... — “mesmo que fossemos”, Fernando teve essa frase única passando em sua mente e olhou para Luciano com curiosidade.

— Sim, você tá certo, ele não tem direito de ficar dizendo coisa que nem sabe direito — falou levantando a cabeça olhando para Luciano por um grande momento, e isso deixou Luciano confuso. Tinha algo na cara dele... Por que os olhos de Fernando brilhavam?... Ai porra... — ei Lu… — nesse momento o menor engoliu seco.

— Sim?... — ele olhava Fernando de volta, tenso com o que ele iria dizer pois Luciano sabia, sabia que tinha haver com o que havia dito e só esperava o pior, mesmo que a expressão de Fernando fosse esperançosa. Luciano não entendia.

— Você gostaria que fossemos mais que amigos? — e naquele momento o coração de Luciano parou por um instante, sentindo a pressão de alguma coisa o atravessando e todo o tempo ali parou, com apenas eles conscientes do que acontecia.

Luciano olhava Fernando nos olhos, os seus acabaram por brilhar também e ele sentiu vontade de chorar. Tudo pareceu tão seguro que isso o aquecia. Ele queria, ele quer muito e sabia bem disso. Esse momento é tão seguro, ele pode contar, não é?

— Eu nunca soube o quanto eu queria até então... — suspirou relaxando seu corpo — mas acho que... Quero isso a mais tempo do que eu esperava... — e ele começou a se aproximar, sentindo a maciez da mão de Fernando passando pelo seu rosto, fazendo um carinho.

— Eu também quero isso... — suspirou também, falando baixo para ele como um sussurro. 

Foi nesse momento que se lembrou de quando viu Luciano pela primeira vez, lembrando como se fosse o momento exato em que se viu ao menos curioso sobre o garoto novo da igreja.

Fernando na época tinha 16 anos tirado sua atenção do piano que tocava durante as missas, ele havia se levantado e estava pegando seu livro de partituras quando se virou e pegou o mesmo olhando pra ele com um sorriso tão lindo que ele mesmo se sentiu feliz.

Foi naquela noite em que se falaram pela primeira vez.

— Fernando, eu... 

— Shhh... — Luciano sente o polegar do maior passando por seus lábios, sendo esse um ato, em sua opinião ousado, bastante até, porém ele não pode negar a si mesmo que seu interior inteiro gritou por mais daquilo. Fernando estava tão perto dele que já sentia a respiração quente do próprio — só farei aquilo que você quiser... 

— Eu quero você — essa resposta saiu tão natural, que quase assustou Luciano, porém por ele estar mais focado em outra coisa, mal se importou com isso, até porque nada era mais importante do que sentir Fernando mais e mais perto de si, como ele tanto queria. 

Ele quer Fernando, então teria.

Pela mão de Fernando já estar em seu rosto, foi fácil a mudança dela até sua nuca, e tal movimento foi deleitoso de se sentir que o corpo de Luciano se arrepiou por inteiro, mas nada foi comparável com quando Fernando aproximou ambos os rostos 

Luciano quando chegasse ao inferno poderia se exibir até mesmo para o próprio diabo, já que sabia bem que nem tal ser maligno foi tão sortudo ao ponto de estar em seu lugar em algum momento. Ele estava beijando um anjo.

Seu corpo todo relaxou mais e não podia fazer outra coisa senão retribuir, arriscando a abraçar o pescoço de Fernando, o que foi bem vindo pois com a outra mão o Carvalho abraçou sua cintura e o trouxe mais perto. Seus corpos colados se arrepiaram com tão contato, mas não ousaram se separar, eles queriam mais.

Os movimentos dos lábios foram pensados no mesmo instante, o suspiro de Fernando em satisfação a aquilo, Luciano acariciou suas costas com os dedos, num movimento de baixo pra cima que fez o maior estremecer e soltar os lábios de Luciano por um momento.

Se olharam novamente, olho no olho, trazendo uma conexão que os fizeram apenas ter um único pensamento.

Continuar, e foi isso que eles fizeram por bastante tempo.

— Meninos? — até isso ocorrer.

Luciano foi o primeiro a reagir, separando-se do beijo e olhando assustado para Fernando que estava com a mesma expressão em seu rosto, ficando tenso, olhando para Luciano com choque enquanto sua mão ia até seus lábios. Foi tão bom... 

— Meninos? Estão aqui ainda? — essa era Ana, ela também ajudava a arrumar a igreja junto com eles. Aparentemente para ela ter dado sumiço deles, eles devem ter demorado um tempo naquele beijo.

— Ana! Oi! — Fernando reagiu em seguida, se virando para a porta aberta, ainda não vendo a loira, mas provavelmente ela estava se aproximando. Se ergueu e ajeitou-se e Luciano vendo isso fez o mesmo. Fingiriam que nada aconteceu.

Por enquanto.

— Oi, é que vocês estavam demorando e falta 20 minutos pra missa começar — a loira aparece na frente da porta, olhando os dois com um sorriso e Luciano pega o desinfetante, olhando o frasco de costas pros dois. Luciano estava muito tenso.

— Já estamos indo — Luciano se pronuncia respirando fundo e apertando os lábios, ainda sentindo a textura da boca de Fernando na sua. Tava quase xingando mentalmente Ana por interromper eles. Bem, ele apenas se virou olhando para eles, com uma expressão mais neutra — achei o desinfetante, vai ser rápido então vamos.

— Vamos mesmo, já precisamos de você no piano Fê — falou docemente para o maior, se virando para ele e... Vagabunda, tá vermelha por que? Luciano não pode se conter, quase tremeu de raiva quando viu a cena e sentiu algo ruim em seu âmago, tanto pela cena e tanto pelo momento do beijo, que agora estava digerindo. Puta merda.

— Vamos então, já estamos enrolando demais — desviou os olhos de Ana para olhar Luciano, esse que andou adiante e passou pela loira, essa que a olhou com a cara emburrada.

— Um grosso ele não é? — Fernando apenas soube  fechar a cara com o comentário. Luciano não era nem de longe um grosso.

— Você não o conhece para falar tal coisa — e logo foi Fernando a seguir Luciano, andando em direção a saída do depósito, pensando unicamente no momento anterior antes da interrupção de Ana.

Novamente, passou os dedos em seus lábios.

Ele precisava falar com Luciano o mais rápido possível.

.
.
.
.
.

Luciano estava uma destruição mental. Era esse o resumo.

    Nunca pensou que beijaria outro homem. Bem, ele pensou, mas em pensamentos intrusivos. Mas mesmo assim tudo aquilo era muito surreal para ele.

    Acabou de limpar a imagem de Santo Antônio e agora as pessoas chegavam para a missa, ele olhava a imagem com um único pensamento, era ele quem estava armando tudo isso para ele? Porque não é possível uma coisa dessas! Em menos de um dia ele se descobre gay, que é apaixonado e que ama Fernando que é um de seus melhores amigos e depois está beijando ele, que tipo de armação era aquela???

    Bufou frustrado, abaixando sua cabeça e passando a mão em seu rosto. Questionava ou agradecia? Ele não sabia, apenas sabia que era muita coisa para a sua mente e isso estava o cansando.

    De toda forma, levantou a cabeça e foi acompanhando o resto das pessoas que entravam, com uma cara séria se direcionando à parede da igreja por onde ficaria. Luciano encostou ali e suspirou, olhando as pessoas se sentarem de forma comportada e pode olhar novamente as pessoas que ali estavam.

    O velho padeiro não estava mais ali, largou a igreja e focou no trabalho após a esposa descobrir sobre as traições e largar ele, porém, lá estava seu filho mais velho, sem mais sua raiva ou problemas com o álcool, estava agora com seu primeiro filho e a esposa, uma família bonita que o homem merecia ter.

    As duas mulheres que se jogavam para seu pai continuavam ali também, porém uma estava terminando a faculdade e a outra estava grávida e com um noivo. Alegria as duas.

    Já a família continuava ali, porém com uma aura mais pacífica sem a mãe presente, que era uma verdadeira víbora, mas ao menos o pai cuidava bem das crianças, que continuavam quietinhas perto do mais velho.

    E sobre as velhas... Morreram, alegria também.

    Olhando um pouco mais ao seu redor enquanto Padre Saulo subia até o altar, pode ver ele. Luciano suspira com isso. 

    Fernando tocava tranquilamente o piano da igreja, tendo uma malemolência perfeita nos dedos para tocar cada nota e Luciano via daquela distancia anos de aprendizado para aprender aquilo, além de aprender a ler as notas a serem tocadas no livro de partituras que Fernando estava lendo para tocar a música de fundo. Era perfeito, era lindo, era maravilhoso.

    Luciano se sentiu mal novamente, e o motivo era por ter profanado aquele anjo tão puro e belo. Bem, seus pensamentos diziam isso para o amaldiçoar.

    Olhou novamente para o teto como quem olhava para o céu falando com Deus, respirando fundo e sentindo o nada que sempre sentia nesses momentos. Perdoa ele ao menos, é minha culpa, não a dele, me leve ao inferno mas deixe meu anjo ir com você... Ele merece... 

    Era um pensamento puro por parte de Luciano, que, mesmo que não acreditasse tanto em Deus, preferiria que ele ao menos levasse Fernando ao paraíso quando chegasse a hora dele, enquanto ele, Luciano, queimaria na chama ardente do inferno. Esse era o único pedido de Luciano.

    Logo olhou para frente e a missa começou, e não pode deixar de olhar em direção onde normalmente sentaria, o banco onde ele e sua mãe se sentavam toda vez que iriam para lá e... Ela veio. Lá estava Dona Márcia de costas para si, com seu costumeiro coque e um vestido verde florido e tudo o que os separava e impedia de Luciano ir até ela era a amargura dos eventos passados e a prioridade dela de quem defender. Amava sua mãe, mas como ser humano que contém sentimentos por mais afundados que tenha os botado, ele tinha todo o direito de estar chateado com ela, tanto como ser humano e tanto como filho.

    Pois bem, a missa logo começou e Luciano trocou seu olhar para o Padre que começava a falar.

.
.
.
.
.

— Filho... 

A missa havia acabado, finalmente havia acabado e Luciano poderia se mexer livremente. Ele iria até Padre Saulo para saber de alguma coisa que ele poderia fazer na igreja nessa noite mas foi parado ao esbarrar em sua mãe, e isso o assustou um pouco. Ele era mais alto que ela. E se ela tivesse se machucado?

Bem, olhou para ela após ela o chamar, e não pode deixar de se sentir triste naquele momento, pois se lembrou de tudo o que aconteceu recentemente. Mas ela também estava triste, seus olhos falavam isso... Mas também havia sido ela a gritar para ele ir embora da casa dela e foi amparar o marido que a empurrou. 

Luciano apenas não sabia o que pensar ou falar, e aparentemente nem ela sabia.

Ficaram ali se olhando em silêncio até ela mesma quebrar o gelo.

— Sei que está bravo... — ele não estava bravo — não deveria ter falado com você daquela maneira e eu sei que foi errado, agi mais pela emoção do que pela razão... — e agora ela ficou em silêncio, pensando no que falar em seguida.

— Eu não estou bravo — deixou claro suspirando e passando a mão na cara. Não esperava que falaria com sua mãe agora — só estou... Decepcionado, chateado sabe? Nunca pensei que iria fazer isso comigo.

— E eu nunca pensei que fosse capaz de agredir seu pai — soltou fechando um pouco a cara, mas a expressão de Luciano a fez suavizar a expressão — olhe... Não quero discutir sobre isso... 

— Então sobre o que? — perguntou cruzando os braços e suspirando, olhando para qualquer canto ali. Pode ouvir ela mesma suspirar e respirar fundo antes de falar.

— Luciano, meu filho, volta pra casa... — Luciano fechou mais a cara em amargura. Ele até queria, mas... 

— Ele ainda está lá? — olhe bem, ele não tinha problema de ficar na mesma casa que seu pai, mas ele não estava querendo isso no momento, pois sabia bem que calar a boca o homem não faria e isso desencadearia em outro soco que Luciano não se arrependeria, já que com aquele homem ele não tinha paciência e muito menos pena.

— Claro que sim, ele mora lá — que frase decepcionante — ele também quer conversar com você sobre o que aconteceu... — pareceu mais uma invenção do Getúlio Vargas. Luciano apenas suspira fundo e a olha nos olhos

— Olha mãe... No momento eu preciso de um tempo pra mim, para eu pensar e ter meu espaço — seu tom foi calculadamente suave para ela, não querendo ser grosseiro com sua mãe apesar dos pesares. Ela se entristeceu com o que ele disse.

— Mas... Onde você vai ficar? Lá é sua casa e meu filho... Ele é seu pai... — e isso não justifica nada.

— E você é minha mãe e mesmo assim me trocou por ele — agora ele mostrou amargura na voz, deixando a mais velha um pouco em choque e desconfortável — preciso só do meu tempo, estou na casa do Fernando, não tô na rua realmente, tenho onde dormir — Marcia suspirou e olhou pro chão.

— Quando volta pra casa? — Luciano fecha os olhos respirando fundo.

— Eu não sei... — suspirou.

— Ainda vai voltar para me ver? — e voltou a olhar para ele, ainda com a mesma expressão.

— Quem sabe... — descruzou os braços e olhou pro altar — tenho que ir, preciso ajudar a arrumar as coisas aqui ainda... 

— Entendi... — olhou para a saída da igreja e voltou a olhar pro filho —filho... 

— Sim? — olhou para a mais baixa, observando que ela apertava sua bíblia contra seu corpo. Por que tão nervosa?

— Eu te amo mais que tudo, não importa o que... — e logo após essa frase, ela deixou o mais novo ali parado e curioso sobre o que ela acabara de dizer para ele. 

Ela apenas foi embora sem dizer mais nada e saiu da igreja, Luciano viu isso quando se virou e não a viu mais, por provavelmente ter se misturado às pessoas que ficaram na entrada da igreja.

Agora sobre o que ela disse... Ele acreditava ou não?... Não iria encher sua cabeça com essas coisas, ele… Ainda tinha coisas a fazer... 

Ele teve que passar por Fernando nesse caminho, e para o seu estranhamento, isso o deixou tenso, mas logo lembrou do motivo e se arrepiou, isso ao mesmo tempo em que uma troca de olhares se iniciou enquanto Luciano andava. Eles queriam mais e era claro nos olhos um do outro.

Fernando sabia bem o que estava fazendo ao lamber seus lábios enquanto o olhava. Quebrou o contato visual e sentiu seu rosto esquentar. Droga Fernando, me ajuda aqui também porra! Pensou enquanto ia para trás do altar.

Foi aí que ele lembrou que teria que ir embora com Fernando pois estava ficando na casa dele... Eles tinham que resolver isso.

.
.
.
.
.

    — Meninos, muito obrigado, não sabem o quão grato sou pela ajuda de vocês — Padre Saulo diz com um sorriso para os últimos dois que estavam ali fechando a igreja.

    — E sabe que não precisa agradecer, você nos ensina tanto que nos inspira a ser assim — Fernando diz com suas chaves em mãos. Ele tinha a cópia da porta dos fundos da igreja, então daria para ele e Luciano saírem tranquilamente.

    — Como sempre gentil, Fernando — o mais velho diz sorrindo, mas logo suspirou cansado — bem jovens, tenho que ir, sou abençoado pelo altíssimo mas sou humano, hora de descansar — e os olhou pela última vez — boa noite meninos, cuidado com a ida para casa — e se virou, começando a andar até seus aposentos.

    — Boa noite para você também, Sr.Saulo — diz acenando para o mais velho e Luciano fez o mesmo.

    — Boa noite... — e abaixou sua mão e suspirou, atraindo a atenção de Fernando.

    — Cansado? — pergunta apertando a chave em sua mão e se virando para ele, colocando as mãos em seus bolsos.

    — Um pouco, mas nem tanto também — evitava de olhar Fernando, por isso olhava para um canto qualquer. Ele esperava eles chegarem em casa ou falava agora? Aquele lugar era sagrado demais para aquele assunto.

    Mas Fernando não pareceu se importar com aquilo.

    — Ei, Lu... — respirou fundo e engoliu em seco, agora sim atraindo a atenção do mais novo que gradualmente ficava nervoso — sobre o beijo.

    — Nunca mais vai acontecer — prontamente interrompe Fernando, mas com o tom da voz saindo quase desesperado para poder deixar claro aquilo. Aquilo que ele não queria — Foi um erro, eu sei, eu não deveria ter te puxado para aquilo e... Desculpe Fernando... — a cada frase que saia de sua boca era uma mentira e talvez fosse isso que deixava o coração de Luciano tão acelerado, já que ele queria desesperadamente acreditar em tudo aquilo.

    Fernando até então nada falou, arregalou seus olhos e olhou confuso para Luciano, como sempre, nos olhos dele, tentando enxergar a verdade no que ele dizia. Sério mesmo? Nunca mais aconteceria? Aquilo havia sido um mero erro? Mas... Foi ele quem o puxou pro beijo... 

    — Pelo o que que você está pedindo desculpas? — perguntou após respirar fundo, sentindo seu corpo ficar tenso também. Luciano não entendeu.

    — Como assim?... — olhou confuso pro maior.

    — Se estiver se desculpando pelo beijo ou por estar mentindo pra mim, que fique claro que, eu não desculpo nenhuma das duas coisas — a firmeza em sua voz fez o coração do mais baixo se apertar, ao mesmo tempo que o fez suspirar. Luciano gostou disso, por mais que não tenha entendido.

    — Eu não estou mentindo, me arrependo do que eu fiz, não deveria ter feito aquilo... — ele ainda queria acreditar naquela mentira, e isso encheu o coração do Carvalho de tristeza.

    — Eu quem te puxei Luciano, eu quem comecei, eu quem perguntei, então quem deveria estar se arrependendo sou eu, mas não estou e sabe o porquê? — deu um passo à frente — porque eu simplesmente não me arrependo nenhum pouco de ter te beijado.

    — Não fale assim! Estamos na igreja... — exclamou mas logo tentou falar baixo, sentindo o coração se apertar mais a cada fala de Fernando, mas ao mesmo tempo que se apertava, se aquecia, amando aquelas palavras, por mais erradas que estejam em sua percepção.

    — Falo assim sim, e você também não deveria dizer essas coisas, também não se pode mentir na casa de Deus — olhava para Luciano com seriedade e esse respirou fundo, logo olhando nos olhos do maior.

    — Não estou mentindo...

    — Está mentindo agora.

    — O que fizemos é errado Fernando! — e logo andou passando por Fernando, indo em direção até o altar. Sua mente já estava a todo o vapor agora.

    — Errado por que? Por que é errado? — e tudo o que Fernando fez foi seguir ele — por favor, seja sincero, sei que é difícil, foi difícil pra mim-

    — Como pode ter sido difícil para você? — e se virou para Fernando — até onde eu sei, entre mim e você, quem gosta de homens sou eu — e soltou no auge da emoção, provavelmente nem raciocinando direito o que falou ou os últimos acontecimentos.

    — Só você? — perguntou olhando Luciano com cara de tacho por um momento após aquela frase. O cara literalmente beijou ele, será que ele já se esqueceu? Bem, aparentemente não, pois logo Luciano ficou vermelho e virou o rosto com a mão na nuca.

    — Desculpe... 

    — Não enquanto não ser verdadeiro comigo — e voltou a se aproximar dele — Lu, nos conhecemos há 6 anos já, somos amigos de tempos e... Essa não é a primeira vez que temos conversas profundas.

    — Conversas profundas é?...

    — Você entendeu — suspirou e continuou a caminhar até ele — olha... Eu quis, tudo bem? Eu quis aquele beijo e quis mais ainda continuar... — e ele parou, pois já estava próximo de Luciano que se virou de costas para ele. Fernando fechou a cara, pensando no que dizer para o mais novo, mas apenas respirou fundo. Se lembrou de um detalhe — faria isso por você sempre... Porque você é você... — isso aparentemente atraiu a atenção de Luciano.

    — Que... 

    — E... — suspira e vai ficar ao lado dele — eu gosto de você... Tanto, tanto e tanto que honestamente... Não sei como não notei antes... 

    — Fernando isso... — Luciano estava em choque, agora olhando para Fernando com uma expressão triste enquanto vinha a sentir uma vontade de chorar. Fernando o olhou de volta — isso... Isso não é certo... Isso é pecado... — e ao falar isso, a primeira lágrima desceu de seu rosto. Fernando apenas sorriu tristemente.

    — Isso é amor... — aproximou seu polegar para secar aquela lágrima e se aproximou para ficar frente a frente com Luciano — e eu amo você... 

    — Você não pode me amar... — negou com mais uma lágrima caindo em seu rosto, vinda de um misto de emoções no coração de Luciano — você é um anjo Fernando... — e seu tom saiu com choro, tremendo um pouco enquanto sentia as mãos de Fernando pegarem na parte superior de seus braços.

    — Eu não sou um anjo, se isso significa não poder te amar Luciano... — falou sorrindo e limpando mais o rosto dele, secando lágrimas para vir mais — Lu... 

    — Você não pode me amar... Sou profano demais para merecer isso — em meio ao choro ele sentia uma leve falta de ar, o que o obrigava a respirar fundo várias vezes, e isso preocupava Fernando.

    — Luciano, olha pra mim — pediu e foi feito, Luciano olhou para ele — você merece o mundo inteiro, merece ser feliz, merece tudo o que há de melhor — falou na tentativa de tranquilizar ele, sabendo bem o quanto a mente humana poderia ser cruel até com ela mesma. Ele pensou, com cautela, respirando fundo e olhando no fundo dos olhos marejados de Luciano — eu amo você Luciano... E se isso significa queimar no inferno, eu vou queimar, somente pelo preço de te ter... 

    Luciano não sabia o que fazer, seu coração estava acelerado e ele chorava, respirava fundo para poder ter oxigênio e olhava nos olhos de Fernando que tentavam o tranquilizar, ele focava na voz dele que soava tão preocupada consigo que se sentia culpado, mas ao mesmo tempo, era tão angelical que isso o deu um norte por um momento.

    Ele apenas queria Fernando, queria poder amar livremente Fernando e viver aquela história e não pensar no final pois não queria que tivesse fim. Ele só queria... Ele apenas quer.

    — Eu amo você Fernando... Tanto... — chorou e se estremeceu, mas logo respirou fundo olhando ao seu redor enquanto sentia as mãos dele indo pro seu rosto — mas... As pessoas falam tanto de pessoas como nós... — fechou os olhos com força.

    — Eu sei, eu sei... — suspira acariciando o rosto dele, fechando os olhos também. Encostou suas testas — elas sempre falam mas... Eu estou disposto a passar por tudo... Por você... 

    Por você... Isso pegou na mente de Luciano. Ele estaria disposto a passar por várias pessoas contra eles dois para que pudessem estar juntos? Ele estaria disposto a isso para poder viver o mínimo de paz possível consigo mesmo?... Ele já ouviu muitas coisas de várias pessoas, faladas na sua cara ou não, mas principalmente ouviu muito de sua família, de seu pai... Foi nesse momento que Luciano se lembrou que quando seu pai resolveu falar e fazer o que não deveria, ele o socou... Ele estave disposto a proteger quem ele amava... Proteger sua mãe... Faria o mesmo por Fernando?...

    Ele precisava usar a lógica.

    — Fernando... — o chamou, abrindo os olhos e se deparando com os olhos castanhos mais lindos que já havia visto. Ele subiu suas mãos para a nuca e rosto dele, encarando os olhos de Fernando — por você, eu deixo esse mundo inteiro queimar... — e se aproximou, em meio às lágrimas beijando-o com todo o seu amor e desejo, assim sendo retribuído, podendo sentir as lágrimas de Fernando caindo também.

    Aquele ato não foi apenas um beijo simples, era o mundo inteiro de dois jovens que se amavam e que agora selaram uma promessa diante de Deus, na casa dele. Um beijo que significava o sacrifício de muitas coisas que eles amavam, mas que também significava o que eles mais acreditavam.

    Eles se amavam, se amavam sem limites e queriam viver aquela grande história, e essa era a coisa mais pura que eles conheciam, aquele amor tão puro e lindo. Isso é amor não é? Algo puro, lindo de se ver, algo verdadeiro e honesto, consensual e compartilhado por quem sente esse amor. Isso era amor, e não havia coisa mais linda que isso.

    Para uns, era pecaminoso, horrendo e demasiado profano.

    Mas para eles, diante daquele altar sagrado na casa de Deus, era a coisa mais linda que existia.

 

Fim

 



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...