Victoria Wolfgang P.O.V.
O corredor parecia interminável. Quanto mais eu tentava fugir daquele quarto e daquela imagem que surgia em minha mente a cada vez que meus olhos se fechavam, mais parecia impossível me distanciar. Eu me sentia tão fraca, tão vulnerável por deixar aquilo me atingir, mas eu sabia que era devido ao cansaço e aquilo me levou ao meu limite. Eu sabia e ficava repetindo para mim mesma numa tentativa de me convencer de que aquela era a única razão pela minha garganta estar se fechando, meu peito doendo e minha respiração acelerada, pesada.
Entretanto, eu e todos os meus degraus de consciência sabíamos que não aquele não era o motivo.
Mesmo sem querer admitir, eu precisava. Talvez assim, colocando às claras, eu percebesse o quão ridículo me sentir dessa forma é e retome o controle dos meus sentimentos que estão insistindo em aflorar. Eles não podem. Passei anos construindo barreiras e paredes em torno de mim para que nada - e nem ninguém - conseguisse me afetar daquela forma. Contudo, bastou um beijo, uma cena para que aquela dor me provasse que ainda existe um coração pulsando dentro de mim. A dor que, irracionalmente, repetia para mim a cada vez que eu piscava: você foi traída.
Com ela.
Justin estava beijando a Faith.
Parei de andar depois do que pareceu uma eternidade tentando chegar no final do corredor, só então percebendo que só cheguei até a metade. Apoiei-me com uma das minhas mãos na parede ao meu lado e respirei fundo, fechando meus olhos enquanto buscava um resquício de controle qualquer dentro de mim. Qualquer coisa. Eu estava acostumada com o vazio, com a indiferença, com o nada. Não queria sentir aquela dor queimando em meu peito e a ardência em meus olhos simbolizando minha fraqueza. Eu era forte. Eu não podia permitir que aquele sorrisinho e aquele olhar surpreso do Justin, claramente não esperando que eu interrompesse o momento íntimo com sua ex me derrotassem. Não, eu não podia.
- Tori? - senti uma mão tocar meu ombro e escutei um sussurro distante, mas reconheci a voz. Eu sempre reconheceria. Fechei ainda mais meus olhos com força assim que tomei uma respiração profunda, erguendo meus rosto antes de expirar lenta e suavemente através da boca. Pisquei, engolindo em seco numa tentativa de empurrar o caroço que estava se formando em minha garganta para baixo e me virei lentamente, encarando o olhar preocupado da California enquanto ela me fitava. - O que aconteceu? Você tá bem? - ela sussurrou mais uma vez e eu contraí meu rosto, balançando a cabeça negativamente enquanto empurrava pra longe de mim toda aquela enxurrada de sentimentalismo barato. Aquilo não era para mim e eu não iria permitir. Foram anos, isso fez parte do meu crescimento, é parte de quem eu sou e não vou deixar que ninguém destrua minha fortaleza.
Ninguém.
- Eu só preciso de um minuto. - murmurei, voltando a desviar meu olhar para a parede ao meu lado enquanto regulava minha respiração.
- Claro. - ela sussurrou em concordância e eu voltei a me concentrar em respirar fundo. Depois, quando senti que já estava em equilíbrio comigo mesma, voltei a desviar meu olhar para ela e a vi com a mesma careta de preocupação em seu rosto.
- Eu estou bem. - anunciei, dando alguns passos em direção a uma das três cadeiras pretas que havia no meio do corredor largo, em frente à máquina de doces e salgados e ao lado de um bebedouro. California me seguiu e sentou ao meu lado, virando seu corpo para mim.
- Sua pressão caiu ou algo assim? Eu posso comprar uma batata frita na máquina e logo fica tudo bem. - ela falou com a voz suave, bem diferente do tom de voz que utiliza quando seus sentimentos estão feridos e de quando ela decide ferir quem a machucou.
- Não, eu só vi o que não queria ver. - respondi, recebendo uma levantada de sobrancelha junto com um cenho franzido em resposta à minha explicação mal feita - Faith e Justin no quarto. - dei de ombros, cruzando minhas pernas ao erguer minha coluna e me apoiar no encosto - Eles estavam... - engoli em seco mais uma vez assim que lembrei da cena em uma tentativa de conter minha ânsia de vômito - juntos. Se beijando e tudo mais. - dei de ombros novamente, balançando minha cabeça.
- Que vadia! - California exclamou, parecendo realmente chocada e indignada com um comportamento do gênero. Ignorei sua explosão e continuei contando de um até dez progressivamente e depois contava de forma retrógrada, de dez até um. - Ah, não. - escutei-a sussurrar ao meu lado enquanto eu mantinha meu olhar fixo no piso de porcelana no chão, fazendo com que eu franzisse o cenho ao virar minimamente minha cabeça para encará-la. Ela apontou com os olhos para direção contrário e eu virei minha cabeça mais uma vez, observando Faith sair do quarto do Justin enquanto ajeitava o batom em seu espelho bem no estilo biscate. Ela carregava o mesmo sorrisinho no rosto e eu senti a pontada familiar me atingir mais uma vez, mas consegui segurar meus instintos e meus sentimentos que insistiam em serem liberados de uma só vez.
Observei em silêncio, deixando que um único sentimento fluísse pelo meu corpo: o ódio. Eu realmente odiava aquela garota. Ela ainda não havia se mancado. Nada do que já falei pareceu suficiente para colocá-la em seu lugar e a minha vontade era partir para um outro nível totalmente diferente e esganá-la. Ah, ops. Eu já fiz isso. Infelizmente não consegui puxar com força o bastante nenhum dos seus apliques mal colocados a ponto de tirá-los junto com seu cabelo e deixar um furo enorme no seu couro cabeludo. Ou então apertar com bastante força seu pescoço até chegar ao ponto dos seu rosto ficar vermelho, sua respiração falha enquanto me pede para soltá-la.
Vadia.
Fantasiei inúmeras formas de acabar com a raça daquela vagabunda enquanto ela se aproximava, batendo seus saltos baratos no piso do hospital em um barulho irritante sem sequer desviar o olhar daquele espelho que custou um dólar. Entretanto, assim que ela chegou perto o suficiente e já estava passando por nós também pouco interessada em dirigir a palavra a mim e a California, essa última, por sua vez, não se poupou e guardou a imaginação só para si. No momento perfeito, California colocou o pé na frente dos da Faith e a fez tropeçar para frente. A vadia cambaleou e deixou o espelho barato cair no chão ao se segurar na parede ao lado da máquina de doces a fim de evitar a queda maravilhosa que estava à sua espera.
- Ops, toma cuidado, linda. É melhor olhar por onde anda. - California fingiu uma expressão de surpresa, mascando seu chiclete de maneira exagerada enquanto recolhia seu pé lentamente. Um sorriso se formou no canto dos seus lábios e eu desviei o olhar para Faith que agora tentava se recompor em pé.
- Sua filha da mãe, eu quase caí. - a vadia falou completamente indignada e eu suprimi uma risada, desviando meu olhar para o final do corredor no sentido contrário das duas.
- Eu te disse, biscate, é melhor olhar por onde anda. - California respondeu, atraindo minha atenção novamente antes de eu fitar Faith em minha frente.
- Esse é o seu melhor? Colocar o pé para me derrubar? - a vagabunda teve a audácia de rebater e eu respirei fundo, colocando a mão na coxa da California para impedi-la de responder antes de levantar e me erguer em sua frente. Cruzei meus braços e joguei minha cabeça para o lado, analisando-a de cima a baixo fazendo questão de deixar o desprezo e a pena que eu passei a sentir por aquela garota nítido em minhas feições.
- Você já conseguiu dar seu show, Faith. Vá embora. - murmurei, sem força ou vontade nenhuma de iniciar uma discussão com ela. Ao contrário de mim, para a minha infelicidade, ela parecia bem disposta a começar alguma coisa em que sabia que iria perder. Seja pelo meu descaso ou seja pela minhas palavras que sempre a rebaixavam, a Faith sempre perdia. E eu nem me esforçava para humilhá-la, pois a vadia em si já era uma piada. Assim que ela fez menção de abrir a boca para me responder, ergui a palma da minha mão e balancei minha cabeça - Não fala nada, querida. Apenas vá embora. Seus cinco minutos de atenção já se esgotaram. - apontei para um relógio metafórico em meu pulso e a observei semicerrar seus olhos escuros com o rosto próximo ao meu.
- Isso tudo é orgulho ferido, Tori? - ela enfatizou meu nome no final da frase e eu soltei uma risada, mais de cansaço do que deboche verdadeiro.
- Eu te disse, querida, seus cinco minutos de atenção acabaram. Só não esqueça que a minha fama é verdadeira e interminável. - sorri falsamente, dispensando-a com um aceno de mão - Agora vá, não quero que California puxe seu aplique mal colocado ou amasse suas roupinhas de loja de departamento. Não que ela tenha algum prejuízo com isso, mas você sabe... Vai ficar feio pra você, ainda mais que toda a imprensa tá aí na frente do hospital... - balancei minha cabeça, comprimindo meus lábios antes de levantar minhas sobrancelhas e estalar minha língua, soltando outra risada agora mais inspirada conforme a adrenalina de estar envolvida no meio de uma discussão corria por minhas veias como um combustível me dando forças. - É verdade, eu esqueci. Eles não iriam te notar. Você é insignificante demais. - dei de ombros, virando-me para California que agora estava ao meu lado, mais um pouco atrás de mim, como sempre foi - California, eu acho que você pode... - apontei para a vadia sem fazer grande caso, mas ela se moveu rapidamente em seus saltos e pegou o espelho no chão, lançando-me um olhar cheio de fúria antes de ficar em pé novamente.
- Comprovado. - ela riu, devolvendo o mesmo olhar de desprezo para mim - Isso é orgulho ferido. - sua risada ecoou pelo corredor mais uma vez enquanto eu a assistia me dar as costas e continuar seu percurso para longe de mim.
E para longe do Justin.
Vagabunda.
Segundos depois dela desaparecer do meu campo de visão, uma enfermeira - a mesma enfermeira que havia assumido os cuidados do Justin, reconheci, começou a correr em nossa direção e passou por mim e pela California até chegar à porta do quarto dele, o que fez meu peito doer novamente. Se ela correu até lá é porque ele acionou o botão ao lado da cama, o que significa que precisava dela. Comecei a sentir minha pulsação ficar acelerada enquanto a preocupação tomava conta de mim, completamente contra o controle o que acabei de me esforçar para restaurar.
- Não vai lá. - California segurou meu braço com delicadeza e eu me virei para olhá-la. - Espera a enfermeira voltar e então você pergunta o que aconteceu, mas não vai lá. Deixa ele sofrer um pouco. - ela sussurrou, como se Justin pudesse escutar através das paredes e eu deixei uma risada nervosa escapar, passando a mão por minha testa enquanto ria. Ela me olhou com a confusão estampada no rosto, mas se rendeu às risadas e me acompanhou, balançando sua cabeça meio incrédula. - Do que estamos rindo? - perguntou, fazendo com que eu liberasse toda a tensão e cansaço do meu corpo através daquele riso fácil ao lado da garota que por anos foi quase uma irmã para mim, mas que agora, mesmo não estando nos melhores momentos comigo, não me abandonou e agiu como se nada entre nós houvesse mudado.
- Eu falei como uma gângster. - soltei uma gargalhada, sentando de volta na cadeira preta enquanto todas as sensações reprimidas emanavam para fora de mim. - "Não quero que a California puxe seu aplique mal coloc..." - ela interrompeu minha imitação ruim de mim mesma com uma risada mais alta, já sentada ao meu lado.
- Como se eu fosse sua capanga. - California completou e eu concordei com a cabeça, enxugando a lágrima do canto do meu olho enquanto encostava minha cabeça em seu ombro no meio de um suspiro aliviado.
Aquilo era tão familiar para mim. As risadas, a forma como ela seguia o fluxo da minha imaginação e ainda ia mais além do que, o modo como agíamos juntas em perfeita sincronia sem ao menos termos combinado nada antes...
- Me desculpa. - sussurrei baixinho, inspirando seu perfume e o reconhecendo como o que dei a ela de presente no natal passado.
- Me desculpa você também. - ela sussurrou de volta, apoiando sua cabeça sobre a minha.
Abaixei meu olhar assim que ela colocou sua mão estendida sobre a minha coxa e coloquei a minha por cima, entrelaçando nossos dedos. Abri um sorriso de canto e virei um pouco meu rosto para fitá-la, vendo-a levantar sua cabeça novamente e me devolver o mesmo sorriso de quem sabia que, a partir daquele momento, as coisas estariam melhores entre nós. California tinha me recuperado de volta ao me provar que sua lealdade não tinha morrido. Seu erro nunca será esquecido, mas eu também não era perfeita e, por mais que odiasse admitir minha falha humanidade, aquela era a realidade. Seria burrice minha perdê-la por orgulho.
- Srta. Wolfgang? - escutei alguém me chamar na direção do quarto do Justin e me virei para ver a enfermeira que estava parada ao lado da porta fechada. Ela veio caminhando até nós e eu ergui minha sobrancelha, entreolhando-me rapidamente com a California antes de encará-la em minha frente - Desculpe-me interromper, mas o sr. Bieber gostaria de vê-la. Ele me perguntou se a senhorita ainda estava por aqui ou no hospital e eu o garanti que iria chamá-la. - ela murmurou de forma receosa, creio que por dirigir a palavra a mim e eu lancei outro olhar para minha amiga. Então foi por isso que ele chamou a enfermeira? Para procurar saber sobre mim? Eu não sei como deveria me sentir em relação a isso, mas confesso que achei um tanto divertido. Sua demonstração de interesse era... Interessante.
- Vá. Ouça o que ele tem a dizer. - California sussurrou ao meu lado, soltando nossas mãos entrelaçadas - Não acabe com a miséria dele tão rápido. Seja má. - ela abriu um sorrisinho de escárnio e eu devolvi, soltando uma risadinha antes de pegar minha bolsa e o suporte do notebook.
- Você sabe que é a minha especialidade. - pisquei para ela, recebendo um olhar meio assustado da enfermeira que continuava nos observando com curiosidade.
- Eu te mando uma mensagem depois para saber o que rolou. - California falou, dando um tapa de brincadeira em minha bunda - Arrasa com ele, tigresa. - ela brincou, fazendo com que eu revirasse meus olhos e balançasse a cabeça. Comecei a andar em direção ao quarto do Justin, atravessando todo o percurso do corredor que segui anteriormente como se não houvesse fim e finalmente alcancei a porta. Hesitei por um instante ao levar minha mão até a maçaneta, sem saber exatamente o que esperar de Justin dentro do quarto, mas engoli aquela sensação e respirei fundo antes de abrir a porta. Evitei o contato visual com ele até fechá-la atrás de mim depois de passar pela soleira e reuni toda a minha coragem para erguer meu olhar e encontrar aquele par de íris castanhas que tanto mexia comigo e com meu autocontrole. Justin estava me fitando com intensidade e não consegui desviar os olhos em nenhum instante, sentindo-me presa àquele contato visual que nos ligou como se existisse uma espécie de força magnética pairando entre nós. A mesma força magnética que me atraiu para ele desde o começo. A mesma força magnética que me fazia seguir em sua direção quando tudo o que eu queria e precisava era manter distância. A mesma força magnética que tornava tudo entre nós, o toque, as sensações, os beijos, tudo... Inevitável.
Eu me senti fraca a exposta sob seu olhar, como se ele conseguisse me deixar nua e me enxergar ao avesso. Suas pupilas estavam dilatadas, mas eu poderia jurar que o cálido das suas íris castanhas estava ainda mais vivo. Como aquilo era possível?
Por um segundo - jurei a mim mesma - eu me deixaria sentir enquanto fitasse aqueles olhos. Eu queria sentir e ter o conhecimento do que ele era capaz de me proporcionar torcendo para que aquilo não me afetasse tanto. Se fosse real, como temo, precisarei de toda a munição possível para me proteger e erguer mais paredes em torno da minha ilha que muitos chamam de coração. Se eu não sentir nada, como espero, não há motivos para me preocupar.
Permanecemos em silêncio, como se ele soubesse exatamente o que eu estava fazendo e estivesse me deixando ser invadida por inúmeras lembranças que construíram nossa relação até aqui, desde a primeira vez que o vi em minha frente até o agora.
Um arrepio percorreu todo o meu corpo e meus olhos começaram a arder quando fui invadida pelas memórias. O seu primeiro cumprimento, seus olhares, nossas risadas, a forma como a fogueira criava uma sombra em uma das laterais do seu rosto e o modo como seus lábios que se moviam lentamente, envolvendo-me a cada palavra, foram as primeiras imagens que me arrebataram. Em seguida, a sensação do nosso primeiro beijo. O seu cheiro, a textura do seu cabelo sob meu toque. O toque dele em minha pele. Seus sussurros. A maneira como, mesmo tendo me conhecido há algumas horas antes, ele fez com que eu me sentisse... Única. Como se não existisse nenhum beijo igual ao meu, nenhum corpo igual ao meu, nenhum sexo igual ao meu.
E então, fui tomada por um lance de irritação que fez meu sangue ferver. Lembrei de todos os seus olhares e sorrisinhos sacanas, seus comentários debochados, sua insistência em tentar me atingir. O alívio por nunca mais vê-lo e acreditar que ele garoto para quem entreguei minha virgindade em um acampamento, juntando-me a todos os clichês de histórias adolescentes, nunca mais apareceria em minha vida novamente.
O engano.
Lembrei do gosto amargo em minha boca ao reencontrá-lo.
"É um prazer te rever, pirralha."
E então tudo começou. O jogo que alimentava meu vício devido ao impulso de querer ganhar sempre. O sexo proibido que bombeava meu coração com a adrenalina que fluía por mim. As palavras sujas, as discussões, as brigas, nossas fraquezas expostas. Os gritos, o ódio, a raiva. Os sorrisos, troca de olhares e risadas com piadas ínfimas e internas. O mesmo toque, o mesmo beijo, o mesmo sentimento de me sentir única.
Não era amor. Eu não me permitiria amá-lo. Não. Isso está muito mais além. Construí um forte isolado o suficiente para que ninguém me alcançasse daquela forma.
Mas eu tinha sentimentos reais pelo Justin? Aquele frio na barriga, lágrimas que arderam em meus olhos por vê-lo beijando outra garota - minha declarada inimiga - e a palpitação na minha pulsação toda vez que eu o encarava, justamente como agora, era verdadeiro?
A resposta estava clara em minha frente há muito tempo, mas só agora consegui enxergá-la.
Era real, concreto e factual. Eu era quase capaz de tocá-lo com sua densidade palpável que nos envolvia.
Eu conhecia muito bem todos os finais de "histórias de amor" para saber que eu precisava pôr um fim àquilo, nem que seja no meio de uma frase ou com um ponto final.
Agora que admiti para mim mesma, a força do descontrole parecia ter se multiplicado e eu não precisava que a minha vida saísse dos trilhos por causa de uma paixonite. Até em contos de fadas os romances terminam com seus "e foram felizes para sempre", o que só prova que, mesmo alegando a felicidade eterna, a história um dia vai chegar ao fim por simplesmente não ter mais história, não ter mais o que discorrer. O fim é inevitável, assim como o começo de algo não planejado. Entretanto, com o fim vem a dor e o sofrimento, sentimentos esses que não estou pronta e nem preparada para enfrentar.
Minha decisão estava feita.
- Sinto muito pelo embaraço. - falei, adotando meu tom indiferente e casual com perfeição - Eu não tinha a intenção de interrompê-los. - soltei uma risada fraca, balançando minha cabeça ao desviar o olhar de Justin. Senti que seus olhos ainda estavam presos em mim, mas eu não iria mais perder tempo encarando-o.
- Olha, eu sei o que você viu e sei o que deve tá pensando agora, mas... - ele começou a falar, fazendo com que eu escutasse sua voz pela primeira vez desde que havia chegado aqui no hospital. Entretanto, bloqueei qualquer reação do meu corpo e da minha mente que pudesse me ocorrer e acenei com a mão, estalando a língua no céu da boca.
- Justin. - interrompi, voltando a fitá-lo com atenção por alguns segundos depois de depositar minha bolsa e o suporte de notebook sobre a poltrona ao seu lado - Não se preocupe com isso. - abri um sorriso leve, mas não consegui impedi-lo de ser desmanchado assim que meus olhos pousaram na mancha vermelha no canto dos lábios dele. - Tem batom dela na sua boca. - comentei, franzindo meu nariz - Quer que eu busque algum lencinho para limpar ou? - ergui minha sobrancelha, voltando a encontrar seu olhar.
- Sim. - ele assentiu, finalmente tirando os olhos de mim com uma expressão que poderia ser interpretada como... O quê? Vergonha?
Estranho.
Sua imprevisibilidade chega a ser irritante.
Peguei minha bolsa da poltrona e a abri, tirando de dentro da minha pequena bolsinha um lencinho de seda. Entreguei-o e observei silenciosamente enquanto Justin tirava as marcas vermelhas do batom da Faith. Senti-me subitamente nauseada ao lembrar dos lábios dela sobre os dele, mas balancei minha cabeça rapidamente numa tentativa de fazer aquele pensamento sumir de forma esvoaçante.
- Bom, eu trouxe meu notebook. Aposto que a televisão do hospital não transmite muitos canais interessantes, então podemos assistir a um filme no Netflix ou ver uma série. Você assiste alguma? - perguntei, quebrando o gelo e o silêncio.
- Victoria, eu não beijei a Faith. Ela sentou ao meu lado da cama e praticamente se jogou em cima de mim bem na hora que você abriu a porta, eu não tive como... - ele começou a falar de forma rápida, nitidamente com medo que eu o interrompesse novamente, mas foi isso o que fiz ao estender minha mão novamente. Não deixei que suas palavras atropeladas alterassem minha expressão ou mexessem comigo, afastando-me cada vez mais daquela situação enquanto me prostrava em uma posição de imparcialidade.
- Justin, não me interessa. - cortei-o, piscando sem demonstrar nenhuma emoção.
- Eu sei o que você tá fazendo. - ele soltou uma risada baixa e sem humor - Então para, ok? Para de fingir indiferença, para de fingir que é inatingível. Eu vi como você reagiu. Eu sei que você se importa e eu tô aqui sendo sincero com você. - seus olhos prenderam os meus e eu não consegui desviar enquanto suas palavras empurravam minhas barreiras e me forçavam a escutá-lo. Realmente escutá-lo. - Eu não beijei a Faith. Não sei qual foi a intenção dela, mas não estávamos em nenhum momento íntimo ou particular. Definitivamente não, porra. - ele xingou, soltando um rosnado ao desviar o olhar para um ponto logo atrás de mim, como se o momento em que aquilo aconteceu estivesse sendo repassado em sua memória - Eu não queria. Provavelmente ela só fez aquilo para te atingir, afinal estamos falando da Faith. - ele deu de ombros e eu virei minha cabeça sutilmente, passando a fitar a parede branca e lisa ao lado da sua cama.
- Eu só fiquei surpresa, Justin. - menti - Não senti nada além do choque de ver vocês dois juntos, foi só isso. Não precisa me dar nenhuma explicação. - forcei-me a abrir outro sorriso despreocupado, mas Justin parecia determinado em sua ideia de que me conhecia. E ele conhecia mesmo, mas eu nunca admitiria.
- Então vem cá. - ele murmurou, fazendo com que eu franzisse o cenho - Chega aqui perto. - pediu novamente e dessa vez deixei que meus pés o obedecessem, seguindo até a cama. Fiz questão de sentar do outro lado e não onde a vadia havia estado, o que, aparentemente, não passou despercebido por Justin porque um sorrisinho surgiu discretamente em seu rosto. Decidindo ignorar sua feição presunçosa, ergui minha sobrancelha assim que me pus à disposição do seu pedido e esperei. - Olhe para mim. - Justin sussurrou, agarrando meu pulso com uma das suas mãos. A sensação dos seus dedos sobre minha pele me fez estremecer de leve, mas me contive e continuei repetindo o meu mantra de autocontrole. - Olha para mim, Victoria. - sua voz exigiu com um timbre mais forte, grosso e rouco, obrigando-me instintivamente a encará-lo agora muito mais perto do que antes. Tive a confirmação do que achei anteriormente a cerca da cor dos seus olhos parecer muito mais viva e quente, o que tornou quase impossível a tarefa de piscar. - Olha bem para mim e me diz com todas as letras que você não se importou. Que você não sentiu nada. - o grave som da sua voz me deixou paralisada mais uma vez enquanto eu assimilava suas palavras e entrava em processo de compreensão. Ele queria que eu admitisse meus sentimentos e eu conseguia ver o quanto sua intenção estava clara.
Entretanto, ele deveria me conhecer um pouco mais. Só então, quando alcançasse o que tem de mais profundo dentro de mim, saberia que eu nunca - nunca - contornaria aquelas palavras em meus lábios e as deixaria pairar entre nós. Assumir para mim é uma coisa, colocar em voz alta é outra. Dessa forma, quanto mais a decisão racional que tomei há minutos atrás caía me trazia de volta à realidade, mais eu ficava imune àqueles olhos. Eu já declarei minha derrota em questão à minha falta de controle de quando estou perto dele, mas meu coração é uma zona muito mais proibida do que qualquer pessoa pode imaginar.
- Eu não senti nada. - encarei-o com a mesma intensidade, sem vacilar em nenhum segundo como prova da certeza do que eu estava afirmando.
Um silêncio repentino pairou sobre nós e o ar pareceu ficar mais pesado enquanto trocávamos um último olhar significativo que, em resumo, não significava nada. Eu nunca deixaria significar.
- Ótimo. - ele abriu um sorriso tão leve e indiferente quanto o meu, assumindo sua máscara.
Essa é a minha zona de conforto. É melhor assim. - repeti a mim mesma.
Justin Bieber P.O.V.
Victoria era o tipo de pessoa que fazia qualquer um questionar seu próprio comportamento. Ela era segura de si demais para simplesmente deixar de causar efeito nas pessoas ao seu redor. Então, a partir dessa premissa, de duas eu só podia concluir uma: ou ela era muito filha da puta, intocada em sua torre de gelo ou eu tinha virado um viadinho sentimental. Não existia um meio termo. Eu sabia ser frio, sabia ser indiferente, sabia melhor do que ninguém que aquela expressão impassível no rosto dela não passava de uma máscara. Entretanto, nada era como a maneira que a Victoria agia.
Eu estava certo de que existia uma muralha construída em torno do que ela chama de coração, se é que ela tem um, mas não sabia ao certo se eu queria destruí-las ou se ao menos era apto para isso. Provavelmente não. Provavelmente ninguém nunca chegue perto de desarmá-la e torná-la acessível. Quanto mais eu encarava aqueles olhos azuis esverdeados, mais se impregnava em mim todas essas certezas a cerca dela e as dúvidas a cerca de mim e de todas as mudanças em que concordei fazer em minha vida. Valeria mesmo à pena abrir mão de todos os resquícios humanos para se tornar alguém tão impermeável a qualquer sentimento? Levando em consideração tudo o que já fiz em minha vida, todas as minhas reações instintivas e até mesmo as calculadas, tudo - tudo - era consequência de uma frustração e carência enraizada dentro de mim que só descobri há pouco tempo. Só descobri porque me expus e deixei que minha mãe conhecesse o que se passava em minha cabeça e em meu coração - surpresa, eu tenho um - para que ela pudesse se redimir e eu pudesse... Perdoá-la. Era humano, era real. Victoria já havia subido a um nível completamente novo e diferente.
Por conta disso, questionei uma das minhas poucas certezas que carreguei comigo ao longo do tempo após conhecê-la: éramos mesmo iguais?
- Justin? Tori? - uma voz exterior quebrou o contato visual em que eu e a Victoria estávamos mantendo ao longo do que pareceu horas, mas provavelmente foram apenas segundos. Ela foi a primeira a desviar os olhos, o que me fez repetir o gesto e respirar fundo, comprimindo meus lábios ao virar minha cabeça na direção da minha mãe que estava segurando um copo de café na mão logo à frente da porta entreaberta.
- Oi, Pattie. Você já pode ir pra casa. Trouxe meu notebook para assistir a um filme com Justin no Netflix. - Victoria abriu um sorriso tão leve e tão brando que quem não soubesse o que tinha acabado de acontecer iria acreditar que ela estava sendo sincera. Ela sempre fazia aquilo, sempre manipulava as pessoas que não a conheciam o suficiente para saber o que lhe era verdadeiro ou falso.
- Ah, que ótimo. Eu adoraria saber qual filme vocês vão concordar em assistir, já que você parece fazer mais o estilo de Meninas Malvadas e Justin gosta dessa coisa toda de ação, armas, tiros, você sabe. - minha mãe murmurou e eu revirei os olhos, só então me dando conta da sua piadinha de mal gosto e sem graça.
- Ha-há, muito engraçado. - resmunguei, fazendo-a rir e vir até mim com um sorriso em seu rosto.
- Boa noite, querido. Se cuide. Qualquer coisa, pede pra Tori me ligar e eu venho. - ela sussurrou perto de mim e eu a olhei, assentindo sutilmente sem querer delongar muito aquele momento frufru de mãe e filho. Eu também possuía meus limites. - Eu amo você, Justin. - contorci meu rosto ao sentir seu beijo melado em minha testa e resisti à vontade de limpá-lo assim que ela se afastou.
Observei-a se despedir da Victoria e fiquei levemente intrigado ao vê-la trocando olhares suspeitos em uma conversa silenciosa. Perguntei-me o que aquilo significava, mas logo esqueci depois de um ou dois segundos depois em que minha mãe deixou o quarto carregando sua bolsa em um ombro e o café no outro, deixando-me a sós com a Victoria novamente. Ela me olhou com a sobrancelha arqueada e um sorriso casual em seu rosto, aproximando-se novamente da minha cama para sentar no mesmo lado em que a Faith esteve sentada. Só a imagem da vadia se aproximando para me beijar me causava arrepios e não dos bons.
- A médica já veio aqui fazer a última revisão do dia? - ela perguntou, jogando seu longo cabelo loiro para trás. Tentei não olhar demais para a pele do seu pescoço que se tornou exposta a fim de não ficar tentado a me impulsionar e sentir seu perfume misturado com o próprio cheiro dela antes de beijar toda aquela região macia. Eu realmente me esforcei para não ficar vidrado, o que fez ser necessário olhar para um ponto completamente aleatório antes de fitá-la nos olhos novamente, quase deixando passar esquecida sua pergunta.
- Ahn, sim. Ela mediu meus sinais vitais, toda aquela merda e disse que só voltaria amanhã pela manhã. - respondi, assentindo com a cabeça - E seu dia? Como foi? - perguntei com a intenção de jogar conversa fora já que ela não se inclinou a pegar o notebook e dar início ao filme. Acho que podíamos conversar um pouco, porque eu tinha quase certeza de que iria dormir antes da metade do longa.
- O que você fez no cabelo hoje? - ela perguntou, piscando em uma expressão confusa antes de suavizar seu rosto e soltar um suspiro - Meu dia foi cansativo, não vejo a hora dessa loucura toda acabar. - seu tom de voz explicitou o que foi dito e ergui minha sobrancelha, tendo meu interesse genuinamente despertado para saber o que estava acontecendo na vida dela enquanto tudo o que eu fazia era ficar deitado nessa cama. Aquila situação era infernal.
- Uma enfermeira penteou desse jeito. - joguei a franja um pouco pro lado já que alguns fios começaram a pender e cair no meu olho
- O que aconteceu no seu dia? O que você fez hoje? - perguntei, ajeitando o travesseiro atrás da minha nuca para ficar em uma posição mais confortável e que doesse menos meus músculos.
- Então, quando eu cheguei em casa depois que saí daqui a casa já estava cheia de empresários, advogados, toda a equipe de marketing da minha mãe, além do Josh e da Ruth, porque foi liberado o escândalo do divórcio e da traição do meu pai publicamente. Cerca de uma hora depois que cheguei, concedi uma entrevista com minha mãe que vai ao ar amanhã no E! e depois repassei toda a minha agenda com meu empresário. Amanhã já vou a uma reunião para tomar as primeiras decisões que servirão como ponta pés iniciais para minha nova marca, em seguida vou analisar alguns roteiros da entrevista que darei a Ellen, revisar outros contratos e por aí vai. Tudo é bem cansativo. - ergui minhas sobrancelhas e concordei com a cabeça, imaginando o quanto deve tá sendo foda pra ela carregar todas essas responsabilidades e ainda por cima passar a noite comigo aqui no hospital. Além disso, não posso esquecer da imagem que ela teve que engolir e digerir da Faith me beijando. Ou eu beijando a Faith. Tanto faz. Em seu ângulo, a relatividade da ação não contou muito.
- Você acredita em mim, não é? - perguntei, ficando completamente sério para ela saber o tom que eu tava aderindo ao assunto - Você acredita em mim em relação ao que aconteceu aqui com a Faith, não é? - reformulei a pergunta, vendo seus olhos vacilarem por um milésimo de segundo antes de ela desviar o olhar e suspirar, balançando a cabeça positivamente.
- Acredito. - sussurrou, voltando a me fitar com a mesma intensidade em que estávamos nos encarando anteriormente - Mas a questão não é essa, Justin. A questão é que não faz diferença para mim. - ela soltou uma risada fraca, baixa e sem humor, dando de ombros rapidamente - Não é relevante. - concordei com a cabeça, já vencido de que não iríamos a lugar nenhum agora e nem hoje com aquele assunto. - Além do mais, você não foi o único que recebeu uma visitinha da sua ex. - senti seu dedo cutucar minha perna e franzi o cenho, erguendo minha sobrancelha.
- Como assim? - perguntei, tentando entender o foi dito - O Eros foi te visitar? - eu não sabia como aquilo me atingia, mas alguma coisa me dizia que eu não deveria me afligir. Eros nunca foi uma ameaça pra mim em nada. Eu sempre fui melhor que ele em tudo, mesmo que nunca visse sentido em entrar em qualquer merda de competição ou concurso de mijadas. A diferença entre nós dois sempre foi nítida e óbvia. Eu era melhor no basquete, eu era melhor em fazer amigos, eu era melhor em pegar mulher, eu era melhor em fazer uma mulher gamar. Eu era o foda. Ele era só um aprendiz. E Victoria sabia bem disso porque já esteve com nós dois, literalmente falando.
- Uhum. - ela murmurou, comprimindo os lábios em um sorriso divertido - Ele apareceu lá bancando o coitadinho, dizendo que tá sendo chamado de corno na Brearley e que realmente gostava de mim, então não entendia o porquê que eu tinha feito o que fiz. Ah! - ela riu, balançando a cabeça - Ele também disse que no começo do nosso namoro havia me usado como status, bem como fiz com ele, né, e o ápice da nossa conversa foi quando ele tentou me beijar do nada. Do. Nada. E ainda ficou me perguntando se eu tava mesmo namorando com você e... - Victoria quase atropelou as palavras enquanto relatava o encontro com o corno do ex-namorado, mas algo chamou minha atenção e eu simplesmente parei de prestar atenção para juntas as peças que antes estavam soltas e não faziam sentido sozinhas.
Eros foi visitar a Victoria, sem quê e nem para quê, ficou perguntando se nós dois estávamos realmente namorando e tentou beijá-la.
Faith veio me visitar, sem quê e nem para quê, ficou me perguntando se eu e a Victoria estávamos realmente namorando e me beijou.
- Espere. - interrompi seu falatório, fazendo-a parar como se tivesse mordido a língua - O Eros foi te visitar, ficou te perguntando se nós dois estávamos namorando e tentou te beijar, certo? - repassei, vendo-a assentir.
- Sim. E ele ficou insistindo na pergunta, tipo, umas três vezes. Como se saber se nós dois estamos realmente namorando fosse algo crucial para a vida dele. Até parece. - bufou, estalando a língua no céu da boca.
- Faith fez a mesma coisa, Victoria. - encarei-a, atraindo sua atenção - Ela chegou aqui e ficou insistindo em saber disso e bem quando você abriu a porta para entrar no quarto, ela me beijou. - falei e percebi o momento em que suas engrenagens começaram a girar enquanto associavam os dois casos.
- E Eros ainda justificou a tentativa do beijo como "retribuir o favor para você" - fez aspas com os dedos - ou algo do gênero. Eu não sei, mas lembro disso. - sua voz agora estava mais baixa e seus olhos perdidos em um ponto fixo no lençol da minha cama, como se estivesse pensando a respeito do assunto.
- Será que eles pensaram em fazer isso juntos? Tipo, se juntaram e armaram uma cilada? - perguntei, franzindo meu cenho ao chegar na questão em que não tínhamos resposta.
- Mas por quê? Qual o sentido? - ela aparentou estar tão confusa quanto eu - Será que eles tinham algum gravador na mão ou algo assim para que, caso revelássemos que não estávamos namorando de verdade, pudessem usar isso contra mim, tipo chantagem? Eles poderiam ameaçar divulgar a gravação, entende? - senti o finco da minha testa aumentar ainda mais.
- Será? Isso parece meio sem sentido. - comentei, soltando uma risada baixa ao imaginar um plano tão sem nexo quanto aquele.
- Você disse o que à vadia, vulgo Faith, quando ela te perguntou se estávamos namorando de verdade? - Victoria perguntou com a voz apreensiva e eu suavizei minha própria expressão.
- Relaxa, eu disse a ela que estávamos namorando de verdade. Disse que era real e que estávamos mesmo juntos. - respondi, vendo-a assobiar uma respiração de alívio.
- Tudo o que menos preciso agora é ficar na mão daquela vagabunda. - murmurou.
- Bom, então não temos com o que nos preocupar, porque se eles armaram uma coisa assim juntos mesmo, não conseguiram nada conosco. Eros só tá com o ego ferido e a Faith também. Ela tem inveja de você. - encostei minha cabeça no travesseiro atrás de mim e a virei, olhando para o rosto dela em minha frente já cansado de ficar tenso hoje à noite. Agora, mais do que nunca, a ideia do filme na Netflix me pareceu muito atraente e eu até assistiria o tal Algumas Coisa Malvadas que minha mãe sugeriu.
- É claro que ela tem. .- Victoria bufou, revirando os olhos em um dos seus inúmeros tiques que indicavam o quanto aquela garota realmente acreditava ser superior ao mundo inteiro. Eu não a culpava e nem a julgava. Ela tem completa razão para se sentir assim, já que tem sucesso em todos os âmbitos da sua vida, e, além disso, eu sei bem o que é ter um ego inflado. O meu é meu melhor amigo.
- Vamos assistir ao filme. - falei, tirando-a dos seus cinco segundos de enaltecimento para fazê-la pisar no chão, literalmente.
Observei-a enquanto ela saía da cama ao meu lado e pegava seu notebook de dentro do suporte, conectando-o à alimentação da bateria para que não descarregasse durante o filme. Victoria também aproximou a poltrona da cama e posicionou o eletrônico em seu colo de forma que a tela ficasse no campo de visão de nós dois logo depois de ter apagado todas as luzes do quarto, deixando acesa apenas a lâmpada fraca do abajur que estava entre nós. Ergui um pouco mais meu cobertor, tomando cuidado para não encostar em meu curativo e me ajeitei superficialmente na cama, buscando uma melhor posição para dormir. Fiquei em dúvida se deveria ou não chamá-la para dormir ao meu lado, como na noite passada, entretanto me deixei levar por minha vontade e inclinação inicial de mantê-la um pouco afastada enquanto processava o momento que havíamos tido minutos atrás. Eu não queria essa aproximação entre nós, não enquanto estivéssemos jogando em times diferentes.
Não precisei falar nada para deixar claro que aquela noite dormiríamos separados, pois ela não deixou nenhuma lacuna de questionamento entre nós. Apenas aceitou e se ocupou em procurar um filme que nos interessasse. Neguei a maioria dos filmes que fora sugerido fazendo que, no fim, fosse escolhido o cujo dito das vadias que não prestavam. Tudo começou quando uma ruivinha que morava na selva inventou de entrar no ensino médio depois de estudar a vida inteira em casa. Vai dar merda - foi a primeira coisa que pensei. Para piorar a situação, ainda me apareceu uma loira gostosa e peituda, tinha outra loira gostosa e peituda também, mas aquela era diferente porque ela era, nada menos e nada mais que: Regina George.
Grandes merdas. Essa frase de impacto foi de tamanha relevância quanto àquela informação acrescentou em minha vida, contudo todo mundo parecia amar/idolatrar/temer a porra da Regina George, o que me remeteu à ideia de que eu estava deitado ao lado de uma própria Regina George da Brearley. Percebi a forma como os olhos da Victoria brilhavam enquanto assistia àquela merda e não pude deixar de soltar uma risada durante o filme, imaginando que aquela personagem deve ter servido de inspiração para a própria vida real dela.
Lá pela metade do longa metragem, comecei a sentir minhas pálpebras pesarem enquanto o ar gelado em contato com a minha pele fazia com que os lençóis e os travesseiros se tornassem ainda mais confortáveis em meu corpo. Tentei resistir e assistir o máximo que pude, pois, surpreendentemente, realmente quis saber se o tal do Aaron Samuels, o Eros do filme, iria descobrir que a Regina George, a Victoria, traía ele toda quinta na sala de projeção em cima do auditório, entretanto não consegui. A última coisa que lembro ter escutado foi algo do gênero acontecendo, mas minha visão ficou turva antes de tudo escurecer e meu corpo inteiro entrou em estado de dormência devido ao sono, cujo nada ao meu redor era captado, nem mesmo um som.
Eu estava de volta na Skull Club. A boate estava vazia e a plataforma do ringue erguida. Na verdade, eu estava descalço e sem camisa sobre ela. Olhei em volta, conseguindo enxergar todos os quatro cantos do local e não encontrei nada ou ninguém. Minha cabeça doía e latejava enquanto eu me perguntava o porquê de ter voltado aqui.
- Bieber. Filho. - virei minha cabeça abruptamente na direção da voz ao reconhecê-la, encontrando Marco parado bem em minha frente. O quê? Isso não era possível. Eu tinha visto ele morrer, eu tinha visto um dos tiros atravessar sua cabeça. Que merda que tava acontecendo? Alguém tava fazendo uma porra de uma piada sem graça comigo?
- Você não é real. - falei, dando um passo instintivo para trás assim que o vi se aproximar de mim - Você não é real, porra. - rosnei, sentindo meu coração bater mais forte e minha pulsação aumentar em minhas veias.
- Ah, eu sou sim. Eu sou real. Eu estou aqui. Eu estou com você. - ele abriu aquele sorriso irônico do qual eu me lembrava e um arrepio gelado percorreu minha pele até minha nuca. Trinquei meu maxilar, soltando uma respiração pesada enquanto começava a me afastar cada vez mais dos passos em que ele insistia em dar para chegar perto de mim.
- Não. Você não pode ser real. Eu te vi morrendo. Eu te vi morto. - falei, escutando minha voz começar a se alterar sem muita firmeza numa tentativa de esconder o meu assombro.
- Ah, foi... Você tentou, você quis me matar. Não foi, Bieber? Eu te mandei apertar o gatilho, mas você deu a arma para outra pessoa. - ele riu e eu fechei minhas mãos em punhos, querendo que aquilo tudo acabasse, querendo que Marco sumisse da minha frente. Fechei meus olhos e os apertei, balançando minha cabeça.
- Não, vá embora. Você não é real. - repeti, começando a respirar com dificuldade devido à adrenalina que fora disparada em meu sangue - Você não é real, porra! - gritei, abrindo meus olhos.
E então eu parei.
Ele tinha uma arma na mão. E Victoria estava enlaçada em seu outro braço, completamente presa a ele.
Não.
- Essa é a sua garota, não é? A que faz você perder seus sentidos, que te deixa fora de controle, a única que te conhece de verdade, a única capaz de te machucar porque é a única que você confia. É ela, não é? - ele lambeu os lábios, correndo o cano da pistola pela lateral da cabeça e do pescoço da Victoria.
- Não, não, não, Victoria! - tentei me aproximar, mas meus pés agora estavam presos ao chão e eu não conseguia me mover. Aquilo era desesperador. Eu queria alcançá-la, queria tirá-la dos braços dele, queria tirá-la do perigo em alerta. Queria estar na mira daquele revólver no lugar dela. - Victoria! - gritei, estendendo meus braços até ela que parecia tão distante, tão inalcançável. - Por favor, não, Marco, não a machuque. Você tem a mim. Sou eu quem você quer. - falei, buscando aquele olhar doentio novamente em suas órbitas voltadas para a minha garota.
- Eu sei. - ele abriu outro sorrisinho, voltando a me olhar enquanto afundava o cano do revólver nos cabelos loiros da Victoria.
- Por favor, não... - sussurrei, fechando meus olhos e me encolhendo ao escutar o primeiro estouro do tiro. - NÃO! - gritei, abrindo meus olhos a tempo de ver o corpo dela caindo no chão. - Não, não, não! - continuei berrando, balançando minha cabeça freneticamente enquanto a risada do Marco preenchia o ambiente ao meu redor.
- Você merece isso, Bieber. Merece a dor. Merece sofrer. - ele falou, mas tudo o que eu conseguia olhar era o corpo jogado da Victoria no chão.
Meus pés voltaram a me obedecer e eu corri até ela, caindo de joelhos ao seu lado. O Minhas mãos começaram a ficar manchadas de sangue e, de repente, todo o meu corpo continha respingos de sangue. As lágrimas quentes rolavam pelo meu rosto e meu peito doía sem parar, como se nunca a dor fosse suficiente. Era um sentimento indescritível, inexplicável. Eu me sentia quebrado, partido ao meio, partido em mil pedaços. Os olhos dela não possuíam aquele brilho de sempre, sua pele agora era pálida e fria sob meu toque. Ela parecia estar desaparecendo em minha frente, tornando-se plano de uma outra dimensão, tudo fruto da minha tristeza que não parecia ter fim.
- Por quê? - gritei, jogando minha cabeça para trás - POR QUÊ? - berrei, soltando tudo dentro de mim.
- Você merece isso! - Marco gritou e outro barulho ressoou em meus ouvidos. Olhei para o meu lado, vendo o revólver, o mesmo revólver que tirou a vida da minha menina, caído ao chão e completamente sujo de sangue. - Você fez isso! Olhe para mim, olhe ao seu redor. Você não merece nada, só dor. Você merece a dor. - comecei a me recusar a escutá-lo, mas suas palavras ficaram se repetindo em minha cabeça e eu me vi obrigado a abrir os olhos.
Só então eu realmente o enxerguei.
Seu rosto deformado devido a três tiros, um em seu olho, outro no meio da testa e o último na boca.
Eu vi o sangue correndo por sua pele, o sangue em minhas mãos.
A poça do sangue da Victoria.
E corpos mortos amontoados ao meu redor no ringue. Todos os que gritaram "Bizzle" aquela noite estavam sem vida.
Eu era o culpado.
E eu merecia a dor.
- Não! - gritei mais uma vez, balançando minha cabeça - Não, não, não, eu não fiz isso! - continuei gritando, tentando aliviar a dor crescente em meu peito.
- Justin! - alguém exclamou e tocou meu rosto, fazendo com que eu abrisse meus olhos em um estalo e me erguesse de onde estava.
- Justin, aqui, sou eu. Calma, sou eu. - um par de olhos azuis esverdeados me fitaram e eu levei cerca de um segundo para me situar.
Havia sido um pesadelo.
Eu estava no hospital. Victoria estava bem, estava viva. Marco estava morto. Morto, por minha causa, mas morto. Morto, por minha causa, mas ainda assim me assombrando. Morto por mim. Não fui eu quem atirei o gatilho, mas eu quem entreguei o revólver.
- Eu só... Eu preciso de um segundo. - sussurrei, passando a mão que tinha um acesso em minha veia no rosto e na testa, percebendo minha pele suada. Fechei meus olhos novamente, mas o rosto do Marco e a imagem da Victoria morta no chão invadiram meus pensamentos, fazendo com que eu os abrisse novamente. Eu não queria mais ver aquilo. Não queria mais sonhar aquilo novamente.
- Você está bem? - ela sussurrou ao meu lado, passando uma das mãos em meu cabelo em um gesto bem incomum a ela - Você começou a gritar e eu ouvi meu nome também... Foi um pesadelo? - perguntou, aproximando-se de mim. Balancei minha cabeça positivamente, puxando meu lábio inferior em uma tentativa de controlar a dor que se acumulou dentro de mim devido àquelas visões. Eu não queria chorar, não queria ser fraco, mas estava doendo. Havia me machucado.
- Por favor, me abrace. - pedi em um sussurro, subitamente temendo ser rejeitado por ela. Se eu fosse, doeria ainda mais o vazio de me sentir sozinho naquele momento. Entretanto, eu não precisei me preocupar. Nem por um mísero segundo.
- Vem cá. - ela abriu os braços e sentou ao meu lado, inclinando seu corpo em minha direção. Abracei-a, sentindo-a encaixar o rosto na curva do meu pescoço enquanto jogava seus sapatos no chão antes de trazer suas pernas também para cima da cama, finalmente se deitando ao meu lado. - Eu tô aqui. - sussurrou mais uma vez, em uma voz e um tom quase irreconhecível. Não quis questionar ou pensar demais sobre aquilo, só aceitei de bom grado a atenção e o colo que a Victoria estava disposta a me dar. - Quer falar sobre isso? - perguntou baixinho, enroscando suas pernas com as minhas na cama. Seus dedos se deslizaram pelo meu cabelo, rosto e pescoço até pararem sobre o lado esquerdo do meu peito - Deus, Justin... Seu coração tá batendo muito rápido. Acho que eu deveria chamar uma enfermeira. - balancei minha cabeça negativamente com um pouco mais de força que o normal e a apertei mais forte no abraço, agora sendo minha vez de enterrar meu rosto na curva do seu pescoço em uma espécie de consolação.
- Não, não vá. Fique. - pedi mais uma vez, tentando controlar minha respiração acelerada.
Naquela hora eu não me preocupei se estava parecendo um idiota sentimental, pois tudo o que precisava era me recompor daquele pesadelo. As imagens tão vívidas e claras continuaram aparecendo em minha cabeça cada vez que eu piscava, mas saber que tudo não passou de um pesadelo, um pesadelo muito ruim, em contraste com a sensação real do corpo quente e vivo da Victoria em meus braços aliviava a sensação de dor nada física em meu peito.
- Tudo bem. - ela sussurrou mais uma vez, voltando a correr seus dedos de forma carinhosa pelo meu cabelo - Você quer falar sobre isso? - repetiu a pergunta, mas senti minha garganta ficar seca só de imaginar contar tudo o que vivenciei em minha mente a segundos atrás. Não, eu não queria falar sobre aquilo.
- Não. - sussurrei, torcendo para que aquilo bastasse como resposta e para que a Victoria não me interpretasse errado e acabasse indo embora, deixando-me sozinho. Porra, quando eu me tornei tão dependente assim? Eu não conhecia esse lado meu e não estava gostando de tê-lo vindo à tona, por mais que soubesse que era uma reação involuntária e humana.
- Certo. - murmurou baixinho, envolvendo-me mais uma vez em retribuição ao abraço - Eu estou aqui. - senti seus lábios sobre minha bochecha, mas não esbocei nenhuma reação. Tudo o que eu precisava agora era não sentir e não reagir para que assim, quem sabe, aquele sentimento de dor, culpa, medo e assombro deixe-me em paz.
Victoria Wolfgang P.O.V.
Não nos falamos mais durante a noite, por mais que eu tenha certeza de que, assim como eu, ele também não voltou a dormir.
Depois que o filme acabou, percebi que Justin havia pegado no sono e me movi cuidadosamente para não acordá-lo enquanto guardava o notebook e procurava uma posição confortável na poltrona. Quando finalmente encontrei, demorei cerca de dez segundos para conseguir adormecer. Foi então que, de repente, escutei um grito rouco e grave, despertando-me de forma abrupta. Minha primeira reação foi me encolher sob o cobertor em minha volta e me esconder daquele som intimidante. Entretanto, ao reconhecer a voz do Justin gritando, fui tomada por outra inclinação muito mais forte do que apenas me esconder embaixo daquele edredom. Fui invadida pelo mesmo sentimento de preocupação, dor e angústia ao levantar da poltrona e me deparar com Justin completamente suado, com as sobrancelhas franzidas e o rosto contorcido em dor. Em seu segundo grito, movi-me em sua direção com pressa e comecei a balancá-lo com delicadeza a fim de acordá-lo, dando-me conta de que aquilo se tratava de um pesadelo.
Partiu meu coração.
Justin parecia uma criança, um menino indefeso, triste, frágil e assustado.
Foi por essa razão que permaneci a noite inteira em seus braços e o mantendo nos meus. Passei cada segundo acariciando seu cabelo, buscando uma forma de confortá-lo silenciosamente, pois sabia que falar não era o melhor a se fazer naquele momento.
Quando o sol começou a clarear o quarto, decidi que poderia levantar e só então percebi que Justin havia pegado no sono novamente. Senti um prazer e uma satisfação desconhecida, uma sensação de dever cumprido que usufruí por alguns instantes antes de me policiar e ir até o banheiro a fim de me preparar para começar meu dia cheio. Cheguei rapidamente à conclusão de que eu precisava de um café ao fitar meu reflexo no espelho e, depois de lavar meu rosto e retirar toda a maquiagem com um demaquilante que carregava dentro da bolsa, refiz ao menos minha pele e meus olhos para não aparentar estar tão cansada quanto o modo que eu me sentia. Rearrumei meu cabelo e minhas roupas, ajeitando-as em meu corpo antes de voltar para o quarto novamente, encontrando Justin ainda dormindo.
Esperei até a hora em que ele acordou para chamar as enfermeiras. Elas fizeram a primeira checagem do dia, trocaram o acesso de braço e prometeram voltar com o café da manhã dele. Justin não disse nada e nem ao menos olhou em minha direção. Busquei seu olhar de forma incansável, mas não recebi nada. Tudo o que ele fez foi permanecer parado na cama, fitando a televisão que fora ligada pelas enfermeiras como se estivesse prestando atenção na programação, por mais que eu soubesse que aquele não era o caso.
- Justin. - chamei-o, andando até a beira da cama para sentar perto dele. Mesmo com a minha presença tão próxima e mesmo o chamando, ele continuou com o olhar fixo na televisão. - Justin. - insisti, pendendo minha cabeça levemente para o lado na intenção de demonstrar que não iria desistir de falar com ele. Depois do que pareceu horas, Justin finalmente virou seu rosto até seu olhar encontrar o meu e vi tudo o que temia no castanho dos seus olhos: medo. - Conversa comigo. - pedi em um sussurro, sentindo um caroço se formar em minha garganta.
- Desculpe por hoje à noite. - ele falou, surpreendo-me. Um pedido de desculpas não era o que eu estava esperando. - Sei que arruinei sua noite de sono e que você ficou desconfortável dormindo aqui. Não irá se repetir novamente. - falou, fazendo com que eu franzisse o cenho. Era isso o que ele pensava em relação a mim? Que eu me importei com a posição desconfortável em que dormi?
É sim. - meu subconsciente respondeu.
Isso é uma consequência do que eu deixo transparecer.
- Justin. - respirei fundo, balançando minha cabeça sutilmente - Eu não tô preocupada com isso. Não tô preocupada com nada. Só com você. Converse comigo. - murmurei, levando minha mão a dele. Entrelacei nossos dedos e o fitei sem dá-lo chance de desviar o olhar.
- Eu não quero falar sobre isso. - ele sussurrou e senti o quanto estava sendo sincero. Ao mesmo tempo em que eu gostaria de fazê-lo esquecer o que pode tê-lo perturbado tanto, também parte de mim gostaria de saber o que era para procurar uma melhor forma de ajudá-lo. Entretanto, claramente, ajudar não era uma das minhas melhores aptidões e Justin sabia bem disso.
Repeti para mim mesma mais uma vez: É consequência do que deixo transparecer.
- Certo. - assenti, comprimindo meus lábios - Você não precisa falar. - balancei minha cabeça mais uma vez, sendo, ironicamente, a primeira que desviou do contato visual em que o instruí a manter comigo.
Quase como um gongo, uma batida na porta chamou nossa atenção e viramos a cabeça para olhar quem quer que fosse entrar. Contive um suspiro de alívio ao ver Pattie surgindo com seu sorriso e aparência impecáveis, pois, de alguma forma, ficar naquele quarto de hospital com Justin estava começando a mexer comigo. O ambiente parecia estar carregado de uma tensão praticamente palpável e a expressão da Pattie ao entrar e nos encarar só confirmou o que eu estava sentindo. Ela perguntou se estava tudo bem, mas Justin foi mais rápido em responder e disse um simples "sim", fazendo com que eu concordasse com a cabeça e abrisse um dos meus sorrisos ensaiados. Sem mais olhar para ele, peguei minha bolsa e o mesmo suporte do notebook, prontificando-me a ir embora. Despedi-me dele com um aceno rápido e dei dois beijos no rosto da sua mãe, saindo porta à fora, ciente de que estava parecendo um ratinho fugindo de um naufrágio em meio a um navio.
Pesquei meu celular em minha bolsa e liguei para a mansão, mandando o Michael vir me buscar no hospital em minutos. Decidi não me preocupar com a abordagem dos paparazzis, pois fazia parte do "pacote" mesmo nos momentos mais inconvenientes em que eu não os queria por perto. Agradeci mentalmente à qualquer deidade existente por não esbarrar com mais ninguém conhecido enquanto minha mente girava em loopings e dilemas entre o que eu fiz e o que eu deveria fazer, o que eu transpareço e o que eu deveria transparecer, o que eu sinto e o que eu deveria sentir. Ou deveria não sentir.
Justin me fez questionar toda a minha autoconfiança e eu precisava de um minuto para me recompor e colocar minhas ideias lógicas em ordem para que pudesse seguir firmemente com o meu dia cheio que estava por vir. Devido a isso, parei no final do corredor, bem em frente à porta do elevador e sentei na última cadeira da recepção para que fosse possível realizar o momento que estava precisando.
Primeiro de tudo, Justin não havia beijado Faith. Existia mesmo a possibilidade de que ela e Eros armaram uma situação como essa para tentar me atingir? Provavelmente, levando em consideração a repercussão que o meu suposto namoro com o Justin está tendo na mídia e a atenção que estou recebendo por conta disso. Entretanto, eu não conseguia compreender o sentido disso, de qualquer forma. Qual era a porra do problema dessa garota? Ainda insistia em tentar me derrubar? Eu fiquei me questionando do porquê ela não conseguia seguir com sua vida e me deixar seguir com a minha, mas a resposta apareceu como um relapso de consciência. Era simples. O meu sucesso a incomodava. O meu poder a irritava. A minha autoconfiança a deixavam insegura. E, coitada... Eu estava estampada em todos os lugares como se estivesse esfregando meu êxito no rosto da fracassada. Deveria ser realmente horrível ver o quanto a sua vida é mísera em comparação com a minha.
Seria cômico, se não fosse... Não, espera, é realmente cômico e digno de pena. Contudo, não desperdiçarei meu precioso tempo com essa vadia. A Tori de alguns meses atrás mexeria rapidamente seus pauzinhos e daria o melhor ou pior de si para se vingar, mas em quê isso me acrescentaria hoje? Aquela Tori era a Tori do ensino médio, a Tori limitada à Brearley. Hoje eu não preciso fazer que a Faith tema a mim, pois sua necessidade patética e impulsiva de tentar me afligir só me prova que faço isso sem nenhum esforço.
Por outro lado, o grande ápice da noite passada não foi a Faith e sua armação. Justin deixou claro que esperava que eu sentisse algo por ele romanticamente. Eu já havia assumido que me importava e que não era oca por dentro quando praticamente me declarei em meio ao seu coma, mas as situações são completamente diferentes. Justin queria que eu expusesse meu coração a ele. A troco de quê? Eu assumiria o que ele me causa, assumiria toda minha vulnerabilidade e fraqueza de quando estou perto dele, assumiria todos os arrepios, os frios na barriga e a quase liquefação das minhas pernas e então... O quê? O que aconteceria?
Talvez ele nunca entenda o porquê faço o que faço ou sou do jeito que sou. Um dia vou cansar de me explicar ou ao menos tentar. Não há meios ou modos para fazer alguém de fora entender o que se passa por sua cabeça, mas o meu meio justifica os meus fins. A forma como cresci, como passei a minha vida inteira, desde a infância, olhando e observando as pessoas, seus comportamentos, seus sorrisos, a forma como suas entonações de voz se alteravam pela frente e pelas costas de outras pessoas, tudo, absolutamente tudo me fez ser da forma que sou. Eu vou crescer, vou mudar, vou evoluir, vou errar e, alguma vez vou sim admitir meu erro e fazer disso parte do meu desenvolvimento como mulher. Prova disso é que, como já me dei conta anteriormente, não penso da mesma maneira que pensava quando ainda estava reclusa às quatro paredes de uma escola. Só que eu tenho quase a certeza de que nada derrubará minhas fronteiras e ninguém colocará meu coração à venda.
E é aí que momentos como o que tivemos de madrugada me confundem e me deixam à beira de perder a razão e o bom senso.
Momentos em que as máscaras caem, momentos em que eu me permito sentir, momentos em que me deixo perder o controle. Momentos em que paro de pensar em mim e no que me convém para pensar nele, no coração dele, na fragilidade dele, na vulnerabilidade do Justin. Momentos como os que eu descobri que ele havia sido baleado, momentos como os que eu me movi impulsivamente para doar sangue, momentos como os que segurei sua mão e pedi - pedi a ele, pedi aos céus - para que tudo ficasse bem.
Entretanto, não passam de momentos. Já deixei claro para Justin que não irei me expor à fraqueza e é assim que deve ser. Vou apoiá-lo, vou ser aquela que sempre estará lá para ele, independente do que aconteça, mas se limitará a apenas e unicamente isso.
Agora, vou levantar da posição patética em que me encontro, erguer meu nariz, tomar uma forte lufada de ar e encarar a minha vida perfeita.
Dito e feito, joguei meus cabelos sobre o ombro e peguei meus óculos escuros de dentro da bolsa, colocando o acessório em meu rosto assim que apertei o botão do painel na cabine a fim de descer para o térreo. Esperei aqueles segundos preciosos e usufruí do silêncio tranquilizador antes das portas se abrirem em um estalo. Saí, batendo meus saltos no linóleo do piso e avisei de longe Michael me esperando do lado de dentro das portas automáticas. Ainda haviam alguns paparazzis do lado de fora, mesmo que em menor quantidade, e isso me deixou realmente aliviada por não ter que precisar ultrapassar todo aquele mar de fotógrafos cujo as abordagens estão se tornando cada vez mais abusivas. Não que eu não goste da atenção e dos flashes, é claro.
Cumprimentei-o a minha maneira e ele me acompanhou até as portas com um segurança o qual estava acompanhado. A tarefa de andar sobre a calçada em direção ao carro foi surpreendente fácil, pois os paparazzis se mantiveram respeitosos e à distância de mim. As perguntas incessantes sobre minha vida pessoal, incluindo o divórcio dos meus pais e Justin continuaram, é claro, mas nenhum deles tentou realizar algum tipo de contato físico ou expor minha visão ao perigo com aqueles flashes incansáveis. Esperei Michael abrir a porta do veículo para mim e entrei, acomodando-me no couro claro do estofado enquanto ele a fechava. Ambos deram a volta e também entraram, mas nenhum dos dois falou nada durante o pequeno trajeto entre a entrada do hospital e o tráfego das pistas de Beverly Hills.
Resolvi pegar meu celular mais uma vez a fim de dar uma olhada em tudo aquilo o que estava sendo dito sobre mim, principalmente sobre os escândalos envolvendo o nome da minha ex-família perfeita. Desbloqueei a tela e selecionei o ícone do Instagram, atualizando-me primeiramente sobre as novidades do mundo da moda. Vi que os desfiles da Chanel foram retomados ontem à noite e não pude deixar de sentir uma pequena dor em meu coração por não estar lá aproveitando os holofotes em meu palco, vulgo passarela. Quase deixei meu queixo cair quando vi um vídeo de uma das irmãs da "sou-famosa-apenas-porque-paguei-um-otário-para-fazer-uma-sex-tape-comigo" sendo elogiada e superestimada pelo Karl Lagerfield. Bufei, completamente indignada e incrédula, só então me dando conta de que toda aquela palhaçada comigo em Paris foi um teatrinho, possivelmente só realizado devido à influência da minha mãe. Eu precisava dar um jeito nisso e ajudá-la a não deixar seu nome ir para a lama, pois ela se mostrava cada vez mais relevante para os pontapés da minha carreira.
Fiz uma nota mental de acompanhar todo o processo de composição midiática da imagem da minha mãe e segui para a próxima notícia que poderia me ter algum valor.
Decidi checar os comentários em meu Instagram na última foto que postei com o Karl anunciando meu afastamento dos desfiles da marca e fiquei abismada com o número de curtidas e a toda a "força" que eu estava recebendo das minhas fãs e seguidoras.
@clairedelune: Fica forte, princesa! Estamos com você sempre. <3 #StayStrongTori
@harleywhite_: Nós sempre vamos estar aqui e te apoiar <3
Abri um sorriso, perguntando-me o que faziam essas idiotas ficarem comentando e mandando energias positivas para alguém que não conheciam realmente. Quer dizer, que só conheciam o que eu mostrava e queria que achassem que era a minha verdadeira "eu". Porém, alguns outros comentários começaram a manchar toda a onda de bondade, amor e carinho que eu estava recebendo e eu levei mais a sério cada uma daquelas palavras maldosas do que as boazinhas. Não que eu me importasse ou que fizesse alguma diferença em minha vida, pois sei que, na internet, cada um fala o que quer e age da forma que quer por possuir um escudo virtual que lhe protege e não dá a cara à tapa. Eu só queria que cada uma das vadiazinhas invejosas repetissem suas merdas em minha frente e se teriam, no mínimo, a coragem.
@hilaryyystanford: LOL quanto drama, vai se foder, sua vadia. Existem modelos muito melhores que você.
@taylormoore19: Ela age como se o mundo girasse em torno dela e isso é tão engraçado.
É por esses e outros motivos que muitas pessoas de autoestima baixa e cheias de inseguranças sofrem bullying, deixando-se afetar pelo o que leem. Ninguém tem medo de ser cruel enquanto se esconde atrás da tela de um celular, mas essa é uma das inúmeras diferenças entre mim e essas perdedoras. Eu sou cruel quando quero ser e, para mim, é tão fácil quanto respirar. O veneno de uma cobra não mata a outra.
É o que dizem... Atrás de um portão qualquer chihuahua late.
Saí do Instagram e fui para o Twitter, onde as notícias surgiam em tempo real. Comecei a olhar tudo relacionado a mim na página ToriWolfgangUSA, a primeira fonte de notícias sobre mim que vi na internet. Haviam várias fotos minhas entrando e saindo do hospital, vídeos das abordagens dos paparazzis, a minha postagem com o Karl no Instagram, tweets me mandando forças para ultrapassar essa barreira que se instaurou em minha vida e tweets ainda torcendo pela melhora do Justin e por nós dois juntos. Nada muito surpreendente - pensei comigo mesma. Até que, quando eu fiz menção de voltar até o início do aplicativo, outra atualização apareceu. Era um retweet de um vídeo publicado originalmente pela página do TMZ.
@toriwolfgangusa: rt @TMZ: Vídeo: Isabelle Banks, filha de Edward Wolfgang em um relalcionamento extraconjugal, ataca Tori Wolfgang: "Ela não quer saber de nós".
Senti meu sangue ferver e meu coração palpitar dentro do peito, mas me obriguei a permanecer controlada enquanto me direcionava ao link no tweet, entrando no site do próprio TMZ para ler a matéria na íntegra.
"Após ser revelado o escândalo envolvendo a família Wolfgang, cujo você pode ficar atualizado >aqui<, páginas e mais páginas do capítulo dessa história não param de surgir. Dessa vez, Isabelle Banks, filha de Edward Wolfgang em seu relacionamento extraconjugal com a secretária executiva Elouise Banks, fora abordada por fotógrafos em frente à escola em que estuda, localizada em Nova Iorque e fez uma revelação sobre sua nova descoberta irmã, Tori Wolfgang. Assista ao vídeo abaixo: [...]"
Dei play e esperei carregar, começando a sentir minha respiração se alterar e meu corpo ficar quente enquanto minhas mãos tremiam sutilmente.
"[...] - Isabelle! - um fotógrafo a chamou em frente ao prédio de uma escola enquanto a garota que vi nas fotos e que, subitamente, acabei descobrindo que era minha irmã atravessava os portões em direção à calçada. Ele ficou ofegante com a câmera na mão enquanto se aproximava da garota, cuja estava acompanhada do meu querido irmãozinho mais novo. - Você é a Isabelle Banks, não é? - ele perguntou, focando a câmera no rosto dela. Senti um arrepio percorrer minha nuca com as semelhanças claras que haviam entre nós, o que resultou em um caroço se formando em minha garganta e mais tremor em minhas mãos.
- Sim. - a vadiazinha respondeu e a vi contendo um sorrisinho nos lábios. Ela devia estar adorando aquilo.
- Qual sua relação com Edward Wolfgang? Vocês são próximos? Ele é presente em sua vida? - o paparazzi perguntou, fazendo-a desviar o olhar fingindo desconforto. Era atuação. Eu sabia reconhecer e conseguia até imaginar a garota ensaiando o que fazer na frente do seu espelho barato, nada igual ao meu moldado em arabescos com cristais.
- Eu não... - ela balançou a cabeça, agarrando ainda mais o braço do garoto ao seu lado. Ele nem ao menos olhou para a câmera e manteve sua cabeça baixa, como se quisesse esconder seu rosto e sua imagem de toda àquela palhaçada. Bem diferente da sua irmãzinha que, pelo visto, adorava um holofote.
- E Tori Wolfgang? Vocês já se falaram? Já entraram em contato? - o paparazzi perguntou novamente e eu senti meu sangue gelar, entrando em contraste com a sensação quente de antes.
- Ah, não. Acho que ela não quer saber de nós. - a garota abriu um sorriso triste que, para um bom conhecedor, como eu, sabia que era completamente falso."
O vídeo chegou ao fim, mas a matéria ainda se estendia logo abaixo.
"Para quem não a conhece, Tori Wolfgang é uma das novas queridinhas do mundo da moda. A última vez que vimos uma modelo ser tão superestimada, ela se tornou nomes de peso como Candice Swanepoel, Gisele Büdchen e Adriana Lima. Contudo, o que a vem mantendo no topo das notícias não é o seu trabalho, mas sim os escândalos em que está envolvida. Uma celebridade que é só famosa por conta dos escândalos? Isso é feio. Ela já foi vista em uma boate com seu mais novo namorado, Justin Bieber, que possui ficha criminal e já esteve envolvido em esquemas ilegais, como lutas clandestinas e, agora, por fim, está envolvida nessa mais nova revelação feita por sua nova descoberta irmã, Isabelle Banks. Será que a Tori só está preocupada em viver seu conto de fadas com um bad boy e esqueceu da família? Do trabalho? Isso não seria de surpreender já que sua última postagem no Instagram foi um anúncio do seu afastamento dos desfiles da Chanel, cujo a mocinha fora o destaque do início.
Agora só resta esperar as novas páginas e os novos capítulos desse drama familiar e escândalos românticos."
- Senhori... - a voz do Michael pairou pelo ar ao meu redor, mas eu não pensei no que estava prestes a fazer. Ergui meu olhar, dei-me conta de que já estava parada em frente ao chafariz e à porta principal da minha mansão e abri a porta do carro com pressa, pisando duro ao começar a caminhar em direção à entrada.
Liguei imediatamente para a Ruth e pus meu celular na orelha enquanto subia os degraus que levavam à parte superior da fachada da mansão, sendo atendida no segundo toque.
- Você já viu. - ela falou do outro lado da linha, poupando-nos de toda a enrolação dos cumprimentos. Melhor assim. Possivelmente já era de se imaginar a forma como eu cuspindo fogo no momento.
- Sim, eu já vi. - falei, disparando para dentro de casa assim que a empregada abriu a porta rapidamente. - O que a equipe de marketing sugere que eu faça? Isso foi golpe baixo, Ruth. Golpe baixo. Não faz nem um dia que vazou o escândalo do divórcio e isso sai? E quem essa vadia pensa que é? - explodi, começando a me alterar.
- Opa... O que aconteceu? - minha mãe apareceu acompanhada do seu advogado e empresário em cada um dos seus lados, vindo da direção do escritório.
- Acabei de entrar em uma reunião via videoconferência e ligo de volta quando já tivermos um plano a te instruir. Até lá, não faça nada. Não poste nada. Ok? - Ruth falou do outro lado da linha e eu revirei meus olhos, bufando.
- Resolvam isso logo. - ordenei, desligando a chamada.
Comecei a andar em direção a sala de estar e escutei o som dos saltos da minha mãe me acompanhando logo atrás de mim.
- Filha, o que aconteceu? - ela repetiu a pergunta logo quando sentei em um dos sofás decorativos, afundando meu rosto em minhas mãos ao apoiar meus cotovelos perto do joelho a fim de tomar uma longa e calmante respiração. Fechei meus olhos e inspirei de forma profunda, prendendo-o antes de expirar lentamente. Repeti o exercício três vezes, fazendo minha atividade cardíaca diminuir um pouco assim como os níveis de adrenalina que foram lançados em meu corpo e que estavam correndo pelo meu sangue como um combustível.
- A bastarda deu uma declaração para um paparazzi dizendo que eu não queria saber da minha família postiça e o TMZ me atacou. Não é nada demais, eu só deixei isso subir à cabeça e enxerguei vermelho por alguns minutos. - respondi, erguendo minha postura novamente enquanto continuava respirando de forma lenta.
- Ah, querida. - minha mãe murmurou, vindo sentar ao meu lado - Estamos muito expostas agora e essas plataformas de notícias como o TMZ e o HollywoodLife se abastecem de escândalos como os nossos. Esse baixo é passageiro, já estamos em processo de reerguimento. Ruth irá te ligar, orientar a fazer o melhor e tudo vai ficar bem. - ela sorriu para mim e eu deixei que suas palavras se infiltrassem em meu cérebro como um calmante. Eu precisava me tranquilizar. Não havia motivos para ficar nervosa ou alterada.
- Eu vou ligar para o meu pai. - falei, pegando meu celular do estofado novamente antes de começar a rolar a tela em busca do contato dele - Preciso que ele converse com a filhinha mais nova pra evitar situações como essas. Não vou ficar parada esperando Ruth me ligar. - achei o contato e o liguei, colocando o celular encostado na orelha mais uma vez. Minha mãe ficou me observando em silêncio, sem nenhuma contradição em relação à minha atitude estampada em suas feições.
- Filha. - meu pai atendeu do outro lado da linha e a julgar pelo seu tom de voz eu poderia dizer que ele já estava esperando minha ligação.
- Eu acho melhor você colocar uma focinheira na sua filha mais nova. - falei sem delongas, fazendo com que minha mãe engasgasse ao meu lado e começasse a rir silenciosamente.
- Victoria, a linguagem. - repreendeu.
- Pai, o adultério. - devolvi, erguendo minha sobrancelha mesmo ciente de que ele não podia ver meu rosto agora. Tomei seu silêncio como um ponto de largada para ir direto ao assunto. - Você viu o que a bastarda falou sobre mim?! - exclamei - Eu estou começando a construir minha carreira agora, encarando uma situação pela qual não esperava e ainda tenho que ser atacada por uma matéria tendenciosa de um site influente só porque sua filhinha não sabe ficar de boca fechada. - levantei, agora muito mais controlada do que antes mesmo que a entonação da minha voz explicitasse justamente o contrário.
- O que ela falou sobre você? - ele perguntou em meio a um suspiro, como se estivesse cansado. Ah, mas eu ia dá-lo motivos reais para se cansar se não calasse a boca da minha nova irmãzinha postiça.
- Um paparazzi a perseguiu na frente da escola em que estuda e ela disse que eu simplesmente não quero saber dela e do moleque, como se eu tivesse a rejeitado! - exclamei mais uma vez, deixando clara minha indignação e incredulidade - Você sabe o quanto isso pode ser ruim para mim na mídia, pai. - abaixei meu timbre e usei minha tática de convencimento que me sempre foi eficaz, pois o fazia agir da determinada maneira que eu queria.
- Eu sei. - ele suspirou novamente, mas dessa vez menos cansado e mais com um ar de compreensão. - Eu vou conversar com a Isabelle e com o Liam para não falarem nada sobre você ou quando forem questionados sobre você e mostrar o peso que isso detém a uma figura pública. Sinto muito se ela lhe causou problemas. - sua voz amena me fez sorrir e jogar o cabelo para trás ao lançar um olhar em direção à minha mãe, fazendo-a entender que eu tinha conseguido dobrá-lo às minhas vontades. Como sempre. Ela poderia ser a filha mais nova, mas eu era a queridinha. Eu era a primeira. Eu era a realeza. Ela sempre ficaria em segundo plano.
- Ótimo. - murmurei, voltando a sentar no sofá com os ombros menos tensos do que antes - Obrigada. - revirei meus olhos.
- Qual a melhor data para marcarmos o jantar que lhe falei? Isso pode até ser bom para a sua imagem na mídia, pois mostrará que a tal matéria tendenciosa era mentirosa e que você não tem nenhuma pretensão em rejeitar seus irmãos. - meu alívio foi subitamente substituído por um desconforto enquanto aquela pequena fração de todo o problema cuja eu estava tentando ignorar se forçava a entrar em minha mente e me fazer pensar a respeito.
- Eu não sei. Minha agenda está lotada de inúmeras tarefas e mal tenho tempo para mim mesma. Há uma semana não vou ao cabeleireiro ou faço algum tratamento estético. Estou enlouquecendo. - suspirei - Quando eu puder, aviso. - dei o ultimato final.
- Tudo bem. - ele estalou a língua e bufou, provavelmente achando que minhas preocupações eram fúteis - Pense no que eu te falei, de qualquer jeito. - assenti, mas me lembrei novamente que estava em uma ligação e que não era possível me ver no momento.
- Pode deixar. Até mais. - despedi-me e desliguei a chamada, colocando meu celular ao meu lado no estofado, entre mim e a minha mãe. Ela se virou em minha direção e se apoiou com o cotovelo no encosto.
- E então? - perguntou, sorrindo de um jeito que já deixava claro que eu não precisava respondê-la.
Poupando-me de um resumo dos últimos três minutos de ligação com meu pai, meu iPhone começou a tocar novamente e vi o nome da Ruth no visor da dela, fazendo com que eu o pegasse e atendesse a ligação mais rapidamente do que o costume.
- Oi. - falei, trazendo de volta o celular até minha orelha.
- Oi, Tori. Eu acabei de finalizar a pequena reunião que tive com e equipe de marketing e entramos em um consenso. Será melhor você falar a respeito da matéria e desmenti-la, fazendo-se de vítima de um jeito bem natural e que leve as pessoas a compreender o seu lado da história, enxergando o TMZ como uma fonte tendenciosa de notícias. Acha que consegue fazer isso? - perguntou e eu comecei a pensar em inúmeras formas de responder àquela matéria do jeito Tori Wolfgang.
- Claro, eu consigo. Eu não posso responder no Twitter por causa do limite de caracteres, então vou tirar um print da matéria e postar em meu Instagram, explicando a situação na legenda. Pode ser? - cutuquei o canto da minha unha, aconchegando-me no estofado ao lado da minha mãe.
- Sim, é até melhor desse jeito. O Twitter é uma plataforma muito pública, muitas celebridades nem assumem sua conta, mas o Instagram é mais pessoal e íntimo. Faça isso. - sua voz transparecia calma e profissionalismo, um dos dois motivos do porquê aceitei trabalhar com ela - E, ah, Josh está a caminho para que revisar alguns contratos e o roteiro da entrevista de amanhã que já fora debatida entre os assessores e a nossa equipe. - avisou.
- Certo. Vou postar a foto respondendo a matéria, então avise ao resto da equipe para me dar um feedback depois. - falei, já querendo encerrar a ligação. Eu odiava ficar muito tempo falando no celular.
- Pode deixar. - murmurou e eu afastei meu celular da orelha, desligando a ligação antes de trazê-lo para frente do meu corpo.
Senti o olhar da minha mãe fixo em mim enquanto eu voltava para a página da reportagem e tirava um print da tela, direcionando-me ao Instagram a fim de postá-la. Na parte da legenda, pensei um pouco antes de começar a digitar, inspirando-me a ser aquela garotinha vitimizada que meus seguidores conheciam,
@ToriWolfgang: Bom, @TMZ, isso foi maldoso e pretensioso, mas não vou atacar seu jornalismo informal e nada imparcial, pois fui colocada em uma posição em que preciso me defender dessa acusação sem fundamento. Eu descobri que minha família estava com problemas cerca de dois dias antes disso se tornar um assunto público. É muito recente e eu ainda estou buscando meios para passar por toda essa situação. É por essa razão que ainda não tive nenhum contato com meus meio irmãos recém-descobertos, mas não necessariamente significa que os rejeitei. Eu não esqueci a minha família e não sei como poderia, pois é o pilar que me mantém mais firme onde estou. Além disso, Justin Bieber não é um "bad boy" publicitário para que vocês possam se referir a ele dessa maneira. Estamos passando por momentos delicados em nossas vidas e encontrando apoio um no outro. Isso é tudo. Agradeço a todos pelos os comentários positivos e energias boas, vocês também me dão muito suporte quando preciso e eu aprecio isso. Obrigada.
Postei a foto e desviei o olhar para minha mãe, começando a sentir o celular tremer com as notificações em meu colo assim que o coloquei sobre ele. Ela sorriu e uma expressão carregada de orgulho assumiu as feições do seu rosto enquanto me olhava, como se estivesse admirando um trabalho bem feito.
- Eu tenho tanto orgulho do modo como você assume suas responsabilidades, sabia? Às vezes eu não consigo mais ver minha menininha que dependia de mim e só consigo enxergar a mulher maravilhosa que você está se tornando. - seu sorriso se alargou e eu precisei desviar o olhar depois de revirá-lo, soltando uma risada baixa.
- Mãe, para com isso. Você sabe que não gosto desse tipo de conversa. - balancei minha cabeça e senti sua mão sobre a minha, como um sinal para me fazer voltar a encará-la. Seus olhos azuis continuavam me fitando com adoração, mas com um ar divertido.
- Você? Não gosta de ter seu ego acariciado? - brincou e eu soltei uma risada, dando um tapinha de brincadeira em sua coxa.
- Você me entendeu. - mostrei a língua, aconchegando-me ainda mais perto dela no sofá - Eu não gosto dessas conversas sentimentais e reflexivas. - expliquei, mesmo que não fosse necessário.
- Eu sei. - senti sua mão acariciando meu cabelo antes de um beijo ser depositado sobre minha têmpora - Você sempre teve uma racionalidade invejável. - murmurou, envolvendo-me com seus braços em um jeito tipicamente maternal.
- Eu sempre fui assim, não é? - perguntei, voltando a abaixar meu olhar e comecei a brincar com a barra da ponta da manga da minha camisa.
- Sempre. Até criança. - ela riu - Nunca deixava se abalar por nada, sempre tinha uma resposta na ponta da língua e sempre, sempre, encontrava uma solução prática e direta para qualquer probleminha que aparecesse. - ela soltou uma risada e eu a acompanhei, imaginando qual problema que eu poderia ter durante minha infância. Provavelmente ela estava se referindo aos momentos em que Sebastian simplesmente não queria andar, mesmo quando eu lhe dava os comandos, ou quando algum dos meus brinquedos quebravam. Lembro que quis um computador que me ajudasse a escolher meu look para o dia e isso sim foi um problema, pois não pude tê-lo por simplesmente não existir e ser um aparelho completamente fictício.
- Você acha que esse lado meu... - comecei, mas mordi a ponta da minha língua sem saber se eu realmente deveria tratar daquele assunto no momento - Você acha que o fato de eu ser mais racional do que emocional é um defeito? - perguntei, virando um pouco minha cabeça para encará-la e observar sua reação quando me respondesse.
- Honestamente, Victoria, não é um defeito, mas não é de todo uma virtude. Você é a minha filha e eu só lhe desejo o melhor, desde que te senti pela primeira vez dentro de mim. - bufei, revirando meus olhos com todo o começo daquela ladainha - E, querendo o seu melhor, - ela enfatizou, abrindo um sorriso - eu acho que você vive preocupada demais em não se deixar sentir, não se deixar ser humana, entende? Você associa sentimento à fraqueza e não é bem assim. Quando você permitir que suas emoções tenham um pouco mais de controle do que realmente possuem, tudo ao seu redor assumirá uma perspectiva diferente. Vai te fazer crescer, filha. Parece que você se esconde atrás da sua razão por medo do que a emoção te trará. É algo novo, eu sei, mas experimente. - ela apertou a ponta do meu nariz entre os dedos e me deu mais um beijo na testa enquanto eu permaneci parada e quieta, assimilando tudo o que me foi dito. Era por medo? Eu tinha realmente medo de sentir?
- Com licença. - uma voz desmanchou a bolha em que eu e minha mãe havíamos nos inserido e levantei, ajeitando minha postura no sofá antes de virar e ver o Josh parado na entrada da sala de estar. - Posso? - perguntou educadamente, referindo-se claramente ao momento mãe e filha que ele interrompeu.
- Claro, eu já estava voltando para o escritório. Preciso resolver algumas pendências. - minha mãe respondeu e abriu um dos seus sorrisos simpáticos. Ela deu um beijo carinhoso em minha testa e afagou meu ombro antes de levantar sobre seus saltos elegantes e passar por Josh, deixando-nos sozinhos.
- Bom dia. - ele me cumprimentou, aproximando-se até sentar no sofá em frente ao que eu estava muito bem acomodada anteriormente.
- Bom dia. - respondi, abaixando meu olhar até as pastas que ele carregava consigo e que colocou sobre o colo. - O que tem aí com você? - perguntei.
- O contrato da Calvin Klein, um convite da Chanel e o roteiro da entrevista de amanhã. - respondeu, mas franzi meu cenho ao ser informada sobre o tal convite da Chanel. Que convite poderia ser?
- Um convite da Chanel? - perguntei, erguendo minha sobrancelha em curiosidade.
- É, veja só. - Josh se ocupou por alguns segundos em abrir sua pasta e mexer em alguns papeis até pegar um deles em sua mão e estendê-lo para mim. Segurei-o e trouxe a folha para perto, começando a ler para saber do que se tratava.
Resumidamente, a marca havia percebido que foi um erro me afastar do desfiles porque minha equipe soube contornar a situação perfeitamente bem e eu ando expandindo minha plataforma de influência nas redes sociais, o que atrairia muito mais atenção se eu estivesse desfilando em nome deles. Devido a isso, toda a equipe e direção executiva me propuseram um convite para que eu fechasse a pequena turnê de desfiles pela Europa, já que a abri ao lado do Karl.
A parte imatura dentro de mim negaria em razão do meu ego ferido. Eles me afastaram como se eu fosse descartável e só me queriam de volta porque lhes seria conveniente. Entretanto, a parte adulta e madura que estava sendo aflorada com exercícios diários de responsabilidade carregada nas costas sabia que eu precisava dar uma resposta positiva, pois estava apenas começando minha carreira e precisava de contatos, tanto quanto uma boa imagem na indústria da moda. Quando o contrato chegasse ao final, eu precisaria da Chanel como referência e sabia que isso dependia, agora, da minha resposta.
- Envie-lhes uma resposta e diga que aceito, que ficaria honrada e todo aquele blá-blá-blá. - falei, entregando o email impresso de volta a Josh - Ou você acha melhor que eu responda diretamente? - ergui meu olhar até ele, cruzando minhas pernas em uma postura ereta da minha coluna.
- Não, pode deixar comigo. É melhor manter uma relação distante com a marca por agora. Não precisamos que você pareça desesperada. - ele me aconselhou e eu assenti em concordância.
Passamos o decorrer dos minutos analisando mais papeladas. Primeiramente li o roteiro da entrevista com a Ellen que iria ser gravada no estúdio amanhã e o guardei ao meu lado para relê-lo posteriormente a fim de ensaiar melhor cada resposta que o Josh me orientou a conceder. Em seguida, ele me mostrou todas as cláusulas destacadas do novo contrato que eu iria assinar com a Calvin Klein e me falou que já estava cuidando do andamento de uma reunião com todos os representantes. O contrato me oferecia inúmeras vantagens e uma liberdade muito maior do que a Chanel e não pude deixar de comparar as duas marcas, sabendo que, de certa forma, eram incomparáveis. A Chanel era o topo da escada que toda modelo sonhava em alcançar, era o degrau que a elevava para um nível completamente superior, já a Calvin Klein assumia uma política de trabalho mais eclético e alternativo. Entretanto, eu sabia que não estava me rebaixando ao não renovar o contrato com a Chanel e começar um novo, pois a CK está se expandido e se popularizando cada vez mais por conta da influência das mídias sociais como um todo. Dessa forma, ser o novo rosto deles pode me ser uma vantagem muito maior do que a estagnação na moda clássica porque os jovens precisavam de representatividade de estilo na indústria.
Após finalizarmos, Josh me deu um intervalo de uma hora a fim de que eu pudesse me arrumar para seguirmos até o local onde a primeira reunião da minha marca de cosméticos aconteceria. Levando comigo minha bolsa e meu celular, subi até meu quarto e me tranquei, seguindo meus mesmos costumes de sempre.
Coloquei meus pertences em cima da cama e me despi enquanto caminhava em direção à suíte. Nua, entrei no box de vidro do banheiro e tomei um banho, aproveitando o tempo que eu tinha para lavar meu cabelo. Deixei que a temperatura morna da água acalmasse os tendões dos meus músculos enquanto a corrente se chocava em meu corpo e só saí depois de uns bons minutos relaxando. Deixei que toda a tensão acumulada fosse embora pelo ralo ao me convencer de que eu daria conta das responsabilidades e que não havia motivo nenhum para me preocupar.
Sequei meu cabelo e o escovei, desejando loucamente ir a um salão de beleza enquanto arrumava os fios e os deixava uniforme. Ao finalizar, caminhei usando meu roupão rosa de seda até meu closet e escolhi a roupa que iria usar. Após entrar em minha lingerie, coloquei um vestido justo em tom de nude, calcei meus saltos da mesma cor e finalizei com uma jaqueta branca por cima dos ombros, sem realmente vesti-la em meus braços. Fiz uma maquiagem leve e casual, usando poucos acessórios a fim de não deixar o visual muito carregado. Por último, troquei minha bolsa para uma Chanel branca com suspensório e estava pronta.
Saí do meu quarto, segurando meu celular em minha mão e desci as escadas enquanto checava o horário no visor da tela. Ainda havia tempo de sobra até o horário marcado da entrevista, o que era bom porque eu precisava passar em uma Starbucks primeiro. Eu não sabia se sobreviveria àquele dia sem uma pequena dose de cafeína.
- Josh. - chamei-o, surgindo na sala de estar.
- Você parece bem. - ele me elogiou de maneira distante, sempre mantendo o ar profissional que eu tanto apreciava. Tudo o que eu não precisava era ficar desconfortável na presença do meu empresário.
- Eu sempre pareço bem. - bufei, revirando meus olhos de um modo divertido. Ele balançou a cabeça e soltou uma risada, recolhendo sua pasta do colo antes de se levantar e vir até mim.
- Podemos ir agora, se quiser. - falou, voltando a assumir sua postura séria.
- Claro, vamos. Eu preciso passar na cafeteria primeiro. - assenti, virando-me na direção da ala oeste da casa, onde eu sabia que ficavam todos os empregados quando não estavam exercendo nenhuma função específica na hora - Henrietta! - chamei em um tom alto a única empregada que eu sabia o nome por ser a mais velha e a mais antiga na casa. Ela começou a trabalhar para os meus pais muito antes de eu nascer e cresci com essa mulher me rondando, então ter seu nome em minha memória era apenas uma infeliz consequência.
A tal senhora surgiu em passos apressados e um olhar que poderia ser descrito como "em que posso ajudar, minha senhoria?" antes mesmo das palavras saírem de sua boca.
- Sim, senhorita? Em que posso ajudá-la? - perguntou educadamente, sempre com um sorriso gentil no rosto.
- Avise a Michael que estou pronta para sair. - falei.
- E a senhorita precisará de algum segurança? - perguntou, já pronta para realizar a tarefa que lhe ordenei. Olhei para Josh e ele balançou a cabeça negativamente em uma expressão tranquilizadora.
- Não. - voltei-me para a mulher em minha frente, assistindo-a retornar em disparada pelo mesmo lugar de onde surgiu.
- Não sei como ainda me surpreendo com a sua amabilidade em relação às pessoas. - Josh murmurou sarcasticamente ao meu lado e eu soltei uma risada, lançando-lhe um olhar sem emoção.
- Ainda bem que todos eles assinaram contratos de confidencialidade ou então minha carreira iria por água abaixo só com uma declaração dessa criadagem. - respondi, cruzando meus braços sob a jaqueta em meus ombros - Ou então eu teria que fingir ser querida com todos o tempo inteiro. - imaginei, fazendo minha voz soar com um ar de suposição.
- Bom, dizem que uma mentira bem contada acaba se tornando uma verdade. Então... - ele gesticulou em minha direção, deixando a conclusão da frase no ar. Soltei uma risada e balancei a minha cabeça, vendo-o me acompanhar em seguida.
- Eu acho que no meu caso não se aplica. - brinquei e Josh concordou com a cabeça.
Eu o conheci quando tinha quinze anos e comecei a realizar trabalhos mais sérios e profissionais, dando um início "oficial" a minha carreira. Sendo amigo do empresário da minha mãe e também uma pessoa que lhe era de confiança particular, ela me "entregou" a ele e desde então não tivemos problema de nenhum segmento. Eu não sabia muito a respeito da vida pessoal dele, apenas que era noivo em função do anel que carrega em seu dedo anelar, por mais que ele passe mais tempo comigo do que com a mulher em questão. Possivelmente minha mãe saiba mais a respeito dele, mas não é um assunto que me interesse, então nunca a questionei sobre isso.
- Senhorita. - Henrietta apareceu novamente, cruzando os dedos das mãos em frente ao seu corpo ao declinar os ombros para frente - O motorista está à espera. - anunciou.
- Já era sem tempo. - comentei, batendo meus saltos no chão ao andar em direção à porta principal. Josh me seguiu assim que saímos da mansão e percebi que ele ficou tentado a me oferecer ajuda para descer os degraus íngremes da fachada da casa. Ainda bem que percebeu que aquilo soaria extremamente rude, considerando que meu trabalho é basicamente me equilibrar sobre agulhas e andar com segurança.
Ao me aproximar do carro, Michael abriu a porta para mim e entrei, deixando-o fechar a porta logo em seguida. Esperei até que os dois homens estivessem feito o contorno do veículo e só então, quando todos nós estávamos perfeitamente acomodados em nossos assentos, o motorista deu partida em direção à saída do condomínio fechado das maiores e melhores mansões de Beverly Hills.
- Michael, passe na Starbucks. Preciso de um café. - falei, recostando-me no assento para ficar mais à vontade.
- Sim, senhorita. E em seguida dirijo até o edifício empresarial? - perguntou, lançando-me um olhar educado através do espelho retrovisor.
- Sim. - respondi, assentindo.
Nessa hora, um toque de um celular chamou nossa atenção e Josh pegou seu iPhone de dentro do bolso, lendo a mensagem que havia acabado de receber. Segundos depois, quando o carro já havia entrado na pista principal, ele ergueu seu olhar em minha direção e me entregou seu celular.
- É a chamada do E! para a entrevista que vai ao ar hoje. Eles precisam de uma aprovação e autorização para lançarem a matéria mais tarde. - ele explicou, mostrando-me um vídeo pausado logo no início.
Sem falar mais nada, deslizei meu dedo pelo play e esperei que a chamada de trinta segundos se iniciasse.
A voz da entrevistadora começou a soar em uma narração enquanto várias fotos e pequenos sneaks peaks da minha família em tapetes vermelhos apareciam na tela. Em seguida, sua voz e os sons de chamada da apresentação cessaram, dando mais efeito a uma das perguntas mais impactantes e que chamariam mais atenção do telespectador que estivesse interessado a ficar por dentro do escândalo. A imagem da minha mãe respondendo a pergunta foi substituída por mim, com lágrimas nos olhos e falando que toda aquela situação era muito difícil. Então, após mais algumas fotos e pequenos trechos de vídeos, o logotipo do E! e uma mensagem promovendo a exclusividade da entrevista com o canal finalizou os trinta segundos.
- Responda-os e diga que tem minha aprovação, assim como minha autorização. - entreguei o iPhone de volta a ele e o olhei - Minha mãe também recebeu um email desse, não é? - perguntei a título de curiosidade e Josh assentiu, dando de ombros.
- É claro. O empresário dela que acabou de me enviar. - explicou e eu balancei a cabeça em concordância. - Ela também aprovou o resultado da chamada. Basta assistir ao programa que vai ao ar mais tarde. - falou, digitando na tela do celular.
- Não perco esse escândalo bombástico por nada. - murmurei de forma sarcástica e observei Michael manobrar o carro em uma vaga de estacionamento em frente a um Starbucks.
Esperei até que ele saísse do carro e desse a meia volta, vindo abrir a minha porta. Caminhei pela calçada em direção à cafeteria e entrei na mesma, atraindo a atenção de algumas pessoas que estavam reunidas em pequenos grupos nas mesas, assim como a das atendentes. Fui até uma inespecífica e ela abriu um sorriso educado para mim, sem conseguir esconder sua intimidação diante da postura.
- Olá, bom dia. Qual o seu pedido? - perguntou, posicionando-se atrás de um caixa eletrônico.
- Eu quero um Pumpkin Spice Latte Grande com o leite vaporizado e 2% de gordura. - falei, observando-a fazer meu pedido - E ah, sem chantilly. - especifiquei e a atendente assentiu.
- O pagamento vai ser feito a dinheiro ou cartão, senhorita? - ela ergueu os olhos para mim novamente e eu abri minha Chanel, tirando de dentro minha carteira e meu cartão de débito.
- Débito. - informei, entregando-o em suas mãos. Após realizar a transação, o cartão foi me devolvido e guardei minha carteira novamente.
- Qual seu nome? - perguntou, pegando o copo grande da bebida em uma mão e uma caneta preta na outra.
- Tori. - falei, sem muita paciência para aquela burocracia bonitinha do Starbucks.
Esperei uns bons instantes até que a bebida quente me fosse entregue com a nota fiscal e lhe lancei um sorrisinho amarelo em agradecimento pelo atendimento. Dei um primeiro gole enquanto saía da cafeteria e voltei para o quarto, já com Michael me esperando. Ao entrar, ele fechou a porta novamente e voltou para o seu lugar, dando partida ao sair da vaga de estacionamento e retornar ao tráfego das ruas movimentadas de Beverly Hills.
Tomei meu café durante o percurso, desejando que a cafeína fizesse logo efeito e que eu conseguisse extrair o máximo de produtividade possível daquela reunião e do meu dia como um todo. Era incrível a forma como meu cérebro conseguia se focar apenas no meu trabalho quando eu assumia essa postura mais profissional. Todo o drama da minha família por trás das câmeras e o do Justin também são completamente esquecidos no decorrer das horas, como se simplesmente não existissem.
Justin...
Pensar em seu nome, nem que fosse por um segundo, fez com que eu tentasse imaginar o que ele poderia estar fazendo agora. Assistindo a algum programa de televisão? Será que as enfermeiras já lhe deram seu café da manhã? Como anda a relação dele com a Pattie? Os dois possuem assunto para conversar ou o clima fica estranho? Eu só fiquei com ele nessas duas noites e, como todo o final de dia, ambos já estávamos desgastados. Principalmente ele, levando em consideração a quantidade de remédios e sedativos que precisa tomar por conta do processo de recuperação pós operatório.
Precisei conter minha risada ao lembrar do show que Justin deu quando descobriu que estava usando um cateter. Aquilo beirou o limite do ridículo. São nesses momentos que eu esqueço um pouco daquele lado em que somos parecidos com a arrogância, superioridade e desejo de controle insaciável para olhar e me permitir conhecer um pouco do melhor que existe nele. É uma das pessoas mais desbocadas que conheço, mas essa falta de filtro no que falar ou fazer só o veste como uma virtude, não um defeito. Justin fala o que pensa sem se importar com regras de etiqueta ou educação. Como deve ser agir dessa forma? Eu sempre soube e estive certa, durante toda a minha vida, que ter classe era a chave mestra de todas as relações sociais bem sucedidas. Sempre me encaixei e me enquadrei nos padrões estabelecidos e nunca tive nenhum problema com isso. Entretanto, a única vez que me deixei levar pela irracionalidade e agi por impulso, da maneira mais louca e impensada possível quando se trata de mim foi com ele.
E eu me senti livre. Senti-me bem, feliz. Respirando.
Só que, com a liberdade, vem a perda das estribeiras. A perda do controle, exatamente como aconteceu depois daquela noite em que fomos à boate juntos.
E perder os fios dos fantoches da minha vida é tudo o que não preciso.
- Chegamos. - Josh anunciou ao meu lado e eu saí do meu transe, piscando ao olhar para fora das janelas de vidro do meu carro na intenção de dar uma boa olhada nos quarenta andares do edifício empresarial onde ocorreria a primeira reunião oficial da minha marca. Comecei a sentir uma excitação correndo pelo meu corpo e um friozinho bom em minha barriga, mal sendo possível esconder o sorriso que me surgiu repentinamente.
Saí do veículo e esperei Josh chegar ao meu lado para que ele me guiassem em direção ao interior do prédio. Todas as paredes eram de vidro e a decoração era bem moderna, o que lhe dava a impressão de que estava em um universo futurista. Não pude deixar de me encantar momentaneamente, mas logo me recompus e continuei seguindo meu empresário até pararmos em frente a um balcão que misturava a transparência do vidro com o prateado que reluzia do acabamento da madeira. A recepcionista nos cumprimentou e, depois de saber quem éramos, fez questão de nos encaminhar pessoalmente até o elevador depois de avisar à outra do andar respectivo que iríamos. Quando finalmente o botão do painel brilhou no 27º andar, Josh me concedeu a passagem e fui muito bem recebida pela mulher que nos esperava. Ela afirmou que os outros executivos e empresários estavam à nossa espera e mais uma vez fomos acompanhados até uma grande porta de madeira com o mesmo acabamento prateado e grandes puxadores. Estendendo a mão para me permitir entrar, empurrei a porta e vários homens de terno e camisas sociais que já estavam de certa forma reunidos viraram para me olhar.
Em vez de me sentir intimidada com toda aquela atenção, com aquele lugar e com toda a formalidade da situação, eu me senti como se fizesse aquilo todos os dias. Era algo quase natural. Não me amedrontava ou despertava a menininha dentro de mim. Na verdade, a sensação que me invadiu foi muito contrária do que a excitação e ansiedade de não saber o que me esperava me proporcionou. Eu senti como se pertencesse àquilo, como se aquele fosse o meu lugar.
Josh me apresentou a cada um dos seis homens presentes, sendo que um deles era meu advogado particular, e todos me trataram com uma simpatia além da educação. Foi então que, quando puxaram a cadeira da ponta da longa mesa de vidro que ficava no centro da espaçosa sala de reunião com mais janelas de vidro que cobriam toda a parede, eu me dei conta do porquê me senti tão segura: eu era a chefe.
Cada um deles se posicionou em suas cadeiras, totalizando o número de oito homens contando com o Josh, o que acabou dividindo-os em dois grupos de quatro em ambos os lados.
Começamos a reunião tratando de toda a burocracia que seria necessária para patentear minha marca, tanto como papelada quanto como registros fiscais. Josh foi um perfeito braço direito na hora de me traduzir todos os termos difíceis que eu, honestamente, não fazia ideia do que poderiam significar. Entretanto, minha evidente imaturidade a cerca daquela nova zona não me retraiu, mas projetou o efeito contrário em mim. Não tive vergonha de fazer nenhuma pergunta e nem eles se abstiveram de me responder com o máximo de clareza possível. Eu sabia o quanto era necessário minha compreensão e absorção do que estaria acontecendo para o empreendimento colaborativo ir à diante.
Em seguida, quando dois dos sete homens ficaram encarregados de resolver os pontos judiciais e fiscais, prosseguimos a reunião e iniciamos uma discussão sobre as finanças e lucros. Isso estaria suscetível a todo tipo de material que eu fosse utilizar o que, exigi seriamente, que fosse o da melhor qualidade existente no mercado. Eu tinha condições mais do que suficiente para fazer um excelente investimento que me rendesse ótimas resenhas a respeito dos meus produtos, então não havia um sequer motivo que me fizesse cogitar a utilização de obras primas de terceira qualidade.
Meu advogado e Josh assumiram a maior parte do debate durante a separação das porcentagens de lucros e estimativas. Após realizar um esquema de vendas, levando em consideração todas as táticas publicitárias que seriam posteriormente pleiteadas, decidimos o número que seria disponibilizado como a primeira remessa.
Quando os contadores ficaram cientes de suas funções nas próximas etapas processuais, lidamos com a escolha do laboratório para realizar a confecção dos produtos. Foi-me apresentada as vantagens e desvantagens de trabalhar contratualmente com cada laboratório de cosmético da lista dos mais renomados do mercado. Com a ajuda do meu advogado, do Josh e de mais dois representantes que entendiam especificamente daquele negócio, acabei ficando em dúvida entre duas. Entretanto, no final, consegui chegar a um consenso com todos e selecionamos a Studio Shine Lip Lustre¹. Josh me garantiu que iria entrar em contato com a equipe e, antes de seguirmos adianta para a próxima pauta daquela reunião, eles me informaram que teríamos mais outra parecida com aquela para fecharmos o contrato com a empresa.
Assim que impus minha vontade de querer ficar incluída em cada decisão e cada progresso do projeto, inclusive na hora de fabricação dos produtos para me certificar de que tudo sairia com a perfeita qualidade, eles me falaram que, a partir disso, eu já posso começar a usar um esquema tático de publicidade para despertar o interesse e a curiosidade dos meus seguidores nas redes sociais. Ou seja, anunciar misteriosamente que algo novo estaria por vir, como por um exemplo. Por ser modelo, também faria alguns ensaios fotográficos que me ajudariam a divulgar a coleção, sendo o principal rosto da mesma. Perguntaram-me qual a ideia que eu tinha para a linha, apesar de me assegurarem que a harmonia da coleção inicial seria discutida na próxima reunião com os representantes do próprio laboratório para que pudessem repassar minhas ideias aos químicos antes de começarmos a "brincar" com as cores. Expliquei, de forma sucinta, que pensava em começar com tonalidades fortes e vibrantes, mas em efeito opaco, já que estava tão em alta. Tons de nude, rosa, vermelho, vinho - todas as que eu, particularmente, usaria, pois, dessa forma, seria mais fácil das meninas se identificarem com o gosto. Os homens também me orientaram a associar os nomes dos batons à minha vida, pois poderíamos utilizar aquilo como mais um objeto a ser trabalhado em questão de marketing. E então, em meio à conversa, veio a pergunta de um milhão de dólares: qual será o nome da marca?
Pensei na particularidade do trabalho e do quanto eu queria que aquele início da minha própria marca me representasse. Contudo, não seria possível nomear minha linha de "vadia", o que me fez rir em meio a um devaneio durante o silêncio inquietante de todos que me observavam, mas havia um adjetivo que me descrevia perfeitamente e que se encaixaria na proposta das cores: Scandalous (Escandalosa). Eu era uma vadia, a pior que alguém poderia conhecer e isso era um fato indiscutível, mas eu não era uma vadia qualquer. Eu era uma vadia movida à escândalos e polêmicas que sempre me colocavam no topo, atraindo todas as atenções para o meu brilho.
Eu era uma vadia escandalosa.
- Scandalous. - anunciei para todos os olhares que estavam à espera da minha palavra final.
E era a chefe das vadias.
Eles aparentaram terem gostado, mas, mesmo se eu tivesse recebido olhares de desaprovação, nenhum deles seria suficiente para me faze mudar de ideia. Estava decidido. Era a minha marca, o meu nome.
Scandalous by Tori Wolfgang.
Finalizamos a reunião ao acertar mais alguns detalhes que diziam respeito à produção de embalagens, designs gráficos e pontos de venda. Já havíamos discutido isso na pauta das finanças, quando decidimos que sairia mais em conta e aumentaria ainda mais meu lucro caso hospedássemos um site na internet exclusivamente para as vendas dos meus cosméticos, mas foi preciso retomar o assunto quando discutimos sobre a qualidade das caixas que seriam entregues via correio, o que seria um trabalho a mais devido à venda online, mas que, mesmo assim, ainda nos traria mais benefícios.
Já na próxima reunião, eu escolheria as primárias das cores nas paletas junto com os representantes do laboratório, a forma das caixas, o desenho do design assim como suas cores e, a partir disso, poderia começar a decidir os nomes dos meus bebês. Mais pessoas seriam contratadas para dar conta das entregas da remessa, mas isso só seria possível depois que o empreendimento fosse patenteado judicialmente, pois tudo o que eu não precisava era ter problemas de isenção fiscal.
Despedi-me de cada um dos encarregados de dar sequência a tudo o que fora discutido nesse meio tempo e os deixei conversando entre si ao sair da sala acompanhada por Josh e meu advogado. Eles continuaram falando sobre detalhes jurídicos e me esforcei a tentar entender tudo o que estava sendo dito em árabe. De repente, peguei-me pensando, em meio à cabine do elevador descendo do andar 19 para o 18, no que Justin pensaria se estivesse ao meu lado escutando essa conversa.
"Que porra que eles tão falando?"
"Engravatadinhos do caralho."
Senti um sorriso em meu rosto e pisquei, atônita, antes de balançar minha cabeça e reerguer minha compostura. Eu havia acabado de sair da minha primeira reunião formal e estava pensando nos palavrões que Justin diria. Ou meu cérebro derreteu depois dessa sequência de palavras ocultas do dicionário ou eu estou beirando à loucura.
Não contive minha inclinação infantil e peguei meu celular da bolsa assim que pisei para fora do elevador, sendo seguida pelos dois homens atrás de mim enquanto atravessava o saguão principal do prédio guarnecido de vidros. Voltando a sorrir, agora pela excitação e pela sensação maravilhosa de estar começando algo com o meu nome, onde eu era a chefe, digitei uma mensagem para a minha mãe a fim de contá-la as novidades.
De: Tori
Para: Mommy
Acabei de sair da minha primeira reunião. Por que não me deu um dicionário quando eu era pequena?
Soltei uma risadinha, sabendo que ela entenderia meu tom de brincadeira e ultrapassei as portas envidraçadas, sendo recebida com um rápido e cegante flash. Um paparazzi.
- Tori Wolfgang, certo? - ele perguntou, mirando a câmera em meu rosto novamente para tirar outra foto. Surgido do inferno, creio eu, outro fotógrafo apareceu e me cercou do outro lado, fazendo o som dos obturadores duplos se misturarem.
- Continue andando. - Josh me instruiu, falando sobre meu ombro atrás de mim e eu assenti, seguindo sua orientação ao continuar caminhando pela calçada fora do arranha-céu em direção ao carro à minha espera. Michael, ao me ver, saiu rapidamente do veículo e deu a meia volta apressadamente a fim de abrir a porta da minha escapatória daquela abordagem. Assim que o alcancei e sentei sobre o estofado, ajeitando minha jaqueta sobre os ombros, meu celular tocou com o alerta de mensagem e Michael fechou a porta. Não vi a hora em que meu advogado ficou para trás, mas apenas Josh entrou e sentou ao meu lado antes do motorista dar partida e seguir para longe dos paparazzis insistentes que agora se localizavam no pára brisa do carro. Já imersos nos movimentos das pistas, voltei minha atenção ao celular e li a mensagem da minha mãe.
De: Mommy
Para: Tori
Desculpe, querida. Você se acostuma com o tempo. Mamãe está orgulhosa de você.
Abri um sorriso maior ainda, mas não respondi. Não precisava. Sabia que ela estava ocupada em seu escritório e não queria dar continuidade àquela melação. Um elogio já era o suficiente para me autoafirmar, mesmo que eu não precisasse disso. Não mais. Surpreendi-me ao sentir meu celular vibrar mais uma vez e abaixei novamente meu olhar até o aparelho, visualizando uma mensagem do Finch.
De: Finch
Para: Tori
Trabalhos iniciados no quarto do seu bad boy predileto. Te enviarei fotos com cada progresso no decorrer dos dias até tudo ficar pronto.
Revirei meus olhos com o termo que ele utilizou para se referir a Justin e mais uma vez imaginei o que o dito cujo pensaria a respeito daquilo e também do Finch. Provavelmente ficaria com um pé bem atrás ao perceber em que time que o designer de interiores joga. Seria engraçado.
De: Tori
Para: Finch
Tire o olho do meu namorado, Finch. Cheguei primeiro na disputa e já ganhei. lol
Eu adoraria ver as fotos do que você estiver aprontando. Quando tiver uma previsão de entrega, também me avise.
xoxo e pare de babar no meu bad boy.
- Tori? - a voz do Josh me fez virar a cabeça em sua direção e o encarei com a sobrancelha erguida, olhando rapidamente em volta na dúvida de querer saber se já havíamos chegados. Entretanto, parecíamos estar na metade do caminho ainda, o que me fez voltar a fitar seus olhos. - Já passou da hora do almoço, prefere passar em um restaurante ou quer ir para casa? - perguntou.
- Casa. - murmurei, tanto para ele quanto para o Michael que agora me dava sua atenção através do retrovisor - Ainda preciso ler o roteiro da entrevista de amanhã novamente, além de que tenho outras pretensões pelo resto do dia. - expliquei, sem entender muito bem o porquê de ter feito isso.
- Certo. - ele assentiu e desviou seu olhar para a tela do seu celular novamente, focando-se no que estava fazendo. - O que achou da reunião? - perguntou distraidamente.
- Produtiva. Foi melhor do que pensei que seria. E você? O que achou dos representantes e empresários? - perguntei, assistindo ao percurso enquanto Michael seguia {às ruas da cidade.
- Acho que vamos fazer a coisa certa ao assinar com eles. - ele ergueu o olhar de volta para mim e abriu um sorriso - Estou falando com a Ruth, ela repassará todas as informações para a equipe de marketing a fim de fazer um plano de divulgação para você. Quando a teoria estiver pronta, organizarei sua agenda com os ensaios fotográficos, mais algumas reuniões, a visita que você quer fazer ao laboratório e todo o resto. - ele murmurou ainda digitando no celular e eu encostei minha cabeça no assento, virando-a sutilmente em sua direção - Ah, as suas "férias" da Laurel já estão expirando, então é melhor aproximar ao máximo seu tempo livre de agora porque você ainda tem o ensino médio para concluir. - lembrou, fazendo com que eu bufasse e me voltasse na direção da janela.
- Na maior parte do tempo mal lembro que ainda tô no ensino médio. Existem tantas outras coisas mais interessantes para eu me ocupar em vez de aprender como resolver uma equação. - falei de um jeito petulante, fazendo-o rir ao meu lado.
- É, mas você precisa disso. O ensino médio não é de um todo mal. Há muito o que extrair dele. - Josh tentou soar com um ar repreendedor, mas falhou nitidamente ao soltar outra risada - Você ainda tem o sênior² ano que vem, não esqueça disso. - revirei meus olhos mais uma vez e cruzei meus braços, pouco me importante com o tanto que aquela atitude era infantil.
- Obrigada por lembrar. - resmunguei. - Michael, ligue o rádio. - falei, vendo-o obedecer ao meu comando com rapidez.
O volume estava alto o suficiente para preencher o silêncio que se instaurou no carro e para encobrir o vazio da minha mente, o que era bom. Eu não queria pensar demais, pois sabia que o meu primeiro reflexo seria Justin. Ele, sem que eu percebesse, estava se tornando um pensamento constante em minha cabeça. Entretanto, não era apenas um pensamento, era o meu primeiro pensamento. Sempre. Eu estava começando a imaginar o que ele falaria em cada situação, seu sorriso irônico, seu olhar debochado, seu perfume como sinal da sua presença, sua voz, tudo. Todos os seus detalhes estavam gravados em mim e é exatamente nesse ponto em que o problema mora. Eu não queria me lembrar da forma como ele me afeta ou do quanto acho que o entendo apenas por nos igualar. Uma hora surgiria o inevitável e eu me perguntaria "e se eu estiver enganada?", sabendo que não teria a resposta para os questionamentos seguintes.
Eu não conhecia a música, mas prestei atenção em cada verso enquanto observava o verde da paisagem imerso aos grandes prédios, boutiques de marca e pessoas se ocupando com suas próprias vidas.
³Drink up, baby, stay up all night (Acabe sua bebida, baby, fique acordada a noite toda)
With the things you could do, you won't but you might (As coisas que você pode fazer, você não vai, mas deveria)
The potential you'll be that you'll never see (O potencial que você terá e que nunca verá)
The promises you'll only make (As promessas que você apenas fará)
Drink up with me now, and forget all about (Acabe essa bebida comigo agora e esqueça toda)
The pressure of days, do what I say (A pressão dos dias, faça o que eu digo)
And I'll make you okay, drive them away (E eu te deixarei bem, e manterei afastadas)
The images is stuck in your head [...] (As imagens presas na sua cabeça)
E se não formos iguais? Uma vez, durante a aula de literatura, uma das poucas em que realmente prestei atenção, ouvi o professor recitar um trecho de *Emily Brontë cujo dizia: "Seja qual for a matéria de que as nossas almas são feitas, a minha e a dele são iguais." Só agora, aqui, sem conseguir controlar meus pensamentos, foi que me dei conta de que me convenci mais disso do que qualquer outra coisa em minha vida. Justin pensa igual. Ele também acha que somos retalhos cortados do mesmo tecido, mas nossas diferenças estão ficando cada vez mais evidentes. Enquanto eu consigo permanecer confortável na superfície, na borda, Justin sente a necessidade de ir mais fundo. Era tão mais fácil quando tudo o que sentia por mim era desprezo, tal como todas as vezes em que me chamava de vadia, mas até mesmo nesses momentos ele conseguia se vulnerabilizar mais do que eu. Engraçado e irônico até, considerando toda a pose que carrega consigo. Em uma primeira impressão, Justin não passa de mais um dos "bad boys" clichês: rude, arrogante, malditamente atraente como o inferno, despreocupado, inconsequente, com um charme impossível de resistir. Era exatamente isso o que eu pensava dele no começo de tudo, logo quando o reencontrei naquela festa e senti todos os meus pelos se arrepiarem com o seu sussurro.
"É um prazer te rever, pirralha."
Aquele dia parece um tempo tão remoto, tão diferente de onde estávamos agora. Ele é simples e completamente diferente do que exala. Toda a sua rebeldia, toda a sua postura de "eu não me importo" foi apenas uma fachada para uma criança que fora decepcionada e magoada. Eu não posso afirmar isso apenas pela sua confissão, mas pelo o que percebi dia após dia de convivência com ele.
Seus olhares sempre intensificaram cada emoção que lhe ocorria, sendo poucas as vezes em que conseguiu esconder sua transparência.
Seu toque sempre pareceu me venerar, sempre me fazia sentir a única e última mulher de todo o mundo.
Sua voz, quando chamava meu nome, meu nome verdadeiro, parecia reverberar por cada lugar, para qualquer um que quisesse escutá-la.
Seu ódio, sua raiva, suas reações exageradas. Sua indiferença. Do jeito dele, Justin encontrava um jeito de mostrar demais que sentia demais.
E eu percebi isso.
Então, será que éramos mesmo iguais? Será que ambos possuíamos a alma de mesma matéria, assim como Emily Brontë descreveu o relacionamento de Catherine com Heathcliff?
[...] Drink up baby, look at the stars (Acabe a bebida, baby, olhe as estrelas)
I'll kiss you again between the bars (Eu te beijarei novamente por entre as barras)
Where I'm seeing you there with your hands in the air (Onde estou te vendo lá, com suas mãos no ar)
Waiting to finally be caught [...] (Esperando para finalmente ser pega).
"Eu acho que você vive preocupada demais em não se deixar sentir, não se deixar ser humana, entende? Você associa sentimento à fraqueza e não é bem assim. Quando você permitir que suas emoções tenham um pouco mais de controle do que realmente possuem, tudo ao seu redor assumirá uma perspectiva diferente. Vai te fazer crescer, filha. Parece que você se esconde atrás da sua razão por medo do que a emoção te trará." As palavras da minha mãe me fizeram repetir a mesma pergunta que me fiz mais cedo: eu tinha medo?
É claro que eu tinha medo. Se querem uma prova real dos meus traços humanos, aqui está ela. O medo. Você só tem duas saídas quanto ao sentimento: ou o deixa te enfraquecer pouco a pouco até não restar mais nada da pessoa que é dentro de si, ou ele te torna mais forte. Eu, em meu racional e inconsciente decidi que não iria deixar ninguém me fazer chorar. Nunca. Eu não iria sofrer por nenhuma pessoa, pois nenhuma delas seria digna do meu coração. Eu o tenho, o sinto e serei a única a tal. Não me igualarei às colegiais que choram com um pote de sorvete na mão assistindo a Diário de Uma Paixão ou às mulheres submissas aos seus maridos, aceitando qualquer migalha de sentimento e atenção que o adúltero teria a dá-la.
Eu fui criada para ser melhor que isso.
E eu já precisei me reafirmar isso hoje.
Não sei por que preciso continuar insistindo.
Eu já estava ficando cansada de repetir o mesmo mantra, a mesma linha de raciocínio. Eu já estava ficando cansada de ter que resistir.
- Aqui estamos. - Josh falou ao meu lado e eu pisquei, dando-me conta de que estávamos parados em frente à mansão.
Depois que deixei o carro, assim que a porta principal foi aberta, a criadagem convenientemente me avisou sobre o almoço estar prestes a sair. Convenientemente porque eu estava realmente com fome. A princípio não encontrei minha mãe e Josh precisou se despedir de mim para ir trabalhar e se certificar de que todo o projeto teórico da reunião se concretizasse. Sozinha, subi até meu quarto e joguei minha Chanel junto com minha jaqueta sobre a cama antes de remover meus saltos. Soltei um suspiro de alívio ao mover meus dedinhos oprimidos e terminei de me despir, colocando uma calça de moletom confortável e um top cinza da Calvin Klein.
Desci novamente e quase esbarrei com Henrietta que já estava a caminho do meu quarto para avisar que o almoço estava servido a mando da minha mãe. Encontrei-a na sala de jantar e nos cumprimentamos antes que eu sentasse sob a mesa. Contei-lhe tudo a respeito da reunião enquanto almoçávamos e ela me explicou diversos pontos que eu não compreendi totalmente, mas, no final, estávamos rindo do fato de que eu, aos 17 anos, conduzi uma reunião de negócios com quase dez homens que possivelmente estudaram a vida inteira para exercer aquela profissão.
Após o almoço, minha mãe precisou sair acompanhada do seu advogado e empresário para ir à sede da Vogue em que trabalhava. Aproveitei meu raríssimo tempo livre e decidi treinar um pouco. Fiz exercícios aeróbicos por alguns minutos em minha academia e desejei que meu personal trainer estivesse aqui para que eu pudesse extravasar todo o fluxo corrente de adrenalina do meu corpo no boxe, até me cansar e decidir parar. Entretanto, eu não queria ter o trabalho de me locomover até uma academia externa ou ligar para ele e pedir que viesse, pois, de certa forma, meus minutos estavam contados e eu queria gastá-los inteiramente comigo. Abstive-me após ter o suficiente daquilo e vi que já passavam das 14h quando retornei para o meu quarto. Demorei um bom tempo cuidando da minha pele durante um longo banho na hidromassagem, deixando que todos os jatos de água quente relaxassem meus músculos. Eu estava cada vez mais acostumada ao ritmo acelerado em que as coisas se encontravam, mas não havia nada como esquecer todos os problemas e fingir que minha vida era perfeita. Quando a realidade me alcançou novamente, fui obrigada a levantar e pisar para fora da minha nuvem. Enrolada em meu roupão de seda, tirei a máscara do rosto e senti o resultado imediato em minha pele, sabendo que precisaria ir a uma clínica estética em breve para realizar todos os meus procedimentos regulares. Além disso, eu também estava louca por um salão de beleza e uma manicure.
Já em meu quarto, terminando de me vestir com outro moletom casualmente confortável, escutei minha mãe retornando no andar de baixo e dei mais uma olhada no relógio. Peguei meu celular dentro da bolsa jogada sobre a cama e deixei o cômodo, descendo para encontrá-la. Já estava perto do programa no E! começar e, como havíamos combinado de assistirmos juntas durante o almoço, empoleramos-nos no sofá e ligamos a tv, coincidentemente no mesmo instante em que a chamada anunciava o espetáculo que estava prestes a começar. Senti o que estava prestes a acontecer e o efeito que aquela entrevista causaria nas pessoas, principalmente na minha crescente quantidade de seguidores e do público jovem que se identificariam com o divórcio e o adultério envolvendo meus pais. Todos acreditariam em minhas lágrimas e na comoção da situação, o que, no final, seria bem conveniente para minha imagem.
E isso é tudo o que importa. - repeti para mim mesma, pegando um punhado de pipoca assim que começou.
Justin Bieber P.O.V.
Passei a manhã inteira tentando não pensar nela ou em seus joguinhos. Eu não estava disposto a bater em uma tecla já quebrada só porque, por se destacar, parecia ainda mais atraente do que as outras. Minha mãe aparentemente percebeu que havia algo errado comigo hoje, pois seus olhos não me deixaram em nenhum instante. Era até perturbador, mas não tava com saco para fazer piadinhas a cerca da situação. A médica chegou para a segunda checagem do dia, perto do almoço, e me trouxe novas notícias. Devido aos meus bons resultados e progresso na recuperação, logo receberia alta. Não demoraria muito tempo - ela me prometeu. Eu fiquei aliviado, pois apenas dois dias se passaram desde que acordei do coma induzido e desde que tudo realmente aconteceu, mas parecia uma verdadeira eternidade. O tempo se arrastava quando se ficava parado, deitado sobre uma cama de hospital e eu sempre fui mais ativo do que o normal, até mesmo quando criança.
Ainda por conta dos remédios para as dores e contra inflamação, adormeci um pouco logo depois do sono. Eu confesso que tentei resistir e me manter de olhos abertos porque não queria ter mais nenhum sonho perturbador, mas acabou sendo mais forte do que eu. Entretanto, a vantagem de dormir sob efeitos de remédios me ficou clara quando tudo o que lembro de ter acontecido foi um apagão. O tempo pareceu ter passado em um estalar de dedos, como se eu tivesse apenas piscado os olhos, mas quando os abri novamente as cortinas que antes estavam abertas agora haviam se fechado e a televisão estava ligada em um volume baixo. Percorri meu olhar por todo o quarto, vendo minha mãe sentada no sofá perto da janela e mais afastado da cama com alguns papéis em volta do seu corpo enquanto seus olhos estavam fixos no que quer que estivesse passando na programação. Foi então que, ao focar todo o ambiente ao meu redor novamente e voltar à consciência, perguntando-me quanto tempo havia se passado desde que dormi, a voz irreconhecível da Victoria chamou minha atenção e eu desviei meu olhar até a tela de LCD posta na parede.
- E você, Tori? Como é para você estar diante de uma situação como essa? - uma mulher que logo deduzi ser a entrevistadora perguntou e câmera voltou a focar no rosto da Victoria.
- É... Complicado. Eu sempre... Eu sempre tive uma ótima relação com meus pais, eles sempre me apoiaram em tudo, então é realmente... - sua voz vacilou e ficou trêmula enquanto seu rosto assumia uma feição triste, como se ela realmente estivesse sentido tudo aquilo que estava demonstrando - É difícil, sabe? Ainda mais saber de forma tão abrupta como soubemos e ainda por cima ter nossa vida particular exposta dessa maneira, é mais do que eu estava pronta para lidar no momento. - ergui minhas sobrancelhas e pisquei, descrente, ao ver uma lágrima caindo pelo canto do seu olho. Um choro falso. - Oh, desculpe. - ela tentou sorrir, claramente dando tudo de sim para assumir aquela personagem e protagonizar a ceninha que todos acreditariam.
- Você pode mudar de canal, por favor? - vociferei, cortando a próxima fala daquela entrevista que possivelmente foi muito bem ensaiada, tal como acontece em um verdadeiro show.
- Ah, filho, você acordou. - a voz da minha mãe pareceu assustada enquanto sua mão procurava cegamente o controle remoto embaixo de toda aquela papelada. Ao encontrá-lo, ela fez o que pedi e mudou de canal, abaixando o volume quase até o mudo. Sem falar mais nada, observei seus movimentos assim que ela levantou e veio caminhando pacientemente até parar ao meu lado, sentando-se na beira da cama onde todo mundo sempre encontrava um jeito de se acomodar. - Eu sei que você provavelmente não quer falar sobre isso, mas é meu dever como mãe perguntar e te dar a segurança de que estou aqui para você. - ela abriu um sorriso triste de canto e pediu permissão com o olhar antes de segurar a minha mão livre do acesso, porém com algumas manchas roxas devido às agulhas. - O que aconteceu entre vocês? Ela saiu daqui tão apressada pela manhã. - sua pergunta e constatação soaram realmente preocupadas, como se aquela situação fosse de grande importância.
- Não foi nada. - respondi, sendo a minha primeira reação. Eu nunca, em nenhum momento da minha adolescência, fui aberto com a minha mãe sobre o que diz respeito à minha vida e não saberia como começar agora, mesmo que, no fundo, sentisse vontade de falar e perguntar sua opinião. Seria bom que alguém de fora me dissesse o que acha sobre todo aquele drama que estava se formando.
- Filho, fale comigo. - ela pediu, fitando-me com seus grandes olhos azuis enquanto segurava minha mão e a acariciava em um gesto de carinho. - Eu posso ajudar, ou não, mas pode ser bom que você fale. - murmurou.
- Eu não sei por onde começar. - respondi com sinceridade e vi seu rápido olhar de surpresa ao perceber que eu estava disposto a falar - É a Victoria, ela... Eu não sei. Não faço ideia de que merda estamos fazendo, mas nada tá bom no momento. - comecei, balançando minha cabeça ao respirar fundo.
- Você gosta dela? Digo, gosta de gostar mesmo? - perguntou, encarando-me com seriedade.
- Gosto. - assumi, recebendo outra rápida reação de surpresa.
- E ela sabe disso? Você já disse a ela? - perguntou novamente, fazendo com que eu assentisse positivamente com a cabeça antes de lhe dar qualquer resposta verbal.
- Eu já disse. - murmurei - Duas vezes e de jeitos diferentes. - comprimi meus lábios, desviando o olhar para baixo até onde nossas mãos estavam interligadas.
- E então? Ela não retribui? - insistiu, tornando o fluxo da conversa mais fácil de seguir. Era melhor responder às perguntas do que começar a divagar. Nada do que eu falaria faria algum sentido e só serviria para me envergonhar.
- Ela faz de tudo pra não demonstrar nada, sabe? O tempo todo se mostra indiferente. Só que aí tem momentos, como hoje de madrugada, em que ela fica totalmente diferente e isso fica me confundindo, eu não sei o que pensar. - suspirei.
- Olha, eu não sei como é a relação de vocês, mas eu posso afirmar com certeza que a Victoria se importa e muito com você. O jeito como ela chegou aqui no hospital, como se propôs a doar sangue sem nem hesitar, o fato dela ter ficado aqui o tempo inteiro, vir aqui, dormir com você... Que garota faria isso se não nutrisse nenhum tipo de sentimento, Justin? - seu semblante era sério, sem nenhum indício de que estava falando aquilo em forma de consolo.
- A Victoria só pensa em si mesma. Pra falar a verdade eu nem sei porque fiquei desse jeito, porque mesmo que ela assumisse sentir alguma coisa para mim, o que adiantaria? Iríamos ficar juntos e felizes para sempre? Essas merdas são existem. - bufei, revirando os olhos de irritação. Agora eu tava irritado comigo mesmo.
- Não, filho. Realmente essas coisas não existem, a vida real não é nenhum conto de fadas e, pelo o que estou vendo, vocês estão bem longe de serem protagonistas de uma história de amor. - ela soltou uma risada baixa, abaixando o olhar até nossas mãos novamente - O fato é que vocês são jovens, Justin. Ambos se gostam e ambos podem viver uma experiência juntos que os farão crescer. Você está se perguntando o porquê, mas experimente se perguntar o porquê não fazer. - franzi o cenho enquanto a encarava, associando suas palavras em meio à compreensão.
- Eu tô agindo igual a um viadinho. - resmunguei e ela riu novamente.
- Não, não está. Você está certo em se permitir sentir. A vida é curta demais e nada é para sempre... Então por que não viver esse sentimento? - minha mãe me deu um sorriso de canto e se inclinou em minha direção antes de depositar um beijo carinhoso em minha bochecha - Fale com ela, insista, eu aposto que você a conhece bem o suficiente para saber qual sua fraqueza. - sussurrou, erguendo sua postura novamente. Senti um esboço de um sorriso no canto da minha boca, mas o contive e desviei o olhar. - E qual o seu problema com os gays? Não te criei para ser um homofóbico estúpido. - um estalo em meu braço me fez dar um pequeno sobressalto e só então percebi que havia levado um tapa. Um tapa dos fortes.
- Porra, mãe. - alterei a voz ao lançá-la um olhar incrédulo e esfregar meu braço com a mão que possuía o acesso - Eu não sou homofóbico, é só jeito de falar. - expliquei, ainda com a mesma expressão descente em meu rosto.
- É, mas olha como você fala. - ela me repreendeu e eu suavizei meu rosto, revirando os olhos mais uma vez.
- Contanto que fiquem longe do meu traseiro, tá tudo certo. - murmurei e ela comprimiu os lábios, rindo baixo pelo nariz.
- E então, como foi sua noite? Você dormiu bem? - perguntou, voltando ao seu tom de seriedade mais uma vez sem nem me dar a oportunidade de processar o conselho que havia me concedido a cerca da Victoria. Processar tudo, na verdade, começando pelo fato de que eu acabei de desabafar com alguém e esse alguém ser a minha mãe.
- Na verdade, não. Eu tive um pesadelo. - falei, mas bloqueei as imagens daquele sonho - Não quero falar sobre isso. - ela assentiu, facilmente respeitando minha vontade.
- Quando quiser, eu vou estar aqui para te ouvir. - sorriu e trouxe a mão até meu rosto, acariciando minha bochecha. Desviei do toque e franzi as sobrancelhas, balançando a cabeça negativamente.
- Sem muita melação. - murmurei, o que a fez semicerrar os olhos e ameaçar me dar mais um tapa no braço. Encolhi meus ombros e ambos demos risada juntos, o que me recordou um tempo bem distante daquele, quando eu ainda era só um pivetinho e quando toda a minha vida ainda era perfeita pra caralho. Pelo menos eu achava que era.
- Claro, desculpe. - ergueu suas mãos em sinal de rendição e eu me vi abrindo um sorriso de canto - Seu pai tem me ligado todos esses dias, esqueci de te avisar. Ele está preocupado com você. - a mudança abrupta de assunto me fez erguer as sobrancelhas e pisquei, surpreso.
- Você contou a ele? - perguntei.
- Bom, eu contei o que eu sei, mas eu não sei se o que eu sei é a verdade. - deu de ombros.
- E o que você sabe? - murmurei de forma cautelosa, imaginando o que tinham falado para ela. Pela primeira vez pensei sobre isso desde que tudo aconteceu e só então me dei conta de que minha mãe possivelmente não tem ciência nenhuma de que merda que eu fiz da minha vida nesses últimos dias.
- Quando eu cheguei aqui, falaram-me sobre uma espécie de racha, ou coisa assim, em que a polícia chegou, aconteceu um tiroteio e você foi atingido por uma bala perdida. - seus olhos procuraram os meus e eu devolvi o olhar, fitando-a atentamente - Só que a Victoria me contou a verdade, pelo menos superficialmente e... O que você tava pensando, Justin? Olha o perigo que você se expôs, meu filho, pelo amor de Deus! - seu rosto começou a se contorcer e eu respirei fundo, sabendo o que estava por vir - Eu fiquei sofrendo todos os dias desde que você saiu de casa, imaginando onde você pudesse estar, querendo notícias, mas nunca passou pela minha cabeça que você se envolveria com gângsters! Gângsters, Justin! - exclamou. - Você foi tão inc...
- Mãe, olha, qualquer sermão que você for me dar agora não vão chegar nem perto do que eu já aprendi levando um tiro. Eu sei que fiz merda e precisei me foder pra mudar minha perspectiva sobre muita coisa, então se poupe e me poupe também. - interrompi sua fala e a fiz se calar, analisando o que eu havia dito.
- Por favor, não se envolva mais com essas coisas. - pediu, agora com lágrimas no canto dos olhos.
As mulheres eram loucas. Todas elas. Sem exceção. Há dois minutos atrás minha mãe tava querendo me fazer um carinho no rosto, passou-se um minuto e ela já queria me matar. Agora tá chorando. Essas porras merecem ir pro hospício.
- Eu não vou mais. - garanti, soando firme em minha promessa silenciosa.
- Certo. - ela sorriu e as lágrimas caíram por sua bochecha, provando a minha teoria do manicônimo-para-mulheres - Um dia você vai me contar sobre isso? - questionou, enxugando o rosto.
- Talvez eu precise. - sussurrei, agora com flashes do pesadelo invadindo minha cabeça. Suspirei, imaginando como eu iria me livrar dessas imagens e se um dia conseguiria superar o fato de que eu contribuí no assassinato de uma pessoa, independente de quem ela tenha sido. Só agora, depois de toda a tempestade e em meio à calmaria, foi que me dei conta da realidade sob o meu nariz e eu confesso que ela era amedrontadora demais para encarar de frente.
"Depois de toda a tempestade e em meio à calmaria"? Que porra tava acontecendo comigo? Como isso passou pela minha cabeça? Eu nunca li um romance em minha vida, nem mesmo os didáticos, e já tava pensando igual aos mocinhos da história só que, claro, nesse caso, eu seria o vilão que manda todo mundo ir se foder e que todas as donzelas querem.
- Voltando ao assunto, seu pai ligou e quer falar com você, mas eu disse a ele que não era uma boa ideia. Com isso, vou ter que dar notícias sobre seu quadro e seu progresso todos os dias até você receber alta e ouvir a bela bronca que lhe espera. - ela sorriu fingidamente e eu cerrei os olhos, trincando meu maxilar.
- Ah, porra. Você contou pra ele a história verdadeira? - a incredulidade tava óbvia em meu tom de voz, junto com a minha clara irritação, mas ela não se abalou nem um pouco.
- Contei. - piscou, erguendo as sobrancelhas com o mesmo olhar inocente - É bom que você aprende. - deu de ombros, como se eu não estivesse prestes a correr perigo de vida novamente. Meu pai ia falar pra caralho e minha paciência iria se esgotar nos dois primeiros segundos de ligação. Puta merda.
- Puta que pariu. - sussurrei, passando a mão no rosto ao soltar outro suspiro a fim de aliviar a pressão em meu peito.
- Está com fome? - perguntou, ignorando-me completamente ao levantar da cama depois de balançar suas pernas pequenas.
- Não. - respondi.
- Bom, eu estou e vou até o refeitório comer alguma coisa. Tudo bem por você ficar sozinho um pouco? - ela me olhou, agora segurando sua bolsa ao lado do corpo e revirei meus olhos.
- Tudo. - falei outra vez, pouco me fodendo se estava soando infantil com minhas respostas monossilábicas. Só de imaginar sair daqui, querendo ter paz pra resolver todas as merdas pendentes em minha vida, mas ter meu pai me esperando com um recital dramático do quanto estou desperdiçando tempo e sendo inconsequente já fodia com meu humor.
- Tá bom. - minha mãe riu e caminhou até a porta, fazendo com que eu a fuzilasse durante todo o seu trajeto - Bebezão. - ela piscou provocativamente para mim e eu segurei minha língua pra não soltar um palavrão enquanto a observava deixar o quarto.
- Filha da puta. - sussurrei, agora completamente sozinho.
Foda-se. Eu vou pro inferno mesmo.
Instintivamente me lembrei de todas as discussões que tivemos durante todos esses anos e não pude deixar de notar a diferença entre o ódio que eu nutria dentro de mim e a recente falta dele. Era como se um peso fosse retirado dos meus ombros e eu sentia como se fosse muito mais fácil viver dessa forma, sem enxergá-la como alguém que preciso atacar o tempo inteiro para me auto satisfazer cruelmente. Era a porra da minha e eu sabia que, no fundo, ela queria sim o meu bem. Entretanto, será que com isso vinha a verdades em tudo o que ela dizia? Será que eu deveria mesmo insistir em toda aquela história da Victoria?
Por um lado preciso pensar em todas as vantagens. Ela não vai esperar um casamento ou um relacionamento sério cheio de convenções do que pode ou não ser feito, ela não é dramática, não é sentimental, não é nenhum dos clichês interpretados por figuras femininas em suas respectivas relações amorosas. Entretanto, assim como isso era positivo, também tava sendo um problema fodido justamente por ela não sentir e eu ser aquele que acaba sentido. Ou, melhor, ela esconde que sente e eu mostro o que sinto.
Eu vi a batalha interna que ela enfrentou enquanto fitava meus olhos depois de eu pedir para assumir que não sentia nada por mim. Eu vi um vacilo da sua razão enquanto seu coração, sim, ela aparentemente tem um, lutava para falar mais alto.
Até pensar tá se tornando insuportável com todas essas filosofias românticas que até agora não me levaram pra caralho de lugar nenhum.
Então eu devo mesmo insistir? Em que isso vai dar? Podemos sim assumir o que sentimos, o que toma conta de nós e nos faz perder o sentido como nada antes precedido. Só que vem a pergunta que não quer calar em minha mente... O que virá depois disso? O que nos tornaremos? Eu não quero que ela se torne insuportável ou que fique no meu pé achando que pode mandar em cada um dos meus passos ou na minha vida, mas também quero que ela participe de cada momento que eu quiser compartilhar. Estamos fadados, após uma promessa, a passarmos um longo tempo juntos e temos duas saídas: ou reprimimos isso e deixaremos os dias se arrastarem enquanto imaginamos o que aconteceria se fizéssemos diferente, ou colocaremos tudo sobre uma mesa e viveremos essa primeira experiência juntos.
Eu quero isso.
Foda-se se ela é arrogante pra caralho, mimada pra caralho. Foda-se se é fingida e consegue falsificar qualquer reação em meu rosto. Foda-se se não tem um pingo de consideração por ninguém ao seu redor além de si mesma.
Foi assim que a conheci e é exatamente por ela ser essa vadia filha da puta que eu a quero pra mim.
É isso.
Eu quero essa garota pra mim.
Se ela quer jogar, eu vou me submeter às suas regras e esperar o momento exato para dar minha última cartada.
Afinal, tudo começou com um jogo e é nisso em que somos bons.
Fiquei tentado a levantar e ir buscar o controle remoto no sofá, mas depois que senti dor hoje pela manhã quando fui tomar banho e pensar melhor na ideia de receber alta, tomando como nota o meu progresso, decidi esperar minha mãe voltar para o quarto. Cerca de dez minutos depois em um completo silêncio, o que me fez quase cair no sono novamente, a maçaneta da porta foi girada e minha mãe surgiu através dela carregando consigo um corpo de café.
- A equipe médica desse hospital é realmente muito boa. - ela comentou com um sorrisinho no rosto e eu ergui minha sobrancelha, cerrando meus olhos pela milionésima vez só hoje.
- Como é, Patrícia? - retruquei, vendo seu sorriso se desmanchar e seu rosto assumir uma expressão brava.
- Você sabe que eu odeio que me chamem pelo nome. - resmungou, mudando o humor drasticamente ao fazer um beicinho falso.
- Você disse que foi comer e tava dando em cima dos médicos do hospital. - apontei, escutando sua risada como resposta.
- Querido, eu tenho um filho muito bem criado, quer dizer, não tanto, levando em consideração que ele levou um tiro por se envolver com gângsters, mas - enfatizou - ele já é maior de idade e eu sou uma mulher solteira. Qual o problema? - colocou a mão no quadril em um tom petulante e desafiador, realmente parecendo uma criança.
- O problema, Patrícia - também enfatizei, falando entredentes - é que eu não deixei. Você tem que me pedir permissão pra namorar qualquer um desses palhaços. - cruzei meus braços na frente do corpo e minha mãe riu outra vez, levando o copo de café até a boca antes de dar um gole.
- Ah, isso tudo é ciúmes? - brincou, aproximando-se de mim até sentar na borda da cama ao meu lado - Não fique assim, querido, sempre haverá um espacinho mínimo para você em meu coração. - uma das suas mãos veio até meu rosto e ela o apertou, resultando em um beicinho ridículo em meus lábios.
- Você quer mesmo que eu te mande ir à merda, né? - perguntei, desvencilhando-me do aperto.
- Olha a boca porque eu sou sua mãe, palhaço. - seu tom de voz era repreensor, mas eu podia ver o quanto estava se divertindo comigo. - Ah, olha aqui, eu esqueci de te mostrar isso! - seu sobressalto repentino me assustou, mas mantive a compostura e observei atentamente enquanto ela se inclinava em direção ao móvel que havia ao lado da cama e pegava uma sacola plástica. - Aqui tem sua carteira, suas chaves e seu celular. Parece que um rapaz passou na recepção do hotel enquanto você dormia e deixou isso para você, um tal de Christian. - pisquei, completamente atônito e surpreso, perguntando-me por que caralhos o Christian ainda se importava comigo enquanto possuía uma máfia inteira pra comandar.
- Eu nem tinha pensado sobre minhas coisas. - assumi, pegando a sacola e a abrindo para me certificar de que tudo o que eu sempre andava estava lá realmente. Carteira, chaves e celular. Esse, por sua vez, como imaginei, já estava descarregado. - Você tem algum carregador portátil? - perguntei, erguendo meu olhar de volta para minha mãe.
- Tenho na minha bolsa. - respondeu, levantando-se mais uma vez da cama. Esperei até que ela trouxesse o carregador em sua mão livre e o peguei, conectando meu iPhone.
Minha mãe voltou a se ocupar com seus papéis e com o que estava fazendo antes de eu acordar e fiquei esperando carregar os 5% necessários para iniciar o processamento do aparelho. Quando finalmente o visor se acendeu e minha tela de bloqueio surgiu, coloquei minha senha e resolvi me distrair vendo o que tava acontecendo nas redes sociais, principalmente o que diz respeito a Victoria.
Mal contive minha surpresa ao ver o número de seguidores no meu Instagram e as várias notificações que apareceram assim que abri o aplicativo. Sem saber exatamente por onde começar, fui até a conta da Victoria e vi as duas últimas fotos que ela postou. Uma em que ela estava com um coroa bizarro falando sobre o afastamento da Chanel e outra sobre uma matéria do TMZ ter sido pretensiosa e maldosa enquanto se fazia de vítima. É claro. Como não havia nada de novo, voltei para o meu perfil e comecei a ler os inúmeros comentários que surgiam sem parar.
@whatsatori: OMG!!
@whatsatori: Tori tem sorte, puta merda!!!!
@whatsatori: GOSTOSO#$%$##%
@ohsupr4z: Você é gostoso pra caralhoooooooo
@ohsupr4z: Tô morrendo aqui
@jictoriaislif3: Você e a Tori são perfeitos juntos, casem por favorrrrr!
@TAKEDAWN: @sarawinstley omg olha esse garoto
@sarawinstley: EU JÁ VI! ELE É TÃO LINDO!
Pisquei, vendo a tela rolar para baixo nas notificações recentes enquanto os comentários continuavam aparecendo sem parar. Decidi desativar aquela merda porque iria perder a paciência com o celular vibrando o tempo todo, mas não pude deixar de pensar como seria fácil me encontrar com qualquer uma mina daquela que fosse gata. Por que não pensei em virar uma celebridade antes? Eu nem era porra nenhuma e elas estavam praticamente arrancando a calcinha pela cabeça, imagina como não deve ser pra um dos caras famosos da mídia. Eu sei que eu ia comer todas as fãs gostosas e não ia tá nem aí.
Por outro lado, comentários de outra natureza também apareceram e foram esses que mais chamaram minha atenção.
@FALLTOSKY: Melhore logo, Justin. #PrayForJustin
@sl4ybitch: Fique bem, anjo. Minhas orações estão em você. #PrayForJustin
@zoeytrustie: Eu estou tão triste com isso, espero que você fique bem logo. #PrayForJustin
Como é que essas meninas que não me conheciam perdiam tempo comentando em torcida por minha recuperação nas fotos? Aquilo era esquisito pra caralho e me fez imaginar, mais uma vez, como deve ser para os artistas ler comentários de "eu te amo" o tempo inteiro vindo de pessoas que não o conhecem e que eles também não conhecem. Eu provavelmente iria mandar um "vai pra merda" muito mais sincero do que esses genéricos sem valor nenhum. Eram essas mesmas pessoas que se escondiam atrás da tela dos celulares para criticar os outros ou praticar qualquer tipo de abuso via internet porque é uma plataforma de comunicação que permite essa espécie de anonimato que te deixa impune do contato real. Nada dessa merda é verdadeira.
"Entre no jogo, Justin." Meu subconsciente me lembrou. Aqui estava eu, incrédulo diante desses inúmeros comentários enquanto poderia estar agindo que nem a Victoria e me divertindo com tudo isso.
O que ela faria?
Saí do Instagram e fui até o Twitter, onde recebi mais milhares - sério, milhares - de notificações. Todas elas de pessoas desconhecidas falando que iriam orar por minha melhora, outras que me seguiram na rede social e mais um grupo que subiu a hashtag #PrayForJustin. Minha vontade era postar um tweet chamando todo mundo de otário, mas em vez disso eu digitei outra coisa.
@justinbieber: Obrigado a todos que estão me desejando melhoras. Eu estou bem e me recuperando.
@justinbieber: Vocês têm sido muito atenciosos e eu realmente aprecio isso.
Revirei meus olhos e soltei uma risada, atraindo um rápido olhar da minha mãe antes de ela voltar a se ocupar com sua própria vida novamente. Lembrei da entrevista que a mandei parar ao mudar de canal e que, na mídia, a Victoria tá passando por uma situação difícil devido a todo o problema familiar recém descoberto. Será que eu deveria falar alguma coisa a respeito disso? Provavelmente não ou seria degolado durante meu sono caso a situação saísse do controle. Entretanto, pensei mais um pouco e lembrei do texto postado por ela no Instagram sobre a reportagem feita pelo TMZ e de um trecho em que fui citado. Talvez meu tweet servisse como álibi de confirmação para sua palavra. Sem perder mais tempo ou neurônio por um motivo tão banal, liguei o foda-se e resolvi postar aquele caralho de uma vez por todas.
@justinbieber: @ToriWolfgang Eu sempre vou te apoiar assim como você tem feito comigo.
@justinbieber: @ToriWolfgang Obrigado por tudo.
Em questão de segundos, várias pessoas já estavam dando retweet ou favoritando o que postei em meio às incontáveis respostas. Fiquei lendo toda aquela babaquice de "fã" enquanto o tempo se arrastava até que, inesperadamente, senti meu celular vibrar com uma notificação de mensagem. Era a Victoria.
De: Tori
Para: Justin
Justin?
Imediatamente comecei a digitar no intuito de respondê-la.
De: Justin
Para: Tori
Oi. Tá tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
Franzi meu cenho enquanto esperava por outra mensagem, perguntando-me o porquê ela tinha me enviado uma mensagem. Será que ela viu o que postei no Twitter? Será que deu merda?
De: Tori
Para: Justin
Não vou poder ficar no hospital hoje. Preciso me preparar para a entrevista de amanhã. Sinto muito.
Ela não viria.
Eu passaria a noite sozinho.
Eu enfrentaria outro pesadelo sozinho.
Tomei uma respiração profunda e desviei meu olhar da tela do celular, tentando me convencer de que aquilo não significava nada. Eu não podia ficar afetado por qualquer caralho sem relevância. Sem dramas, sem mais problemas. Eu não era sensível e precisava continuar me lembrando de como preciso agir para não esquecer meus princípios. Eu possuía sentimentos por ela, sim, já assumi, mas não iria permitir que isso me controlasse mais que a minha própria razão. Seria ridículo. Eu ainda continuava não sendo o bonzinho da história e Victoria ainda continuava sendo a pior vadia que alguém pode conhecer.
Certo daquilo, desbloqueei a tela do meu celular novamente e digitei outra mensagem de volta.
De: Justin
Para: Tori
Não tem problema.
- Mãe? - chamei, fazendo-a erguer seus olhos dos papéis que estava lendo para mim - Victoria não vem hoje. - falei.
Insista. - lembrei a mim mesmo.
Eu vou fazê-la se render.
Victoria Wolfgang P.O.V.
Eu não podia mentir para mim mesma e fingir que minha consciência estava leve. Desde que disse ao Justin que não iria passar a noite com ele, mesmo fazendo de tudo para ignorar o tal feito, aquilo continuava martelando em minha cabeça como um lembrete de que eu era uma vadia egoísta.
E dessa vez não soava em forma de elogio ou enaltecimento.
As horas se passaram desde que assisti ao programa com minha mãe e recebi um feedback quase imediato da Ruth e toda a assessoria de imprensa, falando que a audiência do programa superou as expectativas dos números e que as pessoas estavam enviando muitas mensagens positivas para mim e minha mãe nas redes sociais. Até mesmo o TMZ e HollywoodLife mudaram o alvo dos seus ataques e escreveram sobre o meu pai e seu comportamento inadequado. Tudo havia corrido e o tweet do Justin só havia servido para dar mais ênfase em toda a história, incluindo o nosso relacionamento no meio. Estávamos nos tornando os queridinhos e todos estavam se rendendo ao romance adolescente da atualidade.
Depois de ficar ciente de tudo isso e acompanhar em tempo real o que estavam falando no Twitter e Instagram, subi para meu quarto e me esforcei para me manter com a cabeça focada no trabalho. Afinal, havia sido por conta disso que decidi me manter afastada de Justin hoje à noite. Ou não foi?
Foi sim. - convenci a mim mesma, certa daquilo.
Não foi porque eu precisava de distanciamento para colocar minha cabeça no lugar antes de entrar em contato com ele novamente.
Não foi porque eu perco meus sentidos e minhas razões quando aquele garoto está ao meu redor. Não foi.
Li o roteiro da entrevista de amanhã mais uma vez enquanto estava sentada sobre minha cama king size, com minhas costas apoiadas nos inúmeros travesseiros decorativos, e ensaiei o direcionamento das minhas respostas. Eu ficaria mais calma a respeito disso se conhecesse a Ellen, mas, mais uma vez, aqui estava eu repetindo um mantra em minha cabeça sem querer perder as estribeiras e surtar como uma garotinha amedrontada. Eu conseguia realizar qualquer coisa que quisesse. Já estive em um tapete vermelho com inúmeras câmeras apontadas para mim, já conheci celebridades renomadas mundialmente e já concedi outras entrevistas. Isso não seria nada.
Quando o ponteiro do relógio se aproximou das 21h, decidi tomar um banho e vesti uma das minhas camisolas de seda cujo o comprimento se estendia até o meio das minhas coxas. Soltei meu cabelo e me cobri com um robe do mesmo conjunto antes de deixar meu quarto e descer para a cozinha. Agradeci mentalmente aos céus por não me esbarrar com mais ninguém por hoje, já estando completamente desgastada de qualquer relação social amistosa. Abri a geladeira e peguei um dos meus iogurtes diets, sentando-me sobre um dos balcões para tomá-lo sem nenhuma cerimônia. Ao finalizar, não consegui resistir a um pequeno pedaço de torta que eu poderia jurar que estava me chamando tentadoramente. Sentindo-me culpada, larguei a colher sobre a pia e apressei meus passos de volta para o andar de cima antes que eu devorasse a geladeira inteira. Na minha própria casa, tudo o que vou ter guardado e refrigerado serão saladas e alimentos lights. De onde surgiu aquela torta dos infernos?
E por que eu estava começando a agir como uma ansiosa neurótica?
Desejei estar com sono para que pudesse cair no sono assim que me acomodasse entre meus lençóis confortáveis, mas meu corpo e minha cabeça rejeitava a simples ideia de entrar sob o cobertor.
Eu poderia escolher a roupa que vou usar amanhã. Sim, é claro.
Caminhei até meu closet, acendendo as luzes internas e comecei a vagar entre as roupas da nova estação que minha estilista havia reposto há alguns meses atrás. Pensando nisso, preciso marcar outra sessão com ela para escolhermos as novas peças e irmos às compras, já que o outono estava prestes a ser substituído pelo inverno. Essa estação era uma das minhas menos preferidas. Neve causa frizz no cabelo, eu sempre tenho que me preocupar para não andar igual a um pinguim, junto com ela, as festividades de fim de ano aparecem para acompanhar. Dia de ação de graças, Natal, Ano Novo, e, só então, meu aniversário. Era um inferno fazer aniversário no Inverno, mas eu sempre buscava ir a lugares interessantes, como Aspen, onde viajei esse ano com as meninas e ficamos em um chalé.
Em meio às memórias, senti as texturas de cada tecido em meus dedos ao passar a mão entre as roupas penduradas. Analisei algumas, mas nenhuma se enquadrou no meu padrão pré-estabelecido para uma entrevista. Tornou-se conveniente ocupar minha mente durante a escolha da combinação, mas uma hora consegui encontrar a composição perfeita: um corset monocromático com uma calça preta que não ficaria tão justa em meu corpo e um salto da Manolo Blahnik. Selecionei cada acessório de forma que tudo entrasse em harmonia e separei cada uma das peças, pronta para amanhã. Logo cedo receberia um cabeleireiro e maquiadora para só então fazer alguns retoques quando chegar no estúdio de gravação.
Sem mais nada para me ocupar, apaguei as luzes do closet e voltei para meu quarto. Ao sentar na cama, minha mente viajou diretamente até Justin e comecei a imaginar o que ele estaria fazendo. Será que já comeu? Será que Pattie vai passar a noite com ele ou o mesmo terá que ficar sozinho? E se ele acordar novamente com um pesadelo?
Merda.
Uma ideia me surgiu e não me contive. Peguei meu iPhone que havia colocado sobre o criado mudo e rolei a tela até encontrar o contato do Justin. Sem pensar duas vezes, liguei para ele através do FaceTime e esperei que me atendesse enquanto encarava minha própria imagem no visor. Dois toques depois, Justin atendeu e, porra, o filho da mãe conseguia ser lindo até na câmera frontal do celular.
- Oi. - murmurei, abrindo um sorriso sem graça quando a realidade me atingiu e percebi que havia ligado para ele no meio da noite sem motivo nenhum aparente depois de ter dito que não passaria a noite no hospital quando tudo o que ele possivelmente precisa é de alguém devido aos seus pesadelos.
Isso fez sentido?
Para mim fez.
- Oi. - ele respondeu e o vi franzir as sobrancelhas, claramente confuso com a minha ligação inesperada.
- Você tá sozinho? - perguntei a primeira coisa que passou pela minha cabeça e seu rosto se suavizou.
- Não, minha mãe decidiu passar a noite comigo, mas ela já apagou. - Justin moveu o celular de forma que consegui ver a Pattie cochilando no sofá do quarto do hospital e só então voltou a câmera para si mesmo.
- Ah, que bom. Eu... Fiquei, você sabe, - dei de ombros de forma indiferente - fiquei pensando sobre o pesadelo. Não queria que você ficasse sozinho. - admiti. O vislumbre de um sorriso apareceu em seu rosto, mas foi logo substituído por uma expressão escura, como se estivesse lembrando do sonho ruim. Eu não queria ser a causadora daquilo, então me esforcei para pensar rápido em um novo assunto. - Então, aquele seu tweet foi bem conveniente para a jogada de marketing. Obrigada, aliás. - falei, fazendo-o piscar e abrir um sorriso de canto.
- Eu fiquei com medo de fazer merda, mas que bom que funcionou. - sua voz era ainda mais grossa e mais grave através da chamada e não pude deixar de me sentir envolvida por ela, nem que fosse por alguns segundos, antes de voltar à realidade.
- Ah, não, você não fez merda. - sorri, segurando o celular com apenas uma das minhas mãos para afastar o cobertor da cama. - Espera um segundo. - pedi, colocando o celular em cima da cama a fim de tirar meu roupão sem muita dificuldade, ficando apenas com a camisola de seda. Joguei o roupão do outro lado da cama e peguei o controle do meu criado mudo. Apertei os comandos que fechavam minhas cortinas e apagavam a luz central do cômodo, deixando apenas um abajúr aceso. Ao segurar o celular de volta, percebi que Justin estava concentrado enquanto fazia alguma coisa em seu braço. Sentei na cama e puxei os cobertores até minha costela, apoiando minhas costas nos travesseiros atrás de mim. - O que foi? - perguntei, pronta. Ele voltou a me olhar e percebi a direção que seus olhos tomaram por um segundo antes de fitarem meu rosto na tela do seu celular novamente.
Meu decote, é claro.
- Esses acessos são uma merda. Ficam doendo. - resmungou e fiz uma careta por empatia, imaginando como realmente devem ser desconfortáveis.
- A enfermeira não trocou hoje? - perguntei.
- Não, ela disse que só amanhã. - revirou os olhos.
- E você já comeu? Já tomou banho? - perguntei novamente, trocando o celular de mão para um novo ângulo.
- Já, já tomei os remédios também. - murmurou, jogando a cabeça para trás no travesseiro.
- Logo logo você cai no sono, então. - deduzi, abrindo um sorriso tranquilizador de canto.
- É. Espero não acordar de madrugada. - sussurrou, parecendo novamente assombrado pelas lembranças que corriam em sua mente.
- Justin... - chamei-o - Você tem certeza que não quer falar sobre esse pesadelo? - perguntei cautelosamente, recebendo um olhar inexpressivo como primeira resposta. Em seguida, ele suspirou e balançou a cabeça minimamente.
- Foi ruim. - seus olhos encontraram os meus através da câmera e eu nem consegui piscar, como se qualquer movimento fosse quebrar aquela linha tênue entre nós - Eu estava de volta na boate, em cima do ringue e o Marco apareceu. Ele começou a falar que eu merecia sofrer, que eu merecia sentir dor e você surgiu do lado dele. Foi aí que eu fiquei desesperado. Eu vi você... - ele fechou os olhos e eu engoli em seco, sentindo um nó em minha garganta - você caiu no chão e eu não conseguia me mexer. - quando Justin abriu seus olhos novamente, ele mais parecia um garotinho perdido em vez do adolescente problemático que realmente é - O Marco continuava repetindo que eu merecia sofrer e que era tudo culpa minha, aí de repente todas as pessoas que estavam gritando meu nome durante a luta naquela noite estavam amontoadas e mortas em cima uma da outra enquanto eu tava sujo de sangue, com a mão suja de sangue e o revólver também sujo de sangue. No fim, o rosto do Marco apareceu todo deformado com os três tiros que o vi tomar antes de apagar e, enfim... Foi horrível. - sua voz estava fraca e vacilante e eu meu peito apertava de dor e solidariedade pelo Justin. Deus, eu realmente queria estar lá agora para abraçá-lo. Uma vontade incontrolável de consolá-lo tomou conta de mim e eu precisei respirar fundo, buscando discernimento para me controlar.
- Que coisa horrível, Justin. - sussurrei, ainda me sentindo mal por ele - Eu não sei nem o que te falar porque, não sei se você já percebeu, sou péssima com essas coisas. - murmurei, passando a mão em meu rosto enquanto inconscientemente visualizava o cenário que ele descreveu. Imagina sonhar com aquilo. Imagina vivenciar uma situação como aquela de maneira tão vívida e tão real.
- O seu abraço me ajudou a dormir. - ele assumiu ainda com a voz baixa e rouca, fazendo com que eu piscasse e unisse minhas sobrancelhas em confusão. Eu era a pior pessoa do mundo para consolar alguém porque nunca me importei o suficiente para sentir empatia. Entretanto, cá estava eu, desejando mais do que tudo tomá-lo em meus braços novamente e colocá-lo para ter uma boa noite de sono.
Era desconcertante.
- Você se importa de dormir comigo na chamada? - questionei, fazendo-o erguer as sobrancelhas parecendo surpreso com minhas palavras.
- Você quer? - franziu o cenho novamente e eu assenti.
- Quero. - afirmei - Eu sei que sua mãe tá aí, mas eu... - comecei a explicar, mas o seu sorriso respondeu à minha pergunta anterior - Mas olha só, eu não vou ficar fazendo aquela esquisitice de ficar ouvindo a respiração um do outro enquanto dorme não, viu? - brinquei, conseguindo uma risada - Se eu dormir, você desliga e se você dormir eu desligo. - ergui minha sobrancelha e ele concordou com a cabeça.
- Sim, senhora. - seu tom de voz havia se amenizado novamente e fiquei feliz por ter sido responsável por essa mudança drástica de humor. - Eu te vi chorando no programa hoje. Seu cinismo e fingimento não têm limites. - Justin comentou e eu abri um sorriso largo, soltando uma risada em seguida.
- Obrigada. - gesticulei como se eu estivesse jogando o cabelo para trás e ele me olhou de modo repreendedor.
- Não tô tão certo de que falei como elogio. - pontuou.
- Para mim foi, querido. - retruquei, recebendo um dos seus sorrisinhos como resposta.
- Hoje eu recebi previsão de alta. - ele mudou de assunto e eu abri um sorriso, feliz com a notícia repentina - Se eu continuar progredindo em minha recuperação, logo estarei em casa. Não vejo a hora de sair dessa cama de hospital, é um inferno. - murmurou em desgosto.
- Eu consigo imaginar. - concordei - Minha cama é tão quentinha, tão macia... Esse colchão do hospital deve ser horrível. - provoquei, recebendo um dedo do meio da sua mão livre em resposta.
- Vai se foder. - rosnou, fazendo com que eu soltasse uma risada.
- Ah, prefiro quando você faz isso. - pisquei, vendo-o semicerrar os olhos sem conseguir esconder os sorriso sacana que surgiu em seus lábios.
- Hmmm, sexofone ainda tá na nossa lista de conquistas. Podemos riscar. - ele sussurrou com a voz grave e eu soltei uma risada alta, virando meu corpo para o lado e trazendo o celular junto comigo. Afundei meu rosto no travesseiro e balancei minha cabeça, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha assim que olhei para a câmera novamente.
- Nós temos uma lista, é? - perguntei, erguendo minha sobrancelha.
- Claro que temos. Sexo na escada de emergências da escola? Confere. Lap Dance até me deixar com as bolas azuis? Confere. - não segurei outra risada ao lembrar daquele dia no Havaí, parecendo-me décadas atrás - Sexo num motel barato no meio da estrada? Confere. Ver pornô juntos e depois foder? Confere também. - ele começou a levantar seus dedos longos a cada um dos itens e eu fiquei momentaneamente distraída com eles, saindo do meu transe segundos depois sem querer parecer ridícula.
- E o que temos ainda para riscar? - interroguei mais uma vez, divertindo-me com aquela conversa completamente despretensiosa e divertida.
- O sexofone; um sexo a três, eu, você e mais alguma gostosa, sexo no banheiro no meio de uma festa, sexo no carro, sexo na sua cama... - ele começou a listar outras opções e eu o interrompi rapidamente.
- Qual é a tara em transar na minha cama? Por que você quer manchar meus lençóis de seda caríssimos? - rebati de uma forma petulante e ele soltou uma risada, mas um ruído externo o fez parar abruptamente e vi seus olhos se desviarem rapidamente até um determinado ponto do quarto, voltando para mim logo em seguida.
- Foi mal, achei que minha mãe tinha acordado, mas ela só se mexeu. - sussurrou antes de voltar a se contagiar com o bom humor que estava prevalecendo entre nós antes - A tara é justamente sujar seus lençóis caros. - ele falou como se fosse óbvio e revirou os olhos em meio à uma atuação - Mas espera... - sorriu - Então você toparia um sexo a três? - seu sorriso malicioso me fez querer socá-lo e beijá-lo ao mesmo tempo, mesmo através de uma tela de celular e precisei me controlar para não falar alguma merda e dar continuidade ao assunto impróprio.
- Não, não toparia. - fiz uma expressão de brava.
- Que tal eu, você e sua irmãzinha gost... - ele começou a me provocar, mas trinquei meu maxilar e lhe dei um olhar mortal.
- Se você continuar essa frase eu juro que coloco ácido sulfúrico no seu soro e assisto sua morte lenta e dolorosa. - cortei-o e observei seu sorriso se alargar ainda mais com aquela risada gostosa soando ao meu redor.
Nós continuamos conversando ao decorrer da noite como se os episódios estranhos que ocorreram ontem e hoje pela manhã nunca tivessem existido. Falamos mais um pouco sobre ele, sobre seus gostos, principalmente o musical. Contei-lhe a respeito da minha coleção de discos de vinis e prometi que um dia lhe mostraria, caso o mesmo viesse aqui em meu quarto. Discutimos, como de costume, sobre diversos pontos de vários assuntos completamente aleatórios e banais mas que, em nome dos nossos argumentos, acabou se tornando título de pauta importantíssimo. Por fim, começamos a divagar a cerca de teorias conspiratórias do universo e eu cheguei à conclusão de que esse garoto possui sérios problemas em seus neurônios. Justin simplesmente colocou na cabeça de que tinha que me convencer a acreditar na possibilidade de sermos personagens de um jogo em que um ser unânime nos controlava, tal como ele controlava um boneco de um videogame. Era ridículo. Depois de quase xingá-lo, passamos a falar sobre fé e nossas crenças. Ele me disse que, particularmente, não acreditava na ideia do Deus cristão, mas sim em um Deus metafísico, um Deus que é energia e, pela primeira vez, levei a sério seus argumentos.
Devido aos incontáveis minutos, se não horas, conversando sem parar, Justin começou a bocejar e sua fala ficou mais lenta enquanto seus olhos piscavam demoradamente. Não precisei esperar muito até que ele interrompesse uma frase bem no meio e fechasse os olhos, entregando-se ao sono. Abri um sorriso, vendo seu rosto em minha frente e o beicinho que se formou em seus lábios por conta da sua bochecha amassada contra o travesseiro.
Dando-me conta de que estava agindo igual a uma psicopata enquanto o observava dormindo, desliguei a chamada e coloquei meu celular ao meu lado na cama. Ajeitei meu corpo nos travesseiros e suspirei, não conseguindo conter um sorriso pequeno em meu rosto. Um sorriso que eu não sabia de onde estava vindo, mas que, confesso, começou a me proporcionar uma paz de espírito tranquilizante o suficiente para me fazer relaxar. Senti o sono pesando em minhas pálpebras e me agarrei ao cobertor, finalmente fechando meus olhos.
A manhã seguinte começou com meu despertador tocando logo cedo. Resisti ao impulso de jogá-lo no chão enquanto estava com o rosto enterrado em meu travesseiro e levantei da cama. Arrastei-me em meus pés até a suíte, mas meu estado de quase-morte devido ao sono durou pouco tempo. Tomei banho, vesti minha lingerie e um roupão por cima a fim de me manter no aguardo da cabeleireira e da maquiadora que estavam por vir. Desci, tomei um café da manhã com minha mãe e recebi as duas pessoas que ficariam responsáveis por minha arrumação, junto com Josh e Ruth em seguida. Permaneci inerte enquanto arrumavam meu cabelo e faziam minha maquiagem, o que não demorou tanto quanto imaginávamos. Parcialmente pronta, subi para meu quarto novamente e vesti a composição que eu havia separado, calçando, por fim, meus saltos. Uma modelo não era uma modelo completa quando ela não estava sobre seus saltos.
Josh, Ruth e minha mãe me elogiaram assim que retornei para o andar de baixo carregando comigo o roteiro e o celular. Michael já estava a minha espera quando saí através da porta principal da mansão e também arriscou um elogio, o que me foi uma pequena surpresa. Durante o percurso, li o roteiro mais uma vez e atentei para as principais orientações do meu empresário e da minha assessora. Ignorei o frio que se instaurou em minha barriga assim que atravessamos a entrada do estúdio e saí do carro com toda a minha autoconfiança.
Foi preciso que passássemos por uma equipe de segurança assim que entramos no estúdio, mas, uma vez já dentro, fui recepcionada por uma assistente que me guiou até uma espécie de sala própria de camarim. Josh e Ruth se acomodaram nos sofás e eu fui até o pequeno frigobar que havia ali, pegando uma água gelada sem gás para tomar. Minutos depois, duas batidinhas na porta chamaram minha atenção e, quando girei a maçaneta, deparei-me com a Ellen Degeneres.
Devo dizer que ela foi genuinamente simpática. Primeiramente, fui coberta de elogios, principalmente aqueles voltados para o que eu estava conquistando em meus tenros dezessete anos o que, em sua concepção, era incrível. Conforme conversávamos, fui questionada a respeito da minha mãe e ela, casualmente, pediu para que eu lhe mandasse um beijo. Afirmei ter conhecido Portia De Rossi, sua cônjuge, durante o evento de tapete vermelho do MET Gala e ela me falou que a mesma estava viajando enquanto gravava o seriado em que participava, Scandal. Por fim, Ruth e Josh foram inclusos na conversa quando Ellen nos explicou como funcionava toda a mecânica do programa.
Em poucos minutos, quando começasse a ser gravado, uma assistente me chamaria para ficar à espera do chamado dela no segundo bloco e, enquanto isso não acontecia, o maquiador e a cabeleireira viriam fazer alguns ajustes em minha aparência, caso fosse necessário. Despedindo-se, Ellen deixou a sala em que eu estava e logo o tal maquiador e a tal cabeleireira apareceram. Ambos me levaram até uma cadeira em frente a um espelho destinado a esses fins e começaram seu trabalho em retocar as pequenas imperfeições que poderiam haver. De repente, meu celular vibrou em minha mão e virei a tela para cima a tempo de ver o nome do Justin no visor em uma notificação de mensagem. Um sorriso surgiu em meu rosto e deslizei o dedo sobre a tela, querendo ler o que ele tinha me escrito.
De: Justin
Para: Tori
Boa sorte na entrevista. ;)
Aquilo era tão gentil que não se assemelhava ao usual comportamento grotesco do Justin. Ainda parecendo uma estúpida com um sorriso sem motivo no rosto, digitei uma resposta para enviar de volta.
De: Tori
Para: Justin
Obrigada. ;)
Ps.: Quem é você e o que fez com o Justin?
Não precisei esperar muito para que outra mensagem surgisse na minha tela de bloqueio em meio ao som dos aplausos e euforia da plateia no estúdio. Possivelmente a assistente já estava a caminho.
De: Justin
Para: Tori
Não tive nenhum pesadelo essa noite. Obrigado por ter ficado comigo, de certa forma.
Meu sorriso se alargou e eu mal registrei o instante em que a cabeleireira e o maquiador finalizaram o que se propuseram a fazer. Uma batida na porta me fez girar a cabeça em direção à mesma, mas foi Josh quem a abriu e revelou uma funcionária carregando um crachá em volta do pescoço.
- Srta. Wolfgang? - perguntou a mulher, com os olhos fixos em mim.
- Sim? - levantei-me da cadeira giratória.
- Por favor, acompanhe-me. - pediu educadamente, fazendo com que eu assentisse em concordância. Entreguei meu celular e o roteiro ao Josh quando passei por ele e saí porta à fora sendo guiada pela assistente de palco enquanto escutava os inúmeros ruídos externos da gravação do programa. Caminhamos por três corredores até eu chegar no ponto de partida do cenário, onde várias pessoas da equipe estavam em movimento realizando suas tarefas. A mulher, cujo identifiquei como Martha Wilson devido ao seu crachá, falou tudo o que eu precisava sobre como aconteceria a dinâmica do programa e eu deixei que ela instalasse todos os equipamentos de som em meu corpo, finalizando com um pequeno microfone na parte superior do meu corset. Ela também me disse que assim que eu entrasse no cenário o microfone seria ligado, então qualquer coisa que eu falasse estaria chegando como sinal sonoro durante a gravação.
Esperei quase dez minutos enquanto Ellen fazia piadas mostrando alguns vídeos da internet na tela enorme que havia no cenário e assisti tudo através de uma pequena televisão que havia nos bastidores. Quando, finalmente, os 120 segundos de intervalo havia se passado, a assistente fez um sinal para mim e me levou até a passagem por onde eu iria caminhar para entrar. Não senti nenhum dos sintomas de estresse, nervosismo e ansiedade enquanto Ellen começava a me anunciar para a plateia.
- Estamos de volta e agora eu vou receber uma das mais novas modelos em ascensão. Por favor, recebam Tori Wolfgang! - ela exclamou e eu dei o primeiro passo, entrando no cenário enquanto uma música do Calvin Harris tocava como plano de fundo em meio aos aplausos da platéia. Havia um pequeno grupo de meninas mais novas nas poltronas da frente e elas acenaram freneticamente para mim, fazendo com que eu acenasse de volta e abrisse um sorriso simpático em meu rosto. Ao alcançar Ellen e as duas poltronas que ficavam dispostas para nós, dei-lhe dois beijos no rosto em forma de cumprimento, como se não tivéssemos acabado de nos encontrar no backstage e sentei na poltrona em frente a ela enquanto a mesma também se acomodava. - Ei! - Ellen sorriu, colocando seu tornozelo sobre a coxa.
Cruzei minhas pernas e sorri mais amplamente, fitando-a.
- Oi! - respondi, igualmente animada.
- Obrigada por ter vindo. - falou, fazendo as honras do programa.
- Obrigada a você por me receber aqui. - eu disse em um tom de voz educado que, para qualquer um, soaria completamente natural. Mal sabem.
- Que semana, uh? Eu mal consigo imaginar como deve estar sendo para você. - ela gesticulou em minha direção e eu assenti, suavizando minhas linhas de expressão para uma feição impassível.
- É, as coisas foram um pouco... Difíceis. - concordei, balançando a cabeça sutilmente.
- E como estão agora? - perguntou, referindo-se à toda polêmica envolvendo o divórcio dos meus pais.
- Ahn... - fingi pensar, desviando meu olhar rapidamente - Honestamente? Eu não sei. - respondi - Sabe quando o plano A não sai como o esperado e é preciso apelar para o plano B? - questionei retoricamente e Ellen abriu um sorriso, assentindo - É basicamente assim em que estou me sentindo, só que eu não tinha um plano B. - assumi, fazendo algumas pessoas da plateia rirem.
- Isso não soa nada bem. - Ellen brincou e eu soltei uma risada, dando de ombros timidamente em um gesto que significava um "o que eu posso fazer?". - Eu quero dizer, todos sabem o que aconteceu com seus pais e como isso tomou uma proporção pública até mesmo invasiva. Você acha que o fato de que todos sabem ou o fato de que se tornou um escândalo na mídia piorou a situação em si? - perguntou e fiquei aliviada ao me dar conta de que ela estava realmente seguindo o roteiro que li e reli inúmeras vezes antes.
- Ah, eu não sei... Talvez. - afirmei - Mas não acho que piorou a situação em si, eu só tenho que lidar com isso com uma perspectiva diferente, entende? Já é difícil o bastante descobrir que seus pais estão se divorciando e que ele tem uma família em outra cidade, imagina como não é encarar isso com as pessoas opinando a respeito, fazendo comentários negativos... É complicado. - expliquei e ela abriu um sorriso satisfeito enquanto a equipe de filmagem se movia perto da plateia.
- Eu consigo entender, inclusive você postou ontem uma foto no Instagram respondendo uma crítica que fizeram sobre seu comportamento em relação ao assunto. - Ellen me instruiu a continuar falando, guiando-me em uma nova direção do assunto.
- Ah, sim, eu tento falar de forma mais aberta possível pra evitar especulações ou matérias tendenciosas, exatamente o que aconteceu. Eles me criticaram por não me posicionar a respeito do assunto, sendo que foi algo tão recente e eu ainda estou processando tudo... - comecei a falar.
- Mas tem um vídeo em que a sua meia irmã recém descoberta fala que você não quer saber dessa nova família, não é? - questionou, sinalizando para eu aprofundar ainda mais minha resposta supérflua.
- Sim. - respondi - Eu não a conheço ainda, mas quero conhecê-la. As coisas só estão acontecendo rápido demais. Eu descobri tudo isso uns dois dias antes de ir à tona publicamente, então eu precisei tirar um tempo para mim, mas com certeza vou querer conhecer a Isabelle tanto quanto o Liam. - fiz questão de falar o nome deles para explicitar que já apresentei interesse em saber dos bastardos e aquilo pareceu ser o suficiente para a entrevistadora.
- Foi por isso que você também se afastou dos desfiles da Chanel? - ela perguntou enquanto eu me inclinava para pegar a xícara de água que estava sobreposta na mesa de centro entre nós e assenti com a cabeça ao dar um pequeno gole, levando o objeto de volta à superfície.
- Ah, sim. Eu não teria cabeça para continuar em uma turnê de desfiles pela Europa e deixar minha mãe sozinha passando por tudo isso. Preciso ficar com ela no momento. - ouvi alguns sons de comoção vindo da plateia e abri um sorriso tímido na direção deles, voltando a fitar Ellen.
- Eu acho isso ótimo, você só tem 17 anos, está começando agora e tem uma carreira promissora pela frente. Eu tenho que te parabenizar por tudo o que vem conquistado com tão pouca idade e dizer que não só eu, mas muitas pessoas apostam em seu sucesso profissional. - ela me elogiou enquanto algumas fotos minhas na passarela e outras de photoshoots realizados para revistas passavam no grande telão atrás de nós e a vi através de uma pequena tela quase em nossa frente, abrindo um sorriso agradecido.
- Obrigada! - exprimi um tom usual de gentileza e ela ampliou ainda mais seu sorriso, o que me deixou mais confortável naquela poltrona depois de tratar sobre o assunto publicamente e não gaguejar em nenhum instante.
- Então... Vamos falar sobre você e o Justin Bieber. - a mudança abrupta de assunto me fez fingir um engasgo e todos da plateia riram, inclusive ela. - Ele é seu namorado? - seu tom de voz se assemelhava com a expressão incisiva em seu rosto e eu não consegui conter um sorriso em meu rosto, principalmente depois que uma das fotos que postei com Justin no Instagram surgiram na tela, o que fez a plateia repetir o mesmo som de comoção em um "own" uníssono.
- Ah, ele... - comecei a falar, mas soltei uma risada que fez todos do estúdio me acompanharem - Ele é alguém especial. - levantei um dos meus ombros timidamente e ela ergueu a sobrancelha.
- Por que você não diz que estão namorando? - perguntou, insistindo.
- Porque nós... - gesticulei, entrando em sua encenação enquanto as pessoas mantinham seus sorrisos amplos no rosto, achando graça daquilo - Ah, meu Deus. - cobri meu rosto.
- Ele é seu namorado. - ela falou com firmeza, tirando-me da minha miséria enquanto eu reerguia meu rosto e soltava um suspiro - Mas você não tinha outro namorado antes dele? Você troca de namorado rápido assim ou foi só essa vez? - perguntou em um tom sério, mas que ao mesmo tempo deixava claro que estava brincando.
- Oh, Deus, você está me envergonhando. - murmurei, passando minha mão em meu rosto mais uma vez.
Depois de me encarar por um tempo, Ellen soltou uma risada e balançou a cabeça negativamente, fazendo com que eu soltasse uma risada enquanto todos aplaudiam.
- Então, você ainda estuda? - ela mudou de assunto, percebendo meu desconforto.
- Ahhh, sim. - soltei uma respiração, fazendo um beicinho - Estudo. Eu sou uma Júnior, então ainda falta o último ano Sênior para mim. - murmurei.
- Mas você não frequenta a escola, não é? - perguntou novamente enquanto todos ficavam em silêncio e as câmeras se moviam de lugar mais uma vez.
- Não, eu estudo em casa. - neguei, mas não quis explicar que, no momento, eu havia entrado em acordo com a Laurel School e estava de licença. Ninguém precisa saber disso ou terão mais do que falar sobre mim.
- Você sente falta da escola? - peguei a xícara mais uma vez e tomei mais dois goles da água, devolvendo para a mesa de centro antes de balançar a cabeça negativamente.
- Eu não sei, algumas coisas... Os bailes, os jogos de basquete em que eu era a líder de torcida, estar perto da minha melhor amiga todos os dias... - divaguei.
- E as pessoas te tratavam de forma diferente devido a sua fama? Porque você tem muita influência sobre outros adolescentes nas redes sociais. Eles criam fã-clubes, te enviam inúmeras mensagens todos os dias, você é quase uma ídola... Como isso funcionava? - abri um sorriso, lembrando de como realmente funcionava e como todos da Brearley me tratavam como a rainha daquele lugar. Tinham medo, respeito e inveja. Uns queriam ser, outros abaixavam a cabeça e muitos admiravam. Entretanto, não era isso o que eu podia dizer.
- Ah, eu era só uma aluna normal. - respondi com indiferença - Todos me tratavam sem nenhum diferencial e isso era bem legal. Só que estudar em casa é mais conveniente para mim agora por conta da minha agenda. - esclareci, mais uma vez explicando outro ponto.
- É, mas esse não é mais o caso agora. Como é pra você, aos 17 anos, saber que várias garotas te admiram e querem ser como você? - ela indagou, sendo o último tópico que discutiríamos durante a entrevista, o que significava que aquele bloco já estava chegando ao fim.
- Eu tento não pensar na pressão que vem junto com essa responsabilidade, sabe? Só quero ser o melhor que eu puder e mostrar a elas que sempre conquistaremos o que quisermos se lutarmos por isso. Eu vou cometer alguns erros, afinal só tenho 17 anos, e não vou buscar a perfeição, mas acho que cada um de nós estamos aqui no intuito de nos melhorar e é isso o que pretendo fazer todos os dias. Eu quero ser um modelo para que elas enxerguem o que há de melhor dentro de si e aprimorem isso. - abri um sorriso de canto e a plateia aplaudiu assim que Ellen também sorriu, concordando com a cabeça.
- Muito obrigada por ter vindo, Tori, e eu espero te encontrar mais vezes. Vou estar torcendo pelo seu sucesso. - ela falou em um tom de encerramento e eu assenti com a cabeça, ampliando meu sorriso.
- Obrigada! Foi muito bom estar aqui com você. - segurei sua mão assim que ela a estendeu em um cumprimento e a observei se inclinar em minha direção enquanto o câmera abaixava cada um dos três em sinal de que a gravação iria ser cortada.
- Você foi ótima. - Ellen sussurrou para mim, dando-me uma piscadinha.
- Eu sou. - respondi, jogando meu cabelo para trás em brincadeira o que a fez rir e apertar minha mão em um gesto de cumplicidade.
O programa entrou em intervalo e eu me despedi da Ellen, assim como acenei um tchauzinho para a plateia que fora super receptiva comigo. Todos acenaram de volta e algumas meninas me chamaram, pedindo por uma foto. Querendo manter a imagem de boa moça consistente sob os holofotes e porque eu sabia que estavam me filmando com seus celulares, corri rapidamente até elas e tirei uma foto com as seis. Todas me agradeceram e me elogiaram, o que fez daquele um bom momento antes de eu precisar voltar para os bastidores. Ellen veio pessoalmente me agradecer, mas trocamos rápidos cumprimentos, porque ela precisava voltar para o cenário já que o próximo bloco logo começaria a ser gravado. Josh e Ruth parabenizaram minha encenação perfeita durante a entrevista e o assessor do programa nos informou que todas as prévias e a entrevista completa seria enviada para minha equipe a fim de ter sua exposição autorizada. Ainda fazendo a linha educada, cumprimentei e me despedi de todos que me receberam, inclusive a assistente de palco que me ajudou a tirar os microfones presos em minha roupa e só então deixamos o estúdio, onde Michael já estava à espera com o carro no estacionamento.
Tomando nossos assentos no veículo, Josh e Ruth se viraram para mim com um ar de expectativa até que ele foi o primeiro a quebrar o silêncio.
- Está pronta para repassar seus novos compromissos na agenda? - perguntou, erguendo a sobrancelha.
Deus, - pensei - Eu nunca mais terei descanso.
Sucessão de dias
Mais um dia foi riscado do calendário, após a entrevista e, com isso, os outros começaram a chegar em um ritmo mais rápido do que fui capaz de realmente acompanhar. Era, literalmente, final de outubro, faltando uma semana para o Halloween, e a última coisa em que pensei foi na aquisição de uma fantasia. Em vez disso, preocupei-me com os acontecimentos frenéticos que pareciam não querer me dar uma folga.
As notícias continuavam correndo à solta, mas nenhuma outra matéria pretensiosa em um site de publicidade ou blog de fofoca fora divulgado, o que era bom. Tudo o que continuava comentando era a cerca do escândalo envolvendo meus pais, mas já tive minha cota de participação nessa polêmica, então não me envolvi mais. Minha mãe, por outro lado, continuava concedendo algumas entrevistas, programando inúmeras reuniões com sua equipe de marketing e assessoria de imprensa, e meu pai, por sua vez, deu apenas uma única declaração pública que não foi o suficiente para fazer as fofocas durarem. Acho que ele cumpriu sua palavra também, pois a bastarda não falou mais nada e nem fez nenhuma publicação em suas redes sociais que pudessem ser interpretadas ambiguamente. Sim, eu assumi um papel de stalker e ficava observando suas atualizações.
Em relação à minha vida, tudo ia muito bem, obrigada. No sábado, um dia depois da entrevista, dediquei o dia inteiro para fazer tudo o que precisava. Fui ao salão de beleza com minha mãe pela manhã, onde deixei que os cabeleireiros fizessem sua mágica em meu cabelo enquanto a manicure e pedicure cuidavam das minhas unhas. Saímos juntas e almoçamos fora, sendo seguidas por alguns paparazzis que nos rondaram durante todo o passeio. Aproveitamos para fazer compras no shopping e, perto do final do dia, separamo-nos porque precisei ir até a casa da Pattie e do Justin para acompanhar a reforma do quarto dele assumida por Finch. Já era possível ver o projeto tomando forma física e fiquei muito satisfeita com o resultado que estava por vir. Ao chegar em casa, ainda usei o resto da minha carga de energia para treinar um pouco, dessa vez com supervisão do meu personal trainer particular.
Nos dias que se seguiram eu comecei a seguir a programação da minha agenda. Segunda, pela manhã, fui à mais uma reunião com todos os empresários e resolvemos as últimas pendências necessárias. Meu advogado leu toda a documentação de autenticação da minha marca com o laboratório e conheci todo o pessoal com quem iria trabalhar. Também fui apresentada à equipe que ficaria responsável apenas pelo marketing e começamos a decidir os detalhes com todos os desgins visuais que me foram mostrados em uma pasta. Entrei em incontáveis dilemas enquanto tentava decidir a combinação perfeita entre a embalagem dos cosméticos e a embalagem de entrega. Deixei salvo dois de cada um e partimos para discutir sobre a divulgação e sobre o toque pessoal que eu impus querer colocar na linha. Até então, tivemos o suficiente para abstrair e demos um longo passo à frente na concretização do projeto. Ainda na segunda-feira, fui à minha nutricionista e conversamos sobre minha dieta pessoal. Fiz mais uma visita à forma que estava acontecendo no quarto do Justin e os móveis já estavam sendo colocados nos lugares depois das paredes terem sido pintadas.
Reuni-me mais algumas vezes com todos os representantes do laboratório e decidimos as doze cores que fariam parte da paleta. Todas elas carregavam consigo um caráter uniforme, mas também possuíam diferenças cruciais entre si, o que deixariam muitas pessoas em dúvida na hora de adquirir o produto e que, possivelmente, a fariam levar ambas as cores que mais chamarem sua atenção. Era uma tática de marketing também. Assumi o compromisso de escolher os nomes das respectivas cores e, devido a isso, a cópia da paleta ficou sob minha posse para que fosse possível realizar a escolha com mais calma. Em uma das últimas reuniões, já perto do fim da semana, perto do Halloween, finalmente escolhi qual seria a embalagem de entrega e como seria o design dos produtos. Uma ideia foi discutida e se tornou uma relevante pauta de discussão até ser admitida por todos os empresários, cujo concordaram que seria uma jogava atrativa para as compras. A cada batom comprado, viria um folheto de agradecimento impresso, porém com a minha caligrafia, e outro explicando o porquê escolhi o nome da cor e qual o significado que ela tem para mim, tornando tudo ainda mais pessoal, exatamente como requisitei.
Durante todo esse tempo, acompanhei intimamente o progresso no quadro de recuperação do Justin no hospital. Entretanto, não pude ficar mais nenhuma noite com ele. Em vez disso, Pattie passou a ficar durante a madrugada e Ryan assumiu seu lugar durante o dia, o que foi estranhamente atencioso da parte dele. Eu falava com ambos em meus pequenos intervalos através do FaceTime e Justin dormia todas as noites comigo na ligação, pois, segundo ele, "eu falava pra caralho e o deixava cansado demais pra ter pesadelos". Quase mandei o filho da puta ir à merda.
Na sexta-feira, Justin finalmente recebeu alta. Seu quarto já estava pronto e acertei, pessoalmente, todo o pagamento do Finch juntamente ao seu time de designers que fizeram um trabalho sensacional, exatamente como imaginou no seu projeto visionário. O piso foi a única parte da decoração que permaneceu a mesma. As paredes foram pintadas de preto, apenas com uma delas brancas. O teto agora possuía um vidro translúcido separando as lâmpadas fluorescentes, proporcionando uma iluminação completamente diferente ao ambiente. Além disso, a cabeceira contendo a luz fluorescente na parte de trás também fora instalada e apoiada na parede branca, a primeira em que se via quando entrava no quarto. Junto a ela, a cama king size também fora trocada e, como dito, todo o resto da decoração explorou a cor preta, assim como o cobertor, lençol e travesseiros decorativos. Em cada lado da cama havia um criado mudo com a madeira escura com pequenas plantas desfolhadas de galhos secos e dois livros despojados harmonicamente. Na quinta-feira, ocupei-me em ir até lá para repor todos os objetos pessoais do Justin que foram retirados do antigo quarto e, com isso, enchi as gavetas com os pertences. Também recoloquei suas roupas no guarda-roupa ainda maior do que o dele já era e fiquei tentada a queimar aquela caixa que continha as fotos com a Faith, mas reprimi meu instinto psicopata e apenas realizei minha tarefa de maneira impessoal.
O que era irônico, pois toda aquela ideia de reforma do quarto não tem nada de imparcialidade.
Complementando o espaço, a escrivaninha do Justin foi decorada com um MacBook pro de primeira linha e, dentro das gavetas, pus suas pastas com os desenhos. Finch e eu ficamos em dúvida sobre onde seria o melhor lugar para colocar a mochila dele, até que eu a joguei no chão perto da cama e disse que era o toque pessoal do Justin que estava faltando: seu desleixo. Ele era um bagunceiro de marca maior e eu até sentia um aperto do peito em saber que aquela arrumação perfeita do quarto logo estaria revirada de cabeça para baixo. Outros objetos, como poltronas, pôsteres de bandas em preto e branco terminaram a composição do interior e só então, por fim, coloquei minha última surpresa para ele sobre a cama com um recadinho preso ao presente.
Dessa forma, feliz com o resultado da surpresa que imaginei fazer para Justin, cheguei ao hospital um pouco depois do meio dia, quando a médica assinou seu atestado de alta. Encontrei Justin já vestido com uma das suas roupas e o cabelo despojado em uma franja que, confesso, dava-lhe um charme diferente e tornava seu rosto até modesto. Era quase fofo. Quase, pois estávamos falando do Justin. Ele estava usando uma camisa branca larga, jeans com rasgos desfiados e um dos seus supras que eu tinha vontade de queimar. Pattie escolheu a roupa enquanto eu as recolocava no novo guarda roupa e ambas concordamos que aquela merda era horrível. Não consegui ignorar o sorriso enorme que ele abriu ao me ver atravessando a soleira da porta já aberta e ignorei todos em nossa volta no quarto ao retribuir seu sorriso amplo.
- Ei, você! - aproximei-me do seu corpo e, por impulso, passei meus braços em torno dele e deitei minha cabeça em seu peitoral com cuidado enquanto o apertava contra mim. Ele retribuiu o abraço e também me apertou contra seu corpo. Inspirei seu cheiro contido na camisa e ergui meu rosto na direção do seu, ainda sorrindo. - Pronto pra continuar fazendo umas merdas? - brinquei, conseguindo uma risada dele.
- Sempre. - ele abriu um sorriso estúpido e eu balancei minha cabeça, só então me afastando do seu corpo. Com isso, olhei em volta e reconheci a presença da Pattie, da médica e da enfermeira que o acompanhou durante todo o processo de recuperação.
- Olá. - cumprimentei as últimas duas com um aceno e dei dois beijinhos no rosto da Pattie.
- Olá, meu amor. - ela falou, claramente em um estado de nirvana por seu filho estar saindo em perfeito estado do hospital após o susto em que tomamos com tudo o que aconteceu. - Estávamos esperando por você. Ryan e California não vão poder vir por causa da escola. - ela murmurou e eu assenti em compreensão.
- Eu já estou aqui. - sorri, voltando-me para Justin - Vamos embora? - perguntei, estendendo minha mão para ele. Abaixo o olhar até a mesma por um segundo, ele a agarrou e assentiu com convicção. Eu estava empolgada para ver sua reação quando entrasse no quarto inteiramente reformado e percebesse que estou levando a sério a promessa que fiz sobre permanecer ao lado dele para ajudá-lo a seguir um caminho completamente novo e diferente. Após isso, sabe-se lá o que aconteceria, mas parte da minha empolgação também estava relacionada à ansiedade de descobrir.
Esperei enquanto Pattie ouvia todas as precauções e cuidados que seriam necessários, principalmente com a medicação que Justin ainda precisaria tomar. Por outro lado, ele continuava apressando as coitadas até que lhe dei um beliscão forte no braço a fim de fazê-lo parar de ser insuportável por alguns minutos. Quando finalmente chegamos no térreo do hospital e paramos em frente às portas de vidro da entrada, tornou-se possível enxergar o número razoável de paparazzis que estavam à nossa espera do lado de fora. Justin pareceu ter ficado subitamente surpreso com a quantidade de fotógrafos e se virou para mim, parando de andar assim que as câmeras foram posicionadas em nossa direção para começarem a capturar as imagens.
- O que é isso? - ele sussurrou, aproximando seu rosto do meu como se todos os homens fossem capazes de escutar o que estava sendo cochichado.
- Hm... Paparazzis. - gesticulei em direção a eles.
- Por que estão aqui? - perguntou mais especificamente, revirando os olhos.
- Eles estão aqui desde que você deu entrada no hospital. - expliquei, dando de ombros para simbolizar minha indiferença em relação àquilo.
- Eles vão seguir a gente? - perguntou, desviando o olhar de volta aos paparazzis já a postos com suas câmeras.
- Agora? - franzi o cenho - Não, só vão nos fotografar saindo do hospital juntos porque agora somos, você sabe... - foi a minha vez de aproximar meu rosto do dele e fiquei na ponta dos pés, quase encostando minha boca em sua orelha - namorados. - sussurrei em um tom divertido.
- Puta merda, só de ouvir isso me dá um arrepio e não é dos bons. - ele zombou e eu lhe dei um tapinha de brincadeira no braço, soltando uma risada. Alguns flashes vieram em nossa direção, mas o vidro não deixou que a luz viesse com toda a sua intensidade. De repente, Pattie surgiu ao nosso lado acompanhada por um segurança alto e com o porte largo, o que só então me fez dar conta de que ela havia se afastado por um instante.
- Os seguranças do hospital irão nos acompanhar até meu carro. - Pattie anunciou, apontando com o polegar para um lugar atrás de si onde mais quatro seguranças exatamente como aquele estavam à espera - Seu motorista ainda está aí, Tori? - ela perguntou, fitando-me com atenção.
- Não, eu o mandei ir para casa. Vou acompanhar vocês até a cobertura. - respondi, fazendo-a assentir e piscar disfarçadamente para mim.
- Então, vamos? - perguntou, abaixando os óculos escuros no rosto.
- Vamos. - concordei, entrelaçando meus dedos com o do Justin. Ele abaixou o olhar até nossas mãos interligadas, mas não fez nenhum comentário enquanto caminhávamos em direção às portas automáticas. Os seguranças se dispuseram ao nosso redor na intenção de realizar a guarda durante todo o trajeto até o carro da Pattie e só então atravessamos a saída/entrada do hospital. Os sons dos obturadores conseguiam ser mais irritantes que os flashes insistentes enquanto os paparazzis tentavam nos alcançar para conseguir um melhor ângulo, sendo constantemente afastados pelos homens ao nosso redor.
- Tori! Vocês estão namorando? - um deles perguntou à distância.
- Ele é seu namorado? - o outro repetiu a mesma pergunta e escutei Justin bufar baixinho ao meu lado. Ele agarrou minha mão com mais força e eu cobri meu rosto com minha mão, protegendo meus olhos.
- Proteja seus olhos. - falei baixo, aproximando ainda mais meu corpo do dele enquanto continuávamos nosso caminho pela calçada. Justin fez como orientei e abaixou um pouco a cabeça. Ele soltou minha mão e, antes que eu pudesse olhá-lo com uma interrogação estampada no rosto, senti seu braço em volta do meu corpo e sua mão segurando minha cintura. Passei em sua frente e voltei a segurar sua mão, trazendo-o comigo enquanto seguia Pattie pelo estacionamento externo.
Depois de uns bons cinco minutos, Pattie destravou as portas do seu carro e assumiu rapidamente o banco do motorista. Justin, surpreendentemente, lembrou da minha pequena exigência e abriu a porta do carro para mim como o falso cavalheiro que ele era. Eu já conseguia imaginar as matérias nos sites de fofoca falando sobre isso e não contive meu sorriso ao me acomodar no estofado, esperando ele sentar e fechar a porta. Quando já estávamos em segurança, Pattie acionou a trava de segurança novamente e girou a chave na ignição, fazendo o motor roncar.
O silêncio pairou entre nós três enquanto Pattie tirava o carro da vaga do estacionamento e dirigia para fora do hospital, entrando no tráfego de Beverly Hills. Já quando achei que ficaríamos calados durante todo o caminho, Justin decidiu abrir a boca.
- É sempre assim? - ele perguntou, referindo-se à abordagem dos paparazzis.
- Não. - respondi, balançando a cabeça - Só quando eles sabem que estamos em um lugar e aí se aglomeram na porta do estabelecimento, como acabou de acontecer. Só que no dia à dia eles andam em menores quantidades e respeitam mais os limites de espaço. - expliquei, vendo-o assentir em compreensão.
- Agora que os tabloides estão interessados em vocês, os paparazzis vão persegui-los por todos os lugares. - Pattie comentou e vi Justin me lançar um olhar com a sobrancelha arqueada.
- É a intenção. - sussurrei baixo para que apenas ele escutasse.
O carro parou no sinal vermelho e eu me distraí, desviando meu olhar para fora da janela a fim de ver a paisagem da cidade. De repente, senti um cutucão em minha cintura e me virei de novo para Justin com o cenho franzido, silenciosament perguntando o que ele queria.
- Aquela mulher não tem cara de quem trai o marido com o personal trainer que é amigo do filho dela? - Justin perguntou, fazendo com que eu o olhasse por uma fração de segundo como se outra cabeça tivesse crescido em seu pescoço. Entretanto, contrariando meu bom senso que começou a questionar sobre a saúde mental desse garoto, olhei na direção em que ele estava apontando e soltei uma risada, entendendo o que ele queria dizer. A mulher do carro ao lado realmente parecia uma daquelas tias que traía o marido com um bonitão que possui a metade da idade dela.
- Olha aquele cara ali. - apontei para o outro homem do carro da frente, cujo o mesmo aparentava ter uns 25 anos - Ele tem cara de que é romântico, que sabe cozinhar, sacar rolha de vinho, manter uma boa conversa... - comecei a descrevê-lo e Justin assentiu em concordância em cada uma das características apontadas.
- ... Mas que tem o pau pequeno. - Justin me interrompeu, fazendo Pattie irromper em uma risada no banco do motorista na frente de nós.
- Vocês dois são ridículos. - ela comentou e caímos na risada enquanto eu realmente imaginava a rolha que o cara tinha que sacar depois de tirar a cueca. Coitado.
Passamos todo o caminho em direção ao condomínio do Justin daquele jeito, apontando e descrevendo as pessoas da rua de acordo com o que elas aparentavam. Identificamos tudo o que se pode imaginar, inclusive uma bruxa - mérito do Justin. Ele afirmou que ela poderia faturar horrores no Halloween se vendesse uma fantasia inspirada nela mesma. Finalmente, quando eu já estava com lágrimas nos olhos e a barriga doendo, entramos na rua dos prédios residenciais mais luxuosos de Beverly Hills e eu me endireitei no banco, só então me dando conta de que estava praticamente no colo do Justin para conseguir enxergar melhor através dos vidros da janela ao lado dele.
Assim que Pattie atravessou os portões do estacionamento, vi os olhos dele brilharem. Literalmente. Não precisei de uma bola de cristal ou muito menos olhar na direção em que seus olhos estavam fixos para saber o motivo daquela súbita emoção. Justin não esperou nem mesmo a mãe tirar a chave da ignição e desligar o motor do carro para abrir a porta e sair apressadamente, quase chegando a correr em direção à Ferrari. Bufei e revirei meus olhos, saindo alguns segundos depois antes das portas serem travadas. Cruzei meus braços enquanto assistia àquela cena emocionante e Pattie parou ao meu lado, igualmente inabalada.
- Eu gostaria de entender a obsessão que ele tem com esse carro. - falei, vendo-o passar a mão por toda a tintura do carro e aproximar o rosto diversas vezes da lataria para, provavelmente, certificar-se de que não havia um arranhão se quer.
- Foi o primeiro carro dele. - Pattie explicou, observando-o da mesma forma - Ele ganhou aos 15, mas só pôde dirigir aos 16, quando tirou a carteira de habilitação. Um dia, ele saiu com o pai, viu a Ferrari na concessionária e se apaixonou imediatamente. Quando demos a ele, Justin quase chorou em nossa frente. Quase. - ela soltou uma risada e sorriu com a lembrança, fazendo com que eu sentisse uma dorzinha no coração por desejar ter visto aquilo.
- Justin, vamos? Ou você quer que nós te deixemos a sós com sua Ferrari pra vocês terem um momento íntimo também? - falei, elevando um pouco a voz devido à distância e o filho da mãe nem me olhou, apenas mandou um dedo do meio na minha direção.
- Tão educado. - Pattie murmurou, estalando a língua no céu da boca.
Resolvi segui-la em direção ao elevador, deixando Justin sozinho com o carro dele até que o escutamos se aproximar enquanto esperávamos a cabine parar na garagem.
- Você é um pé no saco. - Justin resmungou atrás de mim e vi as portas se abrirem em minha frente. Ignorando-o, atravessei o espaço aberto e esperei até que ele e Pattie também estivessem entrado. Ela digitou a senha da cobertura no painel e as portas voltaram a se fechar. Escutei uma respiração profunda ser expirada e, ciente da sua claustrofobia, apenas segurei a mão dele e apoiei minha cabeça em seu ombro em um gesto silencioso de conforto para que aqueles sessenta segundos até o último andar não demorassem tanto.
Justin ficou visivelmente mais relaxado e me lançou um olhar rápido, abrindo um sorriso de canto pequeno de agradecimento. Quando a luz do painél piscou na cobertura e a passagem foi liberada, ele se apressou para fora do elevador e eu o acompanhei junto com Pattie.
- O que você quer fazer primeiro, Justin? Quer comer alguma coisa? Posso pedir para a empregada preparar algo para você. - ela murmurou e se virou para olhá-lo, dando-lhe todo o poder de decidir o que aconteceria logo em seguida. Ele estava perto de ver a surpresa no quarto e comecei a ficar ansiosa novamente ao me lembrar disso.
- Porra, sim, não vejo a hora de comer alguma coisa de verdade. - ele respondeu, resultando em um sorriso animado no rosto da mãe por poder dar ao folgado o que ele queria.
- Eu vou providenciar na cozinha, enquanto isso suba com a Tori. - Pattie nos dispensou com um aceno de mão e Justin pareceu indiferente quando fez o que lhe foi dito e seguiu em direção às escadas. Sutil, Pattie. Sutil. Fiz meu caminho atrás dele até o segundo andar e percorri todo o corredor até a porta do seu quarto. Mordi meu lábio inferior para conter um sorriso enquanto o observava girar a maçaneta da porta e apertei minhas mãos em punhos assim que a mesma fora aberta, revelando toda a surpresa do quarto novo e reformado. Entrando logo depois, coloquei-me ao lado dele e virei para vê-lo esboçando a primeira reação diante daquilo enquanto seus olhos percorriam todo o ambiente ao redor em silêncio.
Entretanto, quando Justin abriu a boca e finalmente transpareceu uma emoção, não foi o que eu estava esperando.
- Que merda é essa? - vociferou.
Justin Bieber P.O.V.
Eu estava esperando chegar em casa, ver minha Ferrari, deitar em minha cama e ter a certeza de que tudo iria voltar ao normal. De que tudo iria ficar bem.
Dessa forma, eu não esperava abrir a porta do meu quarto e me deparar com um quarto completamente diferente.
Eu não poderia ser injusto e mentir dizendo que aquele não era o quarto mais foda que eu já tinha visto. Atrás da cabeceira da cama tinha uma luz em neon e as luminárias do teto eram cobertas por um vidro translúcido que dava um aspecto completamente diferente, como se eu tivesse viajado no espaço ou alguma merda parecida. Toda a mobília era preta e só uma parede era branca, exatamente do jeito que eu escolheria se tivesse tomado a frente daquilo.
E é exatamente aí onde reside o problema. Não fui informado que meu quarto estava sendo reformado, o que significava que mexeram em minhas coisas sem a minha permissão.
Só existiam poucas coisas que alguém poderia fazer para realmente me tirar do sério e uma delas era mexer em minhas coisas sem que eu deixasse.
- Como assim "que merda é essa"? - Victoria franziu o cenho e recuou um passo ao meu lado, tendo a audácia de parecer ofendida. Aquilo só poderia ser brincadeira.
Sem respondê-la, andei em direção aos novos criados mudos e só encontrei uma pequena parte dos meus objetos pessoais. Incrédulo, lancei um olhar na direção dela e fui até o outro criado mudo, ainda sem encontrar o resto das minhas merdas.
- Onde estão minhas coisas? - perguntei, caminhando até a escrivaninha. Peguei minhas pastas de desenhos que estavam no antigo móvel e vi as folhas em desordem do que costumavam ficar, pois as caricaturas em si possuíam uma progressão que contavam uma história. Estava tudo desarrumado, o que significava que alguém tinha mexido ali também. - Você mexeu em minhas coisas? - acusei, virando-me para encará-la com uma expressão séria em meu rosto a fim de demonstrar o quanto eu tava verdadeiramente fodido de raiva - Você jogou minhas coisas fora? - elevei o tom da minha voz, vendo-a impassível em minha frente sem conseguir esconder aquela expressão de cachorro chutado do caminhão de mudança.
- Você tá falando dos seus baseados, dos seus cigarros e isqueiros? - Victoria explodiu de repente, recompondo sua pose de superioridade inabalável - Eu joguei aquelas merdas fora, sim. E jogaria mais se encontrasse. - soltei uma risada de escárnio, totalmente descrente. - Você não queria mudar? Pois então, comece aceitando a mudança. Eu disse que iria estar ao seu lado pra te ajudar e não poderia deixar essas merdas perto de você pra servir de tentação. O que ia adiantar? Você ia querer voltar pro limbo? - precisei apertar minhas mãos em punhos fechados depois de largar minha pasta de desenhos em cima da cama e dar uma meia volta pelo quarto, captando ainda mais detalhes da nova decoração que eu ainda não tinha visto. Até meu guarda-roupa era novo.
Imediatamente fiz uma lista mental de tudo o que eu guardava dentro do móvel além das minhas roupas e lembrei das minhas caixas com fotografias, até mesmo incluindo algumas com a Faith.
- Você viu minhas fotos? - virei minha cabeça em direção a ela novamente, abaixando meu tom para adicionar um tom mais ameaçador enquanto cerrava meus olhos - Você abriu minhas caixas e viu o que tinha dentro? - reformulei a pergunta, vendo-a piscar momentaneamente em um relapso de constrangimento antes de cruzar os braços na frente do corpo e erguer o queixo.
- Vi, sim. - assentiu.
- Você não tinha a porra do direito, Victoria! - gritei e a observei dar mais um passo para trás, quase alcançando a porta.
- Você tá agindo como um idiota, Justin! - ela gritou de volta, pouco se importando que estávamos dando um show, exatamente como eu também estava pouco me fodendo - Eu só quis fazer uma surpresa agradável, quis que você chegasse aqui, encontrasse um ambiente completamente novo para ficar na nova chance que você recebeu em sua vida. E como você me agradece? - ela riu ironicamente, balançando a cabeça - Assim, sendo um imbecil mimado só porque mexi em suas coisas e joguei fora o que não prestava. - seus olhos azuis agora pareciam tão furiosos quanto os meus deveriam estar, mas não me intimidaram nem um pouco. Ela sempre queria estar certa, independente da situação, e eu não iria ceder. Ela invadiu meu espaço, mexeu nas minhas merdas, viu o que não deveria ver e queria que eu a agradecesse. Só poderia ser piada.
- Ah! Você - enfatizei cinicamente - tá me chamando de mimado. - soltei uma risada zombeteira e ela soltou um suspiro pesado, fechando os olhos por alguns segundos antes de agarrar a bolsa ao seu lado.
- Sinto muito que não gostou da surpresa. - murmurou, com a voz muito mais baixa do que eu esperava. Ela parecia até sincera, principalmente por conta das suas feições agora transparentes, sem nenhum ar daquela máscara de arrogância que lhe era típico. - Pela primeira vez eu realmente fiz algo sem pensar em receber nada em troca, o que é uma pena que não tenha sido bem recebido. - franzi o cenho e senti meu corpo esfriar, dando lugar à dúvida por não saber se aquilo era verdadeiro ou não, por mais que parecesse bem real ao invés de mais uma das suas ceninhas comoventes - Sinto muito. - sussurrou, comprimindo os lábios e me lançando um olhar pesaroso antes de virar as costas e sair do quarto, fechando a porta atrás de si.
Permaneci ali, parado, observando a madeira da porta enquanto repassava tudo o que havia acabado de acontecer em minha cabeça. Eu estava certo. Ela que fodeu tudo ao vir aqui, sem o meu conhecimento, para mexer em minhas coisas e mudar todo o meu quarto. Eu conhecia a Victoria, sabia que ela não tinha nenhuma merda de boa intenção. Provavelmente isso foi só um teatrinho para fazer com que eu me sentisse mal e questionasse minha própria reação. Entretanto, fui arrebatado por algo que eu não tinha processado no momento e que agora não fez sentido nenhum para mim.
Ela disse "eu sinto muito". Se sua intenção era fazer com que eu ficasse mal para me inferiorizar até que eu pedisse desculpas, por que ela pediu?
Será que eu fodi com tudo?
Não. Porra, não.
Ela jogou fora meus cigarros e meus baseados, por mais que eu não tivesse mais a intenção de usá-los. Eu pretendia sim me desintoxicar, mas tudo aconteceria na porra do meu tempo. Quem já viu um fumante parar de fumar de um dia para o outro?
Ela mexeu em meus desenhos, feitos que nunca mostrei para ninguém. Era algo completamente pessoal e que eu não queria dividir. Será que isso não passou pela sua cabeça? De que estava sendo invasiva?
Ela abriu a minha caixa de fotografias e deve ter me achado o maior viadinho da história por guardar aquele caralho. Até a foto em que eu tava com meus pais e que costumava guardar no criado mudo do lado em que eu dormia Victoria deve ter visto e pensado "own, olha como Justin é fofinho".
Ela foi longe demais.
- Justin? - minha mãe abriu a porta e colocou a cabeça para dentro antes de entrar por completo. Seu rosto carregava uma expressão confusa enquanto me olhava, mas não estranhou o fato do meu quarto estar completamente diferente. É claro. Eu deveria imaginar.
- Você sabia disso aqui? - perguntei, apontando para tudo em minha volta.
- É claro que eu sabia, ela teve a ideia e eu adorei. Você não gostou do resultado? - perguntou, franzindo o cenho ainda com a confusão estampada em cada traço das suas feições.
- Não passou pela cabeça de vocês me contar? Ou pedir permissão? Porra, eram minhas coisas, era meu quarto. - dei mais uma ênfase na última parte, querendo que alguém me compreendesse de alguma forma pra eu não me sentir um imbecil mimado, como a Victoria disse anteriormente.
- Ela queria fazer uma surpresa, Justin. Tori se emp...
- Victoria. - corrigi, interrompendo-a.
- Victoria - revirou os olhos, aceitando a correção - se empenhou pra planejar isso aqui para você. Ela me disse que, como você ia começar uma fase nova na sua vida, poderia ter um novo lugar sem nada velho que pudesse te remeter ao passado. - minha mãe explicou calmamente, sem querer começar uma discussão e eu soltei um suspiro, encontrando-me da mesma forma, sem energia nenhuma para discutir. Parei um pouco para pensar e associei as duas explicações, vendo que ambas batiam no que diz respeito à semântica do gesto. Percebendo que eu estava assimilando tudo o que tinha acontecido com o que foi dito, minha mãe tomou coragem para dar mais um passo em minha direção e começou a se aproximar de mim - Justin... - sussurrou - Ela teve boas intenções. Eu sinto muito que você não tenha gostado do que isso implicou, mas como você queria que ela fizesse uma limonada sem os limões? - perguntou. Juntei minhas sobrancelhas e balancei minha cabeça, perguntando-me o quê caralhos limões e limonadas tinham a ver com o meu quarto estar completamente diferente, mas a ficha caiu sem exigir nenhum esforço da minha parte.
- Ela realmente teve boas intenções? - sussurrei, buscando sinceridade nos olhos da mulher em minha frente que eu confiei minha vida inteira, mas que me afastei tanto ao longo dos anos que, em um tempo, chegou a parecer uma completa estranha para mim. Agora, nesse momento, eu estava depositando a mesma confiança que eu tinha quando criança, esperando a resposta para a minha pergunta não dita: eu fui mesmo um imbecil?
- Sim, filho. - ela sussurrou com olhos tristes - E foi embora. - seu polegar apontou para a porta e eu suspirei, passando a mão pelo meu rosto. Virei as costas e andei até a minha cama nova, sentando sobre a borda da mesma e não pude deixar de perceber que era o mesmo tipo de colchão em que eu dormia na outra, só que na versão king size. - Justin, se você quer essa garota, pense e tente fazer a coisa certa dessa vez. Muito do que vai acontecer com vocês agora depende do que você vai decidir e eu realmente quero ver vocês dois juntos. - ergui meu olhar em direção à minha mãe e mais uma vez encontrei seus olhos cor do oceano me fitando com atenção, quase expectantes. - Vou te deixar um pouco sozinho. Olhe em volta, veja que quarto incrível e tente se prender ao significado que ela pensou que isso teria para você. Qualquer coisa vou estar lá embaixo, tudo bem? - perguntou e eu assenti, sentindo meu peito doer, mas não fisicamente.
Observei-a se afastando até chegar à porta e sair do quarto, deixando-me sozinho no cômodo completamente desconhecido. Respirei fundo, buscando mais razões para me alimentar da raiva que senti no instante em que me dei conta do que tinha acontecido aqui, mas tudo o que eu conseguia pensar era no olhar que a Victoria me lançou antes de sair e na certeza de que ela, pela primeira vez, teve boas intenções com algo que não a beneficiaria em nada. Ela só queria me ajudar, assim como prometeu que faria. Entretanto, eu não poderia me deixar ser levado por isso e ficar cego diante do fato de que aquilo também havia sido errado, como apontei. Ela não tinha o direito de mexer em minhas coisas. Aquilo foi desrespeitoso e invasivo demais. Era meu quarto, minhas coisas. Meus objetos pessoais. Se fosse para me despedir de algo, eu mesmo faria isso por conta própria.
Comecei a olhar em volta, reparando em cada móvel e objeto novo, o que deixava cada vez mais claro que quem projetou esse quarto fez um trabalho foda do caralho. Passei minha mão pela coberta da cama, vendo toda a decoração voltada para o preto até mesmo ali até que meus dedos esbarraram em algo que não notei antes. Era um embrulho de presente.
Curioso, subi mais na cama e peguei o que quer que fosse em minhas mãos, rasgando o papel sem cerimônia nenhuma. Vi que era um porta-retrato antes mesmo de desenrolar todo o pacote, mas só quando virei o presente em questão foi que vi do que se tratava.
Emoldurada, lá estava a primeira foto que eu e Victoria tiramos juntos em Paris, bem diante do meu nariz. Junto a ela, colado na parte de vidro da moldura preta, estava um recado escrito à mão que fez meu coração parar por uns bons dois segundos.
"Achei que você deveria ter um pouco de mim consigo.
xoxo,
Victoria."
Ela mexeu em minhas coisas. Viu as fotos.
E queria que eu tivesse uma foto nossa comigo.
Merda.
Eu precisava pedir desculpas a minha garota.
Victoria Wolfgang P.O.V.
Eu não estava triste.
Eu não estava decepcionada.
Eu não me importava.
Continuei repetindo essas três frases para mim mesma enquanto voltava para casa. Desde o instante em que pisei para fora daquele maldito quarto até agora, quando finalmente consegui fazer o taxista entender que eu morava entre as mansões da área mais luxuosa da cidade. Ele não queria acreditar em mim, o que foi ofensivo, mas como eu não estava com paciência para mostrá-lo o quanto eu poderia ser arrogantemente persuasiva em minha certeza, apenas o guiei durante o trajeto até pararmos em frente ao portão que separava a calçada externa da interna, onde logo depois era possível encontrar o chafariz em meio ao jardim ornamentado.
Ultimamente, acho que esse meu estado de espírito de impaciência vem me poupado de muitos desgastes desnecessários. Primeiro com a Faith, que não despertou nem um pouco da minha fúria para que eu a fizesse engolir sua própria língua, depois com o Justin, há minutos atrás, que havia agido como um idiota sem tamanho e agora com o taxista estúpido. Paguei-lhe o preço da corrida e deixei que os seguranças me identificassem e abrissem o portão para mim. Alguns deles pareceram preocupados por me ver à pé, o que era bem incomum de acontecer, mas ignorei cada olhar que recebi e andei todo o longo caminho de pedras entre os dois lados do gramado até alcançar as escadas que levavam à porta principal. Toquei a campainha e a empregada veio me receber com um sorriso educado, mas ela também foi ignorada.
Eu me sentia entorpecida e ainda assim continuava repetindo as três frases em minha cabeça para que não houvesse nenhuma chance de fraquejar.
- Filha? - minha mãe surgiu vindo da ala oeste da casa, onde ficava seu escritório e eu a olhei em reconhecimento - O Justin já saiu do hospital? Ele está bem? - perguntou.
- Ótimo. - respondi, sem nenhuma emoção em minha voz. Continuei andando em direção às escadas, mas seu olhar permaneceu fixo em mim, perfurando minhas costas.
- O que aconteceu, meu amor? - ela perguntou em um tom de voz contido e eu balancei a cabeça, não querendo me virar para encarar seu rosto.
- Nada. - falei, esforçando-me para minha voz soar tão indiferente quanto eu queria e subi para o meu quarto.
Eu não estava triste.
Eu não estava decepcionada.
Eu não me importava.
Fechei a porta atrás de mim e joguei minha bolsa sobre a cama enquanto tirava meus saltos. Os ponteiros do meu relógio no criado mudo já marcavam um pouco mais das 15h e eu suspirei, tentando imaginar o que faria para ocupar minha cabeça. Qualquer coisa estaria bom, contanto que eu mantivesse meus pensamentos longe do que tinha acabado de acontecer ou longe do Justin com sua estupidez, arrogância e ingratidão.
Ou até mesmo o olhar que ele me deu.
O jeito como gritou.
A fúria em sua voz.
Não, não, não. Meu corpo parecia estar fervendo devido à iminente combustão e eu precisava extravasar essa inquietação ou ficaria louca. Ao mesmo tempo em que eu queria fazer tudo, qualquer coisa, para não me permitir pensar, pois sabia que isso me remeteria aos sentimentos que estão prestes a aflorar diante do acabara de acontecer; eu também não queria fazer nada. Só queria esquecer e seguir indiferentemente com a minha vida, o que, absurdamente, parecia algo impossível no momento.
Decidida do que iria fazer, troquei de roupa coloquei um top e uma calça de academia, pegando meus fones para plugá-lo ao meu iPod. Colocando cada um deles em minha orelha, escolhi a música mais barulhenta da minha playlist e aumentei o volume até o máximo. Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo, calcei meu tênis da adidas e saí do meu quarto, indo até a área externa da academia. Comecei a me aquecer na esteira enquanto balançava minha cabeça e meu cabelo em um ritmo frenético, seguindo a batida da música e até soltei a voz, cantando junto com o artista para preencher o silêncio do ambiente ao meu redor, mesmo que minha cabeça estivesse muito bem ocupada e barulhenta no momento.
Apertei o controle da esteira para aumentar ainda mais a velocidade da mesma e passei a correr ainda mais rápido, até chegar em um ponto em que meus músculos das pernas estavam queimando e meu corpo inteiro suando. Parei, completamente ofegante e saí do equipamento, indo direto ao saco de areia que ficava pendurado ao teto e que eu usava para treinar boxe quando meu personal não estava presente. Era melhor com ele, mas sempre haviam momentos como esses em que preciso colocar tudo para fora e não tenho uma sessão de treino marcada.
Meu plano correu como o desejado, resultando-me em um cansaço físico que serviria como prova para o meu empenho no treino de hoje. Eu estava me sentindo até mesmo bem.
Quando retornei para o meu quarto, registrei o horário novamente como se eu estivesse esperando algo acontecer e vi que já estava perto das 17h. Tomei um banho, ainda com a música ligada no banheiro para não ficar em silêncio e tirei toda sujeira do meu corpo. Aproveitei um tempinho para cuidar da pele do meu rosto e, quando terminei, saí me sentindo ainda melhor do que estava antes. Vesti minha lingerie e um conjunto de moletom, o que fazia se tornado meu favorito, e decidi descer para comer alguma coisa, torcendo para não esbarrar com minha mãe ou então teria que lhe dar alguma satisfação do meu comportamento de mais cedo. Com isso, todo o meu esforço para não pensar nessa merda iria por água a baixo e eu teria que lidar com o que aconteceu sem ao menos saber se estou pronta, resistente o suficiente para isso.
Agradecendo aos céus por não ter encontrado ninguém, abri todos os armários da cozinha à procura de algo que pudesse satisfazer minha fome e minha vontade de comer. Sem encontrar nada que me deixasse com água na boca, peguei um pote de sorvete de morango do congelador e uma colher, levando-o comigo de volta para o andar de cima. Fechei minha porta com o pé e caminhei até minha cama, colocando o sorvete sobre minha coberta antes de apagar todas as luzes, fechar as cortinas, pegar o notebook e me aconchegar entre meus travesseiros decorativos. Vaguei pelos inúmeros filmes do Netflix, procurando alguma comédia ou drama que pudesse assistir, mas acabei escolhendo um seriado que eu costumava acompanhar, visto que havia sido atualizado.
Dei a primeira colherada quando o "Anteriormente, em..." foi dito e tomei o sorvete com tanta avidez quanto prestei atenção nas cenas. Eu não conseguia me desprender da incredulidade em relação ao quanto a personagem principal era foda e reconheci que aquela havia sido uma ótima ideia. Depois de três episódios, já na metade do quarto, escutei uma batida na porta e pausei o seriado.
- Sim? - respondi, imaginando minha mãe do outro lado ou até mesmo a empregada que veio me dar um aviso sobre o jantar estar prestes a ser servido. Entretanto, quando a porta foi aberta, senti uma batida mais forte do meu coração em equivalência à paralisia de todo o resto do meu corpo por uma pequena fração de segundos.
É o que dizem, quanto mais você tenta evitar, mais é forçado a encarar.
Nada do que fiz hoje para tentar não pensar no Justin adiantou, não quando o mesmo aparece em meu quarto e fica parado bem em minha frente. Ele estava usando uma camisa preta justa em seu corpo, o mesmo jeans rasgado de antes e supras também pretos, além de um relógio e um boné virado para trás. Que ele conseguia tirar meu fôlego com sua aparência não era nenhuma novidade, entretanto, não era a forma como estava vestido que chamou minha atenção, mas sim a expressão que seu rosto carregava.
Ele permaneceu sem dizer nada enquanto me encarava e eu praticamente conseguia sentir a eletricidade que emanava entre nossos corpos, ora nos repudiando, ora nos atraindo como pólos magnéticos, tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo.
- O que você está fazendo aqui? - perguntei, colocando o pote de sorvete junto com a colher ao lado da cama, no criado mudo, e também afastando o notebook do meu colo para puxar encolher minhas pernas e abraçá-las.
- Nossa primeira briga como um casal e você apela para o sorvete? - Justin soltou uma risada baixa e sem humor, fechando a porta atrás de si antes de se virar novamente e começar a andar em minha direção.
- O que você está fazendo aqui? - repeti a pergunta, encarando-o com o semblante sério enquanto o observava vir e sentar na beira da cama, um pouco afastado de mim. Desmanchando seu sorriso, Justin abaixou a cabeça e soltou um suspiro pesado enquanto encarava suas mãos sobre seu colo.
- Eu vim me desculpar. - sussurrou, erguendo o olhar de volta para o meu.
"Que merda é essa?" Engoli em seco. "Você não tinha a porra do direito, Victoria!" Estremeci contra a minha vontade, sentindo um arrepio em minha pele enquanto meu coração se acelerava dentro do meu peito e eu praticamente assistia minha razão perdendo a guerra dentro de mim. Eu sabia que não era só mais uma batalha. Eu sabia que tudo estava prestes a desmoronar dentro de mim.
Aquele foi o meu primeiro gesto sentimental, o primeiro esboço do que existia dentro de mim e fora rejeitado sem nenhum pestanejar. Como Justin se quer pensou em me pedir para que eu entregasse meu coração a ele?
- Não precisa. - sussurrei, mas me amaldiçoei mentalmente por escutar minha própria voz vacilar e sair entrecortada.
- Não, precisa sim. - ele falou com mais ênfase, virando seu corpo de frente para o meu e me olhando de uma maneira que não me deu nenhuma escapatória ou opção a não ser encará-lo de volta, enxergando um arrependimento verdadeiro naquelas íris castanhas pela qual eu era tão obcecada. - Eu sei que fui estúpido, que fui um "imbecil mimado" - fez aspas com os dedos, recitando a ofensa que eu lhe havia proferido antes - e eu sinto muito, Victoria. De verdade... Eu sinto muito. Não sou bom com essas coisas e não faço ideia do que dizer porque nunca me senti dessa forma antes e não sei como lidar com isso. Também não sei se existem outras formas de dizer isso, mas tudo se resume ao fato de que eu sinto muito e queria muito que você me desculpasse. - senti meu lábio lábio tremer, mas prendi a respiração e o mordi, usando todo o resto das minhas forças para não perder minhas estribeiras. Contudo, ao mesmo tempo em que eu estava determinada a me manter firme, a permanecer impermeável a qualquer sentimento, eu também sabia que qualquer brisa seria capaz de derrubar todo o meu forte de proteção que demorei anos para construir ao redor do meu coração. Ele estava conseguindo.
Aos poucos, enquanto eu jurava para mim mesma e tentava me convencer de que aquilo não estava acontecendo, Justin mais e mais demolia minhas barreiras na tentativa de tomar de mim o que tanto lutei para esconder.
"Quando você permitir que suas emoções tenham um pouco mais de controle do que realmente possuem, tudo ao seu redor assumirá uma perspectiva diferente. Vai te fazer crescer, filha. Parece que você se esconde atrás da sua razão por medo do que a emoção te trará. É algo novo, mas experimente."
- Justin, eu não... - comecei a mentir novamente, sabendo que estaria soando patética e que não o conseguiria enganar mais.
- Não, Victoria. Não. Chega desse joguinho. Eu tô cansado. - ele falou com firmeza, fitando meus olhos como se não existisse nada além deles no universo - Eu já te disse como me sinto, já me expus, já me vulnerabilizei mais do que imaginei fazer um dia e eu tô cansado desse ciclo. Você não vai fazer isso de novo. - soltei meu lábio e abracei ainda mais minhas pernas, sentindo meus olhos arderem e minha garganta doer. Percebendo minha aflição, Justin, que também estava com os olhos úmidos, aproximou-se ainda mais de mim e, lentamente, retirou cada um dos meus braços em volta das minhas pernas e as retificou sobre a cama, permitindo que suas mãos repousassem em cada lado do meu quadril enquanto seu rosto se aproximava do meu, deixando-nos face à face um do outro. - Eu sei que você sente o mesmo. Eu sei o seu coração bate mais rápido, que a sua pele se arrepia com o meu toque e que você perde a fala por dois segundos quando me vê. Sabe o porquê? - ele abriu um sorriso de canto e eu senti uma lágrima do canto do meu olho rolar quente por minha bochecha, fazendo-o trazer seu polegar até minha pele a fim de secá-la delicadamente - Porque eu sinto o mesmo. Tudo começou quando eu passei a perder o controle do meu corpo perto de você, depois você tomou conta da minha cabeça e agora, Victoria... - sussurrou, abaixando ainda mais o tom da sua voz enquanto seu hálito quente se chocava contra a minha boca. Nossos lábios estavam o mais perto que era possível sem realmente se encostarem e eu me sentia hipnotizada demais por sua voz, pelo seu olhar, pelo seu toque que sim, causava-me arrepios involuntários por todo o meu corpo - Agora você tem o meu coração. - ele disse e foi a vez de uma lágrima rolar pelo canto do seu olho, impulsionando-me a levar minha mão até seu rosto na intenção de enxugá-la, sentindo sua pele quente sob meus dedos. - Eu sei que não é amor, mas eu estou disposto a viver o que quer que seja e te fazer sorrir mais do que tomar sorvete de morando enquanto assiste a alguma coisa qualquer na tentativa de não pensar em mim. - ele soltou uma risada baixinha, fazendo uma brisa soprar em meu rosto e, naquele estágio, eu já não tinha mais munições para resistir.
- Justin... - comecei a sussurrar, sentindo meu coração bater mais forte e mais rápido do que eu realmente lembrava ter acontecido em toda a minha vida.
- Renda-se, Victoria. - ele me interrompeu, inclinando-se em minha direção para me fazer encará-lo. "É o que dizem, quanto mais você tenta evitar, mais é forçado a encarar." - Renda-se a mim.
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