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História Sangue de Cordeiro - Único: You're in a car with a beautiful boy,


Escrita por: cybertheory

Notas do Autor


no meio da fic tem uma tradução livre feita por mim do trecho de um poema do richard siken, mas vcs podem encontrar o poema real oficial no livro 'crush' dele. link da playlist lá embaixo >:)))

Capítulo 1 - Único: You're in a car with a beautiful boy,


Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna. Gálatas 6:8.

Eunseok esfregava as próprias mãos suadas contra o tecido grosso da beca que usava, mas o suor era apenas o menor dos diversos fatores que o incomodavam naquele exato momento. 

Era o tecido da vestimenta que beliscava e o fazia ter vontade de cravar as unhas na própria pele do pescoço até arrancar sangue, era a luz cegante dos holofotes que iluminavam aquele altar, era até mesmo o sorriso brilhante de sua mãe que o encarava orgulhosa em pé logo na primeira fileira. A bile estava presa na sua garganta; respirou fundo, fechou os olhos, contou até três mentalmente.

— Chamando para receber o seu diploma o nosso último seminarista… Song Eunseok!

Aquela sensação era a coisa mais horrível que Eunseok já havia sentido, era como se tivesse uma Lula-de-humboldt rastejando dentro do seu estômago. 

Se sentia… se sentia como um alienígena que havia acabado de aterrissar na terra e ainda não havia se acostumado a respirar o oxigênio que dominava a atmosfera, não havia se acostumado também com o ato de caminhar com os pés no chão, já que podia sentir a gravidade lhe puxando cada vez mais para baixo, cravando cada vez mais as solas do seu sapato de couro no chão.

Até mesmo a correntinha dourada decorada com um pingente singelo de cruz, que lhe decorava o pescoço desde a sua cerimônia de batismo, agora queimava contra a pele bronzeada de Eunseok. Era como se Deus estivesse lhe pregando peças lá de cima, como se Eunseok fosse uma marionete e Deus estivesse martelando os pés dele no chão, o prendendo no lugar com pregos grossos, ao mesmo tempo em que o queimava com uma bituca de cigarro em pontos estratégicos de sua pele.

Respirou fundo novamente, fechou os olhos novamente, contou até três novamente.

E caminhou até o centro do altar, onde o padre sorria em sua direção, o homem segurava um tubo azul escuro contendo o seu diploma do curso de filosofia e parecia genuinamente satisfeito com a cerimônia que se desenrolava. Eunseok engoliu em seco e estendeu as mãos para receber o objeto.

— Meus parabéns, meu filho — Agarrou as mãos estendidas, sacudindo-as sem muita força, antes de colocar o tubo entre as palmas de Eunseok. —, que você continue espalhando a palavra do nosso senhor Cristo por aí. 

Os olhos de Eunseok ardiam, a bile que há pouco lhe trancava a garganta agora se transformava em nó. Queria chorar.

Antes que pudesse responder alguma coisa, a porta de madeira velha da entrada do salão da igreja rangeu e por ela passou uma figura alta, uma figura a qual Eunseok já estava mais do que habituado a observar. Sungchan. Conhecia Sungchan como a palma da sua mão e era capaz de reconhecê-lo em qualquer situação que fosse, cada curva, cada tropeço, cada extensão, todos os mínimos detalhes, afinal aquele ali era o seu amigo de infância.

Sungchan sorria sem graça, entrou tentando fazer o mínimo de alarde possível, mas era simplesmente impossível. Sungchan era Sungchan e ele não conseguia não atrair toda a atenção de um ambiente para si. Eunseok sorriu de volta com os lábios trêmulos, Sungchan acenou.

Se sentou na última fileira, bem no fundo da igreja. Eunseok não conseguia desgrudar os olhos dele e os dois fizeram contato visual por alguns breves segundos que pareceram uma eternidade para Eunseok.

Naqueles breves segundos, Eunseok desejou que Sungchan se levantasse daquela cadeira e o agarrasse pelo braço, o puxasse para bem longe daquela igreja, interrompendo a cerimônia e deixando os pais de Eunseok chocados, confusos, até mesmo aterrorizados. 

Desejou que Sungchan subisse naquele altar e o chacoalhasse pelos ombros, tentando colocar algum juízo na cabeça de Eunseok — que se sentia mais perdido do que um elefante numa loja de pesca.

Queria que Sungchan fosse egoísta pelo menos uma vez na vida, quis que Sungchan não se importasse de magoar aos outros, apenas fizesse o que ele mais queria naquele momento. Queria que ele o beijasse na frente de toda aquela multidão de hipócritas religiosos, o final dos dois sendo virar notícia pelo resto da vida naquele fim de mundo. O lábio inferior de Eunseok tremeu mais do que nunca, os olhos marejados ameaçavam transbordar. 

A expressão preocupada no rosto de Sungchan foi a última coisa que viu antes de trazer a sua atenção de volta para o padre.

— Amém. — Murmurou, um sorriso sem vida marcava presença em seu rosto, até evitou fazer contato visual com o homem para que ele não notasse todo o marasmo presente no seu olhar. 

Se curvou respeitosamente e voltou para o lugar na fileira em cima do altar onde se encontrava anteriormente ao lado dos outros seminaristas. A cerimônia continuou sem interrupções — o aperto no coração de Eunseok aumentou, queria gritar, mas se segurou. Inconscientemente — ou talvez nem tanto, já que estava consciente de estar tentando evitar os olhares de seus pais e de Sungchan como se fossem uma praga, seu olhar acabou pousando num ponto alto na parede da igreja, quase próximo ao teto.

Lá estava uma estátua grande de Cristo feita de mármore, pregado na cruz, sangrando, em puro estado de angústia e sofrimento.

Quando criança, Eunseok costumava se sentir melancólico olhando para as obras que decoravam as paredes e corredores da igreja católica que sempre frequentou com seus pais. Seus pais apontavam e diziam com orgulho: “Está vendo, filho? Jesus se sacrificou pelos nossos pecados.” Eunseok ficava confuso, não conseguia entender qual era o sentido daquilo, se sacrificar pelos erros dos outros. Parecia uma completa burrice.

Quando Eunseok foi crescendo mais um pouco começou a entender. Jesus nunca fez aquilo pelas pessoas, Jesus fez aquilo pelo pai. A vida era assim, às vezes a gente descia dos céus para satisfazer os nossos pais, às vezes a gente cumpria as expectativas impostas na gente para satisfazer os nossos pais, às vezes a gente se pregava em uma cruz para satisfazer os nossos pais. 

No fim, era tudo sobre o sentimento de que estava retribuindo aquilo que lhe foi dado desde o nascimento.

A nossa jornada na terra poderia ser facilmente resumida em uma única palavra, na opinião de Eunseok… sacrifícios. E era por isso que estava ali naquele exato momento, em cima daquele altar, segurando um diploma de filosofia em mãos, após dedicar longos anos de sua vida aos estudos da bíblia e da doutrina cristã. 

O padre falava alguma coisa, Eunseok já não prestava mais atenção, sua mente voava longe. Seus olhos se fixaram na sua família; seu pai — que nunca foi um homem de muitas expressões, tinha os braços cruzados em frente ao peito, parecendo orgulhoso de Eunseok pela primeira vez na vida desde que ele tinha seis anos de idade e marcou três gols na partida de futebol pelada, onde competiu representando o antigo bairro onde moravam.

Sua mãe ainda mantinha o sorriso gigante no rosto e colocou as mãos sobre a boca, os olhos ficando marejados assim que fez contato visual com Eunseok. Ele sorriu para a mulher que desabou de vez em lágrimas, tendo um lencinho sido oferecido para ela pelo irmão mais novo de Eunseok que parecia totalmente entediado de estar ali, igreja sempre soou como um ambiente de tortura para crianças, principalmente para um garotinho tão hiperativo como aquele.

A cena fez brotar um sorriso fraco, porém genuíno no rosto de Eunseok. Bem diferente daquele que havia sido oferecido para o padre quando se colocou no meio do altar para receber o diploma. As pupilas de Eunseok tremeram quando notou faltar apenas uma pessoa da seleção de seres-humanos que eram muito importantes na vida dele; ninguém mais, ninguém menos do que o seu amigo de infância.

Sungchan continuava lá, sentado na última fileira. Por ser exageradamente alto — vamos ser sinceros, ninguém precisa de um metro e oitenta e seis centímetros de altura para viver; Eunseok ainda conseguia ver o rosto de Sungchan perfeitamente, apesar das várias pessoas que estavam sentadas na frente dele. O Jung lhe encarava com os olhos grandes e curiosos, parecendo ainda intrigado pela expressão desolada que Eunseok tinha em seu rosto antes.

Parecia querer iniciar uma conversa com Eunseok utilizando os olhos, aquilo era comum entre eles, conseguiam se entender apenas com um desvio das pupilas e um franzir de cenho, o lado bom de se conhecer alguém desde que essa pessoa ainda tinha dentes de leite na boca. 

Mais uma vez naquela manhã, Eunseok não conseguiu manter contato visual com Sungchan, optando por ficar encarando os sapatos brilhosos por conta da graxa que seu pai havia utilizado para deixá-los bem polidos e bonitos. A cerimônia seguiu e se encerrou sem interrupções ou grandes comoções. Eunseok foi recebido com palmas e um abraço apertado, além de beijos molhados no rosto vindos de sua mãe assim que desceu de cima do altar.

Seu pai deu dois tapinhas em suas costas e o irmão mais novo se agarrou em sua perna, Eunseok achou graça, bagunçando os cabelos do garoto.

O patriarca da família falou algo sobre almoçar no restaurante do bairro, o que foi respondido com resmungos da esposa, a mulher reclamava dizendo que eles sempre iam lá para comer e aquele era um momento super especial para Eunseok. O garoto que era o foco da conversa atual já havia se desligado fazia tempo do que os pais falavam. Eunseok encarava fixamente a tela do celular, uma notificação piscava chamativa e escandalosa.

sungchanjjing [11:30pm]

posto de gasolina

hoje às quatro

??

seok [11:45pm]

tá bom

Eunseok enfiou o celular no bolso e se a sua família havia reparado no jeito que as mãos de Eunseok tremiam nervosamente, seus dedos batucando incessantemente contra a janela do carro, eles não comentaram nada. Seus pais apenas trocaram olhares entre eles, do jeito que sempre faziam quando notavam algum comportamento do filho mais velho que não gostavam.

O dia de Eunseok se desenrolou assim como a sua cerimônia de formatura da Casa de Formação, sem grandes comoções, o que resultou em um Eunseok encarando o relógio na sua cabeceira de cama de um jeito obsessivo. Fechava os olhos por alguns segundos e depois os abria, encarando o relógio, como se as horas fossem pular repentinamente das duas horas da tarde para às quatro. 

Foi assim até realmente os números apontados pelo relógio serem quatro horas da tarde. Se levantou num pulo, indo logo para a frente do espelho, checou o cabelo, checou se havia sujeira nos olhos, nos dentes, no nariz. Tudo perfeito.

Segurou a cruz dourada que tinha pendurada no pescoço entre os dedos, encarando-a através do reflexo do espelho por alguns segundos. Escondeu o colar por debaixo da camiseta que usava, havia trocado a peça formal de botões que usava por uma camisa de banda qualquer, bem menos desconfortável do que aquilo que estava vestindo de manhã. Sungchan sempre disse que ele ficava muito bonito usando roupas sem muitos frufrus, o que quer que isso queira dizer.

Montou a bicicleta que ficava estacionada na frente de sua casa e pedalou apressadamente até o posto de gasolina que ficava a menos de dois quarteirões de sua casa.

O vento que batia em seu rosto trazia uma sensação boa para Eunseok, era reconfortante. Ele sempre teve essa vontade louca de ser um pássaro e sair voando por aí, conseguia sentir um pouco do gostinho do que parecia ser a sensação de alçar voo quando saía pedalando sem restrições pelas ruas daquela cidadezinha minúscula.

Não tinha nenhuma alma viva por aquelas bandas da cidade durante aquele horário, então Eunseok saía riscando asfalto sem medo de ser feliz, subia em cima da calçada, passava raspando pelos postes de luz e pelas latas de lixo, às vezes ainda conseguia ouvir os gatos de rua brigando dentro dos becos escuros. Era estranhamente reconfortante.

Chegou rápido no posto de gasolina, apoiou a bicicleta de um jeito bem cuidadoso para não arranhar a pintura contra a parede da loja de conveniências que havia no lugar, antes de ir até onde Sungchan costumava ficar esperando por Eunseok após o fim de seu turno. 

O Jung ainda tinha o boné do posto em cima da cabeça, mas agora estava com a aba virada para trás de um jeito desajeitado, já não vestia mais a blusa do uniforme, apenas uma camisa surrada estampada com uma ilustração aleatória do Keith Haring, aquela era a favorita de Sungchan. Ele tinha um cigarro entre os lábios e uma revista em quadrinhos dos X-Men em mãos, especificamente ‘A Ascensão da Fênix’. Toda vez que ia trocar de página, soprava fumaça para o alto ao mesmo tempo.

Eunseok conseguiu se aproximar sem ser notado, pensou em se aproveitar da situação para assustar Sungchan, mas sendo sincero, não tinha qualquer ânimo para fazer brincadeirinhas naquele momento. Se sentou do lado dele perto das bombas de combustível, Sungchan saltou surpreso de qualquer maneira, largando a revistinha no chão por conta do susto.

— Jesus, quando é que ‘cê vai aprender a avisar antes de ir chegando assim? — Sungchan botou a mão sobre o peito, a respiração acelerada. O cigarro tombado no canto dos lábios dele.

— E quando é que você vai aprender a ser mais atento ao que tá acontecendo ao teu redor? — Eunseok retrucou, pegando a revistinha do chão, enrolando ela em forma de cilindro e a usando como arma para acertar sem muita força o objeto contra a testa de Sungchan.

Sungchan deu mais um trago no cigarro para se acalmar, ofereceu para Eunseok que aceitou sem pensar muito. Pegou o cigarro entre o indicador e o polegar, dando um longo trago até sentir a garganta queimar.

— Dia difícil? 

Eunseok encarou a cara de pau de Sungchan com uma expressão incrédula no rosto.

— Eu nem vou me dar ao trabalho de responder essa tua pergunta de merda.

— Ei, vai com calma, padre. Não pode ficar falando palavras feias assim a toa.

— Sungchan, você me chamou aqui só pra me irritar? Se for isso, eu já vou ir emb–

Eunseok fez menção de se levantar, tinha uma expressão irritada no rosto e se sentia um grande idiota por ter criado expectativas de que realmente conseguiria ter uma conversa séria, até mesmo pacífica com Sungchan após tantas discussões. Sungchan segurou o antebraço de Eunseok, forçando-o a ficar no lugar onde já estava, ele sempre foi mais forte do que Eunseok, mas nunca precisou usar essa tal força, já que Eunseok se desmontava inteiro apenas com o toque mais singelo vindo de si.

Dessa vez não foi diferente, Eunseok continuou com a bunda plantada onde estava. Agora, encarava Sungchan com um bico emburrado nos lábios e os olhos marejados. Sungchan segurou o rosto de Eunseok entre as mãos grandes, praticamente cobrindo o rosto inteiro dele com o comprimento dos dedos. Deixou um selinho demorado nos lábios de Eunseok, que resmungou ainda emburrado.

— Desculpa, Seok-ie… — Sungchan também tinha os olhos marejados e juntando no combo, a ponta do nariz dele agora estava pintada de um vermelho deprimente, deixando claro o esforço que Sungchan fazia naquele momento para prender o choro. — Eu só sinto que as nossas conversas sempre tem acabado no mesmo lugar ultimamente.

Eunseok não conseguiu retrucar. Era a mais pura verdade, as conversas e discussões dos dois sempre se encerravam no mesmo beco sem saída, ambos gritando como loucos, trocando ofensas como se aquilo fosse resolver algo. Como se ao machucar um ao outro o suficiente, ao cutucar a ferida mais aberta e doída na hora que fossem partir caminhos, a dor da despedida fosse ser amenizada pelo ódio. 

Aquilo nunca iria funcionar, Eunseok sabia, Sungchan sabia, mas era inevitável.

Os dois ficaram alguns segundos em silêncio apenas se encarando, o polegar de Sungchan acariciava as bochechas de Eunseok, enquanto os olhos grandes deste não se desviaram do rosto de Sungchan nem por 1 segundo que fosse. Sungchan colou as bocas uma segunda vez, mas dessa vez deitou o pescoço para o lado, pedindo passagem com a língua, Eunseok cedeu sem pensar duas vezes.

Sungchan explorava a boca de Eunseok como um cão faminto, a língua dele alcançando lugares já muito bem conhecidos pelo próprio, sabia exatamente o que fazer para deixar Eunseok todo rendido, gemendo baixinho e se roçando nele pedindo mais igual como se estivesse no cio. Eunseok pareceu cair em si de que estavam em público apenas quando os dedos longos de Sungchan se enroscaram em seu pescoço, fazendo uma fraca pressão no local, mas aquilo já sendo o suficiente para que Eunseok se desmontasse todo.

Eunseok separou o beijo, deitando a cabeça no ombro largo de Sungchan. Tentava encontrar um ritmo de respiração normal, já que ofegava de um jeito quase que desesperado.

Sungchan ainda lhe fazia carícias, beijava o seu pescoço, atrás da sua orelha, suas bochechas, a ponta do nariz, venerava cada mínima parte de Eunseok. Queria adorar toda a extensão de pele bronzeada que cobria o corpo esguio dele, era um devoto daquela religião.

Tinham dias que Sungchan vinha com uns papos estranhos para cima de Eunseok, costumava dizer que ele não passava de um artista de merda, um poeta bêbado de bar de esquina, mas Eunseok era a musa que fazia a sua vida valer a pena, que lhe dava algum valor. Eunseok apenas revirava os olhos e mandava Sungchan parar de falar besteiras.

Mas eram em momentos como aquele que Eunseok realmente se sentia como a musa de Sungchan, quando ele tinha os lábios de Sungchan sobre si, nesses momentos ele se sentia quase como a pessoa mais bonita do mundo. Sungchan tinha aquele poder de fazer com que sua autoconfiança e vaidade aumentassem quase 200% a mais do que o normal — o normal sendo ambas estarem localizadas abaixo da terra. Então, Eunseok valorizava todas as ocasiões onde Sungchan o fazia sentir-se como se ele fosse tudo isso e muito mais.

Sungchan interrompeu a linha de pensamentos de Eunseok ao mover a sua franja que já estava um tanto longa para o lado, deixando um beijo delicado na testa dele. Os olhos dos dois se encontraram novamente e o coração de Eunseok tremeu como louco, Sungchan parecia meio incerto, como se estivesse guardando algo dentro do peito.

Alguns segundos de silêncio se estenderam entre os dois, mas foi breve, pois Sungchan fez questão de cortar o grosso som do silêncio com uma motosserra.

— Eu vou embora, vou pra Seul no domingo, fazer faculdade de jornalismo. Do jeito que eu sempre sonhei, Seok-ie. 

Domingo… Hoje era sexta-feira, Eunseok sentiu a própria respiração falhar. Os lábios tremendo, sinalizando um ataque de pânico iminente.

Sungchan tirou dois papeis amassados de dentro do bolso da calça jeans desgastada pelo tempo de uso.

— Aqui, comprei duas passagens, uma pra você e uma pra mim. Vem comigo, vamos pra Seul juntos, vamos fugir dessa cidade de merda juntos.

Eunseok cobriu a boca com a palma da mão, lutando contra a vontade repentina de vomitar em si próprio e em cima daqueles bilhetes estúpidos que Sungchan segurava. Porra, apenas Sungchan parecia ter aquele poder, o talento de desestabilizar completamente Eunseok, sabia exatamente como pega-lo de surpresa, deixar ele sem chão, sem palavras sem saber como agir.

Eunseok subiu as mãos para o couro cabeludo, puxando os próprios fios com força, o rosto se contorcendo em uma expressão que Sungchan já estava familiarizado devido aos últimos dias, onde mais brigavam do que conversavam normalmente. Eunseok estava com raiva naquele momento, não só raiva, era aquela velha mistura de ódio com melancolia. Sungchan sentiu as pupilas pinicando e a vontade de desabar arranhando as paredes de seu peito. Eunseok respirou o mais fundo que podia antes de falar alguma coisa.

— Sabe, Sungchan, eu sempre soube que você estava destinado a grandes coisas — Eunseok pousou a destra na bochecha de Sungchan, deixando um carinho. —, mas não é assim que as coisas funcionam pra mim, eu não tenho nenhuma perspectiva de vida fora dessa cidade.

— E que perspectiva você tem nessa porra de cidade? — Sungchan não conteve a própria frustração depois de ouvir as palavras de Eunseok, o tom desistente dele era a coisa mais enraivecedora que Sungchan já teve o desprazer de escutar. Sungchan rangeu os dentes de ódio, a mandíbula completamente travada ficou ainda mais proeminente. — Seguir na carreira de padre, castrar o próprio pau e viver pra sempre como um eunuco amargurado? Uau, grandes planos, Song Eunseok!

— Vai se foder, Sungchan! — Eunseok se levantou abruptamente. — Espero que você tome muito no seu cu lá em Seul.

Ia começar a sua marcha até a bicicleta estacionada contra a parede, só conseguia pensar no quanto queria se afastar o mais urgente possível de Sungchan, antes que ódio lhe dominasse por completo e ele acabasse acertando um murro bem no nariz daquele idiota. Foi impedido por uma mão forte e familiar agarrando o seu antebraço, Sungchan puxou Eunseok para perto, as palmas quentes das mãos dele fazendo pressão contra as bochechas de Eunseok.

— Me diz… me fala olhando na minha cara, me diz que virar padre é o teu sonho. Me diz que você vai fazer aquele juramento de celibato estúpido e vai ser feliz sendo padre pro resto da tua vida, fala isso olhando no meu olho e eu vou pra Seul, nunca mais apareço na tua frente, eu juro. — Diferentemente da neblina de pura raiva que Eunseok esperava encontrar poluindo os olhos de Sungchan, encontrou súplica, encontrou ali o mais líquido desespero. Ele tinha as sobrancelhas baixas, como um filhote de cachorro que havia sido chutado. Lágrimas já desciam por suas bochechas.

Eunseok começou a chorar também, era um choro rasgado, cheio de catarro, soluços e uma vontade de gritar entalada na garganta. Dolorido demais de assistir, mas Sungchan não desviava o olhar.

— Sungchan…

— Fala.

Eunseok não respondeu nada, apenas colou os lábios nos de Sungchan, que retribuiu com a mesma sede de alguém perdido no deserto por décadas. Os dentes se chocaram de um jeito agressivo, mas Eunseok não ligou, enroscou os dedos nos cabelos de Sungchan e o puxou para ainda mais perto, queria se fundir com o Jung, queria que os dois virassem um só ali mesmo naquele posto de gasolina, naquele fim de mundo. 

Sungchan levou os dedos até o pescoço delicado de Eunseok, os enroscou na correntinha dourada que decorava o pescoço dele e puxou, o acessório se rompendo sem muita dificuldade sob a força de Sungchan. O pingente de cruz foi a primeira coisa que atingiu o chão asfaltado, o ouro fazendo um som imperceptível quando tocou o solo. Sungchan substituiu o cordão pela própria mão, quase que conseguia circundar completamente o pescoço fino de Eunseok, que gemeu baixinho com toda aquela demonstração de agressividade.

 

Você me disse: Amor, para você, é maior do que o amor romântico usual. É como uma religião. É aterrorizante. Richard Siken.

Eunseok nasceu no dia 19 de março de 2001, início do terceiro milênio, no mesmo ano da prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, no mesmo ano em que Mir—a estação espacial russa, caiu no meio do oceano pacífico, no mesmo ano em que as torres gêmeas do World Trade Center foram atingidas por dois aviões sequestrados por terroristas em um plano orquestrado por Osama Bin Laden — supostamente, Sungchan sempre lhe falou pra nunca confiar no que norte-americanos falavam. Ah, e foi o mesmo ano em que Jung Sungchan, seu melhor amigo desde que se entende por gente, também nasceu.

Eunseok era seis meses mais velho, mas isso nunca significou muita coisa, porque Sungchan nunca lhe deu o mínimo de respeito ou lhe tratou como alguém mais velho, na verdade, respeito era uma das coisas mais raras vindas do Jung. E a situação piorou depois que os dois completaram 14 anos de idade e Sungchan começou a crescer como um arranha-céu, os ombros ficaram mais largos do que uma geladeira Frost Free e ele já nem mesmo precisava se esticar para alcançar a última prateleira de livros da estante na biblioteca pública da cidade.

Enquanto Eunseok, coitado, também cresceu bastante, tinha orgulhosos um e oitenta de altura, mas ao contrário de Sungchan, ele não desenvolveu muito corpo, continuou magrelo e desajeitado por grande parte da adolescência. Sua avó sempre costumava resmungar com a voz de rouca de alguém que tinha mais de 50 anos de trajetória como fumante; “Enche esse prato, garoto! Se não daqui a pouco um vento vai conseguir sair te soprando pra longe daqui e a gente nunca mais vai te encontrar, sua mãe vai ficar maluca!” e Eunseok só conseguia torcer o bico em uma careta desgostosa.

Apesar de terem crescido grudados como gêmeos siameses, Sungchan e Eunseok vinham de realidades bem diferentes. Eunseok era filho de médico, seu pai era um cirurgião cardiovascular famoso na cidade—o único da cidade inteira, amigo do prefeito e chegado das famílias mais poderosas daquele fim de mundo, afinal, todos frequentavam a mesma igreja. A senhora Song era uma ex-atriz fracassada de novelas, que entediada com a atual vida de dona de casa, estava sempre em busca de um novo hobby para se distrair, a primeira vez em que Sungchan viu ela, a mulher tinha cismado com a ideia de que queria ser escritora de romances. Como todos os outros hobbies que ela já teve, esse daí também não foi pra frente.

Sungchan já era bem diferente quando criança, assim que conheceu Eunseok, ele morava em um trailer na beira da rodovia principal da cidade junto com a mãe e um cachorro chamado Toby. Por isso, ele nunca convidava Eunseok para ir até a sua casa, preferia quando Eunseok o chamava para a casa dele, principalmente por causa do jeito que a mãe de Eunseok costumava tratar Sungchan. Ela o tratava como uma causa beneficente de um jeito bem descarado, lhe dava roupas e brinquedos, às vezes até mesmo comida e itens de higiene. Sungchan sabia que os pais de Eunseok tinham pena de si e o viam como um pobre coitado, mas fazer o quê, sua mãe sempre lhe ensinou a tirar bom proveito de todas as situações.

As coisas melhoraram um pouco quando Sungchan arrumou um emprego, aos 14 anos de idade, como jovem aprendiz no único jornal que tinha na cidade. Ele era feito de capacho lá; trazia cafézinhos, até mesmo limpava o chão quando solicitado, mas o dinheiro era bom e ele gostava de ver as pessoas trabalhando, escritores empenhados em digitar os seus respectivos artigos, era muito… interessante (?) Sungchan nunca soube definir muito bem. Enfim, com o dinheiro de seus respectivos empregos, Sungchan e a mãe conseguiram alugar uma casinha pequena, bem no subúrbio da cidade, pelo menos já era alguma coisa.

Sungchan e Eunseok se conheceram aos sete anos de idade, não foi na escola, nem na catequese e nem nas aulas de pianos que os pais de Eunseok pagavam para ele. Era uma tarde de clima ameno, caíam gotas tímidas do céu e Eunseok voltava caminhando um pouco apressado das aulas particulares que tinha todos os sábados, tentava fugir da chuva o mais rápido possível com suas perninhas curtas. Andava tão apressado que nem foi capaz de reparar que estava sendo seguido durante o caminho todo, Eunseok ainda se lembra muito bem deles, foram três garotos mais velhos que o encurralaram naquele beco fedido.

— O que um garoto riquinho como você faz por essas bandas, hein?

O mais alto entre eles foi quem se pronunciou primeiro, ele tinha as mãos dentro dos bolsos e, na visão de Eunseok, parecia ter o tamanho de três mamutes empilhados um em cima do outro.

Eunseok continuou calado, encarou os próprios tênis novinhos e brilhantes que usava, os olhos já ficando tão nublados quanto o céu por conta das lágrimas que queriam escapar. Agradeceu aos céus por todas as crianças terem o seu lugar garantido no paraíso, pois pelo que parecia, o momento de sua morte havia chegado mais cedo do que ele esperava.

— Ei! ‘Cê num vai responder, não?

Outro dos garotos questionou, dessa vez foi um magricela que usava um boné desbotado virado para trás. Eunseok só teve tempo de sentir o impacto do próprio corpo contra a parede de tijolos daquele beco, aquele mesmo garoto havia empurrado um dos ombros de Eunseok, que se desmontou facinho por conta da força do brutamontes desconhecido. 

Eunseok continuou em silêncio por alguns segundos, e quando proferiu as suas primeiras palavras, elas não foram direcionadas para os garotos em sua frente, mas sim aos céus. Eunseok apertou com as mãozinhas infantis o pingente de cruz que tinha no pescoço e começou a rezar ali mesmo, pedia com a voz esganiçada para que os seus anjos da guarda enviassem alguém para salvá-lo.

Os três garotos começaram a rir de modo escandaloso por conta do ato inusitado do engomadinho.

— Eu já não falei que se eu te pegasse botando medo em outro pirralho, eu ia quebrar o teu outro braço, Kijung?

Lá no início do beco, Eunseok não sabia dizer se era uma luz divina que rodeava o garoto desconhecido ou se era só a luz do poste, mesmo. Só sabe que começou a chorar de maneira ainda mais intensa quando a figura do seu salvador se aproximou. O seu heroi desconhecido vestia um shorts laranja e camiseta do Sonic, também tinha um pedaço de pau perigosamente posicionado em cima do ombro, ele exalava confiança e falava olhando diretamente para o líder da gangue.

A última coisa que Eunseok esperava ver na vida era um garoto do tamanho de três mamutes empilhados um em cima do outro se tremendo todo de medo por conta da ameaça de alguém da metade do seu tamanho.

— S– Sungchan. E aí, meu parceiro! A gente só tava fazendo uma brincadeirinha com o nosso amigo aqui. — Eunseok quase se cagou todo nas calças ao ter os ombros abraçados pelos braços do garoto gigante, a sensação piorou quando foi apertado de um jeito que parecia querer ser amigável, mas só fez a vontade de vomitar em Eunseok aumentar.

Olhou com os olhos gigantes ainda mais arregalados, quase suplicando para o tal Sungchan tirá-lo dali. Ele pareceu entender a mensagem, pois sorriu de um jeito despreocupado querendo deixar Eunseok mais calmo.

— Sei, ‘cês adoram uma brincadeirinha, né… — Sungchan enroscou os dedos no antebraço de Eunseok, puxando-o para perto de si e o escondendo atrás das próprias costas, longe dos olhos de gavião daqueles delinquentes. — Obrigado por fazer companhia pra ele, mas eu vou ficar com o meu colega o resto do caminho.

— Mas é claro! V– Vão na sombra e cuidado com a chuva, riquinho. 

O seu heroi, grande salvador da pátria continuou agarrado ao braço de Eunseok até eles atingirem uma distância segura daquele beco, assim que estavam pelo menos umas duas quadras longe do lugar, Sungchan finalmente desenroscou os dedos do antebraço de Eunseok, esse soltou de uma vez a respiração que nem havia notado estar presa em seus pulmões.

Eunseok achou que o garoto fosse largá-lo ali e voltar para o lugar de onde veio, mas ele continuou do lado de Eunseok até chegarem na frente da casa dele. Sungchan sempre foi assim, cheio de pose. Naquele momento em específico, Eunseok acha que nunca seria capaz de esquecer da cara de valente que Sungchan fazia, com as sobrancelhas franzidas e um biquinho nos lábios. No rosto redondo haviam dois band-aids do Pororo, um no queixo e o outro na bochecha, Eunseok lembra de se sentir deslumbrado e pensar: “uau, ele é tão maneiro!”

Assim que chegaram na porta da casa de Eunseok, ele se lembra de ter sido parado por Sungchan e uma oferta inegável ter saído da boca dele; toda vez que Eunseok estivesse a voltar das aulas particulares pelo mesmo caminho, Sungchan continuaria o protegendo, mas em troca de sua proteção ele iria cobrar um pão doce da venda do senhor Kim a cada viagem feita. Eunseok concordou. Os dois apertaram as mãos suadas e grudentas, típicas de crianças daquela idade. 

Aquela também foi a primeira vez em que Sungchan lhe dirigiu um de seus sorrisos largos, daqueles que fazem os olhos dele virarem meia-lua e os dentes da frente se destacarem. Eunseok nunca foi capaz de esquecer daquele momento, assim como tantos outros que viveu ao lado de Sungchan.

Aos 15 anos, Eunseok estava focado em ir à igreja, ir bem na escola e fazer a sua namorada feliz. Sim, ele havia arranjado uma namorada, ela se chamava Minju e os dois se conheceram — para surpresa de absolutamente ninguém — na igreja. Ela era uma garota exemplar, bonita, tirava boas notas, ia para igreja em todos os finais de semana e também era podre de rica, coisa que contava muito para que alguma pretendente caísse nas graças de seus pais.

Aos 14 anos, Sungchan estava focado em não reprovar em química, não se atrasar para o trabalho e também ouvir todos os discos de rock que haviam disponíveis na loja de discos da senhora Lee. Ia para a escola pela parte da manhã e trabalhava a tarde inteira, chegava em casa derrotado, mas se recusava a ceder todo o tempo que tinha disponível apenas para as suas obrigações, por isso a loja de discos que tinha ao lado de sua casa virou meio que um refúgio para um Sungchan constantemente exausto.

Aquela foi a época onde Eunseok e Sungchan menos se viram, foi quando a realidade de suas diferenças de vivência vieram a tona, já não eram mais criancinhas que podiam sair por aí correndo, se sujando de lama, caindo juntos, ralando o joelho, dividindo as lágrimas e se lambuzando de sorvete. Agora tinham responsabilidades reais, pelo menos Sungchan. 

Sungchan tinha uma lembrança marcante dessa época, de quando foi contratado como garçom na festa de aniversário do prefeito e teve que servir a mesa de Eunseok e dos pais dele com drinks e tira-gostos, era início de maio, e foi reconhecido com sorrisos e palavras cheias de animação vindas dos Song mais velhos.

 — Sungchan! — A senhora Song se levantou animada, dando um abraço apertado em Sungchan que retribuiu com a mesma animação.

— Olá, garoto. — O senhor Song apenas acenou com a cabeça, Sungchan retribuiu usando o mesmo gesto, acompanhando o jeito contido do homem.

— Como vai a sua mãe? — Como sempre, a matriarca dos Song tentava puxar assunto e ser simpática, era quase como se a mulher estivesse treinando para quando assumisse o lugar de prefeita, e Sungchan não duvidava de que talvez aquele havia se tornado o novo interesse obsessivo dela.

— Como sempre, sabe como é, né. — Sungchan sorriu grande. A mulher lhe deu alguns tapinhas no braço antes de voltar a se sentar, quando Sungchan finalmente voltou o seu olhar para Eunseok, piscou um dos olhos na direção dele e usou a cabeça para apontar na direção da porta dos fundos.

Foi assim que passaram o resto da noite escondidos no quintal, deitados na grama e contando as estrelas.

Eunseok também tinha uma memória que havia lhe marcado para todo o sempre nessa mesma época. Ele ainda não havia decidido virar padre, sentia gostar muito de Minju, o relacionamento dos dois era meio bobinho, o máximo que faziam era sair de mãos dadas pela rua, era algo confortável e sem complicações na opinião de Eunseok. Ele poderia se acostumar a viver daquele jeito para sempre.

Nunca haviam nem ao menos se beijado; até aquele fatídico dia. Era uma tarde de julho, férias oficiais da escola e, consequentemente, Eunseok tinha o dia inteiro com Minju grudada em seu cangote. Estavam passando tanto tempo juntos desde que as férias de verão se iniciaram que Eunseok já havia se acostumado e decorado cada pequena mania de Minju, como por exemplo: naquele exato momento ela enrolava os fios de cabelo na ponta do dedo indicador enquanto mordia o lábio inferior, sinal claro de que estava nervosa, algo estava a deixando incomodada.

— O que foi, Minju? — Eunseok perguntou, tinha a cabeça deitada em cima do colo de Minju, o tecido de camurça da saia dela fazia um carinho gostoso contra o seu rosto.

— É que eu… eu tava pensando aqui e todas as minhas amigas já perderam o BV. — Minju arrancou um pedaço da pele morta que estava presa em seu lábio inferior, abrindo uma feridinha no local. — Eu sou a única que nunca beijou.

— Oh… você quer beijar? — Eunseok coçou a nuca, se sentando direito, em posição vertical no banco. Sentia o estômago revirar dentro da barriga.

— Você quer beijar? — Minju tinha as bochechas pintadas de um vermelho adorável.

— Se você quiser eu quero. — Eunseok decidiu tomar iniciativa, afinal era um homem mais do que formado, agarrou as mãos de Minju entre as suas e olhou fundo nos olhos dela, que ficou ainda mais vermelha como um pimentão.

— Então, eu quero! — Minju exclamou cheia de animação.

E aí foi onde se deu o desastre; Eunseok nem sabe direito como foi que aconteceu, só lembra de se aproximar meio incerto, enquanto Minju se aproximava cheia de vontade e assim as bocas se chocaram em um impacto exagerado, nada prazeroso devo adicionar. A ferida antes aberta nos lábios de Minju, por conta da garota ter ficado cutucando alguns segundos antes, abriu ainda mais e não demorou nada para que houvesse uma quantidade considerável de sangue escorrendo pelo rosto de Minju, que exclamou desesperada ao tocar o próprio queixo e sentir o líquido quente na ponta de seus dígitos.

— Meu Deus, me desculpe! — Eunseok exclamou cheio de desespero.

Foram necessários alguns minutos para estancar o sangue na boca de Minju e até lá já haviam perdido toda a vontade antes presente de colarem as bocas uma na outra pela segunda vez, Eunseok optou por acompanhar Minju até a porta da casa dela, se despediram com um abraço apertado e um segundo pedido de desculpas completamente envergonhado vindo de Eunseok. Ele se sentia culpado por ter estragado a primeira experiência de Minju com beijos, agora ela iria se lembrar para a vida toda da vez em que um maníaco quase lhe causou uma hemorragia, enquanto tentava beijá-la.

Eram exatas vinte e duas horas quando Sungchan escutou dois toques na sua janela.

Quase não acreditou ao reconhecer o rosto de Eunseok decorado com um sorriso torto do outro lado do vidro.

Abriu a janela rapidamente, puxando Eunseok para dentro de maneira bruta e o apertando em um abraço de urso. Naquela época eles ainda tinham aproximadamente a mesma altura, então Sungchan conseguiu enterrar a cabeça na curva do pescoço de Eunseok confortavelmente. Eunseok retribuiu o abraço, afundando os dedos nos fios castanhos rebeldes de Sungchan. Eles não se viam faziam alguns meses, a última vez foi no aniversário de quinze anos de Eunseok, e ele já sentia aquele amargo na boca do estômago, era o gosto ruim da distância e do fato inegável de que eles talvez já não se conhecessem mais como antes.

— Ei… — Eunseok murmurou, os dedos ainda enroscados no cabelo de Sungchan, fazendo um carinho singelo. Eles continuavam tão macios quanto Eunseok se lembrava, mas agora os fios estavam pintados de um tom mais claro, era quase uma cor de mel. Ele estava bonito.

— Você vindo me visitar assim do nada, que estranho… — Sungchan tirou o rosto do pescoço de Eunseok, que lutava contra os arrepios se espalhando pelo local. Ele tinha um sorriso de canto na cara, era cheio de um sentimento que Eunseok não sabia muito bem nomear na época, mas com o tempo começou a reconhecer de tanto que ele dominava as expressões de Sungchan quando os dois estavam assim, sozinhos. Aquilo no rosto dele era malícia pura.

— Cala a boca. — Eunseok deu um empurrão fraco no ombro de Sungchan, que se debateu todo dramático fingindo sentir dor.

Os dois conversaram bastante naquela madrugada, falaram sobre o que havia mudado nas vidas de ambos, Sungchan falou sobre o emprego e Eunseok falou sobre a namorada. Sungchan pareceu não acreditar de primeira que ele realmente estava falando a verdade sobre ter uma namorada, e Eunseok admite ter se sentido um pouco ofendido no momento, sentia que Sungchan estava insinuando que ele não era macho o suficiente para atrair a atenção de uma garota. Sungchan se desculpou pela incredulidade, ao mesmo tempo em que atacava Eunseok com apertões em sua costela, arrancando risadas do garoto emburrado.

— Mas e aí, vocês já se beijaram, hein? — Sungchan agora estava deitado do lado de Eunseok na cama apertada de solteiro que havia em seu quarto, os dois encaravam o teto. Eunseok estava um pouco ofegante por conta do ataque de cócegas que sofreu anteriormente, então o som de sua respiração alta era a única coisa ouvida no quarto, além de suas próprias vozes, é claro. — Já perdeu o BV?

— Eu não quero falar sobre isso. — Eunseok se virou de costas para Sungchan, fingindo cochilar ao que soltava roncos comicamente altos.

Sungchan revirou os olhos e virou Eunseok pelos ombros de volta para a posição em que ele se encontrava anteriormente, mas dessa vez estava meio que o obrigando a encará-lo nos olhos. O contato visual fez com que as orelhas de Eunseok queimassem, denunciando o fato de que ele estava se sentindo extremamente envergonhado sob o olhar ditatorial de Sungchan.

— Eu só quero saber se você já enfiou a língua na boca de alguém.

— Primeiramente, eca — Eunseok fez uma careta de nojo, arrancando um riso soprado de Sungchan. —, e segundamente, o que essa informação vai mudar na tua vida?

— Acredite, vai mudar muita coisa.

O cérebro de Eunseok quase parou de funcionar por alguns breves segundos quando as mãos largas de Sungchan seguraram o seu queixo, manejando o rosto do garoto até que ele estivesse com a cabeça minimamente erguida, encarava Sungchan de baixo para cima, foi a primeira vez em que seu cérebro teceu comparações entre Sungchan e uma das várias estátuas de Cristo que haviam espalhadas pela sua igreja, onde tão rotineiramente se ajoelhava em frente para rezar, pedir bênçãos e implorar por perdão. Se sentia sujo como um pecador naquele momento.

— Eu– Eu tentei beijar a Minju, mas não deu muito certo. Acabei machucando ela. — Desviou o olhar para um ponto qualquer na parede que havia atrás da cabeça de Sungchan. — Então… eu ainda sou BV, tecnicamente.

— ‘Cê sempre foi tão desastrado, Seok-ie. — Sungchan fez um carinho na bochecha de Eunseok com o polegar, parecendo se divertir com as reações atordoadas dele.

— Olha quem fala, foi você quem destruiu três dos meus carrinhos de controle remoto! — Eunseok parecia genuinamente indignado, o que arrancou mais um riso soprado de Sungchan. — Nunca teve o mínimo de consideração pelas coisas dos outros. — Fez bico, indignado.

— Eu já pedi desculpas um bilhão de vezes, o que mais você quer? 

— Meus carrinhos de volta…

— Bom, isso você nunca vai ter — Deu dois tapinhas fracos na cabeça de Eunseok, como quem tentava consolar um cachorro que havia sido negado um pedaço de bife, ou sei lá. —, mas eu posso te dar outra coisa em troca.

— E essa outra coisa seria… — Eunseok não estava nem um pouco interessado no que quer que fosse ser oferecido por Sungchan em troca de seus amados carrinhos, sentia falta deles até hoje, como um pai que havia ido para a guerra e nunca mais voltado, era desse jeito que sentia falta de seus amados brinquedos. Eles eram itens raros de colecionador.

— Eu posso te ensinar a beijar.

— O quê? — Os olhos de Eunseok que já eram grandes, ficaram comicamente gigantes depois de ouvir a proposta de Sungchan. — Ficou maluco?

— Não tô maluco não, e também me considero um ótimo professor. — Sungchan se levantou, ficando de pé em cima da cama, como se aquilo fosse dar mais firmeza para as palavras absurdas que saíam de sua boca.

— Por que eu iria aceitar um negócio desses? — Eunseok encarava Sungchan como se ele fosse maluco, agora estava sentado sobre os joelhos em cima da cama, mas já se preparava para fugir o mais rápido possível dali, caso a loucura de Sungchan desse sinais de aumento extraordinário fora do comum.

— Porque eu sou um ótimo beijador, nunca recebi reclamações. Apenas elogios. — Sungchan também se sentou em cima da cama, mas as suas pernas estavam em posição de borboleta, ele parecia bastante animado com a ideia de girico que teve, tinha um sorriso todo pateta no rosto. — Sou o melhor beijador da cidade segundo muitos.

— Desde quando você já beijou pessoas? E foram mais de uma? — Eunseok parecia intrigado, um vinco já se formando entre as sobrancelhas.

— Ai, ai, meu doce Eunseok. Você realmente não sabe de nada. 

Aquilo doeu em Eunseok, houve uma época onde eles sabiam tudo um sobre o outro, mas parecia que agora estavam caminhando a passos de guepardo rumo ao destino final de uma amizade falida: se tornar um completo desconhecido para a pessoa com quem um dia você já foi carne e unha. Eunseok baixou o olhar, para as próprias mãos sobre o colo, o amargor na boca do estômago se intensificando.

— Enfim, se você aceitar a minha proposta, prometo que a sua namorada vai ficar louquinha. Ela vai se apaixonar ainda mais, e você nunca mais vai quase arrancar um dente dela.

— Ei! Eu não quase arranquei o dente de ninguém. — Encarou Sungchan com uma expressão indignada na cara, as sobrancelhas franzidas foram pouco a pouco relaxando. Sungchan estava assistindo de camarote as engrenagens trabalhando na cabeça de Eunseok. — T– tá bom, eu topo.

— Eu sabia que você iria fazer a escolha inteligente, Seok-ie. — Sungchan sorria como um maníaco, o que fez Eunseok se arrepender da decisão que havia tomado. As mãos largas pousaram nos ombros magricelas de Eunseok massageando o local, tentando deixá-lo mais relaxado, desceu para as mãos de Eunseok, entrelaçando os dedos longos com os mais curtinhos de Eunseok. Aquilo irritava Eunseok profundamente, o jeito que suas mãos eram tão delicadas e nada másculas em comparação com a dos outros garotos. — Relaxa um pouco, vai, sou só eu. O seu melhor amigo. Se quiser, pode até fechar os olhos, fingir que eu sou sua namorada.

Eunseok fechou os olhos bem rápido, esperando que não olhar para a cara de Sungchan fosse a solução perfeita, aquilo que iria fazê-lo se sentir menos culpado do que estava prestes a fazer.

— Você ainda vai todo o fim de semana pra catequese, Seok-ie? — Conseguia sentir as mãos curiosas de Sungchan brincarem com a gola de sua camiseta, em específico com a correntinha em seu pescoço.

— A voz da minha namorada não é assim. Você não tá ajudando nem um pouco com a minha imaginação. — Eunseok voltou a franzir o cenho, agarrou o pulso de Sungchan, fazendo com que ele parasse de brincar com o seu cordão. — E eu já terminei a catequese, agora eu faço crisma.

— Okay, mil perdões.

Eunseok estava de olhos fechados, mas já conseguia até visualizar na própria mente a expressão toda ressentida de cachorro chutado que deveria estar estampada na cara de Sungchan naquele momento. Sungchan se sentia facilmente ofendido, porém não desistia fácil, e por conta disso, não demorou muito para que ele voltasse a sentir as mãos de Sungchan passeando pelo seu pescoço, do pescoço passou para a nuca, da nuca foi para o maxilar, até se fixar nas bochechas de Eunseok.

O primeiro encostar de lábios veio tímido, como se Sungchan estivesse testando as águas. Os lábios de Sungchan traziam consigo um quentinho aconchegante e tinham gosto de cacau, por conta do hidratante que ele usava, Eunseok relaxou mais um pouco, tomando iniciativa pela primeira vez ao colar ainda mais os lábios e os corpos dos dois. Levou as mãos, de maneira incerta, até os ombros de Sungchan, apertando os dedos contra a carne do local.

Era até um pouco meigo, apenas um selinho, como se estivessem se conhecendo pela primeira vez, como se estivessem se acostumando com aquele contato mais íntimo vindo um do outro. Porém, não demorou muito para que Sungchan tombasse a cabeça um pouco para esquerda e entreabrisse os lábios, pedindo passagem ao esfregar a língua contra o lábio inferior de Eunseok, que obedientemente partiu os próprios lábios. A língua de Sungchan era quentinha contra o céu de sua boca, Eunseok soltou um som involuntário que nunca havia emitido em toda a sua vida quando a língua de Sungchan se esfregou contra a sua.

Sungchan sorriu entre o beijo, e tomou liberdade para ir com mais sede ao pote, explorando a boca de Eunseok com sede. Eunseok se sentiu um pouco assustado com a fome de Sungchan, e acabou mordendo a língua do outro sem querer. Sungchan choramingou de dor, separando as bocas, por um momento para reclamar, mas nem conseguiu brigar muito, pois Eunseok tinha uma expressão tão coitada na cara, se contentou em engolir a dor e sorrir para Eunseok, que desesperadamente pedia desculpas.

— Ei, tá tudo bem, nada mal pra um iniciante. — Sungchan deixou um beijinho na ponta do nariz de Eunseok, tentando fazer com que ele se sentisse menos culpado. — Você gostou?

Eunseok acenou com a cabeça, se sentindo envergonhado demais para proferir qualquer palavra que fosse. Mordeu o lábio inferior e pareceu pensar por um momento, antes de voltar a colar os lábios com os de Sungchan, que exclamou surpreso. Sungchan retribuiu sem pensar duas vezes, avançando meio que de um jeito inconsciente para cima de Eunseok, até que este estivesse deitado em cima do colchão e Sungchan estivesse entre as suas pernas. As aulas pareceram estar dando frutos de maneira rápida, pois Eunseok já soava bem mais seguro de suas ações. Os dedos se enroscaram nos fios castanhos cor-de-mel de Sungchan.

Eunseok se lembra vividamente de passar o resto da noite beijando Sungchan, e ao sair dali da casa dos Jung pela manhã com os lábios inchados, pintados de um tom de rosado raivoso, correu para casa e escovou os dentes compulsivamente. Se no mesmo dia, algumas horas depois, quase vomitou dentro da cabine de confissão depois de admitir tudo o que havia feito para o padre em anonimato, aí já é um problema que Eunseok teve que lidar sozinho. Era entre ele, Deus e seus próprios demônios.

Aos 17 anos, Eunseok estava com os hormônios à flor da pele, e Minju parecia estar passando pelos mesmos problemas. Isso se tornando notável até demais para Eunseok em momentos como aqueles, quando estavam trocando alguns beijinhos escondidos no quarto da garota, e ela começava a insistir em querer subir em cima do colo de Eunseok. Os braços finos rodeavam o pescoço do garoto, e a boca era sedenta, parecia querer tomar para si tudo o que Eunseok tinha para oferecer, o que — para a tristeza de Minju — não era lá muita coisa. 

Eunseok suspirou um pouco irritado, e interrompeu o beijo sem aviso prévio, empurrando a garota delicadamente de cima de seu colo.

— Não, Minju! — Eunseok falava como se fosse um adestrador de cães condenando um filhote de poodle malcriado.

Minju cruzou os braços, visivelmente irritada, o rosto se contorcia em uma expressão nada agradável. Na opinião de Minju, Eunseok às vezes era certinho até demais, de um jeito que chegava a ser irritante, porra, ela era uma cristã devota, sim, mas até os cristãos mais devotos merecem se divertir um pouco de vez em quando. Encarou as próprias unhas pintadas de esmalte cor-de-renda por alguns segundos, antes de tomar uma decisão, Minju nunca foi alguém que desistia das coisas que queria facilmente, por isso logo lá estava ela, engatinhando na direção de Eunseok como um felino que cercava a sua presa.

Seok-ieee, — Estendeu a última vogal do apelido de Eunseok o máximo que conseguia, fazendo uso do tom de voz mais manhoso que possuía disponível. — a gente não precisa nem tirar as roupas pra sentir prazer. Eu vi na revista Garota Cristã que se esfregar por cima das roupas não conta como sexo, logo, não é pecado!

Saltou no colo de Eunseok, nos olhos de Minju havia um brilho de criança arteira quando finalmente consegue o doce que tanto queria, os braços voltaram para o pescoço de Eunseok, que não esperneou dessa vez, mas também não moveu um músculo que fosse para retribuir os toques atrevidos da namorada. Mesmo com a pouca reciprocidade de Eunseok, Minju não desistiu, encaixou os próprios quadris bem em cima de onde deveria haver um pau, segundo as fotos de seus livros de anatomia. Eunseok continuava parado ali, como uma estátua. 

Se remexeu para cá, se remexeu para lá e… nada! Nem uma resposta de Eunseok, e nem do amiguinho de Eunseok. Foi bem aí que a garota se irritou de vez, saiu de cima de Eunseok e ficou em pé do lado da cama com o rosto completamente vermelho, se Eunseok se esforçasse um pouco, conseguiria ver claramente o vapor de puro ódio saindo pelas orelhas da garota.

— Song Eunseok, você me odeia, né? — A irritação parecia se misturar com a tristeza causada pelo sentimento de insuficiência, Minju parecia completamente vulnerável naquele momento, o lábio inferior da garota tremia e ela parecia estar prestes a desabar em um choro escandaloso a qualquer momento.

— Não, princesa, nunca — Eunseok falava com um tom de voz esganiçado, demonstrando o desespero que sentia naquele exato momento. A última coisa que queria naquele momento era magoar Minju, apesar de também não querer estar sempre disposto a ceder a todos os desejos e caprichos da garota. Não era algo completamente normal um garoto de dezessete anos ficar duro até com o roçar dos shorts contra o pau durante o treino de futebol, mas não conseguir ficar excitado com a própria namorada? Na opinião de Eunseok, aquilo era mais do que normal.  —, por que você acha isso?

— Você não consegue ficar excitado comigo no seu colo, eu não consigo nem ao menos fazer o meu namorado sentir desejo por mim. — Foi ali que Minju começou a chorar desesperadamente, soluços escapavam pela sua boca um seguido do outro, a garota tentava cobrir o rosto com as próprias mãos, se sentia envergonhada da própria incapacidade. — Eu sou feia, né? Você não consegue ficar animado porque eu sou horrenda, uma porca imunda.

Eunseok rodeou os braços sobre os ombros de Minju, prendendo a garota em um abraço apertado. Deixou que ela sujasse a sua camiseta social toda engomadinha e sem nenhum amassado com ranho, lágrimas e qualquer outro fluido que estivesse a expelir naquele choro dolorido. Iniciou um cafuné nos cabelos longos, deixando com que seus dedos se perdessem por entre os fios de cabelo da garota. Apesar de tudo, Minju estava do seu lado desde que tinha quatorze, sua primeira e única namorada, era meio que inevitável que ela se tornasse alguém importante para si, passaram por tantas coisas juntos, Eunseok queria ver a garota genuinamente feliz.

— Shh, o problema não é você, princesa. — Eunseok murmurou, ainda passando os dedos por entre os fios de cabelo de Minju, que já havia conseguido controlar um pouco mais o choro esganiçado de alguns segundos atrás. — O defeituoso sou eu. Me desculpa por te fazer sentir insuficiente, você é a melhor namorada do mundo. Nem se eu tivesse te pedido aos céus, orquestrado cada mínimo detalhe, conseguiria te fazer sair perfeita desse jeito.

Segurou o rosto molhado da garota entre as mãos, deixando um beijo carinhoso na testa de Minju.

— Eu te amo, Seok-ie. — Minju encarava Eunseok com os olhos vermelhos depois de tanto chorar, ela sempre era sincera em suas declarações de amor, aquilo era um tanto reconfortante para Eunseok, que se sentia grato de ter alguém genuinamente nutrindo um sentimento amoroso tão forte por ele, se sentia válido de alguma maneira. Afinal, de que era feito o ser humano se não 70% água e o resto todo preenchido de amor.

Eunseok sorriu largo, tentando passar um sentimento reconfortante para Minju, apesar do gosto amargo que infestava o céu de sua boca.

— Também te amo, princesa.

Era verdade, também amava Minju, ela era uma parte essencial de sua vida. A amava do mesmo jeito que amava dias ensolarados, músicas boas e filhotes de gato, às vezes, no meio da madrugada, fechava os olhos e pedia para Deus com todas as forças para que Ele tornasse aquele amor num amor do tipo romântico, num amor de tirar o fôlego. Porém, como havia dito anteriormente, era ele o problema, era Eunseok a peça defeituosa. 

Só queria saber o porquê de ter sido feito daquele jeito.

Eunseok leu em algum lugar da Internet uma vez que o nosso cérebro não era programado para guardar memórias positivas, pois o principal órgão do sistema nervoso considerava essas memórias insignificantes. Afinal, quando você fosse atacado por um urso no meio da floresta, a memória de quando você provou um doce muito gostoso, ou de quando você ganhou um prêmio de primeiro lugar na competição de soletrar da sua escola não seriam de muita ajuda. Memórias negativas, onde a gente se sentiu dominado pela sensação de estar em perigo eram predominantes na cabeça da maioria dos humanos, por isso deveríamos valorizar e nos agarrar ainda mais nas partes positivas da nossa vida que conseguimos trazer junto de nós.

Talvez fosse por esse motivo que ainda se agarrava com tanta força às lembranças tão claras da sensação do tecido da colcha de cama de Sungchan contra o seu rosto, aquela sensação gostosa de enrolar os dedos no pano macio, enquanto afundava o rosto no travesseiro macio do Jung, ficando chapado no cheiro gostoso do shampoo de Sungchan. Tinha cheiro de baunilha, era docinho, mas não tão doce quanto o garoto em si.

Aquela era mais uma tarde daquelas em que estava deitado na cama de Sungchan, olhando para o teto, os dedos nervosos brincavam com a barra da camiseta estampada com um painel de algum quadrinho aleatório do Homem-Aranha, enquanto o dono do quarto estava sentado na frente do computador em sua mesa de estudos. O áudio estourado do aparelho de som Phillips se espalhava por todo o quarto, dele era reproduzido o cover cantado pelo Deftones de ‘Please, Please, Please, Let Me Get What I Want’ do The Smiths, Sungchan sempre preferiu aquela versão do que a original, dizia que ela soava menos melancólica e niilista na voz de Chino Moreno. 

Eunseok esperava pacientemente, como um cãozinho, Sungchan parar de digitar o que quer que estivesse escrevendo com tanta concentração e passasse a dirigir a sua total atenção para si. Desde os quatorze, quando se beijaram pela primeira vez — e também única, Sungchan nunca mais havia tentado nada novamente e Eunseok não era do tipo que tomava iniciativa, então estavam apenas nesse jogo de ficar pisando com passos de elefante numa loja de cristais ao redor do outro, fingindo que nada aconteceu e de que eram apenas melhores amigos normais.

Se reaproximaram mais do que antes, compensando todo o tempo perdido jogando conversa fora por horas e horas, o que foi pelo menos uma coisa boa advinda daquela experiência.

— Aqui, Eunseok-ie, dá uma olhada no meu pedido de admissão. — Ah, sim. Sungchan estava com uma ambição recente maluca de querer com todas as forças fugir daquela cidade, queria ir para Seul de qualquer jeito que fosse. Principalmente agora que estava prestes a se formar no ensino médio, iria se ver livre das últimas garras que lhe prendiam ali naquele lugar. Sua primeira opção era encontrar um emprego em Seul, e é para isso que aquela carta servia, estava planejando enviá-la para alguma editora da capital implorando por um emprego.

Eunseok se levantou cheio de preguiça, catando os óculos de leitura de dentro do bolso e os colocando na cara. Realmente, era uma boa carta na opinião de Eunseok. Sungchan citava coisas como o tempo em que passou trabalhando no jornal da cidade, sua condição financeira e pontos positivos de sua personalidade, era tudo bem profissional com um toque de “eu sou o protagonista da minha história”, Eunseok sempre soube que Sungchan era um bom escritor, mas não sabia que ele havia evoluído tanto desde que eram crianças e ficavam inventando histórias de vida mirabolantes para cada pombo que passava na rua.

— Uau, isso tá muito bom. — Foi o que Eunseok disse, soando genuinamente admirado com as habilidades do melhor amigo. Sungchan sorriu todo orgulhoso em resposta.

— Se eles não me contratarem eu vou ir lá pra Seul me matar na frente deles, daí você vai junto e escreve uma mensagem bem ameaçadora na fachada do prédio usando o meu sangue.

— Mas é claro, Jinsu. 

A sensação de se apertar do lado de Sungchan naquela cama de solteiro do quarto dele já era mais do que familiar para Eunseok, a música já havia acabado e agora a versão cantada pelo Deftones de ‘Simple Man’ era o que se espalhava pelo cômodo inteiro. A voz de Chino Moreno soava tão arrastada e cheia de tesão como em qualquer outra música cantada por ele. Eunseok voltou a brincar com a barra de sua camiseta, sentindo-se nervoso e extremamente consciente do jeito que conseguia sentir o tecido grosso do jeans de Sungchan contra a sua perna por conta dos shorts que usava.

Já não era mais igual ao jeito de quando eram crianças e ficavam grudados como chiclete. Agora, aos dezessete, o ar parecia estranhamente carregado. Eunseok engoliu em seco.

— Então, o que você veio me contar? — Sungchan perguntou, a voz se sobressaindo por sobre a música. — Algo sobre a Minju?

— Não importa, sinceramente, é muito vergonhoso. — Eunseok sentia que se olhasse nos olhos de Sungchan naquele exato momento, seria capaz de se cagar todo nas calças, então continuou tentando furar um buraco no telhado com a maneira obsessiva que encarava o lugar.

— Qual é, cara. Achei que a gente fosse melhores amigos… — Conseguia até mesmo ouvir o beicinho magoado no tom de voz de Sungchan. 

Eunseok revirou os olhos.

— O problema é que– eu sou o problema, Sungchan. — Mordia o lábio inferior querendo machucar, ainda evitando o olhar de Sungchan como o diabo tenta evitar a cruz. — Eu não consigo ficar excitado com a minha própria namorada, devo ter nascido defeituoso ou sei lá. — As orelhas de Eunseok ardiam, visivelmente envergonhado de estar admitindo as próprias insuficiências em relação à própria macheza.

— Ei, cala a boca. Você não é defeituoso. — Sungchan empurrou Eunseok com o ombro, deixando ele ainda mais imprensado contra a parede em que a cama de solteiro ficava encostada, Eunseok estava quase fazendo um doce amor com o pôster do Che Guevara que Sungchan tinha pendurado bem ali. — Talvez ela só não te deixe de pau duro.

Eunseok riu escandalizado.

— Você já olhou para a Minju? — Eunseok finalmente se virou para Sungchan, encarando o outro como se ele tivesse ferido a honra de sua namorada da pior maneira possível. Agora estava deitado de lado, por cima do braço direito, os fios longos da franja caíam de um jeito desajeitado por cima dos olhos grandes. — Ela é a garota mais bonita da cidade, quase uma Helena de Tróia. Qualquer um se sentiria atraído.

— Talvez você não seja qualquer um. — Sungchan também se virou, os dois agora se encarando sem qualquer empecilho, os olhos de Sungchan estavam escuros na pouca luz do quarto, Eunseok sentiu falta do tom de mel aconchegante que eles tinham na maioria das vezes. Naquele momento, a escuridão do olhar alheio só servia para deixá-lo ainda mais nervoso.

Eunseok só teve tempo de piscar antes de ser surpreendido pela figura de um Sungchan atrevido entre suas pernas, ele fungava contra o cangote de Eunseok como se quisesse consumir toda a essência dele através das narinas. Eunseok inconscientemente prendeu a respiração, e desejou muito ser uma tartaruga naquele momento para se esconder dentro do próprio casco, na segurança de seus próprios muros, longe da presença apavorante de tão opressora que era aquela pertencente a Jung Sungchan.

— Sabe quanto tempo faz, Seok-ie? — Eunseok sentiu os lábios melados com manteiga de cacau de Sungchan contra o seu pescoço, ele havia começado a espalhar beijos delicados por toda a extensão de pele dourada de Eunseok, que olhou para o telhado de madeira do quarto e implorou silenciosamente para que o seu anjo da guarda, com quem não falava fazia muito tempo, intercedesse por ele naquele momento. — Três anos. Eu penso naquele dia a todo o momento, você também– você também pensa nele?

Os dois se encaravam. Sungchan tinha o rosto contorcido em súplica, como se estivesse prestes a implorar, implorando para que Eunseok retribuísse qualquer que fosse aquele sentimento transbordando em seu peito. 

Eunseok levou a mão até o rosto pidão de Sungchan, este que fechou os olhos, se aconchegando contra a palma de Eunseok como um cãozinho sem dono. Eunseok navegou com os dedos pelo rosto de Sungchan, passeou com o polegar pelas bochechas cheias de uma puberdade ainda não totalmente finalizada, passeou com o indicador por entre os cílios longos e pela ponte do nariz bonito, até finalizar a viagem utilizando novamente o polegar, deixou o dedo se esfregar contra os lábios cheios e rosados de Sungchan, que soltou um som satisfeito do fundo da garganta.

Se Minju era a sua Helena de Tróia, Sungchan era o Aquiles de seu Pátroclo. Ele era o homem para quem Eunseok devia lealdade eterna, faria loucuras por Sungchan e chegar naquela conclusão o deixava extremamente apavorado. Sungchan tinha toda a liberdade para o manipular do jeito que quisesse, Eunseok apenas se dobraria sob seus dedos, obedecendo qualquer comando que lhe fosse dado como o bom e fiel escudeiro que era.

— Você roubou o meu primeiro beijo. — Eunseok murmurou, ainda hipnotizado pela beleza do garoto acima de si não apenas fisicamente, mas em todos os sentidos.

— E eu posso roubar mais um?

Eunseok mordeu o lábio inferior com força, querendo se punir com antecedência pelo que estava prestes a fazer, estava prestes a se render, a pecar. Acenou positivamente com a cabeça.

O beijo veio singelo como uma brisa pela manhã. Eunseok suspirou, agarrando os fios da nuca de Sungchan, que depositou todo o peso de seu corpo em Eunseok, parecendo querer se fundir com o outro ali em cima daquela cama de solteiro. Porém, não demorou muito para que a saudade falasse mais alto, Sungchan apertava a cintura fina de Eunseok entre os seus dedos com força, as línguas se encontrando de forma desesperada dentro da boca. Eunseok soltou um gemido sonoro quando Sungchan o forçou a rodear as pernas em volta de sua cintura, as mãos bruscas indo até as coxas desnudas de Eunseok por conta do shorts que subia por conta da movimentação, deixando ainda mais pedaços de pele bronzeada disponíveis para Sungchan infamar.

O primeiro gemido veio seguido do segundo. Eunseok arqueou as costas, jogou a cabeça para trás, os dedos buscando algum lugar para se situar, servir como uma âncora que iria prendê-lo na Terra, se não era capaz de sair por aí flutuando sem rumo. Encontrou essa âncora nas costas de Sungchan, se agarrava na camisa dele, os dedos enroscados no tecido. Sentia-se como cego em tiroteio, dominado por todas aquelas novas sensações esmagadoras, que se tornaram ainda mais intensas quando Sungchan movimentou os quadris contra os seus pela primeira vez, os dois gemendo ao mesmo tempo com aquele contato novo e tão prazeroso.

Sungchan voltou a juntar as bocas sem interromper os movimentos desajeitados que fazia com os quadris, ainda tentando achar o ritmo perfeito que iria arrancar mais dos sons bonitos da boca de Eunseok. Se sentiu como um pirata que havia achado um baú do tesouro quando Eunseok interrompeu o encontro desesperado de bocas para gemer alto, tombando a cabeça para o lado e deixando o caminho livre para Sungchan atacar a pele do pescoço bonito com os dentes.

Eunseok sentia o shorts ficando cada vez mais apertado contra a região do seu pau, soltando um sonzinho indignado quando Sungchan interrompeu os movimentos para levar canhota até a extensão de tecido molhada, o Jung apertou o pau com força contra a palma da mão e Eunseok praticamente soltou um miado. Era um pouco vergonhoso o jeito como a mão grande conseguia envolver quase completamente o pau duro de Eunseok, que tentou fechar as pernas, envergonhado, mas foi impedido pelo gigante que ainda estava entre elas.

— Eu te falei que você não era defeituoso, Seok-ie.

Ficaram ali naquele ato indecente, roçando um no outro de maneira desesperada e trocando saliva, até gozarem nas próprias roupas. Eunseok tinha a respiração acelerada e uma sensação grudenta desconfortável entre as pernas quando Sungchan tombou do seu lado na cama, ambos esgotados. A realização do que havia acabado de fazer caiu como uma bomba na cabeça de Eunseok, se levantou com pressa da cama, ignorando os chamados de um Sungchan muito confuso, saltou para fora da janela e saiu correndo até o lugar onde havia estacionado sua bicicleta.

Nunca pedalou com tanta rapidez em sua vida do jeito que havia pedalado naquela tarde. Não foi direto para casa, parou no meio do caminho e vomitou em uma moita. A culpa sufocava Eunseok como um nó no pescoço, os dedos se agarraram na cruz dourada de seu pingente enquanto vomitava, esperando expelir toda aquela sensação ruim que lhe esmagava o peito através do ato físico do vômito. 

Ainda ficou alguns segundos encarando a poça contendo todo o seu almoço e café da manhã antes de voltar a subir na bicicleta e continuar o seu caminho. De alguma maneira foi parar na porta de Minju, chorou como um condenado no colo dela, a garota o acolheu como ninguém, enxugou suas lágrimas e o obrigou a escovar os dentes para tirar o fedor de vômito. Confessou tudo para ela, falou que era um pecador, que não havia mais salvação para si, aquele era o fim estava condenado para todo o sempre, nunca seria capaz de fazer os seus pais e nem a própria namorada felizes, tudo isso enquanto chorava e soluçava sem parar, perdendo o fôlego na metade de toda a frase. Minju o consolou, também com lágrimas nos olhos.

Na manhã seguinte estava na porta da igreja. 

Aos 17 anos, Eunseok decidiu virar padre. Como se aquele fosse o único caminho possível para a sua hipotética salvação.

Eunseok passou exatos três anos evitando Sungchan como o diabo evita a cruz. No início, Sungchan ainda tentou correr atrás de Eunseok, foi até a casa dele, bateu na porta e falou com a mãe de Eunseok, da primeira vez ela o falou que Eunseok estava doente e era melhor não receber visitas naquele momento. Da segunda vez falou que Eunseok estava muito concentrado nos estudos da bíblia e era melhor não incomodar o garoto. Da terceira vez falou que Eunseok havia ido viajar para visitar os avós. Da quarta e da quinta vez ninguém mais nem atendia a porta.

Sungchan desistiu depois disso. Se era aquilo que Eunseok queria, não havia motivos para insistir.

Aos 20 anos, Eunseok caiu de sua bicicleta pela primeira vez. 

Ele tinha posse do veículo vermelho de duas rodas desde os doze anos de idade e aquela foi a primeira vez em que perdeu o controle. Malditos sejam os porcos fugidos da fazenda do senhor Lee, responsáveis por fazer Eunseok sair da estrada e rolar morro de grama abaixo ao tentar se desviar dos animais malucos. Agora lá estava ele com os joelhos machucados, sangue escorrendo pelas pernas, mancando ao tentar caminhar no melhor ritmo possível até sua casa, a bicicleta que trazia ao seu lado ainda estava em perfeitas condições… pelo menos isso!

Maldito era o seu apreço por ainda usar shorts aos vinte anos de idade, deveria ser igual a todos os outros homens adultos de sua idade e simplesmente começar a usar calças. Talvez se estivesse com as pernas cobertas no momento da queda, agora estaria caminhando de um jeito menos dolorido e com os joelhos menos destroçados.

Já eram seis da tarde, então o céu estava escurecendo. Eunseok estava voltando da igreja, costumava sempre ajudar a organizar as coisas antes da missa e depois de suas aulas no Seminário. Eunseok considerava as aulas genuinamente interessantes, havia escolhido focar em filosofia para a sua formação como Diácono, eles estudavam a bíblia e figuras como São João Paulo II, era interessante ler as cartas de todas aquelas pessoas consideradas como santas pela igreja. 

Tinha um apreço em especial pela carta neotestamentária de São Pedro, onde ele dizia: “estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês.”

Seguia o seu caminho em uma lentidão cômoda, o celular havia morrido dentro do bolso, sem carga de bateria alguma, então nem podia ouvir uma música da playlist que Minju havia feito para si durante o caminho. Recentemente, a garota havia descoberto um novo apreço por bandas alternativas que Eunseok nunca havia ouvido falar na vida. Desde que começou a andar com Chaewon — garota nova que ela conheceu na faculdade, Minju vinha adquirindo interesses novos, Eunseok ficava genuinamente feliz por ela, afinal, a vida não é só religião e estudos.

Biiiiiiiiiiiiiiiiip.

Praticamente deu um pulo por conta do susto, sua caminhada sendo interrompida de maneira abrupta, tudo isso sendo causado pelo som alto de uma buzina que soou atrás de si. Eunseok se virou rapidamente, os olhos se cerrando ao serem atingidos pela luz forte dos farois daquela caminhonete desconhecida. O veículo se moveu, Eunseok se preparou para correr, mas desfez a posição de fuga ao reconhecer quem estava atrás do volante ao que o veículo parou do seu lado, com as janelas baixas.

— Sungchan…?

— Ei. — Eunseok engoliu em seco, já se faziam três anos, ele achava que o outro estivesse bem longe dali daquela cidade sem vida. Sungchan o escaneou com os olhos por um momento, de cima para baixo com os olhos cor-de-mel, até pousar nos joelhos sangrentos de Eunseok. — O que aconteceu com os seus joelhos?!

— Nada demais, só me desequilibrei em cima da bike. — Eunseok coçou a nuca, repentinamente se sentindo desconcertado.

— Entra aí, você não vai pra casa com essa cara de quem acabou de voltar da guerra.

A viagem dentro do carro de Sungchan foi desconfortavelmente silenciosa, ele se desculpou por não conseguir nem ao menos colocar uma música para tocar, pois aquela era a caminhonete do seu novo emprego e ela era bem velha, o rádio já não funcionava mais. Quando Eunseok perguntou onde ele estava trabalhando, Sungchan apontou para o boné que usava no topo da cabeça, Eunseok pôde ler em letras grossas o logotipo do único posto de gasolina que eles possuíam na cidade. Seguiram o resto do caminho sem trocar mais nenhuma palavra, Eunseok apenas admirando a paisagem pela janela, apesar de já conhecer tão bem aquele lugar, nunca se cansaria de ficar olhando as árvores e as casinhas com a sua estrutura ultrapassada.

Não foram para a casa de Eunseok. Sungchan desviou o caminho e estacionou em frente a própria casa.

— Acho melhor a gente limpar esses machucados antes de eu te deixar em casa. — Foi o que ele falou antes de abrir a porta do lado de Eunseok, colocar um dos braços dele sobre os ombros e ajudá-lo a mancar até a entrada da casa.

Foi recebido pela mãe de Sungchan, a mulher lhe deu um abraço apertado, sujando sua bochecha com o batom vermelho que usava ao lhe encher de beijos no rosto. O carinho logo deu espaço para uma exclamação preocupada quando viu os joelhos machucados de Eunseok, que acalmou a senhora Jung, dizendo ter sido só um acidente pequeno e que não havia quebrado nada em seu corpo. A mulher resmungou um pouco para que Eunseok fosse mais cuidado, e logo anunciou que estava de saída, o que era fácil de se supor pelas roupas bonitas que ela usava e pelo fato de ser uma sexta-feira, quem aguentava ficar em casa numa sexta-feira de verão? Eunseok e Sungchan, aparentemente.

Ao se verem sozinhos na casa, Sungchan continuou carregando Eunseok, dessa vez até o balcão da cozinha, onde deu duas batidinhas sobre o material de granito, pedindo silenciosamente para que o outro sentasse ali. Sungchan adentrou a residência e voltou com uma caixinha vermelha em mãos, de dentro tirou tudo o que era necessário para realizar a limpeza dos machucados de Eunseok. Começou pelo joelho esquerdo, esfregando o algodão ensopado de antisséptico com toda a delicadeza do mundo por cima do arranhão.

— Eu posso fazer isso sozinho. — Eunseok falou claramente sem jeito, por conta da proximidade entre os corpos depois de todos aqueles anos sem se verem. A saudade que sentia de Sungchan lhe atingiu como um murro na cara, estava resistindo à própria vontade de tocar no cabelo dele, no rosto amadurecido, mas ainda jovial de seu melhor amigo, em seus lábios molhados por culpa da língua nervosa que frequentemente se esfregava entre eles.

— Você pode, mas não precisa. — Sungchan continuava concentrado na tarefa, agora aplicava alguma pomada em cima do machucado de Eunseok, o que o fez saltar um pouco pela consistência estranha em contato com a pele dolorida.

Ficaram alguns minutos em silêncio, Sungchan já estava a enrolar a gaze ao redor dos joelhos de Eunseok, que de vez em quando ainda dava alguns pulinhos, sentindo-se eletrocutado por qualquer mínimo contato mais prolongado dos dedos quentes de Sungchan com a sua pele. Todo aquele silêncio estava corroendo Eunseok por dentro, queria sair correndo, mas também não confiava muito nas próprias pernas, sabia que as chances de tentar se levantar dali e cair de cara no chão eram altas. Se contentou em pigarrear, iniciando a falar sem muita segurança na voz, deixando claro que estava tentando evitar pisar em ovos.

— O que… o que você ainda faz aqui, Sungchan? — Eunseok sentiu a pálpebra esquerda tremer de nervosismo, ao mesmo tempo em que os dedos de Sungchan interrompiam a tarefa que antes estava tão concentrado em concluir.

— Uau, também senti muitas saudades suas, Eunseok. — Sungchan encarava Eunseok com uma das sobrancelhas arqueada, a expressão do Jung era divertida como se estivesse tentando segurar o próprio riso, o que acalmou um pouco Eunseok, os ombros dele ficando visivelmente menos tensos.

— Desculpa. — Eunseok murmurou, a língua cutucando o céu da boca nervosamente.

— Tudo bem. — Sungchan agora já agarrava as mãos de Eunseok, virando as palmas para cima e checando se havia algum machucado, elas estavam apenas levemente arranhadas, a grama tendo absorvido a maior parte do impacto. Eunseok suspirou aliviado, pelo menos alguma parte de seus membros estava a salvo. Sungchan se virou para pegar o antisséptico, passando a esfregar o líquido nas palmas machucadas. — Pelo que parece, eles não achavam que um garoto ralé de dezessete anos era bom o suficiente pra trabalhar com eles em Seul.

Sungchan falava sem olhar para Eunseok, mantinha os olhos firmes nas palmas machucadas, agora cobertas de antisséptico.

— Eles não sabem o que perderam. Você é o melhor escritor que eu conheço. — Eunseok falou cheio de sinceridade, não baixou o olhar mesmo quando Sungchan passou a encará-lo com os olhos tristonhos, a boca entreaberta parecia prestes a despejar todos os piores xingamentos que haviam disponíveis na língua coreana, mas Sungchan podia falar qualquer coisa para si e nada seria capaz de deixar Eunseok com raiva dele.

— E você– você sabe o que perdeu?

— Sungchan… — Eunseok sentia o nó na garganta, o lábio inferior tremendo e o pingente de cruz queimando contra o peito, todos os sintomas de Sungchan, a pior doença que Eunseok já havia sido contaminado em toda a sua vida. Sungchan aproximou o rosto do seu sem avisar, Eunseok virou a cabeça para o lado instintivamente, tentando fugir.

— Por que você foge? — Deixou um beijo na bochecha rosada, Eunseok engoliu em seco. Deixou um beijo na orelha vermelha, Eunseok estremeceu, as mãos delicadas foram até a camiseta de Sungchan e enroscou os dedos contra o tecido. Deixou o último beijo contra o maxilar de Eunseok, que finalmente se virou para encará-lo. Estavam próximos demais, tão próximos que a respiração de Sungchan batia contra os lábios de Eunseok. — Por que você foge de mim?

— Eu vou ser padre. — Os olhos grandes de Eunseok brilhavam e pareciam ainda maiores quando ele encarava Sungchan daquele ângulo. Até acharia graça da reação de Sungchan, se não estivesse tão anestesiado pela presença alheia, as sobrancelhas dele quase foram parar na nuca do tanto que se levantaram em uma demonstração genuína de completa surpresa por conta da informação que havia acabado de sair da boca de Eunseok. — Vai fazer três anos que iniciei os estudos.

— O quê?! Por quê?! E a Minju? — O “E eu?” parecia estar entalado na garganta de Sungchan, mas ele não se atreveu. Não queria parecer egoísta, aquela nunca foi sua índole, mesmo que a sua maior vontade fosse a de colocar Eunseok em cima de seus ombros e fugir para bem longe dali.

— Porque é o único caminho pra mim, não sou bom em nada, não tenho expectativas de nada, não tenho interesse por nada, só o sacerdócio. E a Minju merece alguém melhor do que eu, eu amo ela, mas não amo ela, entende?

— Você não precisa fazer isso. Só tem vinte anos, ainda tem muita coisa pela frente, Eunseok. — Sungchan agarrou os antebraços de Eunseok, apertando o pedaço de pele com o mínimo de força entre os dedos, parecendo tentar sacudir qualquer gota de bom senso que fosse no garoto. — Esse negócio de ser padre é um compromisso pra vida toda. Vida inteirinha.

— É a única coisa que me resta. — Eunseok sentiu a primeira lágrima rolar pela bochecha, e a primeira veio seguida de várias outras.

— Não, não é.

Eunseok podia contar nos dedos todas as vezes em que ele e Sungchan se beijaram, mas ainda assim o sentimento de que nunca iria enjoar de fazer aquilo lhe dominava todas as vezes em que os lábios voltavam a se encontrar. Como naquele momento, onde as mãos decididas e a boca sedenta lhe atacavam por todos os lados. Eunseok não resistiu, ele nunca resistia. Apenas deixou com que os braços se enroscassem no pescoço de Sungchan, o puxando para mais perto.

Já estava praticamente sendo deitado em cima daquele balcão, Eunseok perdia a noção de onde ele se encerrava e de onde começava Sungchan, as bocas brigavam de forma unilateral, já que Eunseok não fazia a menor questão de assumir o controle, só permitia sem pensar duas vezes que Sungchan lhe devorasse por completo. Era o que mais queria naquele momento, ser devorado por ele, ser devorado por Sungchan. Queria se colocar de joelhos, queria encostar os lábios, fincar os dentes em toda a extensão de pele dele, fazer promessas silenciosas de lealdade eterna, se mostrar devoto a Sungchan fazendo uso dos atos mais devassos para aquilo.

Eunseok prendeu uma exclamação surpresa na garganta quando Sungchan o levantou sem dificuldade alguma com as mãos fortes apertando suas coxas, o carregou até o quarto que Eunseok já conhecia tão bem. O cômodo continuava a mesma coisa de três anos atrás, aparelho velho de som na estante, poster do Che Guevara na parede e tudo mais em seus devidos lugares. Porém o que lhe deixou mais feliz foi sentir de novo o cheiro tão característico de Sungchan nas roupas de cama, afundou o nariz no tecido, querendo fazer morada ali mesmo.

Sungchan voltou a atacar a boca de Eunseok como se estivesse sedento, o que arrancou um suspiro satisfeito dele. Eunseok apenas entreabriu ainda mais os lábios, dando mais espaço para a língua desesperada de Sungchan. Os dedos longos se enroscaram na camisa de botões de Eunseok, que nem teve tempo de reclamar quando os botões estourados voaram para todos os cantos do quarto, pois logo Sungchan estava atacando a pele de sua clavícula, arrancando gemidos manhosos de Eunseok.

Eunseok se contorcia em cima da cama, enquanto Sungchan apenas pegava tudo o que o garoto tinha a lhe oferecer. 

Deu dois tapinhas nas coxas de Eunseok quando foi pedir para que ele levantasse o quadril, retirando o seu shorts e a cueca sem pressa, diferente da rapidez absurda com que se livrou das próprias peças de roupa que usava. Sungchan parou por alguns segundos, deu a si mesmo uma breve liberdade de admirar o corpo deitado à sua frente, Eunseok cobriu o próprio rosto, sentindo-se quase como se estivesse sendo julgado por todos os seus pecados por aquele garoto de cabelos castanhos bagunçados e sorriso torto na cara.

Sungchan tirou as mãos de Eunseok da frente do rosto dele e as trouxe para o próprio corpo, incentivando Eunseok a tocá-lo, queria que ele sentisse o quanto estava afetado por todos os toques e carícias, Sungchan queria que Eunseok sentisse o seu coração batendo acelerado dentro do peito.

— Você confia em mim? — Sungchan se abaixou e colou os lábios contra a orelha de Eunseok, apenas para sussurrar aquilo.

— Com a minha vida… e isso me assusta. — A sinceridade geralmente deixava Eunseok assustado, ela era capaz de expor todas as mais sensíveis vulnerabilidades de qualquer um, mas naquele momento se permitiu olhar no fundo dos olhos de Sungchan e dizer exatamente o que sentia, a exata verdade.

Sungchan sorriu do jeito mais brilhante possível, ao mesmo tempo em que o coração de Eunseok errou uma batida.

Eles transaram naquela noite. Foi a primeira vez de Eunseok, e enquanto ele arranhava as costas de Sungchan, gemendo alto, ele chorou, mas não foi por conta da culpa, foi mais porque sentia-se feliz. Junto com a primeira vez fazendo sexo, aquela era a primeira vez em que foi fiel a si mesmo.

Os dedos de Sungchan se enterravam na cintura fina de Eunseok, enquanto ele estocava com força, forçando o rosto de Eunseok contra o travesseiro. Eunseok prendia a fronha entre os dentes, o tecido se tornando sujo com o seu suor, suas lágrimas e com a saliva que escorria pelo canto de sua boca, um gemido alto era arrancado de si toda a vez que Sungchan metia com força, e o seu corpo era impulsionado para a frente pelo impacto do quadril alheio com a sua bunda.

Eunseok se descobriu ali como um grande de um masoquista, os joelhos machucados sendo pressionados contra o colchão da cama eram a última de suas preocupações, na verdade, eles causavam uma ardência boa toda vez que Sungchan socava com força, e todo o seu corpo era lançado para a frente; Eunseok mordia o próprio antebraço para que nenhum som vergonhoso demais lhe escapasse por entre os lábios. Sungchan resmungou, implorando para ouvi-lo.

Na opinião de Eunseok, era completamente degenerada a maneira que sentir o corpo largo de Sungchan por trás de si, praticamente lhe cobrindo por inteiro o deixava excitado, quase gozando sem ao menos ser tocado, e a situação piorou de gravidade quando os dedos longos do Jung foram parar ao redor de seu pau. Se considerava alguém de tamanho médio em comparação aos outros garotos que já havia visto no vestiário, enquanto trocava de roupas durante a época do colégio, desde então havia até mesmo crescido alguns centímetros, mas as mãos de Sungchan eram tão grandes que o seu pau praticamente sumia na palma dele.

Eunseok arqueou ainda mais as costas, buscando receber estímulos por todos os lados, queria sentir o pau grosso socando cada vez mais forte em seu estômago, ao mesmo tempo em que as mãos grandes de Sungchan se mantinham em um movimento desesperado contra o seu pau. Sungchan gemia arrastado, o rosto fundo entre os fios de cabelo da nuca de Eunseok, ele só conseguia soltar sons incoerentes e o nome de Eunseok, como se o seu cérebro já tivesse virado purê de batata dentro do crânio. A única coisa constante era o ritmo incessante dos quadris, metia tão forte que Eunseok teve que se segurar contra cabeceira da cama para não acabar sofrendo um traumatismo craniano durante a movimentação.

Gozaram praticamente ao mesmo tempo, Sungchan puxando o rosto de Eunseok na sua direção para colar os lábios contra os dele, ao mesmo tempo que gemia o nome de Eunseok em alto e bom som. Eunseok soltou praticamente um miado dolorido quando gozou, sujando a canhota de Sungchan e a roupa de cama com o líquido esbranquiçado. Ficou um pouco triste de não poder sentir Sungchan chegando ao ápice dentro de si por conta da camisinha, mas guardou essa vontade para outro momento.

Naquela madrugada silenciosa, enquanto estavam agarrados um ao outro, trocando carícias. Eunseok prometeu nunca mais fugir.

E ele não fugiu, os dois se tornaram grudados de uma maneira quase exagerada, buscando compensar mais uma vez por todo aquele tempo perdido, e eles sabiam fazer valer cada minuto. Transavam como dois coelhos no cio, já haviam desvirtuado a cama de Eunseok, um dos carros do pai de Eunseok, o quarto de Sungchan — diversas vezes, e até o carro da mãe de Sungchan, a coitada da senhora Jung nem ao menos fazia ideia, continuava usando o veículo normalmente para ir trabalhar.

Eunseok gostava especialmente de quando Sungchan invadia a igreja quando ele estava lá a ajudar depois de uma de suas aulas no Seminário. O perigo e a tensão de possivelmente serem pegos no flagra, fazia Eunseok querer arrancar os próprios cabelos, ao mesmo tempo em que aumentava a sua vontade de ficar de joelhos na frente de Sungchan, a vontade de engasgar no pau dele dentro do confessionário de madeira que eles tinham na paróquia. Porra, não tinha mais salvação para ele, iria queimar no inferno e o pior é; não sentia o mínimo de arrependimento.

— Eu adoro ver a tua correntinha batendo contra o teu peito toda a vez que a gente fode.

Sungchan já estava em outro plano terrestre, a voz saiu da garganta de maneira arrastada. Os lábios roçando contra a orelha completamente vermelha de Eunseok, que nem resistiu em demonstrar que estava quase explodindo de vergonha e tesão ao mesmo tempo, ali sendo vigiado pelos olhos devassos de Sungchan. Tombou a cabeça para o lado, tentando afundar o rosto no banco de couro do carro da mãe de Sungchan. 

Pobre senhora Jung…

Sungchan forçou Eunseok a encará-lo, dando uma pausa no movimento de seus quadris por um momento para curvar as costas e deixar um selinho longo nos lábios de Eunseok, depois nas bochechas, depois na testa e, por fim, na ponta do nariz. O rosto de Eunseok estava contaminado pela vermelhidão já tão característica em momentos como aquele, Eunseok lhe encarou cheio de confusão nos olhos grandes e Sungchan sorriu.

— Acho que te amo, Eunseok.

 

Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor. 1 Coríntios 13:13.

Eunseok encarava as próprias roupas e os outros objetos de utilidade espalhados por cima da cama, encarava a mochila em suas mãos e, por fim, a estátua de Jesus Cristo pendurado na cruz feita de madeira que tinha enfeitando a parede em frente a sua cama. Por um momento sentiu vontade de vomitar, assim como havia feitos aos dezessete anos, sentiu vontade de desistir daquela ideia idiota e apenas seguir o caminho que era a melhor opção, deixar seus pais orgulhosos por ser um homem devoto.

Não.

Se fizesse aquilo iria viver uma vida amargurada, nunca mais voltaria a sorrir na vida, iria perder o motivo de seus sorrisos. Engoliu a bile presa na garganta, enfiou todas as peças de roupa e os objetos que teoricamente precisaria para sobreviver em Seul dentro da mochila, fez o sinal da cruz uma última vez, olhando do jeito mais repleto de súplica que podia para a estátua de Cristo, os olhos gigantes brilhando pelas lágrimas contidas ali, estas embaçavam a sua visão.

— Perdão, meu Pai… mas a gente só tem a chance de ser feliz uma vez nessa vida. 

Jogou a mochila sobre os ombros e saltou para fora da janela sem olhar para trás. Sua companheira durante todos aqueles momentos, a bicicleta vermelha tão guerreira iria lhe salvar mais uma vez, subiu em cima dela e pedalou como se não houvesse amanhã até a estação de ônibus.

Eram oito horas da noite, o ônibus para Seul iria sair às oito e quinze. Então apressou a pedalada, a brisa forte causada pela sua velocidade batia sem pena contra o seu rosto, Eunseok precisando cerrar os olhos para eles não ficarem ressecados. Pedalou, pedalou, pedalou, até os joelhos doerem, a visão da estação de ônibus toda acesa entre a escuridão das ruas fez Eunseok sorrir aliviado.

Largou a bicicleta de qualquer jeito na calçada, correndo como um louco na direção do ônibus que iria para Seul. Já conseguia ver a cabeleira de fios castanhos pertencentes a Sungchan através da janela, mordeu o lábio inferior para conter a vontade de chorar, já havia formulado todo o discurso que iria dizer pedindo perdão e implorando para ser aceito de volta por Sungchan. Aquele garoto iria ser seu para o resto de sua vida custe o que custar.

— Preciso ver a passagem para deixar você entrar, garoto. — Foi impedido de entrar no veículo pela mão pesada do funcionário da estação, sacudiu o ombro, sem paciência e sem a mínima vontade de trocar palavras com qualquer pessoa além de Sungchan.

— Meu amigo tá lá dentro, ele tá com a minha passagem. — Tentou forçar passagem ao redor do corpo robusto do homem, mas foi impedido novamente.

— Eu não caio nessa, não! — Dessa vez o homem foi mais invasivo, empurrando Eunseok para longe do ônibus com força, Eunseok tropeçou nos próprios pés quase indo ao chão, mas ainda não havia desistido de lutar para ultrapassar o homem e chegar na porta do ônibus.

— Eu não tô mentindo, sai da minha frente. — Eunseok tentou lutar contra o homem-parede, dando soquinhos contra o ombro dele, mas de nada adiantava, aquele cara era uma parede. Não viu outra saída, teve que fazer uso de uma das táticas mais milenares existentes, então começou a gritar. — Sungchan! Sungchan! Jung Sungchan!

Comemorou internamente quando viu a cabeça de Sungchan se movimentar através da janela, a sombra dele se movimentou e logo ele estava na porta do veículo, olhando de um lado para o outro, procurando com os olhos cheios de preocupação quem estava a lhe chamar. Seus olhos praticamente saltaram para fora do rosto quando identificou Eunseok ali, lutando contra um cara quase dois metros maior do que ele.

— Eunseok?! O que você faz aqui?

Eunseok aproveitou que o homem-parede se distraiu por milésimos de segundo e correu como nunca antes na vida, Sungchan perdeu o equilíbrio nas pernas, as costas batendo contra a lataria do ônibus serviram para que os dois não fossem ao chão. Como uma esposa que o marido teve de ir para a guerra e os dois não se viam há muitos anos, Eunseok enroscou os braços no pescoço de Sungchan e apertou com toda a força, queria que ele sentisse todo o seu arrependimento ali naquele abraço. Sungchan não era um de seus carrinhos elétricos colecionáveis, não, ele era bem mais valioso do que isso.

Se afastaram após alguns breves segundos, Eunseok respirando acelerado, parecendo estar a cada segundo mais próximo de um ataque de pânico, Sungchan segurou o rosto dele entre as mãos grandes, deixando um beijo carinhoso contra a testa de Eunseok. E bem ali, encarando os olhos brilhantes de Sungchan, toda incerteza que dominava o corpo de Eunseok há alguns momentos atrás se esvaiu, restou apenas a vontade avassaladora de passar o resto de sua vida com aquele homem. O seu melhor amigo da vida inteira. Não importava o sentimento de insuficiência que já conhecia tão bem, do lado de Sungchan ele se sentia capaz de fazer qualquer coisa, até mesmo conseguir um diploma em física quântica, ou sei lá.

— Você acha mesmo que eu vou te deixar ir pra qualquer lugar nesse mundo sem mim? — Eunseok falou com a voz tremida, não sabe se o seu sentimentalismo era um empecilho ou um ponto positivo de sua personalidade, Eunseok só sabe que naquele momento começou a chorar como um bebê.

Sungchan beijou as bochechas molhadas de Eunseok antes de sorrir grande. Tirou a mochila das costas de Eunseok, passando a segurá-la para ele como o bom cavalheiro que era, Eunseok agora fungava um pouco confuso. Sungchan estendeu a canhota na direção de Eunseok, que não pensou duas vezes antes de enroscar os seus dedos mais curtos contra os dedos gigantes de Sungchan, o que tornava o encaixe perfeito.

— Nenhum lugar desse mundo tem graça sem você, Eunseok-ie.

Havia um versículo da bíblia, em Coríntios, onde Paulo dizia que o amor é paciente, ele é bondoso, não maltrata. E ali, dentro daquele ônibus, com a cabeça deitada sobre o ombro de Sungchan enquanto dividiam um fone de ouvido, Eunseok se viu naquelas palavras.

— O que é isso que você trouxe nessa mochila? — Sungchan perguntou curioso, já era de madrugada e todos os outros passageiros se encontravam dormindo sonoramente nas cadeiras ao redor.

— Apenas algumas coisas de utilidade — Eunseok abriu a mochila. —, camisinha — Sungchan concordou com um “realmente”. —, lubrificante… e uma bíblia.

A risada escandalosa de Sungchan foi o motivo pelo qual receberam diversos xingamentos de alguns dos outros passageiros do ônibus, que acordaram assustados com a barulheira. Eles não se deixaram abalar, pois logo Eunseok também se juntou. Lá estavam Eunseok e Sungchan na terceira fileira do ônibus, rindo como dois malucos. Sungchan afundou o rosto nos cabelos de Eunseok, a risada saindo abafada. Eunseok jura que nunca havia sentido o coração dar saltos e cambalhotas dentro do peito como naquele momento, estava bêbado na sensação de felicidade genuína.

Iria ser assim daqui pra frente; sem preocupações, sem inibições e sem medos.


Notas Finais


🐑🐑 https://open.spotify.com/playlist/5BolOyeMDbKhQU7epVNeHQ?si=d77e2cf895fa4636

quero dedicar essas notas finais pra fazer um agradecimento especial ao canal 'Seminário Diocesano Imaculado Coração de Maria' no yt, não ironicamente eles me ajudaram mto a entender a vida de um padre da igreja católica.


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