‘’ Afinal, de quantas maneiras um coração pode ser destroçado e continuar batendo?’’
O problema do calor é que não importa quanto frio você sinta, não importa o quanto você precise se esfriar, no final, o calor sempre fica excessivo. Lembro de muitos invernos que passei com minha família, observando a cidade de uma janela gigante em meio a sala. Algo no ar gelado me ajudava dormir. E agora o suspiro pesado da brisa do outono me ajuda a ficar calma, me ajuda a repensar sobre as palavras saídas da boca de Jeon. Eu não devia ter aceitado essa proposta, penso, pressionando a mão contra as botas de treino. Jeon não é apenas uma distração para seu povo, é também um perigo amoroso surgindo das cinzas, no mínimo, maldoso. Um dia ele conquistará meu coração se permanecer agindo como um mocinho, partirá meu coração ou acabará me traindo como sua família costuma fazer com todos em sua volta. Um dia, sua máscara poderá cair.
O sol já nasceu completamente; o céu azulado como o mar se atinge em vários pedaços. Assim como minhas opiniões divididas desde a pequena conversa na madrugada.
Jungkook não se deu ao trabalho de me acordar ou esperar o sol aparecer para sair dos meus aposentos, saiu de mansinho, como alguém que fugia de alguém. O príncipe não me incomodou em nenhum período da madrugada, parecia cansado demais para me observar ou agir como um sociopata faria. Ele estava estranhamente normal.
— Terminou de se vestir?
Yoongi é pouco mais que uma sombra apoiada contra a porta de meu quarto. O uniforme colado em seu corpo magro e pequeno. Não preciso ver seu rosto para saber que está irritado. Posso escutar sua respiração ofegante.
— Não seja deselegante – digo. Estou acostumada a lhe dar ordens, mas minha voz soa como um pedido delicado.
— Acho que todos os boatos tem um fundo de verdade. Mesmo aqueles em que o rei ditou espalhou afirmando não ser a fonte. ‘’Princesa Choi S/N seduziu o príncipe do Sul em nome de um amor’’. É um choque saber que ele está mais ou menos certo – Min dá alguns passos tortos para frente, me encarando. – Porque o que vi na madrugada de hoje não foi uma cena certeira que corresponda a suas vontades.
Corei com seu comentário.
— Por que o príncipe estava deitado em sua cama?
— Longa história, mas nada que seja comprometedor – falo estranhamente nervosa. Não deveria ser uma boa imagem me ver deitada ao lado do homem que jurei odiar. – Você estava longe esses dias, o que aconteceu?
— Precisei organizar algumas tropas – deu de ombros, mordendo seus lábios. – Seu pai está providenciando uma grande cerimônia daqui dois dias, mas é claro que você sabe disso e pelo visto, está adorando.
Me segurei para não o mandar se danar.
— Se você continuar insinuando que eu estou adorando a presença da família do Sul irei te transformar em churrasco.
— É melhor você arrumar ameaças novas – ele diz com um sorriso desafiador. Está tão acostumado com minhas intimidações que duvido sentir um receio qualquer. – Ele é um homem poderoso, em todos os sentidos. Não me interprete mal, estou adorando ver a forma que suas palavras soam contraditórias das que disse semanas atrás.
Não consigo deixar de forçar uma gargalhada.
— Adorando? Você está visivelmente com ciúmes! Não está acostumado a dividir atenções em meus aposentos. Sendo assim, odeia ser inútil.
Posso notar pelo movimento do pescoço dele nervosismo.
— A pergunta é: você está o tratando bem por sua vontade ou por que sua mente está sendo controlada por ele? Não consegue perceber a gravidade da situação se ficarem próximos? Se deixar o herdeiro entrar em sua privacidade?
— Ninguém está controlando minha mente – estou mentindo em afirmar, como saberia? – E você sabe que eu jamais me daria ao trabalho de tentar me aproximar dele. Não sabendo das atrocidades do império que seu pai faz.
— Você tem razão – ele concorda baixo.
Yoongi é teimoso como uma mula, convencido e desconfiado demais, um cara de pau na maior parte do tempo. Mas agora, com meu destino planejado e exposto, ele não perece tão confiante como antes. Parece perdido e pequeno, temendo a traição que nosso reino poderia levar dos Jeons’s. Seguro sua mão no impulso, desejando transmitir confiança ao meu amigo mais leal que tenho aqui dentro.
— Sei que você teme por nós, teme que meu futuro seja como o da falecida rainha do Sul – digo olhando em seus olhos claros, sorrindo amarelo. – Mas eu jamais permitirei que eles me usem para suas maldades, ou ousem tocar um dedo sequer em mim. Seja lá o que tenha acontecido no passado, que tenham feito a rainha sofrer até sua morte – respirei fundo, convicta. – Jamais acontecerá comigo. Antes disso coloco fogo em todo seu império.
Apesar de tudo é exatamente o que eu quero, consumir raiva e destruir toda regra injusta que pobres precisam passar em nome de uma monarquia maldosa.
— A melhor coisa que posso fazer é vigiar os passos do rei e seu herdeiro, ou pelo menos tentar – embora sua voz saia firme, seus ombros sobem e descem junto com a respiração pesada e sôfrega. Ele está assustado com a ideia de me ver morta por descumprir regras no Sul. – Por favor, sei que é um pedido complicado nessa situação mas, para todos os efeitos, mantenha-se distante do príncipe até descobrirmos suas verdadeiras intenções.
Meus lábios se contraem, deixando escapar um sorriso dolorido. Estou muito acostumada a não confiar em ninguém, a não ser manipulada pelas pessoas mais próximas. Até meu pai é culpado disso. Mas agora ele não me dá escolha.
— Você acha que a imagem boazinha de Jeon é uma farsa?
— Acho que ele está tentando te manipular para aceitar todos os planos impostos pelo pai – sussurrou, balançando a cabeça. – Todos sabem que você não é uma princesa fácil de controlar, ainda mais por ter chamas em suas mãos o momento que desejar. Eles sabiam o perigo que se metiam ao propor essa aliança.
— Seja direto.
— Qual seria a forma mais eficaz de tornar uma princesa e futura rainha poderosa um fantoche? Uma forma que não falhasse, e que muito menos pudesse arruinar seus planos? – ele continua, antes que eu interrompa. – Amor. Eles querem que você deseje Jeon de uma forma tão profunda que segue seus princípios e razões. Jungkook jamais vai ser bom, S/N! Ele comandou um atentado em uma vila com pessoas inocentes somente por serem pobres, por roubarem alimentos em nome da fome!
Me sinto destroçada. Minha pele ainda está quente pela aproximação de Jungkook na madrugada. Mas, bem no fundo, contra todos os olhares do herdeiro em minha direção na escuridão, penso além do bom coração das pessoas. Ele matou inúmeras pessoas, me ameaçou antes de entrarmos em um combate e ver do que eu realmente era capaz.
— Você pode o achar bonito o quanto quiser, é desejado por metade do mundo justamente por seu físico, não vou impedir. Mas, por mim, por seus pais, pelo seu país, por favor, não o deixe controlar você.
De novo, penso na arena de batalha. As mãos do príncipe fechando em minha garganta com raiva e desejo, um desafio mortal passando em meus olhos. Ele pode ter tentado me matar, mas não vai me controlar. Não após o quebra cabeça da arena se fechar naquele instante. Ninguém controlava o nojento, ele simplesmente queria me testar.
— Ele é o futuro rei, S/N. Você não sabe do que é capaz e nem o que ele quer de verdade.
Duvido que o próprio pai saiba. O príncipe tem o coração mais duro que o meu, sem sentimentos como diziam os jornais ou interesses na garota foguinho, como diria ele.
— Obrigado por todos os seus avisos – digo, me afastando. – Por um momento pensei que ele pudesse ser diferente do pai e não o monstro que diziam ser.
— Você será uma rainha fenomenal se deixar de ver o lado bom das pessoas todo o momento. O reinado do Sul está longe de ser belo como o do Norte, sua casa.
◆
Continuo treinando em dobro após o episódio do quarto, o que me deixa exausta. É melhor assim. Facilita o sono e reduz o tempo de preocupações sobre traições fenomenais. Corro e levanto pesos com Jungkook de manhã, este que preferia manter uma boa distância. Jeon foi criado para lutar, mas com um curandeiro por perto. O loiro é especialista em defesas, sempre arriscando um olhar desconfiado para minha direção.
No campo de treinos, alguém grita frustrado. O som chama minha atenção e viro meu rosto para ver a dupla de moradores reais se matarem entre si em busca de vitória. Park Jimin e Kim Seokjin, ambos controlando objetos.
— Não vai vir para os ringues hoje? – Seokjin berra ao me pegar o encarando, passando suas mãos pelo cabelo úmido ruivo. Não vejo nossa querida Princesa brilhando há um bom tempo.
Sinto uma ansiedade surpreendente tomar conta de mim. Lutar com Seokjin poderia ser divertido, mas usar fogo para enfrentar objetos explosivos não é uma boa ideia agora. Não tem porquê enfrentar o ruivo e destruir a arena por divertimento.
— É uma boa ideia – tento manter meus olhos vidrados nos do garoto, ignorando o herdeiro que me encarava soado. – Quero lutar com alguém hoje, para descontrair.
— Tudo bem – Park diz. – Contra quem?
A coisa mais asquerosa do palácio no momento.
— Você sabe que sou bem melhor nisso do que a garota da última vez, né?
Jungkook alonga o braço sobre a cabeça, mostrando um pouco de seu corpo definido. Ele sorri enquanto o observo, apreciando a atenção. Olho furiosa para o herdeiro e cruzo os braços. Ele não poderia achar que realmente eu estava em seus pés, seria o cúmulo.
— Ótimo, assim não será tão fácil – sou cuidadosa com as palavras. Lutar, não matar.
Ele esfrega a terra sob os pés, testando o terreno.
— Nós já nos enfrentamos – deu de ombros. – Você queimou meu rosto.
— Sob a influência de seu pai.
Na beirada da arena, uma pequena multidão se junta para ver. Quando Jungkook e eu pisamos no ringue, a notícia se espalhou rápido. Yoongi parece estar curioso para ver a surra que darei no futuro rei, cruza seus braços e nos olha sorrindo. Um grupo de garotas soltam risos maliciosos ao observar o corpo marcado pelo suor do herdeiro, fazendo comentários e apostas desrespeitosas para alguém que vivia em meu reino.
— Você vai continuar desperdiçando meu tempo com suas estratégias ou podemos começar?
Ele só dá uma piscadela enquanto termina de se alongar.
Então como um adolescente com distúrbio, o herdeiro tira sua camisa e a joga de lado; mostrando o corpo todo trabalhado que tinha. A visão me paralisa, aumentando o fluxo de sangue das minhas bochechas até as pontas do pé. Engulo em seco. Yoongi já tinha comentado como o príncipe manipulava qualquer um.
— Tentando me distrair? – finjo não me importar, ignorando o calor por todo meu corpo.
Jeon inclina a cabeça para o lado, o retrato da inocência. Ele até coloca a mão no peito, fingindo uma ofensa. Canalha.
— Você ia fritar minha camisa de qualquer forma. Estou apenas agilizando as coisas – ele acrescenta, começando a andar em círculos. – Um bom rei usa toda vantagem ao seu favor.
Sim, eu sabia tão bem disso.
— Ah, e você acha que tem vantagem? Que abestado! – imito seus passos, transbordando em raiva e vergonha.
Ouço a voz de Jeon em minha cabeça, mesmo quando ele se prepara, assumindo sua posição de combate tão familiar. Mantenho as mãos baixas, girando os dedos enquanto pequenas chamas avermelhadas saltam de dentro para fora da minha pele. Do outro lado, Jungkook sacode os punhos, uma onda fria alcança minhas mãos.
Dou um grito ao sentir minhas mãos arderem em uma queimadura estranha. Ele tomou o fogo de mim. Acendeu as chamas em minha camada de pele mais sensível de pele e de alguma forma voltou o fogo contra mim.
— Primeiro ponto para Jeon Jungkook – Park exclama em um sorriso fofo, leantando do banco até então sentado. – Vamos, S/N! Reaja!
Uma boa lição, percebo. Jungkook acena, indicando para que eu continue. Uma provocação, mais do que qualquer coisa. Ele é melhor na defensiva. Quer que eu vá para cima dele com tudo. E quer saber? Farei exatamente isso. Ninguém, jamais, provoca Choi S/N.
— Eu me esconderia se fosse você.
Meu punho se fecha e uma bola de fogo cai. A bola corta o ar com uma força cegante e atinge a arena bem no meio, como uma bomba. Mas não afunda na terra, queimando tudo em nossa volta como o esperado. Em vez disso, uso uma combinação de fogo e terra, de modo que uma espécie de tornado se aprofunde em nosso meio. Jungkook usa o braço para proteger os olhos das faíscas, enquanto as duas mãos transbordam faíscas roxas. Com uma raiva desconhecida atinjo a perna do garoto, derrubando-o. Ele bate nas chamas e é tomado pelo calor do fogo enquanto me preparo novamente.
Uma faísca estranha se aproxima do meu rosto, mas eu a lanço para longe novamente com meu escudo em chamas. E então, eu caio também, levando uma rasteira. Uma mão agarra meu ombro, queimando em faíscas, e dou uma cotovelada, acertando o queixo dele. O corpo inteiro de Jungkook transborda faíscas desconhecidas. Roxa e azul. Até onde iria seu dom? O que era aquilo?
Pego um punhado de terra para jogar em se rosto. Jeon fecha os olhos e isso me dá tempo para sair de seus braços. Com orgulho e ego ferido, lanço uma chama vermelha em sua direção, em forma de chicote. Jungkook desvia cada golpe, rolando e se abaixando como um verdadeiro soldado.
O herdeiro passa perto o suficiente para controlar minhas chamas e lançá-las em minha direção novamente. Droga, sinto cheiro de cabelo queimado. Inicio meu ataque, cansada de seus jogos, acertando em cheio seu rim com meus punhos fechados. Ele grunhe, mas responde à altura ao usar novamente meu fogo contra minhas costas. Minha pele enruga com as bolhas frescas. Mordo o lábio, não disposta a urrar de dor e dar esse gostinho ao príncipe. Ele deveria parar a lutar se soubesse como isso dói, dói muito. Meus joelhos fraquejam e minhas mãos vão de encontro ao chão.
Um braço se enrola na minha cintura, me derrubando completamente. Grito dessa vez, perdendo o controle. Chamas explodem das minhas mãos e Jungkook se joga para trás, fugindo da fúria das chamas.
Sinto meus olhos lagrimejarem pela dor presente, acabada por aquela pequena luta. Me levanto com os dedos cravados na terra. Um pouco distante, Jeon faz o mesmo. Seu novo cabelo está todo espetado e úmido pelo calor liberado. Ambos feridos e ambos orgulhosos demais para ceder. Toco o gramado ali mesmo, formando uma chama a partir de brasas. Disparo contra o garoto enquanto suas faíscam vem em minha direção de novo.
Ambos colidem, fazendo o chão tremer.
— Talvez seja melhor vocês lutarem no campo de armamentos na próxima vez – Namjoon fala de repente. Nem sabia que ele estava assistindo nos matarmos.
Me sento no chão, em silêncio, grata pelo término. Até respirar faz minhas costas arderem.
Jeon dá um passo em minha direção e cai também, apoiando-se nos cotovelos. Sua respiração está ofegante enquanto crava seu olhar negro em meu corpo, avaliando cada machucado nele.
Observei o herdeiro pela primeira vez, curiosa. Seu corpo másculo estava queimado pelas chamas enquanto algumas feridas sangravam pela intensidade de chutes e golpes. Sorri com a cena, adorando aquilo.
— E eu pensando que uma queimadura em minha bochecha era muito – ele disse em uma risada nasal, se engasgando com o sangue vermelho que jorrava de sua boca. – Fiz algo tão errado para você me tratar assim? Não estava dessa forma de madrugada.
Virei meu rosto com sua fala, tirando o suor e terra acumulado em minha testa.
— Oh, sua situação é precária – insistiu, observando minhas costas no vivo. – Talvez eu pudesse...
— Não me toque! – lhe dei um belo tapa na mão quando ousou tocar minha pele aberta. – Eu jamais precisarei de sua ajuda ou algo do tipo, por favor.
O herdeiro me olhou nos olhos antes de contrair sua boca.
— Pensei que pudéssemos ter uma relação boa, mas pelo visto, está mais disposta em ver minha cabeça rolando por aí – dei de ombros, sem desviar o olhar. – Não sei se a senhorita percebeu, mas eu realmente gosto de desafios. Essa sua postura só me instiga mais em conquistar um espaço importante em sua vida.
— Pois deixe-me te dizer uma coisa – levantei com dificuldade. – Eu não sou um desafio que espera ser cumprido por um garoto metido a malvado. Sou bem mais que isso. Coloque-se em seu devido lugar e recorra as suas melhores atuações, não será fácil me manipular como todas aquelas donzelas se deixam apenas por um corpo sarado e cabelos loiros.
O herdeiro sorriu em minha direção quando me afastei.
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