Julho de 2018
— Tem alguém aqui? — A voz feminina perguntou ao observar que ninguém estava à vista, nem mesmo atrás do balcão da velha loja de licores dos Byun. — Baekhyun? Cadê você? — Chamou como se procurasse uma criança durante o esconde-esconde.
O silêncio perdurou e, sem muita paciência, entrou pelo balcão, enfiando-se na porta lateral atrás dele, onde o dono da loja costumava ficar nos horários em que ninguém aparecia. Não havia uma vez em que tivesse chegado e ele não estivesse sumido. Parecia dar cada vez menos atenção ao atendimento, mas sempre que o assunto era trazido à tona, o homem fugia.
— Ah, te achei — constatou, pouco surpresa. Os olhos tiveram que se acostumar com a penumbra do ambiente, mesmo que o relógio do smartphone marcasse quase 14 horas.
Baekhyun estava debruçado sobre o notebook com uma cara de quem não dormia há 4 dias, morto por dentro. Os cabelos segurados para trás por uma faixa da Hello Kitty deixavam-no comicamente trágico. Usava uma camiseta folgada e uma bermuda ainda mais. O ventilador batia diretamente no corpo que parecia sofrer demais com a alta temperatura do verão.
Ele não aparentava estar surpreso com a chegada de outra pessoa, ainda mais sendo sua amiga, a única que ainda se dava ao trabalho de ir visitá-lo mesmo que recusasse todos os convites de rolês. Apenas mirou-a rapidamente e voltou a digitar.
— Ei… E aí — murmurou em resposta à Seulgi.
— O que tá fazendo aqui a essa hora? A loja tá aberta, sabe? — perguntou retoricamente. — Você não coloca nem um sino pra alguém te chamar no balcão… Quer ver a loja ir pro saco?
— Não… Lá só não tem um ventilador tão potente, e se a pessoa realmente quiser, vai gritar ou algo do tipo. — Parou de digitar para tomar um gole de água e esticar as costas, que clamavam por um exercício físico, assim como todo o seu esqueleto.
— Ninguém faz isso, Baek… Talvez os clientes antigos que sabem como você é preguiçoso e fica o dia inteiro enfiado aqui. Na verdade, ainda não entendo o porquê não contrata mais funcionários pra te ajudar.
— Eles dão problema demais. Aquele moleque bebia escondido e roubava bebida, a garota tratava os clientes mal e a outra me mandou tomar no rabo quando dei uma bronca por ficar no telefone com o namorado. Não tenho paciência pra jovenzinhos.
— É só você ser mais rigoroso contratando. Ah, tanto faz. Sempre nega ajuda. — Revirou os olhos. — Não vim aqui pra te dar um sermão.
— Por que veio? Isso é hora de estar na redação do jornal, não é?
— Fui entrevistar uma pessoa, mas já acabou, aí resolvi passar aqui pra te ver e… te chamar pra um lugar. — Sorriu sugestiva.
— Tá doida? Olha esse calor. Nem fodendo que eu saio de casa. Me chame quando setembro acabar. — Fez uma careta de repulsa.
— Idiota. — Deu um leve tapa na cabeça adornada pela faixa fofa e o homem lhe deu a língua. Parecia uma criança de seis anos daquele jeito, e não um homem de vinte e oito. — Eu ganhei de um amigo umas entradas pra um evento que vai rolar num lugar muito especial, lá em Itaewon. Aí pensei: “nossa, o Baek anda muito preso dentro de casa, seria legal levar ele num lugar diferente, respirar novos ares que não cheirem à rolha e álcool”.
— Que lugar especial é esse? — Levantou a sobrancelha. — Pode sair da frente do ventilador? Tô derretendo.
— Ah, foi mal. — A moça respondeu com uma leve vontade de socá-lo, pois estava com roupas sociais e com certeza muito mais calor que o amigo fresco. Apenas relevou daquela vez para não fugir do assunto. — O evento é em Itaewon… mais especificamente num bar gay onde rolam shows drag — falou animada.
— Show drag? Com os caras que se vestem de mulher e cantam? — perguntou com a face neutra. Aquilo lhe trazia pensamentos que às vezes vinham à superfície, mesmo quando achava já ter se esquecido, apesar de não serem diretamente relacionados.
— Isso mesmo. Bom, mulheres podem fazer drag também, mas acho que nesses eventos os homens são mais comuns. Mas então, quer ir? É sexta que vem! — Olhava-o esperançosa, os olhos brilhando.
— Ah… Não sei não. — Desviou o olhar de volta para o computador. — Preciso pensar.
— Pensar, hm? É melhor que nada… — Suspirou, abanando-se. Estava realmente muito quente. Puxou uma cadeira e sentou-se ao lado do amigo, bisbilhotando a tela. — Tá conseguindo escrever? Nossa, aqui tá muito escuro! Virou um vampirão?
— Ainda sou humano, infelizmente… E não, tô com bloqueio na verdade. — Bufou, frustrado.
Observou Seulgi se levantar, abrir as cortinas, o que quase o cegou, e voltar a sentar na cadeira, satisfeita.
— Humanos precisam de vitamina D! Toma aí a sua. — Riu da expressão rabugenta do amigo. — Mas então, bloqueio, é? Eu não sei como se resolve essas coisas… — Tomou uma expressão pensativa.
— Não tem uma fórmula… Uma hora passa, mas sempre consegue me deixar puto. Resta esperar a iluminação de algum ser superior. — Apoiou o rosto na mão, apertando teclas aleatórias com a outra.
— Espero que ele faça isso logo, você tá deplorável, com cara de fedido.
— Suando igual a um porco, que diabo você esperava? — Bufou novamente. — Obrigado, me fez lembrar desse bafo do capeta lá fora. Quero morrer… Mas não essa morte lenta, cozido no vapor.
— Não pode morrer antes do show. Eu tô muito ansiosa pra ir e você precisa vir junto!
— Vai com o seu amigo que te deu os ingressos. Vou ficar com a Bolotinha.
— Sua gata vai ficar bem uma noite sem você. — Cruzou os braços para a desculpa esfarrapada que não era a primeira vez que o amigo dava.
— Ela sente saudades do papai. Tô até pensando em pegar um irmãozinho ou irmãzinha pra ela… Queria poder ficar mais com a minha Bolotinha. — Fez um biquinho, pensando em chegar em casa e afundar a cara nos pelos de sua filha felina até entrarem pela garganta e fazerem-no tossir como um tuberculoso.
— O Sehun não é exatamente meu amigo — disse, ignorando o surto muito recorrente de pai coruja de Baekhyun. — Apenas um bom colega.
— Ah, foi o magrelo. Ele não tem cara de quem frequenta esses lugares…
— Mas frequenta, e muito. O namorado dele se apresenta lá toda sexta! Não é legal?
— É um pouco surpreendente, ele tem cara de heterossexual.
— Você também, mas é meio boiola.
— Bissexual o nome.
— Meio boiola.
— Pode ser. — Riu. — Não tem mais compromissos hoje?
— Tenho, infelizmente. Estou protelando… Vou pegar uma cerveja e ir, ok? Coloca na minha conta, um dia eu pago.
— Vou falir por causa dos seus fiados, tosca.
— Não parece se importar muito com isso. — Deu de ombros. Baekhyun riu, pois não era totalmente mentira.
— Pega quantas quiser.
Ambos riram. Baekhyun finalmente saiu de seu covil nos fundos da loja de licores e acompanhou Seulgi até a saída, entregando as cervejas embaladas que a amiga levaria. Despediram-se e sentou-se atrás do balcão, observando a paisagem da qual estava mais cansado na vida, e para o resto dela.
A rua residencial pouco movimentada, com geralmente idosos e crianças transitando calmamente, poderia ser a que qualquer morador de Seul que prezava pela segurança e tranquilidade gostaria de estar todos os dias. Não que Baekhyun preferisse lugares movimentados, mas estava saturado daquela visão após pouco mais de dez anos vislumbrando-a todos os dias, durante o horário comercial inteiro. Ao menos nos domingos sua mãe ainda aparecia para cuidar da loja, permitindo-o assim tirar uma folga. Mesmo nos feriados precisava abrir, pois bebida é o que qualquer adulto nunca deixa de procurar.
Sentia-se constantemente ingrato e culpado por pensar que queria estar o mais longe possível daquele lugar, fazendo algo mais interessante da vida. Não sabia exatamente o que, mas teria tempo para descobrir se não precisasse ficar preso naquele estabelecimento, olhando as prateleiras rústicas repletas de bebidas, muitas delas vendidas exclusivamente por sua família.
Como se não bastasse, os pais olhavam-no torto por cuidar de forma visivelmente porca dos negócios. Não havia nascido para aquilo, apesar de antes acreditar que daria conta. Era um negócio que estava na família há quatro gerações, por que tudo tinha que dar errado logo na sua vez? Os lucros caíam cada vez mais, mas era inevitável que parte de si se sentisse satisfeita com a possibilidade de fechar a loja. Não era como se fosse ter herdeiros, e seus sobrinhos fofos não mereciam a mesma infelicidade. Não era, também, como se seu irmão fosse incentivá-los, tendo ele mesmo fugido da responsabilidade de herdar o patrimônio da família.
Deveria se sentir honrado por ser o herdeiro de um estabelecimento tão bem quisto na vizinhança, mesmo fora dela. Seus antepassados todos se orgulhavam imensamente do que construíram. Mas por que era tão difícil?
Há cerca de seis anos, começara a escrever, algo que nunca havia passado por sua cabeça fazer por hobby. Buscava inconscientemente uma forma de lidar com sua própria mente e frustração, e assim a escrita se tornou sua melhor amiga. Dedicava quase todo seu tempo livre a essa atividade, e ansiava todos os dias pela hora na qual fecharia a loja, chegaria em casa, tomaria banho, alimentaria a Bolotinha, jantaria e finalmente escreveria até a hora de dormir.
Gostava de escrever histórias de aventura, sobre jovens livres, às vezes de amor. Buscava fugir de temas cotidianos e de si mesmo. Descobrira ter uma criatividade muito mais fértil do que imaginava, e em algum momento, que não sabia dizer qual, uma semente de ideia foi plantada dentro si. Uma semente que crescia e se tornava uma planta grande a bonita, mas ainda sem dar flores.
Queria publicar um livro um dia, quem sabe. Seulgi e os poucos amigos virtuais que havia feito nessa jornada como escritor amador pareciam gostar genuinamente do que saía de sua mente e era transmitido por seus dedos ágeis. Não se considerava realmente talentoso, mas ficava feliz de poder agradar alguém com suas palavras. Compensava todo o esforço de organizá-las de modo minimamente coerente, mesmo que inicialmente escrevesse só para si mesmo.
Via na escrita seu mais provável futuro. Porém, não sabia como sair da situação em que estava sem que decepcionasse profundamente seus pais e possivelmente os deixasse doentes pela perda do estabelecimento que tanto amavam, mas do qual estavam tão esgotados para continuar cuidando como no passado.
Esperava sair daquela situação que havia se tornado puramente desconfortável. Não sabia por qual agente de mudança ansiava, se interno ou externo. Mas torcia para que acontecesse antes que morresse de desgosto.
Por enquanto, era mais fácil pensar sobre qual sabor de sachê daria à Bolotinha. Decidiu que naquela noite seria o de atum, e assim voltou para os fundos da loja, evitando pensamentos complicados demais que o deixariam ansioso. Como de costume.
. . .
Não sabia dizer com precisão o que havia o feito aceitar o convite de Seulgi.
Certamente não fora impulso, pois pensara muito. A razão provavelmente era que estava de saco cheio de ficar em casa, de ter todos os dias iguais. Amava a companhia de Bolotinha dormindo em suas pernas enquanto digitava até parar de sentir totalmente as pontas dos dedos, mesmo que isso bloqueasse sua circulação sanguínea, assim completando o conjunto de dedos das mãos e pernas sem sensibilidade. Tudo por sua neném, afinal.
Porém, não conseguia escrever da forma que gostaria por causa do maldito bloqueio criativo que estava enfrentando. Não era o primeiro, mas estava demorando demais para ir embora. Acabava odiando tudo que colocava no documento virtual de seu computador. Até mesmo trocou as noites de escrita por uma série banal, o que o deixava levemente irritado por não poder fazer o que realmente gostaria. Mas não se forçaria, nunca funcionava.
Quando, na quinta-feira, Seulgi o convidou novamente para o tal show em Itaewon, pesou os prós e contras. A amiga perguntava aquilo todos os dias, e sempre dava respostas evasivas, mas sem dizer “não”, pois realmente cogitava a possibilidade. Depois de pensar muito, enviou uma breve mensagem de “tá bom, eu vou”, e Seulgi mandou cerca de vinte áudios gritando em comemoração.
A verdade é que sempre que via algo na internet sobre drag queens, ou quando conversava a respeito disso com Seulgi, uma grande fã da arte, era transportado por sua mente para cerca de 10 anos atrás. Park Chanyeol, o garoto que tinha vergonha de gostar de se vestir com roupas femininas e se maquiar. Perguntava-se, não tão raramente quanto gostaria, como ele poderia estar agora. Sempre nutriria sentimentos de carinho por ele, que já era agora um estranho. Provavelmente não se reconheceriam se acabassem se encontrando novamente.
Sentia-se ansioso. Nunca havia frequentado esse tipo de lugar. Considerava-se bissexual, mas não acreditava ter a necessidade de frequentar lugares com pessoas LGBT+ para se sentir incluso, via-se bem aceito por Seulgi e Kyungsoo, que agora morava na Alemanha.
Ninguém, além de seus dois amigos próximos, sabia realmente de seus breves envolvimentos — dois — com homens. Não tinham sido nada de mais. Seu relacionamento mais duradouro, de um ano e meio, fora com uma moça mais velha, e havia acabado há dois anos. Não era algo com que se preocupava muito, estar num relacionamento ou não. Muitas vezes se sentia incomodado e preferia estar sozinho, e quando era assim, gostaria apenas de acabar com tudo de forma amigável, o que geralmente funcionava. No fundo, acreditava que não servia para estar numa relação amorosa.
Por todos esses fatores, estava levemente nervoso, mas achava que saberia esconder bem de Seulgi. Depois de se arrumar um pouco adiantado, esperou-a por minutos que pareciam intermináveis, e ela era uma pessoa pontual na maioria das vezes. Conseguiu até mesmo fumar dois cigarros na varanda.
Com tempo sobrando, arrumou o cabelo de três formas diferentes na frente do espelho, acabando por deixá-lo abaixado, com a franja, que precisava de um corte, bagunçada de forma despojada. Trocou de camiseta cinco vezes, decidindo pôr uma camisa verde-escura de mangas curtas. Deixou-a discretamente desabotoada no peito, pois estava um calor do inferno, mesmo à noite. Esperava que o tal bar tivesse ar-condicionado.
A única coisa que não trocara fora a calça jeans, apenas ela ainda lhe servia depois dos quilos ganhos nos últimos anos. E ainda bem, pois na hora em que começava a se lamentar para a Bolotinha pelos bolos que havia comido sozinho nos últimos tempos, ouviu o celular tocar.
Despediu-se da filha com um afago e um beijo que deixou sua cara que já começava a suar com pelos cinzas grudados. Entre o momento em que trancou a porta do apartamento, desceu o elevador e foi encontrar a amiga, sentiu o estômago embrulhar em ansiedade, mostrando que estava antecipando aquilo mais do que admitia para si mesmo.
Sempre imaginava, como nas histórias que lia e até mesmo as que escrevia, um acaso que mudaria o rumo de sua vida medíocre. Fazer algo tão fora de sua rotina lhe trazia esperanças bobas sobre coisas que nunca se concretizariam.
Entrou no carro da amiga tentando enterrar esses sentimentos que considerava inúteis, como fazia com tudo que era incômodo em sua própria vida. Desde quando havia se tornado um covarde?
Nada de mais iria acontecer naquela noite, como nunca acontecia.
. . .
Não precisaram pegar a fila, bastou Seulgi mostrar os convites diretamente aos seguranças. Tocava alguma música pop estrangeira atual, a qual Baekhyun não fazia ideia do nome, mas que era contagiante. O bar não estava lotado e algumas pessoas encontravam-se espalhadas pelo estabelecimento, sentadas às mesas ou jogando algum arcade. Não havia pesquisado antes sobre o lugar, então ficou surpreso em descobrir que havia diversas máquinas de fliperama numa parte, oposta ao bar.
O ambiente era escuro, bem intimista, com uma iluminação levemente rosada que deixava as expressões das pessoas ocultas, e provavelmente era mais fácil beijar um desconhecido daquele modo, somando o álcool no sangue.
No bar, pediram coquetéis descritos como coloridos e únicos pelo barman. Não costumava beber álcool, não enxergava muita graça estando o tempo todo rodeado de bebidas desde que nascera. Os pais sempre deixaram que experimentasse, e nunca passou pela mesma adrenalina dos adolescentes comuns de ansiar por fazê-lo escondido antes da maioridade. Mas acabava cedendo à paixão nacional quando parecia oportuno, e aquele drink era realmente bom!
Sentaram-se à mesa, uma das várias distribuídas pelo bar, e jogaram papo fora esperando pelas performances, que de acordo com a amiga só aconteciam a partir da meia-noite. Sehun, o colega magrelo de Seulgi, apareceu e sentou-se com eles, mostrando-se muito orgulhoso do namorado, que costumava abrir o show. Ele era um rapaz gente fina, e Baekhyun divertiu-se numa conversa amigável com um quase estranho como não o fazia há tempos. Talvez estivesse mais no fundo do poço do que pensava estar, mas sobre isso se lamentaria mais tarde.
Sehun contou a eles as regras de um show drag; nunca tocar uma queen se não for iniciativa da própria, elogiar muito, mostrar que está apreciando, ter educação, e o principal: dar gorjeta. Seulgi sabia dessa parte e havia contado a Baekhyun, de forma que tinha preparado o bolso para o evento. Achou que não faria mal ser generoso, já que não era de gastar muito — só com a comida da Bolotinha, jogos e livros. Além disso, não era como se tivesse em mente voltar tão cedo àquele lugar.
Quando a meia-noite se aproximou, Sehun arrastou os outros dois para perto do palco ainda vazio, que se estendia até o meio do bar de forma que as rainhas pudessem caminhar livremente. Dissera a eles que a experiência de ver de perto era muito mais satisfatória do que ver das mesas distantes, além de sempre ficar nas fileiras da frente para prestigiar seu namorado; compartilhou até mesmo com os colegas os planos de se casar na Itália no ano seguinte com Kai.
A casa estava cheia, mas não de forma insuportável. O público ansioso se aglomerava perto do palco de forma civilizada. Baekhyun já frequentara alguns bares durante a vida, e esse era claramente muito mais reservado e de certa forma aconchegante, mesmo que não conhecesse ninguém ali. As pessoas, no entanto, pareciam estar familiarizadas ao ambiente e a outros frequentadores, pelo modo como se comportavam.
O coração estava acelerado quando o que parecia ser o gerente da casa subiu no palco, anunciando o início de mais uma noite de performances com as drag queens mais adoradas de Seul. O público vibrou, com uma animação que contagiava o próprio Baekhyun. Provavelmente deixou transparecer, pois Seulgi olhou para seu rosto com um sorriso satisfeito e vitorioso de quem sabia ter razão desde o início, quando teve a ideia de convidá-lo. Não a revidou com o dedo do meio ou uma careta, apenas virou para o palco, onde a cortina se abria e todas as luzes eram direcionadas para a primeira rainha da noite, e... uau. Ela era linda.
Aquela era então a namorada de Sehun, a rainha Kim Kai Jeane. Ela surgiu no palco confiante, como imaginava que toda drag queen devesse ser, com um sorriso sensual e convidativo que fez o público gritar ainda mais. Stupid Cupid, a famosa música dos anos 50 que Baekhyun reconhecia de filmes, começou junto com o lip sync.
O visual dela casava com a música, visivelmente retrô, mas com cores modernas e vibrantes: uma camisa preta cheia de purpurinas e decotada, deixando parte do peito reto e bronzeado dando olá; uma saia azul piscina cintilante na altura dos joelhos que marcava a cintura alta perfeitamente e scarpins de saltos enormes e pontudos.
Ela andava pelo palco com maestria, e Baekhyun ficou embasbacado com tamanha graciosidade e sedutividade, mesmo que as roupas não fossem as mais provocantes possíveis. A maquiagem era forte e os lábios cor de sangue se destacavam quando ela fazia caretas que acompanhavam as frases da música.
Foi o tempo todo hipnotizante. Em certo ponto, ela arrancou a saia cintilante, ficando com um maiô estilo anos 50, ato que tirou gritos de surpresa e satisfação dos espectadores. Foi natural estender a mão com uma gorjeta razoável, recebendo em troca uma piscada dos olhos carregados de delineador e sombra azul.
Ao fim da música, ela agradeceu a presença do público. Performou mais duas e jogou um beijo nada discreto para o noivo na primeira fileira. A maioria parecia saber do envolvimento de ambos, pois soltaram assobios. Deixou o palco ofegante, mas visivelmente satisfeita.
Seguiram-se apresentações de mais cinco rainhas, às quais continuou dando gorjetas. Era contagiante. Todas eram incríveis e com estilos distintos, mas a favorita de Baekhyun continuava sendo Kim Kai Jeane. Todavia, isso mudou quando aquela que seria a que fecharia a line up do dia foi anunciada pelo gerente: Jolene Spell.
O público gritava mais que nunca, ansioso pelo que parecia ser a atração mais esperada da noite. Baekhyun percebeu muito mais tarde que aquilo poderia ser um sinal de que o que achou que seria apenas uma noite de diversão diferente, tornaria-se muito mais.
Quando Jolene Spell subiu no palco, arrastando uma cadeira prateada, os espectadores foram à loucura gritando o nome dela. Baekhyun, dessa vez, não gritou junto, muito ocupado ostentando uma expressão embasbacada. A figura de Jolene Spell possuía a silhueta muito diferente de todas as drag queens anteriores. Tinha ombros largos, braços definidos e deveria estar com mais de dois metros de altura com aqueles saltos quilométricos, somados ao fato de ser uma pessoa já visivelmente enorme.
A música que começou a tocar junto com a entrada tão esperada dela era Human Nature da Madonna. Seulgi era muito fã da cantora e dessa música especificamente, então acabou reconhecendo a letra. Por causa disso, já sabia que a performance seria intensa, mas isso já podia-se deduzir a partir do olhar ferino da rainha, suficiente para deixar todos a seus pés.
Jolene Spell usava uma peruca negra chanel reta que emoldurava seu rosto pequeno. A maquiagem era forte; com sobrancelhas arqueadas, delineador que imitava olhos de gato, sombra numa mistura de preto, prata e vermelho, cílios postiços enormes e lábios pintados de preto. Usava um bullet bra e calcinha com detalhes em renda que deixava uma boa parte da polpa da bunda à mostra, ambos pretos.
O que mais o deixou perplexo, na realidade, foi que ela usava um corset vermelho de vinil que não só marcava a cintura, como a deixava uns bons centímetros mais estreita que a de um corpo com características masculinas usuais. Ela não parecia nada incomodada com tamanho aperto, performando como se fizesse parte de sua pele.
Uma longa bota preta que ia até as coxas, também em vinil, completava o look ousado, e tudo aquilo fazia Baekhyun entender um dos motivos pelos quais ela era tão requisitada.
Ela sentou-se na cadeira, no meio do palco, mexendo os lábios de acordo com os versos iniciais “express yourself, don’t repress yourself”, enquanto passava os olhos pelo público, quase lhes dando permissão para que a apreciassem. Ela abria as pernas e as fechava, sentava de lado e levantava os longos membros com maestria, ajoelhava-se ao lado da cadeira, empinando a bunda e rebolando, enquanto apoiava os braços no assento. O corset apertadíssimo não fazia diferença alguma em seus movimentos.
Em certo ponto, Jolene Spell levantou-se da cadeira e desfilou até a extremidade do palco, no meio do público, e continuou a performance. Ela exalava dominância e decisão, e pegava as gorjetas da plateia alucinada como uma rainha recolhendo os impostos de seus súditos.
Baekhyun não fez diferente das outras vezes. Estendeu a gorjeta mais gorda do dia, e quando o olhar de Jolene Spell direcionou-se a ele, dublando o trecho “I’m not sorry, It’s human nature”, viu algo vacilar nas bonitas orbes castanhas e não entendeu. O contato ocular não durou mais que poucos segundos, mas teve tempo de sorrir genuinamente a ela, que pareceu recuperar-se e piscou, mandando um beijo para o espectador.
Viu-a se afastar, recolhendo mais gorjetas e continuando a exalar sensualidade pelos poros. Conseguiu observar melhor os braços torneados com algumas tatuagens espalhadas e vislumbrou um pedaço de uma tatuagem nas costas que parecia enorme, mas que não era possível identificar.
Jolene Spell fez o público quase urrar quando terminou tudo num pulo que virou um espacate. Baekhyun gritou até o final da performance, quando ela pegou um microfone entregue pelo gerente e começou a falar, surpreendendo os recém-chegados com sua voz muito grave e bonita. Uma surpresa incrível, como tudo nela parecia ser.
— Vocês parecem bem animados hoje, hein? — Recebeu gritos em troca, o que a fez rir. — Bem, eu também estou. A energia de vocês é muito contagiante, como sempre… O melhor combustível. — Sorriu de um jeito que não condizia com a faceta que mostrara durante a performance. — Que tal mais um pouco, hm? Tenho muito mais guardado pra hoje. — Piscou, agora exagerada e caricata, o que fez o público rir.
Devolveu o microfone, e parecia que nunca dera um sorriso gracioso para a platéia quando Paradise Lost da Gain começou a tocar. Baekhyun achou particularmente interessante a mistura de músicas nacionais e internacionais com uma temática um pouco semelhante. Ela se dedicava totalmente à performance, não se importava em se esfregar no chão para passar a mensagem que queria com a música, e era admirável. Estava se tornando um fã, e conhecia ela há minutos apenas.
Na última música, Jolene Spell voltou a performar Madonna, com Justify My Love. Ela foi capaz de entregar a mesma sensualidade das anteriores, fechando com chave de ouro aquela noite. Baekhyun notou que ela havia montado um show totalmente conceitual, pois todas as músicas carregavam mensagens parecidas: a liberdade sexual; poder dizer o que se quer e deseja sem que seja motivo de vergonha. Não fazia ideia se todas as performances dela iam por aquele caminho, e estava muito curioso para descobrir.
— O que acharam?! — perguntou ela, ofegante, mas ainda com a maquiagem e roupas impecáveis. As pessoas gritaram elogios acalorados, fazendo-a sorrir enorme, e naquele sorriso Baekhyun encontrou algo familiar, mas não sabia dizer o quê. — Quero agradecer pela presença de todos vocês, que são a razão desse show existir. — Mandou um beijo e uma piscada charmosa. — Infelizmente essa foi a última performance da noite, e espero que tenham aproveitado tanto quanto nós!
Os fãs protestaram, pedindo por mais, e Jolene Spell riu, chamando-os de fofos com voz de bebê.
— Vocês são adoráveis, mas tudo que é bom chega ao fim… A sorte de vocês é que semana que vem tem mais. Quem puder vir, venha! Como sempre, todas às sextas temos performances incríveis para todos, com as rainhas mais queridas de Seul. — Pausou para ouvir os elogios e protestos misturados. — Ah, como é doloroso fechar as noites! Eu também ficaria aqui com vocês a noite toda se ainda fosse jovenzinha. Tenham dó da sua rainha, gente! — Riu e foi acompanhada pelo público. — Enfim, queridos, é isso, até sexta que vem para quem vier! Fiquem de olho na line up porque tem novidade!
As outras drag queens apareceram novamente, despedindo-se e mandando beijos. O show acabou definitivamente quando elas saíram por trás do palco e a cortina se fechou. A música do ambiente voltou a tocar, e Baekhyun percebeu que já eram quase três horas da manhã. Mesmo tendo ficado de pé, nem notou o tempo passar, tão intensa e divertida foi a experiência.
— Eu ia até perguntar se gostou, mas pelas gorjetas que deu e pela sua cara, não precisa. — Seulgi riu do amigo quando foram para o bar pegar mais uma bebida antes de irem embora. Sehun sumira, dizendo que ia até o camarim falar com o namorado.
— Digamos que foi uma experiência que eu não sabia que precisava. — Foi honesto. — Isso foi… incrível, Seulgi. Não imaginava mesmo que era assim um show drag.
— Como pode ver, eu sempre tenho razão. Fico feliz que tenha gostado, faz tempo que não te vejo leve assim. — Sorriu para o amigo, que retribuiu.
— Ah… Valeu por se preocupar. Ahn, você vem semana que vem?
— Tenho compromisso… Você vai vir? — Levantou a sobrancelha.
— Não sei, tô pensando só. — Desviou o olhar para a bebida colorida.
— Venha sim, Baek. O Sehun sempre tá por aqui, ele pode te fazer companhia.
— Vou ver melhor. — Bebericaram os drinks em silêncio. — Ei, você conhecia a última que se apresentou?
— Não exatamente. Já tinha ouvido falar das performances dela, mas ver é outra coisa… Nunca vi nada parecido antes! Viu o jeito que ela muda de femme fatale pra uma bonitona gentil? Porra, não sou de falar isso, mas eu casava com ela fácil. — Seulgi exaltou Jolene Spell, maravilhada.
— Ela também foi a que mais me chamou atenção. Sei lá… Eu sinto que conheço ela? — perguntou para si mesmo, confuso.
— Nossa, de onde? Talvez seja impressão sua.
— Teve uma hora que ela olhou pra mim, não sei se delirei, mas parecia que ela me conhecia. E quando ela sorriu… Não sei, era familiar.
— Hmm. — Pensou com a mão no queixo. — Ela deve ter Instagram. Sei que você é um bicho do mato, mas podia criar uma conta pra ver. Geralmente as drag queens postam fotos delas desmontadas também.
— Isso soa meio stalker. — Franziu o cenho.
— Redes sociais naturalizaram ser stalker, não há escapatória. — Riu.
— Vou ver — respondeu o que era de costume quando não sabia o que fazer.
No dia seguinte pensaria sobre o assunto.
. . .
Na terça, entediado no balcão da loja e morrendo de calor, pensou sobre o que Seulgi tinha lhe falado a respeito do Instagram. Costumava esquecer que o celular existia, e só lembrava quando precisava dizer algo a Seulgi ou Kyungsoo e por conseguinte recordava que não poderia pegar o telefone e ligar, pois um estava num fuso horário diferente e a outra trabalhava em horários irregulares. Sobrava o aplicativo de mensagens, mas digitava tudo errado por odiar o touch screen e então acabava preferindo conectá-lo ao computador.
Em resumo, não sabia mexer naquela tela sensível nem lidar com algo que apitava em momentos inoportunos, e por isso deixava sempre no modo “não perturbe”. Até mesmo seus pais eram mais hábeis, e vivia sendo repreendido pela mãe por não responder quando ela precisava. Achava bastante terrível que as pessoas se sujeitassem a carregar a conexão com o trabalho bem no bolso, como se fosse a coisa mais normal estar disponível 24 horas por dia. Por isso, só sabia mexer direito no computador e nos consoles de videogame.
Mas mentiria se dissesse que não estava se corroendo internamente de curiosidade sobre Jolene Spell. Queria saber se era coisa da sua mente a familiaridade que enxergou ou se era verdade. Talvez fosse algum cliente, algum conhecido do bairro. No entanto, com certeza se lembraria de ter visto uma pessoa daquele tamanho e com aquela voz, mesmo desmontada. O homem por trás da drag queen deveria ser um cara atraente.
Decidiu por fim correr para os fundos, como fazia quando ficava mais de meia hora sem receber clientes. No computador, buscou um tutorial de como baixar o tal Instagram no celular. Foi bem fácil fazer aquilo depois de limpar as notificações de dois dias atrás. Uma hora responderia as pessoas. Não era como se fossem muitas.
Criou a conta como o tutorial mandava, e sem ideias para um nome de usuário decente, optou por “bolotafofadopapai”. Não era como se fosse procurar por um conhecido. Não foi difícil também achar a drag queen Jolene Spell pela barra de buscas. Clicou no perfil sem paciência, mas parou para ler a descrição dela que chamou atenção por vários segundos:
“Drag Queen, Atriz, Modelo.
Seja você, mesmo que seja bizarro.”
Que merda era aquela? Aquela frase… Respirou fundo e começou a procurar, com o estômago repentinamente doendo em ansiedade, por uma foto de Jolene Spell desmontada. Da pessoa por trás da drag queen.
Finalmente achou uma foto em que um homem estava deitado de bruços em lençóis brancos, provavelmente nu, com a metade inferior do corpo coberta por uma manta rosa-bebê. O rosto, que ostentava um pequeno sorrisinho, estava apoiado nos braços flexionados, olhando para a câmera com uma cara de sono charmosa. Ele tinha cabelos platinados que pareciam fofos ao toque, e uma pequena pintinha clara na ponte do nariz. Teve certeza que era Jolene Spell por causa das tatuagens nos braços.
Mas o que quase fez Baekhyun jogar o celular para longe foi ter a convicção de que a pessoa por trás dela era ninguém além de Park Chanyeol, sua grande paixão da adolescência.
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Ficou tão afetado com a descoberta que foi incapaz de criar coragem para ir ao show na mesma semana. Ainda um pouco apático depois de ficar cerca de uma hora e meia olhando e analisando fotos de Jolene Spell, ou Park Chanyeol, e só parar por ser interrompido pela chegada de sua mãe na loja, correu para surtar com Seulgi o mais rápido possível. Nunca fora bom em guardar as coisas para si mesmo.
Sentiu-se um tanto traído quando ela contou que havia feito essa descoberta assim que chegou em casa após o show. Disse ela que teve o mesmo choque do amigo, mas que queria que Baekhyun soubesse por si mesmo. Ainda estava puto quando a perdoou, mas passou assim que começaram a confabular sobre como ele estava inegavelmente gostoso. Ele parecia e não parecia ao mesmo tempo com o garoto magrelo e perfeitinho do ensino médio.
Falar sobre Park Chanyeol ainda era um assunto um pouco delicado para Baekhyun. Sempre fora curioso para saber o que ele fazia da vida, se havia se tornado um médico de futuro promissor assim como os pais dele gostariam. Estava feliz de uma forma que não era fácil de definir agora que sabia o que havia o acontecido. Chanyeol parecia… ele mesmo. Sentia uma espécie de orgulho. Queria muito vê-lo novamente, conversar.
Mas não estava preparado, não ainda.
Então esperou criar coragem. Não sabia nem mesmo como o alcançaria para poderem ter uma conversa. Seulgi havia dito que Sehun poderia mexer os pauzinhos, falar com o namorado, que era um grande amigo de Chanyeol, e assim poderiam finalmente se rever. No entanto, não fazia ideia se a proposta seria bem aceita pelo maior. Talvez se sentisse desconfortável revendo alguém do passado, alguém que havia descoberto quem ele era antes de todos. Apenas arriscando poderia ter algum resultado.
É claro que poderia deixar pra lá, esquecer tudo isso. Mas sentia que deveria voltar e vê-lo, mesmo que fosse de longe. Queria isso, e estava cansado de negar os próprios desejos o tempo todo em prol de uma paz falsa que nunca alcançava seu interior sempre conturbado, insatisfeito.
Mesmo passando quase duas semanas em total conflito interno, conseguiu voltar a escrever. Parecia que nunca tinha passado por um bloqueio criativo, pois as coisas fluíam com facilidade, e acabou até mesmo começando outra história paralela. Claro que dava todo o mérito ao que parecia um simples rolê de sexta à noite, mas que fora o mais único de sua vida pacata.
Na segunda sexta-feira após a primeira ida àquele bar, incentivado pela melhor amiga e até por Kyungsoo, a quem acabara contando tudo também, voltou ao local.
Combinara de se encontrar com Sehun, já que Seulgi estaria ocupada novamente. Ele concordou na hora, sempre feliz de receber os recém-chegados ao mundo drag. Escolheu soltar a bomba que era sua ideia antes do show, enquanto jogavam conversa fora numa das mesas nas extremidades do bar.
— Ei, Sehun. — Aproveitou a chance quando a conversa pausou e o mais novo bebericava uma cerveja. — Eu… Queria falar um negócio com você. — Tentou não soar embaraçado, mas era complicado.
— Hm? Fala aí, hyung. — Deu um sorrisinho que Baekhyun não entendeu.
— Eu meio que… Ahn, sabe a Jolene Spell?
— Claro, o que tem?
— Eu meio que estudei com… com ela. Com Park Chanyeol. — Agradecia pelo ambiente ser escuro e esconder suas bochechas ruborizadas. Como era vergonhoso o favor que iria pedir… Poderia soar como um verdadeiro stalker.
— É mesmo? Que incrível. — A voz de Sehun não carregava surpresa alguma, e Baekhyun estranhou. — E o que mais?
— Ah… é, né? É só isso mesmo. — Riu constrangido, querendo afogar-se naquele coquetel caro que segurava. — Só achei que seria legal… comentar. Haha.
Ficaram num silêncio que para Baekhyun pareceu constrangedor, e entendeu menos ainda o que acontecia quando Sehun começou a gargalhar, batendo uma palma na coxa do mais velho, que o olhou perplexo.
— Ai, hyung. Desculpa, você fica uma gracinha constrangido, aí não resisti. Perdão. — Secou as lágrimas sutis nos cantos dos olhos. Baekhyun ainda o olhava totalmente constrangido. — Calma, é que… A Seulgi noona me contou tudo.
— Aquela… Ela é uma sacana babaca escrota! — Xingou, bebendo um enorme gole da bebida alcoólica, estressado.
— Ela quis facilitar as coisas pra você, poxa. Ela achava que não teria coragem de dizer isso pra mim hoje, e se você não começasse o assunto, eu faria uma surpresa e te levaria pra ver o Chanyeol hyung. Foi o combinado.
— Vocês iam me matar do coração! — Socou a mesa num impulso e recebeu um olhar feio do garçom. — Mas espera, espera, espera! Quanto é o tudo que ela contou?
— Que vocês tiveram um envolvimento no ensino médio, mas deu errado porque ele foi estudar na Europa. Algo assim. Não deu muitos detalhes. É tudo verdade mesmo? — perguntou, curioso.
— É. Mas… Sehun, realmente pretende me… deixar encontrar ele? Quer dizer, tenho medo de ele não querer. Talvez guarde algum rancor. Mas eu só queria conversar mesmo.
— Você magoou ele? — O mais novo arqueou a sobrancelha, entrando na defensiva.
— Eu diria que a vida magoou nós dois. Não dá pra culpar ele, e acho que nem a mim. — Mexia no canudo da bebida, pensativo.
Ficaram em silêncio enquanto o mais novo refletia se deveria ou não intermediar um encontro que parecia tão importante.
— Então vou deixar. Admito que essa coisa de amor adolescente impedido pelo destino me comoveu. — Sorriu. — Falei com Jongin e ele vai ajudar a gente no fim do show. Vou no camarim delas como sempre, fazer companhia pro meu amorzinho, aí você vai entrar comigo como um amigo dele e “Oops! Quanta coincidência te ver por aqui! Hihihi”. — Sehun afinou a voz fazendo graça.
— Mas… Não acha que ele vai ficar puto? O Chanyeol — perguntou receoso.
— Relaxa, hyung. Ele é a pessoa mais sangue bom que conheço depois de mim mesmo. — Sorriu convencido e Baekhyun riu do garoto besta.
— “Sangue bom”, é? Acho que ele mudou muito…
— É mesmo! Como ele era? — Sehun parecia um filhote de cachorro com os olhos pidões.
— Eu não sei como ele trata o próprio passado, então é melhor perguntar direto pra ele. Vai que eu falo e emputeço o Chanyeol. — Aquilo era o que mais queria evitar. Seria cauteloso.
— Cheios de segredinhos vocês, hein? — debochou.
— Alguns.
Estava quase colocando todo o coquetel e o lanche de rosbife que havia feito mais cedo pra fora. Então lembrou que não poderia falar com Chanyeol com um hálito de defunto e se controlou.
Esperava que tudo corresse minimamente bem, e principalmente que não morresse de vergonha antes de dizer tudo o que pretendia.
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Queria ter conseguido se distrair com os arcades que haviam no bar, mas sentia-se incapaz de se concentrar em algo. Isso se provou errado quando o show começou. Todos eram hipnotizantes demais para que deixasse o reencontro com Chanyeol na superfície da mente.
Porém, quando Jolene Spell entrou no palco ao som de Something do Girl's Day, sem vergonha de empinar a bunda que mesmo coberta pela saia dourada justa era visivelmente redonda, sentiu mais um solavanco de nervosismo no estômago, lembrando-se de quem era aquela pessoa. A única por quem tinha se apaixonado verdadeiramente em toda sua vida, a pessoa pela qual torceu por anos que encontrasse a felicidade no que realmente gostava de fazer, de ser.
Pensar nisso enquanto olhava a pessoa que encarnava Jolene Spell foi capaz de trazer lágrimas discretas a seus olhos, as quais apenas deixou fluir, no meio da multidão que clamava pela artista. Sentia-se verdadeiramente feliz como não acontecia há tempos, e continuaria assim mesmo que não fosse capaz de trocar palavras com ela em alguns minutos. Vê-la parecia suficiente.
Baseado nas horas em que ficou olhando as cerca de 500 postagens e pelo que via ao vivo, podia dizer que ela estava deslumbrante como sempre. Naquela noite, ela estava sensual de forma elegante, com uma peruca loira de cachos bem formados que alcançavam a cintura e possuía um topete alto sofisticado. Usava um vestido longo aberto nas costas, de seda verde-esmeralda e decotado no peito sem enchimento, com uma fenda que deixava as pernas bronzeadas aparecendo vez ou outra provocantemente. Por cima dele, vestia um corset prateado, peça que nunca deixava de surpreender Baekhyun. Chanyeol, ou Jolene Spell, com certeza era uma grande entusiasta da peça pelo tanto que a cintura ficava fina.
Perguntava-se como seria rodeá-la com os braços.
Ela desfilava com maestria, como na outra ocasião, com um scarpin de salto agulha igualmente prateado. Os lábios carmesim chamavam muito mais atenção que da última vez. Na verdade, era assim com todo o rosto pequeno, com sobrancelhas e bochechas bem marcadas pela maquiagem forte, pois mesmo deste modo Baekhyun era capaz de reconhecer os olhos puxados e grandes, o nariz reto e alto, a boca de lábios cheios e o maxilar bem marcado.
Na hora de estender a gorjeta, novamente os olhos se encontraram, mas Jolene Spell apenas sorriu. Pensou então que talvez não estivesse tão errado em cogitar que fora reconhecido, e isso trazia ainda mais expectativas sobre o que aconteceria no fim da noite.
Sobreviveu à apresentação, não sabia como. Até mesmo à parte em que durante Naughty Girl da Beyoncé, a rainha arrancou a própria saia do vestido, provocando assobios e mais gritos. Assim que Jolene Spell emendou uma piadinha e fez seu agradecimento como de costume, Baekhyun olhou para Sehun sem conseguir esconder a expectativa. Recebeu um sorriso compreensivo em troca, e foi puxado pelo braço para onde a aglomeração diminuía.
Tudo foi como um borrão até que estivesse sendo arrastado novamente por Sehun, mas dessa vez para dentro do camarim conjunto das drag queens. Na porta, Kim Kai Jeane, ou apenas Jongin, o namorado de Sehun, esperava-os sorrindo.
— Então você é o Baekhyun. É um prazer. — Estendeu a mão, que Baekhyun olhou abobalhado até entender que deveria beijá-la. Jongin estava montado ainda, afinal.
— O prazer é meu, senhorita. — Cumprimentou nervoso após beijar a mão esbelta de unhas postiças enormes e bem-feitas. — É… uma honra me deixar vir até aqui.
— Sou uma rainha muito bondosa, como pode ver. — Sorriu. Em seguida, abaixou a voz, olhando para os lados. — Chanyeol hyung está lá dentro esperando meu suposto amigo querido que veio de longe e é um grande fã.
Baekhyun assentiu, sem saber muito o que dizer. Sehun e Jongin entenderam que estava nervoso, e com uma mão reconfortante em seu ombro, Sehun o guiou para dentro da sala.
A primeira coisa que seus olhos captaram foi a explosão de cores e glitter presentes em todo o cômodo espaçoso. Havia perucas, tecidos, ferramentas de costura, coisas brancas que identificou como enchimentos, sapatos, trajes e algumas parafernálias que Baekhyun não fazia ideia do que eram. A segunda coisa em que reparou foram as performers ainda presentes na sala, desmontando-se. Foi um pouco engraçado ver Acquamyeon repreendendo Chyna Sheep, que estava somente de peruca e enchimentos no corpo, por ter quase rasgado o vestido que tentava ajudá-la a tirar, e a última dizendo com um sotaque carregado para que se acalmasse, pois o estresse deixaria Acquamyeon com rugas.
Kim Kai Jeane apontou Jolene Spell no canto, sozinha, ainda toda montada, sem contar os sapatos e as enormes unhas postiças que retirava uma por uma com cuidado, concentrada.
Baekhyun sentiu as bochechas queimarem como se fosse um adolescente, mesmo antes de Jolene Spell notá-lo. Mas ela logo sentiu o peso do olhar, pois levantou o seu, e assim os dois se encontraram.
Conseguiu ver a surpresa estampada no rosto alheio, e depois essa ser substituída por algo que era incapaz de definir. Não o conhecia mais para tentar adivinhar o que se passava pela cabeça dele.
— Jolene, esse é o amigo que te falei! — Kim Kai Jeane tomou a frente, notando a tensão. — Ele é um grande fã e queria conversar com você, igual falei mais cedo. Tem um tempinho pra ele? — perguntou com um bico fofo e pidão.
— É claro... — Se estava insatisfeito, Chanyeol não demonstrou. Seu rosto era inexpressivo. Largou as unhas postiças, e pela primeira vez em mais de uma década direcionou sua voz a Baekhyun. — Pode se sentar aqui. — Apontou uma cadeira ao lado da sua.
Nervoso, o Byun provavelmente encarou por mais tempo do que o necessário a cadeira ao lado de Chanyeol.
— Meninas! — Kim Kai chamou a atenção das rainhas com quem dividia o camarim. — Lembram do que eu falei? Sejam rápidas, por favor.
Todas soltaram risadinhas, concordando. Jolene Spell era a única que parecia não estar entendendo nada, vítima de um complô. Ela estreitou os olhos, já começando a entender tudo.
Ficaram num silêncio constrangedor por cerca de dez minutos, até que todas terminassem de se desmontar e se despedissem dos únicos restantes: Chanyeol e Baekhyun.
O mais alto aproveitou para terminar de tirar as unhas que restavam, assim como a peruca e a touca que cobria os próprios cabelos platinados. Baekhyun tentou não ser indiscreto, mas era impossível não olhar para Chanyeol, tão bonito naquelas roupas. Já sentia-se privilegiado apenas de poder olhá-lo de perto, montado.
— Não imaginei que gostaria de vir falar comigo. — A voz grave e bonita quebrou o silêncio quando todos já haviam deixado-os a sós.
— Eu… Como assim? Você sabia…?— Buscou os olhos alheios, sabendo que estampava uma cara de parvo.
— Eu vi você. Sexta retrasada e hoje — revelou. — Não mudou muita coisa, sabia disso?
— Ah… É o que costumam dizer. — Pigarreou, nervoso. Chanyeol estava de pé e o olhava de cima com uma expressão neutra. — Já você… mudou bastante. Haha.
— Fico feliz que seja visível. Te chocou muito?
— É claro que sim. Mas… de um jeito bom. Seu show é incrível, Jolene Spell.
— Obrigado. — A menção do show o fez esboçar um sorrisinho. Ele era tão bonito… Baekhyun ficava sem fôlego. — Voltou porque gostou ou só pra falar comigo?
— Ambos. Te ver performando foi uma coisa que eu não sabia que precisava. — Sorriu tímido.
— Você costumava ser mais cara de pau, Baekhyun. — Riu. O menor ficou sem palavras. Era bom ouvir seu primeiro nome sendo proferido pelos lábios dele.
— Eu tô nervoso, porra — confessou o óbvio, o que fez o sorriso de Chanyeol abrir ainda mais. — É bem doido te ver todo diferente, e olha, eu fiquei chocado de verdade com o que você faz com… isso. — Apontou para o corset bonito que Chanyeol ainda vestia. — Nem sabia que caras conseguiam...
— Defina chocado. — Chanyeol apoiou as mãos nas cavidades que a peça formava em sua cintura. As mãos grandes e compridas quase conseguiam rodear a circunferência.
— Achei bizarro, não nego. Mas muito bonito também. Acho que é por isso inclusive que tanta gente gosta de você — elogiou, tentando controlar o nervosismo. Percebeu que havia se tornado uma batata.
— Bizarro, é? — perguntou retoricamente, mais para si mesmo. Aquela palavra sempre lhe trazia memórias agradáveis, apesar da suposta conotação negativa. — Não é uma coisa tão incomum quanto pensa… Já tinha visto algum show assim antes?
— Nunca, até sexta retrasada… Não costumo frequentar lugares assim, mas sabe a Seulgi? Bem, ainda somos amigos. Ela me convidou e resolvi vir de última hora. Quando te vi… Sabia que era familiar, mas não de onde. Aí, descobri que era você. — Achou melhor não compartilhar o fato de que havia passado horas analisando as fotos do outro.
— Olha… Ah, aceita uma bebida? Esqueci de te oferecer. — Dirigiu-se até o pequeno frigobar, que ficava na extremidade oposta do caótico camarim.
— Não quero nada, obrigado. Não sou muito chegado a bebidas. — Sorriu amarelo.
— Achei que sua família fosse dona de uma loja de licores… Me enganei? — De costas para o mais velho, preparava um gin tônica.
“Oh, ele lembra”, pensou Baekhyun, não conseguindo evitar certa comoção interna. Chanyeol não havia apagado esse detalhe sobre si da mente.
— Acertou. Mas talvez seja por isso mesmo. É banal, nunca vi muita graça — respondeu, sem desgrudar os olhos das costas largas de Chanyeol.
— Não gosta mesmo de coisas banais, não é? — Virou-se novamente para o outro, mirando-o com um olhar indecifrável por cima da borda do copo enquanto sorvia o drinque. Baekhyun piscou lentamente, sem perder qualquer movimento do mais alto, e sem saber onde ele queria chegar. — Por isso veio me rever, suponho.
— Ah, não me diga que ainda pensa que sou um fetichista e oportunista. — Soprou um riso sem humor, sentindo-se repentinamente arrependido de ter escolhido estar naquele lugar, com aquela pessoa. — Muita coisa mudou em você, mas acho que não parou de supor merda, não é mesmo? — Levantou-se da cadeira em que estivera desde o começo, os olhos estreitos ainda juntos aos do outro, que parecia ter sido pego desprevenido. — Só queria saber como estava mesmo, Chanyeol. Não soube nada sobre você em todos esses anos, e continuava desejando que quando te encontrasse, tivesse jogado aquela porra de máscara fora. Fico bem feliz que tenha. Enfim, é melhor eu ir.
Direcionou-se para a porta, quebrando o contato ocular com os olhos pintados. Quando a abriu, no entanto, Chanyeol se pronunciou, dando alguns passos até o mais velho..
— Espera. — Viu que Baekhyun parou na posição em que estava e continuou. — Foi imbecil da minha parte supor isso, me desculpe. — O mais velho finalmente voltou a olhá-lo. — Não precisa ir embora, eu… estava muito na defensiva. Se tornou um hábito horrível. — Suspirou, arrependido.
— Eu não sei pelo que você passou, mas imagino que foi muita coisa. Só fico puto porque vim na boa aqui e aí escuto essas coisas. Não queria nada de mais, só conversar com um… ex-colega. É isso que somos, né? — falou com os braços cruzados, finalmente reparando na diferença de altura considerável. Chanyeol sempre fora mais alto, mas ele era realmente enorme agora, em todos os sentidos.
— Vamos começar de novo, pode ser? — Ainda com o cenho franzido, Baekhyun concordou lentamente. — A verdade é que também estou nervoso — admitiu, rindo leve. Foi bastante inesperado e eu costumo assumir o pior das situações. Velhos hábitos dificilmente morrem.
— Então... para de frescura e fala direito comigo. Que tal? — Baekhyun inquiriu com um sorriso de canto.
— É uma boa ideia. — Retribuiu o sorriso. — Só que… eu tenho alguns compromissos amanhã. Preciso ir pra casa descansar um pouco.
— Ah! Devia ter falado antes que eu tava te atrasando. Não quero atrapalhar.
— Tá tudo bem. Eu meio que queria te ver também. — Comprimiu os lábios ao admitir mais uma coisa.
— Meio? Bom, pode mentir pra mim, mas não pra si mesmo. — Deu de ombros, rindo. Chanyeol o acompanhou, passando a mão pela peruca loira que ainda vestia.
Acabaram trocando olhares por tempo demais, sem saber o que dizer para se despedir. Trocariam números? O acordo informal que haviam acabado de firmar deveria ser ignorado? Nunca mais se veriam? Chanyeol acharia estranho se continuasse voltando para ver Jolene Spell?
Não foi capaz de concluir totalmente os pensamentos, pois um pedido inesperado foi proferido.
— Baekhyun, posso só te pedir um favor antes que vá? — Juntou as mãos na frente do peito. O mais velho assentiu rapidamente. — Pode me ajudar a tirar o corset? Alguns consigo tirar sozinho, mas esse tem laços atrás. Geralmente as meninas me ajudam, mas foram todas embora já… — justificou.
— Claro, claro. Ajudo sim, claro — concordou rápido demais, querendo cair de um penhasco por ter soado muito desesperado. Chanyeol pareceu achar engraçado ao menos, pois riu mais uma vez. — Só… Tem que me falar como faz.
— Eu acho que é bem intuitivo, mas tudo bem. — Virou-se de costas para o menor.
Baekhyun engoliu em seco, sem saber exatamente onde colocar as mãos, mas ao mesmo tempo querendo tocar toda a pele bronzeada à sua frente.
— Sabe esse laço no final? É só desatar e afrouxar ele — explicou o que era bastante óbvio, com o rosto em perfil. Se não fosse a diferença de altura, Baekhyun diria que conseguia ver perfeitamente os detalhes da maquiagem bem-feita de Jolene Spell.
— Ah, beleza.
Desatou o laço e respirou fundo antes de começar a desafrouxar a peça. Puxava pedaço por pedaço do laço, começando de baixo. Ficou surpreso de modo que não deveria por perceber como era apertado, e que tinha que fazer uma força considerável para abrir o corset.
— Ei, Chanyeol. O que acontece com os seus órgãos quando coloca essa coisa? — perguntou com curiosidade genuína.
— Eles se movem. Tenho um tronco grande, então tem espaço pra mudarem de lugar.
— É sério isso? — perguntou incrédulo, puxando mais um pedaço do laço, já na metade das costas. Evitava olhar para a parte de baixo, para que não fosse desrespeitoso vendo aquela calcinha preta com detalhes rendados meio enfiada na bunda redonda e malhada. Ops.
— Claro que é. O que acha que acontece com o corpo das mulheres quando engravidam? Não sou uma, mas posso dizer que o corpo humano tem limites maiores do que as pessoas imaginam — pontuou.
— Ah… Isso é muito bizarro mesmo. — Riram juntos. — Então… tem que usar isso o dia inteiro pra ficar desse jeito?
— Depende do limite da pessoa. Eu gosto de usar por muitas horas, já que preciso me sentir minimamente confortável pra fazer as performances. Mas é claro que qualquer modificação corporal precisa ser feita com cuidado e boas referências, ninguém quer ir parar no hospital por ter apertado demais um corset.
— Entendi. — Queria perguntar de onde ele havia tirado a ideia, queria saber muitas coisas. Sabia, no entanto, que não deveria prolongar esse encontro peculiar.
Terminou de desfazer o laço, e Chanyeol soltou um suspiro de alívio. Apesar de acostumado, não era fácil usar aquilo por todo aquele tempo, principalmente para coisas que pediam tanto esforço físico.
— Obrigado. — Virou-se novamente de frente para o mais velho, que pôde perceber, mesmo debaixo do vestido verde justo, que a cintura de Chanyeol realmente era bem mais estreita que o tórax e quadril. Era bizarro, mas não cansava de admirar. — Me livrou de longos minutos de sofrimento.
— Sem problemas.
Sorriram um para o outro, o silêncio se instalando por todos os cantos daquela sala novamente. Dessa vez foi Baekhyun quem se pronunciou.
— Então… Vou indo. Você ainda precisa se desmontar, certo? Imagino que prefere fazer isso em paz.
— Bem, sim. Não é muito elegante ver uma drag queen se desmontando, não quero condená-lo a ter essa visão — brincou.
— Besta. — Riram juntos mais uma vez. Aquilo parecia estar funcionando, de alguma forma.
— Só mais uma coisa, já que acho que não vai pedir com esse medo de me atrapalhar estampado na sua cara. — Tomou fôlego. Não costumava assumir a iniciativa sobre isso. — Me passa seu número? Assim podemos… nos encontrar com mais tempo pra conversar. Se quiser, é claro. Não se sinta obrigado.
— Que idiota você pensar isso. Eu que vim atrás de você, é claro que quero. — Chanyeol lhe direcionou um sorriso aliviado.
Trocaram contatos, um aceno sem jeito e um pouco constrangedor, e um “A gente vai se falando”.
Baekhyun demorou algum tempo para processar todos os acontecimentos daquela noite, principalmente quando olhou para a lista de contatos e havia o nome de Chanyeol.
Estaria a vida finalmente lhe presenteando com alguma mudança, como almejava? Se sim, esperava aproveitar o máximo da situação.
Da companhia de Park Chanyeol, seu primeiro e talvez único amor.
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Park Chanyeol era um homem ocupado, e esse parecia ser um fato sobre o rapaz que não havia mudado em todos esses anos passados.
Nos primeiros dias após a troca de números, demoraram para entrar em contato um com o outro. Baekhyun decidiu tomar a iniciativa, mesmo com o receio de que talvez, apesar de tudo, Chanyeol tivesse mudado de ideia e fosse ignorá-lo ou ser escorregadio até que desistisse.
Felizmente enganou-se numa surpresa boa, pois após decidir que finalmente o enviaria uma mensagem assim que saísse do banho, onde ensaiou o que escreveria nela, havia uma mensagem de ninguém além de Chanyeol em seu celular. E era de apenas vinte minutos atrás.
Não foi capaz de evitar um sorriso enorme ao abrir a mensagem, ignorando todas as das outras pessoas. Chanyeol pedia desculpas por não ter enviado nada antes, e perguntava quando estaria disponível.
Ele parecia interessado de verdade, e isso animou Baekhyun. Não era o único que queria conhecer novamente o outro. Assim, combinaram sem demora, para a semana seguinte, um encontro num bar LGBT+ friendly em Itaewon, bairro onde soube que Chanyeol morava e trabalhava.
O maior ainda sentiu a necessidade de justificar a demora, contando brevemente que seu grupo de teatro estava com uma peça marcada para estrear em apenas dois meses, e então só tinha as terças à noite livres. Ficou, ainda, preocupado que Baekhyun tivesse compromissos nesse dia, porém este respondeu que estava quase desempregado, logo não era um problema. Percebendo que Chanyeol demorou para responder, provavelmente pensando se deveria mostrar-se empático, disse que era brincadeira. Talvez a impressão que Chanyeol tinha de seu atual eu já estivesse manchada.
A semana pareceu arrastar-se para Baekhyun, ansioso pelo encontro. Não falaram-se mais, como se tivessem firmado um acordo mudo de que o certo era conversarem propriamente cara a cara.
No entanto, foi surpreendido quando um dia antes Chanyeol enviou uma mensagem perguntando se poderiam mudar de planos; se o encontro poderia acontecer na casa dele, pois tinha ganhado uma peça de muçarela de sua mãe, e por isso queria fazer pizzas. Baekhyun agradeceu pela primeira vez por aqueles aplicativos de mensagem existirem, pois se fosse numa ligação, com certeza gaguejaria.
Uma confraternização — preferia essa palavra a “encontro”, para evitar qualquer tipo de ilusão que viesse a ter — na casa de Chanyeol? Tinha em suas mãos a oportunidade de conhecer onde ele vivia, talvez até vê-lo cozinhando, um nível de intimidade que o próprio Baekhyun não tinha com muitas pessoas. Mas provavelmente o ator não possuía problemas com isso, uma vez que havia o convidado num tom muito casual.
Ao mesmo tempo, o que pulou mesmo de alegria foi seu estômago, lembrando-se de todas as marmitas feitas pelo Park que já havia provado, dez anos atrás. Junto dos restaurantes caros que Kyungsoo gostava de arrastá-lo quando ainda vivia na Coréia, aquelas marmitas haviam sido suas melhores experiências gastronômicas, e manteve isso em mente para dizer a Chanyeol quando se encontrassem.
Tentou não pensar muito profundamente sobre o assunto até o dia seguinte, mas como sempre, a partir do momento em que apertava Bolotinha num “até mais” para então ir até seu carro no estacionamento, os sinais da ansiedade começavam a se mostrar. O estômago doía e as mãos suavam frio sobre o volante durante o caminho não muito distante até o endereço enviado por Chanyeol mais cedo.
Tudo passou num instante, até que estivesse pisando sobre o capacho da casa de Chanyeol. Ele morava num conjunto de casas pequeninas enfiadas entre dois enormes prédios. Não parecia o local mais seguro do mundo, muito diferente do bairro residencial tradicional em que Baekhyun nascera e fora criado, mas as casinhas eram majoritariamente bem-cuidadas, inclusive a do ator, pintada de verde-claro e com um enfeite de vasinhos de flor do lado da campainha que acabara de tocar.
Prendeu a respiração quando a porta foi aberta e pôde vislumbrar um Chanyeol vestido casualmente, com uma camiseta preta, uma calça de moletom cinza, chinelos de pano e cabelos platinados recém-lavados que cobriam a testa. Ele lhe direcionou um sorriso grande, e era tão estranho, mas tão agradável poder finalmente vê-lo sem maquiagem pesada; o rosto sempre bonito e agora maduro.
Provavelmente olhou por tempo demais, um tanto fora de órbita.
— Baekhyun? Boa noite. Pode entrar, viu? — Foi quando percebeu que ele tinha até mesmo aberto espaço para que passasse pela porta.
— Ah, oi, boa noite, beleza — disse um pouco atropelado, passando pela porta tentando não parecer medonho. Ele estava com cheiro de shampoo de morango. Que fofo! Quis gritar. — Ah! Com licença.
— Fique à vontade e seja bem-vindo ao meu humilde lar. — Fechou a porta, observando o outro que passava o olhar pelo cômodo.
A sala era pequena como a de seu apartamento, mas bastante bem-arrumada. Os móveis pareciam novos e muito limpos, e se assustou quando sentiu algo passando por suas pernas. Oh meu deus, Chanyeol não podia ficar mais perfeito… Ele também tinha um gato!
— Gato! — Abaixou-se entusiasmado sem demora. — Caramba, você também tem um gato… Que bonitão — elogiou, coçando o queixo do felino que era todo branco e tinha somente o rabo preto.
— Esse é o Freddie. Ele é muito folgado e aparecido, como pode ver. — Agachou-se junto ao menor, passando a mão pela coluna do gato que estava amando ser mimado. — Você também tem um, não? Sua foto de perfil é uma graça.
Baekhyun sorriu encabulado. Chanyeol referia-se à foto em que abraçava Bolotinha e a beijava. Gostava muito dela, e ficou feliz em saber que ele também.
— Sim, é a minha filha, Bolotinha. — Sorriu orgulhoso. — Ela é uma lady.
— Ela é toda felpuda, deve ser uma delícia de apertar — comentou, olhando para o rosto do mais velho com tanta atenção que este foi obrigado a encarar novamente só o gato, tentando disfarçar as bochechas que esquentavam.
— É sim, demais. A parte ruim é que ela solta pelo suficiente por três gatos. — Riram juntos, descontraídos.
Fez-se silêncio, enquanto ainda acariciavam o gato que já estava todo arreganhado e ronronando alto.
— Pode me dar uma ajudinha com as pizzas? Me atrasei um pouco, elas ainda nem foram pro forno — explicou o motivo do pedido, levantando-se do chão e estendendo uma mão para o Byun.
— Ah… Claro, sim. — Encarou a mão grande de dedos grossos, e viu que as unhas estavam pintadas de rosa com glitter. Aceitou a ajuda, levantando-se e ficando perto demais do mais alto. — Só não prometo que vou ser totalmente útil, sou terrível na cozinha apesar de tentar de vez em quando.
— Tudo bem, não precisa ser formado em gastronomia pra montar pizzas. — Chanyeol piscou, dirigindo-se até a cozinha, no cômodo do lado.
Baekhyun foi atrás e encontrou uma cozinha muito bonitinha. Tudo naquela casa parecia bastante bonitinho, desde a fachada, até os utensílios temáticos que estavam expostos. A chaleira elétrica da Hello Kitty e a panela de arroz do Doraemon eram especialmente adoráveis. Não conseguiu evitar um sorriso.
— Cara… Sua cozinha é muito fofa! — elogiou, aí então passando o olhar pelos ingredientes sobre a pia de mármore, e uma massa aberta já com molho espalhado. O estômago roncou.
— Obrigado. Utensílios temáticos me deixam com mais vontade de cozinhar. — Sorriu orgulhoso de suas aquisições. Lavou as mãos e colocou o avental rosa-bebê e branco de gatinhos.
— Se isso te faz cozinhar melhor do que naquela época eu faço questão de te dar uma torradeira do LINE Friends de Natal.
— Você sempre usando esquemas sujos pra conseguir minha comida de graça. — Chanyeol riu, brincalhão.
— Dessa vez você até teria algumas vantagens. Pense bem!
— Também tive, naquelas vezes. Sua companhia… Nunca falei isso, mas gostava muito dela — falou num tom sério, porém terno. Viu na hora a expressão de Baekhyun passar de risonha à surpresa. — Acho que está na hora de eu ser honesto, não?
— Ah… Acho que sim — disse sem muito jeito. — Eu… Também gostava muito da sua, apesar de talvez não parecer.
— Você era bastante pentelho, não minto que muitas vezes quis te jogar pela janela. — Riu. — Mas é por ter sido tão insistente que acabamos naquela espécie de… amizade.
— Agradeça pela vida ter me cansado e assim eu não ter mais energia pra ser um pé no saco — comentou, observando Chanyeol cortando as rodelas de tomate habilmente. — Ei, no que eu ajudo?
— Pega aquele avental pendurado e descasca os ovos que estão no fogão, por favor — instruiu. — Então… a vida te cansou? — Retomou o assunto assim que viu o outro chegando ao seu lado, fazendo o que foi pedido.
— Bem… Negócios de família. É cansativo não gostar do que se faz, você entende bem. Pelo menos se livrou disso, não?
— Sim. Mas foi bastante desafiador chegar onde estou hoje — disse, dividindo a atenção com espalhar os ingredientes sobre a massa.
— O que… aconteceu depois que foi pra Europa estudar? — Era a pergunta que queria fazer desde que descobrira quem era Jolene Spell, e não conseguiu segurar a língua vendo uma oportunidade na sua cara. — Se for um assunto delicado, sei lá, não precisa falar não...
— Já foi mais delicado. Está tudo bem. — Sorriu. — Fui pra Londres assim que o ano letivo começou, em setembro. Foi bem difícil me ajustar lá, apesar de já falar inglês. As pessoas são bem preconceituosas com asiáticos no Ocidente. Apesar de tudo, com o tempo encontrei amigos, principalmente os que também não eram europeus. O pior mesmo foram as aulas da faculdade, eu não suportava estudar medicina. Tentei por alguns anos me forçar a seguir em frente, seguir o plano de todos pra mim. Era a King’s College, sabe? Como eu poderia fazer pouco disso? Meus pais orgulhosos, gastando uma nota pra eu estar lá… Ah, você pode colocar no forno essa aqui? Já está ligado.
— Claro, claro. — Fez o que foi pedido, esperando que o outro continuasse.
— Então… Eu odiava festas, mas um dia acabei sendo arrastado por uns amigos até um clube drag bem famoso lá em Londres. É claro que foi amor à primeira vista… Acabei voltando lá muitas vezes mais, até que uma das drag queens me adotou, e nasceu a Jolene Spell. Mas foi um processo complicado, porque eu estava o tempo todo tentando esconder esse meu lado, meu verdadeiro eu… E era bem foda. Me sentia o tempo todo infeliz, e por dividir o dormitório não podia nem mesmo passar um batom. E se encontrassem? O que falariam de mim? Mas tudo pareceu muito mais fácil e suportável quando passei a me montar lá, nos fundos daquele clube, na casa da minha mãe drag e de outras colegas que fiz com o tempo.
Chanyeol fez uma pausa para colocar na panela vermelha de cerejas os legumes que refogaria para pôr sobre a outra massa que começara a abrir. Baekhyun o olhava com atenção, apoiado no balcão esperando novas instruções que não vieram logo.
— Dois anos depois que já estava lá, comecei a me questionar se realmente precisava me esconder de todos só pra agradar minha família e pessoas que eu nem me importava. Aí pensei muito nas suas palavras, as que falava pra mim no passado, e principalmente no que me disse da última vez, quando nos despedimos. — Sorriu, perdido em lembranças, olhando para o conteúdo da panela que mexia com a colher. — De início revelei pros meus amigos próximos, os primeiros de verdade que fiz na vida, e eles me acolheram muito bem. Isso só já me deu muita confiança. Passei a convidá-los pra verem as apresentações que comecei a fazer aos poucos. Eram bem ruins, mas eu me divertia cantando Lady Gaga e Mariah Carey. Só que é claro que os rumores se espalhariam… Começaram a comentar nas salas de medicina, e tudo piorou quando saiu uma foto. Diziam que eu era bicha e mulherzinha, que tinha ido estudar em Londres pra poder me vestir de mulher já que no meu país de origem as pessoas recebiam pena de morte se o fizessem. — Riu sem humor algum. — Podemos ver que as pessoas não estudavam muito, também.
— E… Eles chegaram a fazer algo a você? — perguntou preocupado.
— Nada físico, mas recebia olhares de repulsa e escárnio. Foi uma época complicada, tendo que lidar com isso e meus pais perguntando o motivo de minhas notas caírem cada vez mais. Eu não podia ficar na média, tinha que ser brilhante, o melhor. Então eu… simplesmente cansei de fingir tudo, mas ainda assim não conseguia dizer a verdade aos meus pais, não queria dar esse desgosto mesmo sabendo que eu nunca poderia mudar quem realmente sou. Disse a eles que não estava com saúde mental pra continuar na medicina, que exigia muito de mim, o que não era mentira, e que voltaria a estudar quando melhorasse. E… deu mais certo do que eu esperava, além de me permitir omitir a verdade por mais tempo. Aí, com apoio dos meus pais mesmo que sentindo muita culpa, eu fiz o que todo filho de burguês faz quando tem problemas na vida: viajei. Nessa época eu já tinha vinte e um anos e entendia melhor o mundo, mesmo que nem tanto. Ao menos sabia melhor o que queria.
— Uau, então viajou o mundo? Você… tem essa cara de quem conhece e sabe muita coisa. É… muito diferente do passado. Obviamente, haha. — Coçou a nuca, sem saber onde colocar as mãos ao ter a atenção do mais novo sobre si, sorrindo levemente.
— Não sei de muita coisa, na verdade. Viajei por seis meses. América do Sul, Europa, Ásia… Me inteirei sobre o cenário drag em todos esses lugares, e foi muito divertido. Meu estilo drag mudou muito, ficou mais refinado e ganhou mais referências. Conheci pessoas incríveis que vou levar para a vida… Mas chegou a hora de voltar para Londres e para a medicina. Foi quando precisei conversar com meus pais, sem esconder nada. Contei tudo: que me vestia de mulher desde que me entendia por gente, que odiava medicina e precisar ser o espelho deles, que… sou gay.
Ficou em silêncio enquanto abria a massa manualmente, com o rolo. Baekhyun achou que ele não falaria mais nada, que tivesse se arrependido de começar.
— E… Ahn, o que eles falaram? — perguntou com a voz mansa.
— O que pais tradicionais costumam falar pros filhos quando recebem essas revelações… haha. Fica pra sua imaginação as coisas escrotas que ouvi. — Suspirou, colocando mais força na massa que abria. — Eu tive que voltar pra Coréia e preferi sair de casa a ter que ficar na deles, mesmo que eles sempre estivessem fora, ocupados demais salvando vidas. Fui pra casa de um amigo que fiz na internet, também drag, e além de tudo morava em Seul, o Jongin. Ele me ajudou muito, foi meu apoio até que eu achasse um lugar só meu alguns meses depois. Mas nesse tempo em que morei com ele, tive a ideia de seguir o que realmente parecia certo pra mim, e então fui atrás de um curso de Artes Cênicas. Só que eu precisava de dinheiro pra pagar e não podia contar com o dinheiro fácil dos meus pais. Então fui trabalhar pela primeira vez em 22 anos… foi um pouco difícil achar algo que pagasse bem o suficiente pra que eu pudesse bancar meu curso, um aluguel e os custos das minhas roupas e acessórios, aí acabei, em certa época, tendo três empregos simultâneos. Pode ir lavando a louça, por favor?
— Aham. — Olhou para a pilha de louças sobre a pia e pensou se Chanyeol por gostar de cozinhar tinha que lavar sempre tudo aquilo. Gostou de se sentir útil em poder livrá-lo daquilo, ao menos. — Mas ainda trabalha em tudo isso? É muita coisa!
— Não, não. Há uns três anos vivo só das gorjetas e do cachê das peças em que atuo. Não é uma renda muito regular, mas paga as contas e dá pra manter uns pequenos luxos às vezes.
— Lembrei que disse que sua mãe te mandou queijo. Quer dizer que voltou a falar com seus pais? Eles não te ajudam com grana? — perguntou curioso.
— Oh, você presta atenção mesmo. — Sorriu. Baekhyun quis dizer “é claro, é sobre você duh”, mas se conteve. — Não aceito ajuda e só falo com ela. Meu pai nunca mais quis saber de mim, mas ela tenta me entender, já foi até me ver num show, e sempre assiste às minhas peças. Vive dizendo que se arrepende de não ter me dado mais atenção enquanto eu crescia, então acho que é o jeito dela de compensar… Mas sempre penso que ela nunca acordaria pra isso se eu tivesse seguido o caminho que haviam determinado pra mim, então no fim tudo compensou. Eu sabia que teria perdas, de qualquer forma. Ao menos não perdi a mim mesmo.
Baekhyun sorriu com aquelas palavras que aqueceram seu peito, orgulhoso mais uma vez de Chanyeol e de tudo que ele havia conquistado.
— Me preocupei à toa todo esse tempo. — Riu soprado, sendo acompanhado.
A conversa seguiu descontraída, mais aleatória, sem tocar novamente em assuntos possivelmente sensíveis. A segunda pizza foi colocada no forno assim que a primeira ficou pronta, e a expressão faminta de Baekhyun foi suficiente para que Chanyeol terminasse rapidamente de arrumar a pequena mesa de jantar que ficava na sala.
Baekhyun recusou o vinho oferecido pelo maior, que parecia gostar de bebidas alcoólicas como a maioria das pessoas. Já sabia com o que o presentearia se mantivessem contato. Esperava que isso acontecesse. O que havia de errado consigo? Já estava pensando em coisas futuras e duradouras envolvendo Chanyeol.
Mas todos esses pensamentos foram facilmente ignorados quando Chanyeol serviu-lhe um pedaço da pizza e deu a primeira garfada. Não foi capaz de tirar a cara do prato, só pensando em como parecia mal-educado e desesperado quando acabou e notou o olhar divertido do maior sobre si, mastigando calmamente o próprio pedaço.
— Aprovado? — Chanyeol perguntou com um sorriso de canto.
— Mais que isso, cara. Tá… Magnífico! — Os olhos brilharam e Chanyeol achou toda aquela reação muito adorável. Além disso, era sempre bom ter o ego massageado envolvendo coisas que fazia bem. Cozinhar com certeza era uma delas. — Esse molho de tomate é você quem fez? Tá diferente. Tá bom pra caralho!
— Sim, sim. Foi eu. — Sorriu, em seguida dando um gole em seu vinho. Não parava de sorrir desde que Baekhyun chegara. A companhia dele era gostosa como sempre, e não imaginava que se sentiria bem ao lado dele como no passado. — Posso passar a receita, se quiser.
— Nah, eu quero mesmo é vir comer aqui todo dia. — Notou depois que talvez tivesse forçado intimidade. — Quer dizer, se isso fosse o mundo ideal. Nossa, posso pegar mais um pedaço?! — Mudou de assunto.
Chanyeol apenas concordou, aparentemente levando as palavras de Baekhyun como brincadeira, para alívio deste. Passado o desespero inicial por comida do mais velho, conversaram superficialmente enquanto dividiam aquela refeição confortável. Por vezes o mais alto levantava para ver o ponto que a outra pizza estava. O Byun devorou uma inteira, deixando o Park boquiaberto, mas também feliz por ter feito a escolha certa em mudar os planos do encontro.
Chanyeol não deu nem mesmo tempo para Baekhyun se recuperar da comilança, já servindo a sobremesa que deixara pronta, um cheesecake de limão. O mais velho aguentou dois pedaços. Preocuparia-se depois se Chanyeol o achava um glutão vergonhoso como no passado. Ele parecia ter parado de julgar pessoas que não se comportavam como se pertencessem à família real inglesa, mas observando suas maneiras à mesa e fazendo qualquer outra coisa, ainda havia classe. Desde a postura, a forma como segurava os talheres, sorvia o vinho da taça, até como sempre mantinha o queixo erguido. Era lindo, e não sabia que havia sentido falta daqueles modos pomposos.
Park Chanyeol era a pessoa mais bonita que conhecia, foi o que pensou no breve momento de devaneio durante um silêncio confortável que havia enquanto sentavam-se no sofá, tomando chá verde e assistindo a uma reprise de um episódio de Dragon Ball Z. Não conseguia prestar muita atenção na luta infinita entre Goku e Freeza quando o Park estava tão perto e tão longe ao mesmo tempo.
Foi pego no flagra admirando o perfil principesco, e as bochechas coraram com o curvar sutil dos cantos dos lábios carnudos alheios. Num impulso, para não parecer que o encarava sem motivo, soltou a pergunta sobre a qual havia pensado algumas vezes.
— Por que “Jolene Spell”? Seu nome drag… Tem algum significado especial?
— Tem sim, mas não é muito profundo… Sabe aquela canção da Dolly Parton, “Jolene”? Eu sempre quis ser como a Jolene da música, alguém que deixa todas as pessoas embasbacadas e aos meus pés. E “Spell”, bem, é como se a Jolene fosse o próprio feitiço… Faz sentido?
— Faz sim. Eu gostei, combina com seu estilo drag mais… femme fatale. Realmente enfeitiça as pessoas — falou sério, tentando não corar.
— É o que costumam dizer. — Piscou. Olhou de relance para a televisão. — Ah, ele vai matar o Freeza agora!
Prestaram atenção em Goku finalmente derrotando o vilão, e enquanto o primeiro tentava fugir do planeta Namekusei, que ia explodir, foi a vez de Chanyeol perguntar algo que rondava sua mente.
— Pensou mesmo sobre mim nesses anos? — perguntou num tom baixo, quase sussurrado, como se não pudesse perturbar a soneca de Freddie. Recebeu um assentir um tanto avoado. — Eu também pensei sobre você, se tinha encontrado algo que gosta de fazer. Na verdade, não falou nada sobre si mesmo desde que chegou — disse mais para si próprio a última parte, buscando na mente se já haviam entrado em tal assunto. Baekhyun poderia até mesmo ser casado, ter filhos, e não ter comentado nada.
— Ah, não tem muita coisa interessante pra falar. Não viajei o mundo e nem fui rejeitado pela minha família. Ainda. — Deu de ombros.
— Ainda? — Virou o corpo totalmente para o lado, observando atentamente Baekhyun enquanto permanecia segurando sua caneca de chá verde morno.
— É que… tô pensando em vender a loja de licores e isso faria meus pais terem um treco.
— Você não pareceu muito animado pra herdar ela na única vez em que falamos sobre isso. Disse que não pensava em nada melhor pra fazer. — “Ele realmente lembra”, pensou Baekhyun, cada vez mais mexido por Chanyeol lembrar detalhes como aquele. Nem era uma informação interessante.
— Digamos que achei algo melhor… E que nunca gostei de trabalhar na loja. Apenas fiz o que esperavam de mim. — Deu de ombros.
— Éramos mais semelhantes do que parecia, não? Por que então insistiu tanto pra que eu… tirasse minha máscara e deixasse de ser um “bonitinho” se faz o mesmo pra não decepcionar sua família? — inquiriu, sério. — O que nos diferencia pra que não tome a mesma decisão que me incentivou a tomar?
O Byun ficou em silêncio, pensando nas respostas para as perguntas de Chanyeol. Sabia muito bem quais eram, mas falar em voz alta era como invocar a verdade, deixá-la exposta naquela pequena sala bonitinha.
Chanyeol esperou pacientemente pelas próximas palavras do mais velho.
— Porque sou covarde. Porque queria que o cara que eu gostava e tinha sonhos fosse feliz. Não tenho sonhos.
Foi observado por longos segundos, que pareceram minutos. Os olhos de Chanyeol passavam por todo seu rosto, ternos e sérios.
— Disse há pouco que achou algo melhor — lembrou. — Não é melhor do que se prender a algo que não suporta?
— Só se eu quiser passar fome. Não sou um escritor talentoso o suficiente pra largar tudo e só escrever — disse, olhando para as próprias mãos entrelaçadas no colo.
— Então você escreve, isso é incrível! — exclamou surpreso, até mesmo colocando a caneca de chá pela metade na mesinha de centro. — É ofensivo admitir que foi uma das últimas coisas que passou pela minha cabeça? Mas você sempre foi muito inteligente, e faz sentido afinal. Já tentou publicar?
— Não, nunca. Eu escrevo por hobby. É o que me mantém são. — Deu um sorrisinho, voltando a olhar o maior de lado. — Mas já pensei algumas vezes em como seria publicar.
— Já é um começo, viu? — Soou animado. — Eu não achava possível viver somente da minha arte, também. Ainda me acho sortudo pelas pessoas gostarem, porque não imaginava que tomaria essa proporção. A gente nunca sabe, Baekhyun, nunca. Fui muito motivado por tudo que me falou pra tomar algumas decisões, já que “o importante é ser você, mesmo que seja bizarro”. Esse meio que se tornou meu mantra.
— Seu… mantra? — perguntou. Tentava digerir o que Chanyeol acabara de revelar. Mesmo que ele tivesse dito coisas sugestivas antes, nada era como ouvir com todas as palavras que influenciou de forma boa nas decisões importantes dele.
— Sim. — Exibia um sorriso com todos os dentes perfeitamente alinhados. — Então, acho que deveria me escutar, e consequentemente escutar a si mesmo. Vai ser difícil, é claro, mas não precisa ser estranho ou bizarro sozinho. Seremos os dois assim.
— Eu… Talvez — respondeu encabulado. — Obrigado, Chanyeol.
— Disponha, Baekhyun. — Voltou a pegar a caneca, fazendo um bico ao notar que o chá já estava frio. Lembrou-se de algo e olhou o outro novamente. — Então, sobre o que escreve?
Não perceberam a hora passar em meio a tantos assuntos que surgiam. Conversavam sobre os últimos dez anos, e notaram que era impossível tratar de tudo numa noite bem em meio à semana. Assim, prometeram se encontrar mais vezes, sem duvidar que fariam mesmo aquilo, tão proveitoso havia sido.
Baekhyun só notou que era tarde demais quando começou a passar Tom e Jerry. Quando tinha insônia, sabia que as duas horas da manhã haviam chegado por causa do desenho.
Mesmo assim, ambos estavam um tanto relutantes em se despedirem, já na porta.
— Então… até a próxima. Você tem meu número. — Sorriu sem jeito o Byun.
— Tenho. Vou te ligar — garantiu.
— É… Então… Boa noite. — Despediu-se, mas não moveram um músculo para se afastarem.
Os olhares não desviavam um do outro, e talvez estivessem perto demais. Não era incômodo para Baekhyun olhar para cima, para o rosto perfeito que lhe observava tão carinhosamente. Mirou os lábios cheios à sua frente, ato que não passou despercebido pelo mais alto, que esboçou um sorriso satisfeito.
Tão hipnotizado estava, Baekhyun só notou a aproximação exagerada quando os lábios se encontraram suavemente. Esperou tanto por aquilo desde o começo da noite que deve ter parecido bastante desesperado quando enlaçou os braços pelo pescoço do maior, mas naquele ponto já não se importava. Estava beijando a única pessoa por quem se apaixonou de verdade pela segunda vez, confirmando para si mesmo que o sentimento nunca morrera.
Chanyeol soltou a maçaneta e abraçou firme a cintura do mais baixo, que arfou no beijo superficial em que as bocas se reconheciam depois de tantos anos.
Por muito tempo não pensara em Baekhyun com nada além de carinho. Não sabia se era o mesmo sentimento de antes, mas a atração estava ali, clara, desde que o reencontrara depois do show. Parecia errado que não o beijasse quando ele fazia aquela expressão tão convidativa e não desviava os olhos de seus lábios, como se fossem um doce na vitrine.
Baekhyun tomou a iniciativa de chupar o lábio inferior do maior, mas não passaram disso. Esfregavam as bocas em meio a suspiros e davam selinhos saudosos. A posição era a mesma do primeiro beijo, na adolescência, mas dessa vez não havia o receio de que fossem pegos no flagra. Tinham agora todo o tempo do mundo, mas o usariam da forma certa, sem precipitação.
Por isso, Baekhyun afastou-se suavemente, depois de espalhar selinhos pela boca e bochechas do mais alto, acariciando a nuca.
— É melhor eu ir mesmo dessa vez. — Riram juntos da relutância em se soltarem. — Aliás, só pra confirmar, você não é comprometido, é?
— Não, é claro que não. Você é? — Chanyeol perguntou curioso, os lábios inchados formando um bico confuso, pois havia simplesmente assumido que o mais velho era solteiro.
— Também não. Então não preciso ter medo de beijar a boca da drag queen mais estupenda de Seul, Jolene Spell. Espero que nenhum fã seu me descubra — brincou, sem que ainda se soltassem.
— Ah, eles são muito respeitosos, não precisa ter medo. — Piscou. — Mas precisa provar que merece ela, se quiser algo mais…
— Como uma princesa, é? Vou manter isso em mente. — Beijou-o mais uma vez e finalmente tiveram a coragem de se afastar. — Não esqueci do seu convite sobre sermos bizarros juntos.
— Eu falei sério… Quem sabe? — Sorriu de canto, abrindo finalmente a porta.
— É. Quem sabe? — Recebeu uma carícia breve na bochecha antes de passar pelo batente, porta afora. Virou-se para o mais novo, acenando. — Até logo, espero.
— Vá com cuidado, Baekhyun. Até logo. — Acenou de volta, com as costas largas encostadas no batente.
Observando o mais velho entrar no próprio carro do outro lado da rua e ir embora, Chanyeol pensou que só pudera encontrar novamente Baekhyun por ter acreditado nas palavras dele mesmo por tantos anos.
E esperava que ele fizesse o mesmo, pois não há nada mais libertador do que ser você mesmo (mesmo que seja bizarro).
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