• Camila Rebecca •
Três anos atrás …
Eu estava enrolada na espreguiçadeira na nossa biblioteca, lendo, quando uma batida soou na porta. A cabeça de Liliana descansava no meu colo e ela nem sequer se mexeu quando a porta abriu e nossa mãe entrou, e ela estava com expressão de preocupação.
— Aconteceu alguma coisa? — Perguntei.
Ela sorriu, mas era o seu sorriso falso. — Seu pai quer falar com você no escritório.
Segurei cuidadosamente a cabeça de Lily e a coloquei com cuidado no sofá . Ela puxou as pernas para cima e acomodou contra o seu corpo. Mamãe evitou meus olhos enquanto eu caminhava em direção a ela.
— Estou em apuros? — Não sabia o que eu poderia ter feito de errado. Normalmente Lily e eu éramos obedientes; era Rosalía quem sempre quebrava as regras e era punida.
— Depressa. Não deixe seu pai esperando — mamãe disse simplesmente.
Meu estômago estava atado em nós quando eu cheguei na frente do escritório de meu pai. Depois de um momento para acalmar os nervos, bati.
— Entre.
Entrei e fui andando cuidadosamente em direção a ele. Papai estava sentado atrás de sua mesa de mogno em uma poltrona de couro preta larga; atrás dele havia prateleiras cheias de livros que ele nunca tinha lido, mas elas escondiam uma entrada secreta para o porão e um corredor que levava para fora das instalações.
Ele desviou os olhos da sua pilha de papeis e os levantou para mim, seus cabelos grisalhos penteados para trás. — Sente-se.
Eu me acomodei em uma das cadeiras em frente à sua mesa e cruzei as mãos no meu colo, tentando não roer meu lábio inferior. Meu pai odiava isso. Esperei ele começar a falar.
Ele tinha uma expressão estranha em seu rosto enquanto me examinava. — Os peaky Blinders estão tentando reivindicar nossos territórios. Eles estão ficando mais ousados a cada dia. Querem estender seus negócios.
Fiquei confusa. Papai nunca falava sobre negócios conosco. Meninas não precisavam saber sobre os detalhes dos negócios. Mas eu sabia que não devia interrompê-lo. — Não há nenhum vínculo mais forte que o sangue. Pelo menos a Família é uma certeza.
Eu fiz uma careta.
— Nascido no sangue. Juramentado no sangue. Esse é o lema.
Concordei com a cabeça, mas minha confusão só aumentava.
— Eu me encontrei com Thomas Shelby ontem na minha viagem até a Inglaterra, para um tratado de paz.
Papai se encontrou com o Capo chefe da máfia de Birmingham?
— Nós concordamos que, para que a paz seja uma opção, tínhamos que nos tornar uma família — os olhos de papai me perfuraram e de repente eu não queria ouvir mais o que ele tinha a dizer. — Thomas e eu concordamos que você vai se casar com irmão dele, John Shelby.
Eu senti como se estivesse caindo. — Por que eu?
— Thomas e John falaram ao telefone várias vezes comigo nas últimas semanas, e Thomas queria que fosse você para o irmao dele. Assim que lhes mostrei uma foto sua para ele.
— Há tantas meninas bonitas — eu engasguei. Não conseguia respirar. Papai olhou para mim como se eu fosse seu bem mais precioso.
— Não há muitas garotas cubanas como você, minha filha — Papai riu — Você é a nossa porta de entrada para a Família dos Peaky Blinders.
— Mas, pai, eu tenho quinze anos. Não posso me casar.
Ele fez um gesto de desprezo. — Se eu concordasse, você poderia. Você acha que nós nos importamos com leis?
Segurei os braços da poltrona com tanta força que meus dedos estavam ficando brancos, mas eu não sentia dor.
— Mas eu disse a Thomas Shelby que o casamento teria de esperar até você completar dezoito anos. Sua mãe foi inflexível sobre você ser maior de idade e terminar a escola. Tommy ouviu seus apelos.
Assim, o Chefe tinha dito ao meu pai que o casamento ia esperar. Meu próprio pai teria me jogado nos braços de meu futuro marido agora. Meu marido. Uma onda de horror caiu sobre mim. Eu sabia apenas duas coisas sobre John Shelby; ele se tornaria o chefe da máfia de Birmingham uma vez que seu irmão se aposentasse ou morresse, e seu apelido era “O demônio”, por esmagar a garganta de um homem com as próprias mãos. Eu não sabia quantos anos ele tinha. John não poderia ser tão velho, mas isso ainda não deixava de ser ruim.
— Pai — eu sussurrei. — Por favor, não me obrigue a casar com esse homem.
A expressão do meu pai se fechou — Você vai se casar com John Shelby. Acertei tudo com os Peaky Blinders. Você será uma boa esposa para ele, e quando você encontrá-lo na festa de noivado, vai agir como uma dama obediente.
— Festa de noivado? — Eu repeti. Minha voz soou distante, como se um véu de névoa cobrisse meus ouvidos.
— Claro. É uma boa maneira de estabelecer ligações entre as nossas famílias, e isso vai dar a John a chance de ver o que ele está levando nesse acordo. Nós não queremos decepcioná-lo.
— Quando? — Eu limpei minha garganta, mas o nó permaneceu. — Quando é a festa de noivado?
— Agosto. Não definimos uma data ainda.
Balancei a cabeça atordoada. Eu adorava ler romances e sempre que os casais se casavam, eu imaginava como seria o meu casamento. Eu sempre imaginei que seria preenchido com entusiasmo e amor. Sonhos vazios de uma garota estúpida.
— Então, eu estou autorizada a continuar frequentando a escola?
O que importaria se eu me formasse? Eu nunca iria poder exercer uma carreira, nunca deixariam. Tudo o que eu tinha permissão para fazer era aquecer a cama do meu marido. Minha garganta se apertou ainda mais e lágrimas teimavam em sair dos meus olhos, mas eu as forcei para não cair. Papai odiava quando eu perdia o controle.
— Sim. Eu disse ao Sr. Shelby que você frequenta uma escola que não tem meninos.
— Isso é tudo?
— Por enquanto.
Saí do escritório logo depois, tentando limpar a neblina na minha mente. Parei no corredor e revi silenciosamente a conversa toda. Só consegui ficar mais apavorada ainda. Meu pai não era um homem ruim, ele foi bom para nós, dentro do que se considera ser “bom” vindo de um homem da máfia. Ele não sabia ser carinhoso e por muitas vezes foi rígido além do necessário, mas, ainda assim, melhor do que muitos patricarcas mafiosos. Mas o fato de me entregar em casamento para um assassino, um criminoso e possivelmente o homem mais cruel que eu poderia imaginar, fazia tudo dentro de mim se revirar.
•••
Eu não conseguia parar de chorar. Rosalía acariciou meus cabelos enquanto minha cabeça estava em seu colo.
— Você poderia tentar falar com o pai novamente. Talvez ele mude de ideia, — disse ela com a voz suave.
— Ele não vai.
— Talvez mamãe seja capaz de convencê-lo.
— Como se o pai deixasse uma mulher tomar uma decisão por ele. Nada que alguém pudesse dizer ou fazer vai mudar alguma coisa. — eu disse cabisbaixa.
Eu não tinha visto minha mãe desde que ela me enviou ao escritório do pai. Ela provavelmente não estava conseguindo me encarar, sabendo que havia me condenado a esse casamento.
— Mas Cami...
Ergui a cabeça e enxuguei as lágrimas do meu rosto. Rosalía olhou para mim com olhos cheios de pena.
— Ele apertou a mão do irmão de John.
— Eles se encontraram?
Isso é o que eu queria saber também. Por que ele encontrou tempo para se encontrar com o chefe da Família Shelby, mas não para me contar sobre seus planos de me vender como uma prostituta?
Empurrei a frustração e o desespero da minha cabeça, tentando fazer esses sentimentos saírem do meu corpo.
— Isso é o que o pai me disse.
— Tem que haver algo que possamos fazer! — Insistiu ela.
— Não tem. — Levantei abruptamente. — Eu preciso falar com Umberto. Ele quem deve ter ido com o papai até os Peaky Blinders.
Umberto tinha quase cinquenta anos e era um soldado leal de meu pai. Ele também era meu guarda-costas e de Rosalía. Ele sabia tudo sobre todos. Minha mãe o chamava de difamador. Mas se alguém sabia mais sobre esse encontro ou sobre os Shelby, era Umberto.
•••
— Ele se tornou um homem da máfia aos onze anos — disse Umberto, afiando a faca como fazia todos os dias.
— Aos onze? — perguntei, tentando manter minha voz estável. A maioria das pessoas não se torna membro plenamente iniciado da Máfia até que tenha dezesseis anos. — Por causa de seu pai?
Umberto sorriu, revelando um incisivo de ouro, e fez uma pausa em seus movimentos.
— O pai deles meteu o pé. Todos são criados pela tia, Polly Gray. John matou seu primeiro homem aos onze, por isso se decidiu iniciá-lo mais cedo.
Rosalía engasgou. — Ele é um monstro.
Umberto deu de ombros. — Ele é o que precisa ser. Para ser um dos Peaky Blinders você não pode ser um marica. — Ele deu um sorriso de desculpas. — Um covarde.
— O que aconteceu? — Eu não tinha certeza se realmente queria saber. Se John havia matado seu primeiro homem aos onze, então quantos mais ele tinha matado nos anos seguintes então?
Umberto balançou a cabeça raspada, e coçou a longa cicatriz que ia da sua têmpora até o queixo. — Não posso dizer. Eu não sou tão familiarizado com os Shelby.
Fiquei observando-o enquanto, tentando me concentrar em algo que não fosse o meu estômago revirando e meu medo avassalador.
Umberto se concentrou no meu rosto. — Ele é um bom partido. Em breve os Peaky Blinders serão os maiores de toda a Inglaterra e até fora do território deles. Ele vai te proteger.
— E quem vai me proteger dele? — eu rebato.
Umberto não disse nada porque a resposta era clara: ninguém poderia me proteger de John após o casamento. Nem Umberto e nem meu pai. Mulheres em nosso mundo pertenciam a seus maridos. Elas eram sua propriedade, para que fossem tratadas como eles quisessem.
[…]
Os últimos meses se passaram muito rápido, não importa o quanto eu quisesse que o tempo andasse mais devagar para ter mais tempo para me preparar. Faltava apenas algumas horas até a meu encontro de noivado.
Mamãe estava ocupada dando ordens aos funcionários, certificando-se que a casa estivesse impecável e nada desse errado. Não era nem uma grande celebração. Só a nossa família, a família de John e alguns outros convidados. Umberto disse que era por razões de segurança. A trégua ainda era muito recente para arriscar um encontro de centenas de convidados.
Eu, na verdade, gostaria de cancelar tudo. Até onde eu me importava, não precisava fazer nada por John até o dia do nosso casamento.
Fabiano pulou para cima e para baixo na minha cama, um beicinho no rosto. Ele tinha apenas cinco anos e muita energia. — Eu quero brincar!
— Mamãe não quer você correndo pela casa. Tudo precisa estar perfeito para os convidados.
— Mas eles não estão aqui ainda!
John e o resto dos convidados Birmingham chegariam em breve. Apenas mais algum tempo até eu encontrar meu futuro marido, um homem que tinha fama de ser o pior dos irmãos Shelby.
Fechei os olhos.
— Você está chorando de novo? — Fabiano pulou da cama e andou até mim, deslizando sua mão na minha. Seu cabelo castanho escuro estava uma bagunça. Eu tentei arrumá-lo, mas Fabiano sacudiu a cabeça.
— O que você quer dizer? — eu tentei esconder minhas lágrimas dele.
Eu chorava principalmente à noite, quando estava protegida pela escuridão.
— Lily diz que você chora o tempo todo porque John comprou você.
Eu congelei. Teria que dizer a Liliana para parar de dizer essas coisas. Isso só ia me meter em apuros. — Ele não me comprou.
— É a mesma coisa — disse Rosalía da porta, assustando-me.
— Shhh. E se o pai nos ouvir?
Rosalía deu de ombros. — Ele sabe que eu odiei quando ele vendeu você como se fosse uma vaca.
— Rosalía! — eu a adverti, apontando para Fabiano.
Ele olhou para mim. — Eu não quero que você vá embora — ele sussurrou.
— Eu não vou embora tão cedo, maninho. — Ele parecia satisfeito com minha resposta.
A preocupação desapareceu do seu rosto e foi substituída por uma expressão despreocupada. — Me pega! — Ele gritou e saiu, empurrando Rosalía para o lado quando passou correndo por ela.
Rosalía saiu atrás dele. — Eu vou chutar o seu traseiro, seu monstrinho!
Eu corri para o corredor. Liliana colocou a cabeça para fora de sua porta e, em seguida, ela também correu atrás dos nossos irmãos. Minha mãe teria minha cabeça se eles quebrassem outra relíquia de família.
Desci as escadas. Fabiano ainda estava na frente. Ele era rápido, mas Liliana tinha quase o alcançado enquanto Rosalía e eu estávamos muito mais lentas nos saltos altos que minha mãe nos forçava a usar para praticar. Fabiano correu para o corredor que leva para a ala oeste da casa e nós todas o seguimos. Eu queria gritar para ele parar.
O escritório do pai era nesta parte da casa. Ficaríamos muito encrencados se ele nos pegasse brincando.
Passamos pela porta de papai e o alívio tomou conta de mim, mas, em seguida, cinco homens dobraram a esquina no final do corredor. Eu separei meus lábios para gritar, mas já era tarde demais. Fabiano derrapou até parar, mas Liliana bateu contra um homem com força total.
Eu fiquei em um impasse até voltar a mim. Rosalía engasgou ao meu lado, mas meu olhar estava congelado no meu futuro marido. Ele estava olhando para a cabeça da minha irmã mais nova, estabilizando-a com as mãos fortes. Mãos que ele tinha usado para esmagar a garganta de um homem. Ou talvez de vários.
— Liliana — eu disse, com a minha voz estridente de medo.
Eu nunca chamava minha irmã por seu nome completo, a menos que ela estivesse metida em problemas ou algo estivesse seriamente errado. Achei que era melhor esconder meu terror. Agora todo mundo estava olhando para mim, incluindo John.
Seus olhos frios me checaram da cabeça aos pés, demorando-se no meu cabelo.
Deus, ele era alto. Os homens ao seu lado também eram altos, menos os rapazes mais novos, mas ele os ofuscava com sua beleza todos os quatro.
Suas mãos ainda estavam nos ombros de Lily. — Liliana, vem aqui! — eu disse com firmeza, estendendo a mão.
Eu a queria longe de John.
Ela cambaleou para trás e depois voou para os meus braços, enterrando seu rosto no meu ombro. John levantou uma sobrancelha, me fitando.
— Esses são os Shelby! — Rosalía disse prestativamente, nem mesmo se preocupando em esconder seu desgosto.
Fabiano fez um som como um gato selvagem enfurecido, correu em direção a John e começou a esmurrar suas pernas e seu estômago com seus pequenos punhos.
— Deixe Camila em paz! Você não pode ficar com ela!
Meu coração parou logo em seguida. Os três começaram a caçoar rindo um pouco, e nem assim suas áureas sombrias não diminuíram.
John segurou as mãos do meu irmão em uma das suas, parando o ataque. Eu duvidava que ele tivesse sentido os golpes.
Empurrei Lily para Rosalía, que passou um braço protetor em torno dela, e me aproximei de John. Dentro da minha mente eu estava com medo, mas precisava tirar Fabiano de perto dele. John e os seus irmãos ainda eram o inimigo.
— Fabiano — eu disse com firmeza, segurando seu braço. — Já basta. Essa não é a forma como tratamos as visitas.
Fabiano congelou e, em seguida, olhou para mim por cima do ombro. — Ele não é uma visita. Ele quer roubar você, Cami.
Um dos rapazes, um ruivo que os acompanhavam riu. — Isso é muito bom. Fico feliz que Thomas me convenceu a vir.
— Mandou você vir — um rapaz, sendo o único negro, o corrigiu.
E John Shelby não tirava os olhos de mim.
Eu não podia devolver seu olhar. Minhas bochechas ardiam com o calor de ser examinada por ele.
John soltou Fabiano e eu puxei-o para mim, suas costas contra as minhas pernas. Cruzei as mãos sobre o seu pequeno peito arfante. Ele não parou de olhar para John. Eu gostaria de ter a sua coragem, mas ele era um menino, um herdeiro do título do meu pai.
— Sinto muito — eu disse, mesmo que as palavras me faltassem. — Meu irmão não quis ser desrespeitoso.
— Eu quis! — Fabiano gritou. Eu cobri sua boca com a palma da mão e ele se contorceu, mas eu não o deixei sair.
— Não se desculpe — disse Rosalía acentuadamente, ignorando o olhar de advertência que atirei a ela. — Não é nossa culpa que os irmãos ocupam muito espaço no corredor. Pelo menos Fabiano fala a verdade. Todo mundo acha que precisam puxar saco dos Peaky Blinders.
— Rosalía! — Minha voz foi um tom muito mais elevado. Ela apertou os lábios fechados, olhando para mim com os olhos arregalados.
— Deveria tomar cuidado com as palavras, senhorita — Thomas interviu, deixando Rosalía desconfortável com seu olhar frio.
— Sabe quem somos? — Arthur complementa.
— Leve Lily e Fabiano para seus quartos. Agora.— Ordenei com rispidez.
— Mas... — Ela olhou atrás de mim.
Eu estava feliz por não poder ver a expressão de John. — Agora!
Ela agarrou a mão de Fabiano e arrastou Lily e ele. Não acho que o primeiro encontro com o meu futuro marido poderia ter sido pior.
Virando-me, eu enfrentei ele e seus irmãos. Eu esperava ser recebida com fúria, mas encontrei um sorriso no rosto de John, em vez disso.
Minhas bochechas estavam queimando de vergonha, e agora que eu estava sozinha com os três homens meu estômago se contorcia de tensão.
Minha mãe ia pirar se descobrisse que eu não estava vestida de forma adequada no nosso primeiro encontro. Eu estava apenas usando um dos meus favoritos vestidos.
Cruzei os braços na frente do meu corpo, sem saber o que fazer. — Peço desculpas pelos meus irmãos. Eles estavam... — Lutei por uma palavra que não fosse rude.
— Protegendo você — disse Thomas simplesmente. Sua voz era a forte, profunda e sem emoção. — Este é o meu irmão Arthur — Disse , me apresentando ao homem mais alto de bigode. Que aparentava ter mais de quarenta anos.
Os lábios de Arthur abriram um largo sorriso. Eu estava feliz por ele não tentar pegar minha mão. Não acho que poderia ter mantido a compostura se um dos três chegasse mais perto.
— E este à minha direita é John, seu noivo. — Thomas prosseguiu, sem me dar chance de dizer alguma coisa. — Esse é o meu irmão mais novo, Finn. E Isaiah, nosso soldado e guarda-costas. Lá embaixo temos mais dois homens por questões de segurança.
O que ele estava esperando? Nós não temos assassinos escondidos em alçapões secretos.
Concentrei-me em John novamente. Dei um passo para trás. — Eu deveria ir com os meus irmãos.
John tinha uma expressão de conhecimento no rosto, mas eu não me importava se ele visse o quão desconfortável e com medo ele me deixou. Não esperei que ele me desse licença. Afinal não era o meu marido nem meu noivo ainda.
Eu me virei e me afastei rapidamente, orgulhosa por não ter cedido à vontade de correr.
***
Mamãe puxou o vestido que meu pai tinha escolhido para a ocasião. Para o show da carne, como Rosalía chamou. Não importa o quanto minha mãe puxasse, o vestido não era muito longo. Olhei-me no espelho, insegura. Eu nunca tinha usado nada muito revelador. O vestido vermelho era agarrado à minha bunda e cintura, e terminava nas minhas coxas; — Eu não posso usar isso, mãe.
Minha mãe encontrou meu olhar no espelho. Seu cabelo estava preso para cima, alguns tons mais escuros do que o meu. Ela usava um vestido comprido elegante. Eu desejei que pudesse usar algo mais discreto. — Você se parece com uma mulher. — ela disse.
Eu me encolhi. — Eu pareço uma prostituta.
— Prostitutas não podem pagar por um vestido como esse.
Mamãe colocou as mãos na minha cintura. — Tenho certeza de que John irá apreciar.
Fiquei olhando para o meu decote. Eu tinha seios quase a mostra.
— Aqui. — Minha mãe me deu saltos pretos de 13 cm. Talvez assim eu alcançasse o queixo de John. — Coloque. — Mamãe forçou um sorriso falso em seu rosto e alisou meu cabelo. — Mantenha sua cabeça erguida. Mostre a John Shelby e sua comitiva que você é mais bonita do que todas as mulheres de Birmingham mesmo que não seja de lá. Afinal, John conhece quase todas elas. — Ela disse isso de um jeito que eu tive certeza que ela também leu os artigos sobre as conquistas de John, ou talvez o pai tenha dito a ela alguma coisa.
— Mãe — eu disse, hesitante, mas ela recuou.
— Agora vá. Eu vou atrás de você, mas esse é o seu dia. Você deve entrar na sala sozinha. Os homens estarão esperando. Seu pai vai apresentá-la para John e depois nós vamos ir todos juntos para sala de jantar. — Ela já me disse isso dezenas de vezes.
Por um momento eu quis pegar a sua mão e pedir-lhe para me acompanhar; ao invés disso eu me virei e saí do quarto. Eu estava feliz por minha mãe ter me forçado a usar saltos nas últimas semanas. Quando eu cheguei à frente da porta da sala da lareira no primeiro andar, meu coração estava batendo na minha garganta.
Desejei que Rosalía estivesse ao meu lado, mas mamãe, provavelmente, a advertiu para que se comportasse. Eu tinha que passar por isso sozinha. Ninguém deveria roubar o brilho da noiva.
Eu olhei para a madeira escura da porta e considerei fugir. Risadas masculinas passaram pela porta, era o meu pai e os Shelby. Uma sala cheia com os homens mais poderosos e perigosos e era para eu entrar ali.
Um cordeiro sozinho com lobos.
Eu balancei minha cabeça. Precisava parar de pensar assim. Eu os tinha feito esperar por muito tempo já.
Segurei a maçaneta e empurrei para baixo. Escorreguei pra dentro, ainda sem olhar para ninguém, e fechei a porta. Reunindo toda a minha coragem, enfrentei a sala.
A conversa deles morreu.
Eu deveria dizer alguma coisa?
Eu tremia e esperava que eles não pudessem ver.
Meus olhos procuraram John e seu olhar era como o de um predador sedento.
Prendi a respiração.
Ele colocou um copo com líquido escuro sobre a mesa com um bater audível. Se ninguém dissesse algo logo eu ia fugir para o meu quarto. Percorri os rostos dos homens reunidos. Eram os irmãos Shelby e seus guardas. Da equipe de Cuba, havia meu pai, Umberto e meu primo Raffaele, que eu odiava pelo motivo dele já ter tentado ficar comigo. E ao lado deles estava o pobre Fabiano, que teve que usar um terno preto, como todos. Podia ver que ele queria correr em minha direção e buscar consolo, mas ele sabia o que nosso pai diria sobre isso.
Papai finalmente virou-se para mim, colocou a mão nas minhas costas e me levou para os homens reunidos como um cordeiro é levado para o abate. O único homem que parecia positivamente entediado, perdido em seus pensamentos, era Thomas Shelby; ele só tinha olhos para seu uísque.
Eu teria sentido atração se ele não me assustasse tanto, quase tanto quanto John.
É claro que meu pai me conduziu em linha reta na direção do meu futuro marido com uma expressão desafiadora, como se esperasse que John caísse de joelhos de admiração.
Seus olhos cinzentos eram duros e frios quando eles se concentraram em meu pai.
— Esta é a minha filha, Camila. — Meu pai sorri orgulhoso.
Aparentemente, John não tinha mencionado o nosso encontro embaraçoso.
— Eu não exagerei na escolha da garota, não é? — Thomas falou, com um meio sorriso nos lábios.
Eu desejei que o chão se abrisse e me engolisse. Eu nunca havia sido submetida a tanta... Atenção.
A maneira como Thomas olhou para mim fez minha pele se arrepiar.
— Não, você não exagerou — disse John simplesmente. E risadinhas ressoaram.
Meu pai parecia obviamente satisfeito.
Sem que ninguém percebesse, Fabiano tinha se esgueirado por trás de mim e enfiado sua mão na minha. Bem, John tinha notado e estava olhando para o meu irmão, o que trouxe seu olhar para perto demais das minhas coxas nuas.
Me mexi nervosamente e John desviou o olhar.
— Talvez os noivos queiram ficar sozinhos por alguns minutos? — Arthur sugeriu.
Meus olhos pularam em sua direção e eu não consegui esconder meu choque rápido o suficiente. John notou, mas não pareceu se importar.
Meu pai sorriu e se virou para sair, puxando Fabiano junto dele.
Eu não podia acreditar.
— Devo ficar? — perguntou Umberto.
Eu dei-lhe um sorriso rápido, que desapareceu quando meu pai balançou a cabeça.
— Dê-lhes alguns minutos a sós — disse Arthur, piscou para John.
Todos eles saíram até que John e eu ficamos a sós.
Os lábios dele se curvaram. Então a porta se fechou e ficamos sozinhos.
O que a piscadela do Arthur queria dizer?
Levantei o olhar para John. Eu estava certa: com meus saltos altos, o topo da minha cabeça batia em seu queixo. Ele olhou pela janela para o lado de fora. Não me dirigiu um único olhar.
Me vestir como uma prostituta não deixou John mais interessado em mim. Por que ele ficaria?
— Você escolheu esse vestido?
Eu pulei, assustada por ele ter falado. Sua voz era bruta, tinha uma certa rouquidão e era máscula.
Será que ela era algo além disso?
Não — eu admiti. — Meu pai.
A mandíbula de John contraiu. Eu não podia lê-lo e isso estava me deixando cada vez mais nervosa.
Ele enfiou a mão no interior do casaco e por um segundo ridículo eu realmente pensei que ele estivesse puxando uma arma contra mim. Em vez disso, ele segurava uma caixa preta na mão.
Este era o momento que milhões de mulheres sonhavam, mas eu senti frio quando John abriu a caixa. Dentro havia um anel de ouro fino com uma pequena rubi. Eu não me mexi.
John estendeu a mão quando o constrangimento entre nós atingiu o ápice. Corei e estendi minha mão. Vacilei quando sua pele escovou a minha. Ele colocou o anel de noivado no meu dedo e então me liberou.
— Obrigada — eu me senti no dever de dizer as palavras e até mesmo olhar para o seu rosto, que estava impassível, embora o mesmo não pudesse ser dito dos olhos.
Eles pareciam cheios de raiva. Eu tinha feito alguma coisa errada?
Ele estendeu o braço e eu enganchei com o meu, deixando-me levar para fora da sala até a sala de jantar. Nós não falamos.
Talvez John tivesse ficado decepcionado comigo ao ponto de cancelar o acordo?
Mas ele não teria colocado o anel no meu dedo, se fosse esse o caso.
Quando entramos na sala de jantar, as mulheres da minha família tinham se juntado aos homens. Os Shelby não tinham trazido companhia feminina. Talvez porque não confiassem no meu Pai o suficiente para arriscar trazer mulheres para a nossa casa. Ou gostassem de ser solitários.
John deixou cair o braço e eu rapidamente me juntei a minha mãe e irmãs, que fingiam admirar o meu anel.
Rosalía me deu um olhar. Eu não sabia com o que minha mãe tinha a ameaçado para mantê-la quieta. Podia dizer que Rosalía tinha um comentário mordaz na ponta da língua.
Balancei a cabeça para ela, que revirou os olhos.
O jantar foi rapido. Os homens discutiram negócios, enquanto nós, mulheres, permanecemos em silêncio.
Meus olhos se mantiveram à deriva em direção ao anel no meu dedo. Parecia muito pesado, muito apertado, totalmente demais. John tinha me marcado com sua propriedade.
***
Depois do jantar, os homens foram para o lounge para beber e fumar e discutir o que mais precisava ser discutido. Voltei para o meu quarto, mas não conseguia adormecer.
Finalmente eu coloquei um pijama, saí do meu quarto e me arrastei escada abaixo. Em um acesso de loucura, eu tomei a passagem que levava à porta secreta por trás da parede do salão. Meu avô achava que era necessário ter escapes secretos no escritório e na sala da lareira, porque é onde os homens da família geralmente faziam suas reuniões.
Achei Rosalía com os olhos pressionados contra o olho mágico da porta secreta. Claro, ela já estava lá.
Ela se virou com os olhos arregalados, mas relaxou quando me viu.
— O que está acontecendo lá dentro? — eu disse em um sussurro, preocupada que os homens na sala nos ouvissem.
Rosalía mexeu-se para o lado, para que eu também pudesse espiar pelo olho mágico. — Quase todo mundo já foi embora. Papai têm detalhes para discutir com os Peaky Blinders. É apenas John e seus irmãos agora.
Eu olhei pelo buraco, o que me deu uma visão perfeita das cadeiras aglomeradas ao redor da lareira. John encostou-se na borda de madeira da lareira, as pernas cruzadas casualmente, um copo de uísque na mão. Seu irmão Arthur descansava em uma poltrona ao lado dele. Thomas e mais dois guarda-costas sentaram nas outras poltronas. John parecia ter a mesma idade de Thomas, então algo por volta dos vinte e poucos ou trinta anos.
Papai ou um de seus homens não estavam no local.
— Poderia ser pior — disse Finn. Ele pode não parecer tão mortal como John, mas algo em seus olhos me disse que ele era capaz de esconder isso melhor.
— Ela podia ser feia. Mas, caralho, sua pequena noiva é gostosa. — Completou Isaiah.
— Aquele vestido. Aquele corpo. Aquele cabelo e rosto. — Arthur assobiou. Parecia que ele estava provocando seu irmão de propósito.
— Ela é uma criança, Arthur! — disse John com desdém.
Indignação subiu em mim, mas eu sabia que eu deveria estar feliz por ele não ter olhado para mim como um homem olha para uma mulher.
— Ela não se parecia com uma criança para mim — disse Finn, e então estalou a língua como se também brincasse.
— Como vocês são engraçadinhos. Estou morrendo de rir — John parecia incomodado, ja Arthur e Tommy pareciam se divertir.
Arthur jogou a cabeça para trás e riu.— Porra John, você disse aos seus homens que vai cortar seus paus fora se eles olharem para essa garota? Você não está nem mesmo casado com ela.
— Ela é minha — John disse tranquilamente, enviando um arrepio pelo meu corpo com a sua voz, para não mencionar seus olhos.
Ele olhou para Thomas, que balançou a cabeça. — Nos próximos três anos, você vai estar em Birmingham e ela vai estar aqui. Você não pode manter um olho sempre sobre ela, a menos que pretenda ameaçar todos os homens de Havana.
— Quem sabe ela não perde a virgindade antes de você comer ela e assim não ache mais que ela seja uma criança, hein John?! — Arthur ri e beberica seu copo.
— Eu vou fazer o que tem que ser feito — disse John, agitando a bebida no copo. — Isaiah, encontre os dois idiotas que supostamente estão designados para proteger Camila. — A forma como o meu nome rolou de sua língua me fez estremecer. Eu nem sabia que eu tinha dois guardas agora.
Umberto sempre protegeu a mim e minhas irmãs.
Isaiah imediatamente saiu e voltou dez minutos depois com Umberto e Raffaele, ambos parecendo chateados por serem convocados pra ficarem de cães de guarda para alguém. Meu pai entrou um passo atrás deles.
— Qual é o significado disso? — meu pai perguntou.
— Eu quero ter uma palavra com os homens que você escolheu para proteger o que é meu.
Rosalía bufou ao meu lado, mas eu a belisquei. Ninguém poderia saber que estávamos escutando essa conversa. Nosso pai iria ter um ataque se revelássemos o local de sua porta secreta.
— Eles são bons soldados, ambos. Raffaele é primo de Camila, e Umberto tem trabalhado para mim durante quase vinte anos.
— Eu gostaria de decidir por mim mesmo se confio neles — disse John.
Prendi a respiração. Isso foi o mais perto de um insulto possível sem ser um insulto aberto ao meu pai.
Os lábios do pai se apertaram, mas ele deu um breve aceno de cabeça. Ele permaneceu na sala.
John se aproximou de Umberto. — Ouvi dizer que você é bom com faca.
— O melhor — meu pai interveio.
Um músculo na mandíbula de John se contraiu.
— Não tão bom como o seu irmão, segundo os boatos — disse Umberto com um aceno.
— Você é casado?
Umberto assentiu. — Há 21 anos.
— Isso é um longo tempo — disse Tommy.
— Camila deve parecer muito mais gostosa em comparação a sua esposa velha. — Arthur já aparentava estar embriagado com tantas piadinhas desnecessárias uma atrás da outra.
Eu sufoquei um suspiro. Os irmãos Shelby acharam engraçado.
A mão de Umberto contraiu uma polegada em direção ao coldre na cintura. Todo mundo viu. Meu pai observava, mas não interferiu. Umberto pigarreou. — Eu conheço Camila desde seu nascimento. Ela é uma criança.
— Ela não vai ser uma criança por muito mais tempo — disse John.
— Ela sempre será uma criança aos meus olhos. E eu sou fiel a minha esposa. — Umberto encarou Arthur. — Se você insultar minha esposa novamente, eu vou pedir ao seu irmão permissão para desafiá-lo em uma briga de faca para defender minha honra.
Arthur inclinou a cabeça. — Você poderia tentar! — ele mostrou os dentes brancos. — Mas você não teria sucesso.
— Cavalheiros, não vamos desvirtuar o assunto aqui — Thomas interviu.
John cruzou os braços e então deu um aceno de cabeça. — Eu acho que você é uma boa escolha, Umberto.
Umberto recuou, mas manteve o olhar fixo em Arthur, que o ignorou.
Os olhos de John pararam em Raffaele e ele deixou cair a civilidade que havia encoberto o monstro até esse momento. Virou-se tão perto de Raffaele que o meu primo teve que inclinar a cabeça para trás para conseguir olhá-lo. Raffaele tentou manter sua expressão arrogante e autoconfiante.
— Ele é da família. Você honestamente vai acusá-lo de ter um interesse em minha filha? — Meu pai estava aparentando estar impaciente.
— Eu vi como você olhou para Camila. — disse John, sem tirar os olhos de Raffaele.
— Como um frango suculento que você queria morder. — Arthur brincou, apreciando a provocação.
Os olhos de Raffaele dispararam em direção ao meu pai, à procura de ajuda.
— Não negue. Eu sei quando vejo isso. E você quer a Camila. — John rosnou. Raffaele não negou. — Se eu descobrir que você está olhando para ela assim novamente; se eu descobrir que você está em um quarto sozinho com ela; se eu descobrir que você a tocou com sua mão, eu vou te matar.
Raffaele ficou vermelho. — Você é só a merda de um Peaky Blinders. Ninguém iria te contar nada, nem mesmo se eu a estuprasse. Eu poderia tirar a virgindade dela para você!
Antes que eu pudesse piscar, John tinha jogado Raffaele no chão e batido um joelho em sua coluna, um dos braços do meu primo estava torcido. Raffaele lutou e se esgueirou, mas John segurou-o rapidamente. Uma de suas mãos segurou o pulso de Raffaele, enquanto a outra passou sob seu colete, puxando uma faca.
Minhas pernas fraquejaram. — Vamos embora agora — eu disse a Rosalía em um sussurro. Ela não ouviu.
Meu pai certamente ia parar John. Mas a expressão de papai era desgostosa enquanto ele olhava para Raffaele.
Os outros irmãos Shelby se levantaram quando John cortou o rosto de Raffaele. Os gritos ecoaram em meus ouvidos quando a minha visão ficou preta. Mordi meu punho para abafar o som. Rosalía não o fez. Ela soltou um grito antes dela vomitar. Pelo menos, ela se virou e vomitou para longe de mim.
Por trás das portas, o silêncio reinou. Eles tinham nos escutado.
Segurei os braços de Rosalía quando a porta secreta foi aberta, revelando o rosto furioso de nosso pai. Atrás dele, Isaiah e Finn, ambos com suas armas em punho. Quando viram Rosalía e eu, guardaram-nas de volta nos seus coldres.
Rosalía não chorou. Ela raramente chorava, mas seu rosto estava pálido e ela apoiou-se contra mim. Se eu não tivesse que segurá-la, minhas próprias pernas estariam cedendo. Mas eu tinha que ser forte por ela.
— É claro — meu pai rosnou, franzindo o cenho para ela. — Eu deveria ter saber que era você causando problemas novamente. — Ele a puxou para longe de mim e para o centro da sala, levantou a mão e lhe deu um tapa forte no rosto.
Eu dei um passo na sua direção para protegê-la e papai levantou o braço novamente. Eu me preparei para o tapa, mas Thomas pegou o pulso dele com a mão esquerda.
Meus olhos se arregalaram. Meu pai era o dono da casa, o mestre de todos nós. A intervenção de Thomas Shelby era um insulto contra a honra de papai.
Umberto sacou a faca e o pai tinha a mão em sua arma. Arthur e John tinham pego as suas próprias armas. Raffaele estava encolhido no chão, segurando seu rosto para estancar o sangue, seus gemidos o único som na sala.
— Eu não quis desrespeitar — disse Thomas calmamente.
John deu um passo à frente de papai — Camila não é mais sua responsabilidade. Você perdeu seu direito de puni-la quando fez dela minha noiva. Ela é minha e sou eu que vou lidar com ela agora.
Papai olhou para o anel no meu dedo, então inclinou a cabeça. John soltou seu pulso, e os outros rapazes na sala relaxaram um pouco, mas não guardaram suas armas.
— Isso é verdade. — Ele deu um passo para trás e apontou para mim. — Então você gostaria de ter a honra de puni-la?
O olhar duro de John passou sobre mim e eu parei de respirar. — Ela não me desobedeceu.
Os lábios de meu pai relaxaram. — Você está certo. Mas a meu ver, Camila estará vivendo debaixo do meu teto até o casamento, e como a honra me impede de levantar a mão contra ela, eu vou ter que encontrar outra maneira de fazê-la me obedecer. — Ele encarou Rosalía e bateu- lhe uma segunda vez. — Para cada uma de suas más ações, Camila, sua irmã vai receber a punição em seu lugar.
Eu apertei os lábios, as lágrimas brotaram nos meus olhos. Eu não olhei para John ou papai, não até que eu pudesse encontrar uma maneira de esconder o meu ódio deles.
— Umberto, leve Rosalía e Camila para seus quartos e se certifique que elas fiquem lá. — Umberto guardou a faca e fez um gesto para que o seguíssemos. Eu passei pelo meu pai, arrastando Rosalía comigo, sua cabeça baixa.
Ela endureceu quando nós passamos por cima do sangue no chão de madeira.
Meus olhos dispararam para Raffaele, que estava segurando o ferimento ainda sangrando. Suas mãos, a camisa e as calças estavam cobertas de sangue.
Umberto nos levou para fora da sala.
— Mulheres — meu pai disse em um tom de escárnio. — Elas não podem sequer suportar a visão de um pouco de sangue.
Eu praticamente podia sentir os olhos de John em mim antes que a porta se fechasse. Rosalía limpou o lábio sangrando quando nós corremos atrás de Umberto através do corredor e subimos as escadas.
— Eu o odeio — ela murmurou.
[…]
Uma semana antes do casamento...
Eu estava quase dormindo quando o telefone fixo de meu quarto tocou. Olhei no relógio e já passavam das duas da madrugada.
— Alô?
— Camila — aquela voz...
— John Shelby?
Eu a reconheceria mesmo se a ligação fosse tomada por ruídos de um sinal ruim. Acho que mesmo se uma multidão estivesse gritando, eu poderia encontrá-lo por um sussurro.
— A não ser que você tenha outros homens te ligando a esta hora, sim, sou eu. — Seu tom era bruto ao natural.
Como ele ousava? Insinuando que eu recebia telefonemas de homens?
— Não, eu só... Como conseguiu meu número?
— Sei muitas coisas sobre você. De qualquer forma, eu liguei por uma razão — sua voz era firme e, ao mesmo tempo, rouca.
— Sim? — Engoli em seco, com medo do assunto que levara à ligação, ainda por cima àquela hora. — Falta apenas uma semana para o casamento, por favor, não me diga que você encontrou outra pessoa. Seria uma humilhação enorme para mim e para minha família.
Assim que as palavras saíram, quis me dar um tapa. Eu deveria querer desesperadamente que ele desistisse de se casar comigo, então, onde é que estava com a cabeça? Não era hora para pensar na humilhação que meu pai passaria.
— Por que diabos eu desistiria do acordo? Ou escolher outra ao invés de você? — sua voz adquiriu um tom diferente, de surpresa talvez.
De qualquer forma, era pelo menos um tom diferente da constante frieza com a qual me acostumei.
— Eu não sei, mama me disse que você e seus irmãos vão a muitos pubs — sussurrei, e sua risada sem humor encheu meus ouvidos.
— E você, por alguma razão, achou que eu mudaria de ideia, baseado nisso?
— É que eu fiquei guardada todos esses anos para você ...
— Porque você é a noiva virgem — ele praticamente rosnou, e sua voz ficou dura novamente. — Você é inocente demais para entender os homens, como pensam.
— Minha inocência é um problema para você?
— Não, baby, absolutamente, não. Eu não me casaria com qualquer outra delas.
Meu coração parou uma batida.
— Humm, eu... — Minha cabeça entrou em curto. Por um momento desconfiei que pudesse ter imaginado a palavra baby saindo de sua boca, então, apenas murmurei algo diante daquele desabafo.
— De qualquer forma, eu te liguei porque na última festa de seu aniversário de dezoito anos ficou numa sala por alguns momentos com um rapaz chamado Juan; exijo que me diga exatamente o que estavam fazendo lá.
— O quê? — Eu ainda estava pensando quando as palavras saíram. Quase ri, ele estava com ciúmes? — Você me ligou para perguntar isso?
— Liguei porque posso. Tenho pessoas dentro da sua casa observando você para mim. Agora diga-me — Ralhou ríspido.
Eu queria perguntar se aquilo era ciúme ou se estava apenas mantendo o controle sobre sua “posse”.
— Eu não me lembro. Juan só me procura para falar sobre minhas irmãs. Rosalía irritou uma amiga minha na festa, eu a estava procurando quando ela sumiu, então, ele entrou na sala para me perguntar o que tinha acontecido.
John ficou em silêncio por alguns segundos. — Foi só?
— Sim, foi apenas isso.
— Muito bem. Eu quero que preste atenção no que vou dizer, e não quero ter que repetir. Fora seu pai, seus irmãos, meus irmãos e logicamente eu, você não ficará nunca mais sozinha numa sala com qualquer homem. Se eu souber, se eu sonhar, eu vou degolá-lo.
— John! — eu exclamei, horrorizada ao ouvi-lo falar aquilo.
— Sim, eu tenho um problema pescoços, então, cuidado. Por que você não dorme um pouco agora?
— John, eu apenas...
— Agora. Eu já falei até mais do que pretendia.
— Não há problema em conversarmos, passaremos o resto de nossas vidas fazendo isso.
Eu o ouvi respirar fundo, sem me dar chance de continuar falando. — Boa noite, Camila. Descanse. — E desligou.
Não sabia por que John tinha reagido daquela forma, mas, com o tempo, esperava aprender a lidar com ele. Uma coisa era verdade, passaríamos o resto da vida juntos, e eu estava mais do que determinada a fazer dar certo.
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