As primeiras notas de Given-Taken ecoam pelo quarto indicando que está na hora de levantar.
É só mais uma segunda feira para Jake e, por mais que não fosse uma pessoa matinal, ele na verdade gosta muito de seu trabalho – e do seu salário –, então é fácil para ele simplesmente levantar e tomar um banho quentinho antes de começar a se arrumar. O alarme continua tocando durante tudo isso, porque Jake considera um pecado desligá-lo sem antes cantar Given-Taken inteira pelo menos três vezes seguidas.
Ele nunca está atrasado. Apesar de ser bastante procrastinador, em certas áreas da vida Jake também é considerado adepto à pontualidade, e quando se trata de seu trabalho – no qual está empregado há 2 anos – ele é inegavelmente responsável.
A rotina é algo confortável para ele, e os deveres e responsabilidades já estão gravados em seu cérebro.
— Bom dia, meu amor – sua mãe diz assim que o sente descer as escadas, e é quase como se ela tivesse olhos atrás da cabeça, ele nunca vai entender. — Seu pai já fez o café da manhã, tá em cima da mesa.
— Obrigado. Bom dia, mamãe – Jake deixa um beijo na bochecha dela antes de sentar à mesa. Seu café da manhã consiste em café com leite e um pão, que ele provavelmente vai mergulhar no líquido daqui a pouco. É mais gostoso e mais fácil de comer assim. — Onde ele tá?
— Foi trabalhar mais cedo. O chefe dele ligou e disse alguma coisa sobre uma papelada pendente – ela sai do balcão onde estava preparando pão com queijo e presunto na torradeira.
Ele murmura acenando com a cabeça, começando a comer enquanto sua mãe grita o nome de seu irmão mais novo, pedindo para ele descer e tomar café da manhã com eles. Ela mal termina de chamá-lo quando o garoto desce correndo as escadas, quase tropeçando no último degrau.
— Eu já tô aqui, mamãe, não precisa gritar. Bom dia – Riki se arrasta pela cozinha, parecendo tão sonolento e preguiçoso que eles mesmos não acreditariam se lhes dissessem que o menino havia acabado de descer as escadas tão rápido quanto uma bala. — Não sei nem porque vocês insistem em me fazer acordar cedo, eu ainda tô de férias — continua resmungando até ocupar seu lugar à mesa.
— É, mas daqui a duas semanas você vai precisar voltar pra escola e seu horário de sono vai estar todo desregulado – a mãe deles responde, colocando o misto quente no prato de Ni-ki e sentando-se na cadeira desocupada em frente aos filhos. — Lembra como você fica igual a um zumbi de manhã cedo antes de ir?
— Eu sei, eu sei. Sun sempre briga comigo por causa disso. Não gosto de deixar ele bravo – o garoto mais novo continua piscando os olhos sonolentos e estremece, provavelmente lembrando de algumas situações. — Não combina com ele.
— Bem feito – Jake se intromete ao ouvir o nome de Sunoo. Ele adora o outro garoto como se fosse seu segundo irmão. — Vocês já vão começar o Ensino Médio. Então é mais um motivo pra você comer, dormir direito e se acostumar à acordar cedo de novo.
— Mas é horrível – Riki choraminga apoiando a testa na mesa e remexendo o corpo na cadeira, fazendo-os rir afetuosamente. Um Ni-ki sonolento é sempre uma coisa fofa.
— É, mas a vida é assim.
Eles lavam a louça suja e organizam a mesa assim que terminam de comer. Sua mãe vai trabalhar em casa hoje, mas mesmo assim lhe oferece uma carona – o que Jake recusa com um sorriso gentil e outro beijo na bochecha, dizendo que prefere ir andando. E então se despede dos dois antes de sair de casa e caminhar em direção ao trabalho.
Não é longe. Na verdade ele só tem que andar por uns dois quarteirões para chegar lá. O estabelecimento é administrado por uma mulher muito gentil, que trata seus funcionários como se fossem seus filhos, e Jake gosta de trabalhar lá tanto quanto gosta dela e da dinâmica dos funcionários. Nunca houve nenhum problema, todos eles fazem funcionar e são simpáticos, mesmo os que não gostam muito de conversar (ele mesmo faz parte desse grupo algumas vezes).
Jake chega exatamente no momento em que a porta da loja está sendo aberta pela funcionária responsável do dia.
— Chegou cedo hoje – o comentário em inglês, feito por Lily, é seguido pela risadinha de ambos. Uma piada interna sobre Jake sempre chegar cedo no local.
Eles entram na loja e se preparam para começarem a organizar algumas coisas, esperando a breve chegada dos outros funcionários e aprendizes enquanto conversam sobre tudo e qualquer coisa. E só é tão fácil fazer isso porque Lily é divertida, tão gentil e tagarela que o faz se sentir confortável até mesmo para ficar em silêncio.
Lily sempre foi uma pessoa calorosa. Jake se lembra de 2 anos atrás, quando ainda era um novato e derrubou alguns dos produtos da área de limpeza. Pensou que ela – a responsável por supervisionar seu trabalho na época – fosse contar à dona da loja e ele então seria demitido sem nem antes receber o primeiro salário, mas em vez disso, a loira apenas sorriu.
( — Tá tudo bem. Não esquenta com isso – ela pegou os produtos do chão, um por um, verificando se estavam danificados, e então levantou a cabeça. Olhos brilhantes e sorriso gentil. — Eu não tô aqui pra te dedurar toda vez que fizer algo errado. Tô aqui pra te ajudar nisso.
Jake retribui o sorriso, se sentindo aliviado e quase totalmente confortável com a presença calorosa que emanava dela.
— Que bom – ele ri, finalmente respirando quando ambos se levantam para colocar as coisas de volta no lugar. — Achei que eu seria demitido antes mesmo de receber meu primeiro salário!
— Relaxa. Eu também sou muito desastrada, sabia? Alguém teve muito trabalho comigo – Lily mal termina de falar quando seu ombro bate em uma das prateleiras enquanto eles caminham, mas ela é rápida em colocá-la de volta no lugar antes que os pacotes que estavam nela caíssem no chão.
— Ótimos reflexos.
— Né? Essa foi sua primeira lição! – Lily lhe estende a mão. Ruguinhas nos cantos de seus olhos semicerrados em meia luas, e um sorriso que parecia nunca sair de seu rosto, mesmo quando ela não estava de fato sorrindo. — Vamos ser amigos e trabalhar juntos. Ok? )
A amizade deles cresceu muito desde então, principalmente depois que confirmaram que ambos cresceram na Austrália e são fluentes em inglês; agora eles só querem trabalhar juntos pelo pouco tempo que lhes restam. Ninguém está morrendo, felizmente. O caso é que eles vão iniciar uma nova etapa da vida: a faculdade. E com isso vem as mudanças, que tanto os anima quanto os deixam se borrando de nervosismo.
E com "mudança", é exatamente isso o que ele quer dizer. Lily conseguiu a bolsa de estudos para estudantes de intercâmbio na Austrália – ela com certeza está animada. "Amigo, eu tô TÃO eufórica que eu poderia parir um bebê, tipo, agora mesmo!", foi sua frase exata em inglês –, enquanto ele mesmo foi aceito na universidade que planejava ingressar desde o ensino médio, e já se mudará para os dormitórios dela na próxima semana.
Estava quente aquele dia, e quase não havia nuvens para protegê-los do sol enfurecido lá fora, mas ele não era louco por torcer para que caísse uma chuvinha para refrescá-los – era verão, mas o tempo anda tão doido que os céus poderiam fechar de repente e começaria a cair uma tempestade, então era melhor não confiar muito no que os olhos veem.
A cidade em que viviam não era grande, mas era um lugar turístico. Muitas pessoas vinham visitar à cidade principalmente durante o período de férias, o que quer dizer que há um certo aumento na quantidade de clientes no supermercado, embora a temporada esteja no final e a maioria delas já tenha retornado para suas cidades. Ele e Lily eram os que mais revezavam os dias em ser responsável por ficar no caixa, e hoje era o dia era dele. Claro, não eram os únicos funcionários ali, mas isso era mais uma preferência deles: eram malucos, e queriam aproveitar o trabalho até a hora da inevitável demissão – além disso, eles eram realmente bons em cálculos mentais e tinham um raciocínio bem rápido quando se tratava de matemática em assim. Jake prefere Física e Lily prefere as áreas de humanas, mas fato é fato, eles não podem mudar isso.
Estavam discutindo sobre qual teria sido o melhor troco para a moça que havia acabado de sair da loja, quando a campainha acima da porta tocou novamente, mas só prestaram atenção quando a pessoa já estava na frente deles, pigarreando baixinho.
— Obviamente fiz o certo, não tinha tro- Bom dia, em que posso te ajudar? – Jake muda da água para o vinho quando há clientes precisando de ajuda. Lily provavelmente está olhando para ele com falsa ofensa por ter encerrado a discussão abruptamente. Ele acreditaria nisso se não acontecesse a mesma coisa quando ela era a responsável pelo atendimento no caixa.
— Desculpa interromper, eu só queria saber se vocês poderiam me informar onde fica a farmácia...? Eu esqueci o que me falaram então meio que me perdi um pouco. Não sou daqui – o rapaz acrescenta a última parte, como se respondesse à uma pergunta estampada no rosto de um deles.
— Ah, sim. Não se preocupa com isso, você não atrapalhou nada – ele descarta, balançando a cabeça. — Você não tá muito errado, na verdade você só tem que descer essa rua aqui e virar à direita – explica, fazendo gestos com as mãos para ajudá-lo a visualizar melhor o caminho. Ele mantém um sorriso gentil no rosto, porque o outro ainda parece tão nervoso e perdido olhando para ele... — Não tem erro.
— Ah, hm... obrigado.
Jake assente uma vez e sorri um pouco mais, sempre feliz em ajudar as pessoas.
— De boa. Espero que você não se perca de novo!
O outro garoto lhe encara por mais um momento como se estivesse paralisado, mas Jake não tem muito tempo para começar a achar isso estranho já que no instante seguinte este sacode a cabeça e pisca, murmurando um enrolado "obrigado, eu também" que Jake quase não ouve, antes de se virar para caminhar em direção à saída.
— Porra... Mas o que ele tem de tímido, ele também tem de bonito, né não? – Lily comenta, e Jake não sabe o motivo, mas o tom que a loira usa e o rápido olhar lateral que ela lhe lança, lhe dá a impressão de que ela está tentando analisar algo. Ele nunca entende o quê.
Entretanto, Jake nem pensa em discordar dela, porque mesmo não tendo prestado muita atenção nas feições do homem, ele ainda sabia que era verdade.
— Pior que é.
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A segunda vez em que o cara passou pelas portas do estabelecimento, foi numa quarta feira. Dois dias depois do ocorrido.
Dessa vez, Jake o viu a tempo o suficiente e pôde observá-lo melhor – não era a intenção dele, mas ele estava entediado e, além disso, ele é uma pessoa bastante visual. Precisava estar olhando para alguma coisa e a esse horário não havia muitas pessoas na loja.
O cabelo escuro e liso, em um corte que fazia a franja dele cair como uma cortina em sua testa e cobria um pouco dos seus olhos, contrastava perfeitamente com sua pele pálida, e Jake pensa brevemente que, se fosse ele quem tivesse aquelas pintinhas no rosto, elas provavelmente não ficariam bonitas – "já bastam as cicatrizes", ele pensa logo depois –, mas no rosto do outro simplesmente funciona. Não parecia ser muito mais alto que Jake, mas o corpo esguio e as pernas longas davam a impressão de que ele era muito maior, e apesar de um pouco estabanado – Jake finge não ver quando o garoto olha em sua direção após derrubar alguns pacotes de ramen da prateleira com um dos braços –, os membros compridos ainda o faziam parecer naturalmente muito elegante. O sorriso ainda não pôde ser visto, mas Jake achou que provavelmente devia ser lindo também, porque simplesmente combina com todo o conjunto.
Lily estava trabalhando somemente na área interna hoje, e quase não havia movimento no estabelecimento – as pessoas costumam aparecer quando tem dinheiro e fim de mês não é uma dessas ocasiões –, então Jake estava por conta própria para lidar com o tédio. Claro, havia outros poucos funcionários, mas todos estão espalhados pela loja fazendo suas funções, e mesmo que estivessem por perto, ainda não seria a mesma coisa; ele fala normalmente com todos os funcionários, qualquer um deles lhe caracterizaria como alguém gentil e simpático, mas ele não conseguiu realmente criar laços com ninguém, exceto Lily.
Ele apoia os cotovelos no balcão e seu rosto em suas mãos, pensando no quanto queria estar em casa aquela hora, sentado no chão da sala com seu irmão mais novo enquanto jogam videogame depois de tomar outro banho gelado. Jake realmente ama seu trabalho mas, para ser sincero, em dias como esse ele sinceramente preferiria estar fazendo literalmente qualquer coisa que não fosse ficar sentado no banco do caixa por horas seguidas, apenas esperando e observando alguém passar pela porta, andar pelos poucos corredores e comprar nem que fosse um pacote de macarrão barato – mesmo que esse alguém fosse bonito de se olhar, isso não importa.
Jake abre um sorriso gentil para cumprimentá-lo assim que o rapaz se aproxima do caixa para efetuar o pagamento, mesmo que este esteja com os olhos voltados para baixo e provavelmente nem esteja vendo – as bochechas do cara parecem levemente rosadas e ele se pergunta rapidamente se o outro passou protetor solar antes de sair de casa hoje. Está um sol para cada corno lá fora, e para alguém com o tom de pele como o dele pode ser realmente prejudicial.
— Oi, de novo! Parece que você não tá perdido dessa vez – Jake comenta divertido, ainda sorrindo enquanto passa as compras do moreno.
Por sua visão periférica, ele percebe o garoto levantar a cabeça para ele, fitando-o com olhos ligeiramente arregalados.
— Foi mal, não queria te deixar desconfortável, às vezes eu falo muito – Jake diz com um sorriso envergonhado enquanto entrega a pequena sacola de compras ao garoto.
O moreno a torce entre os dedos assim que a pega, e as embalagens de plástico de ramem instantâneo dentro dela fazem barulho com os movimentos. Não parece estar com raiva pelo seu comentário, nem desconfortável com isso, mas ainda parecia um pouco envergonhado. O rosto já meio rosado parece ter aprofundado de tom ligeiramente, embora talvez seja apenas impressão dele.
— Não – o canto dos lábios do rapaz levanta quase imperceptivelmente. Parecem estar tremendo um pouco e sua voz sai baixa, como se exigisse uma certa quantidade de esforço para fazer as palavras se formarem em sua boca e finalmente saírem. — Não. Dessa vez eu vim no lugar certo.
— Fico feliz por isso – Jake sorri aliviado. — Então, tenha um bom dia!
O rapaz mais alto acena para ele enquanto caminha de costas em direção à saída.
— Bom dia pra você também.
E pode ser impressão de Jake, mas ele acha que os cantos dos lábios do outro subiram um pouco mais antes de ele sair porta à fora. Mas, impressão ou não, ele pensa que ainda parecia muito bonito.
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O rapaz ainda aparece outras vezes na loja aquela semana.
Todos os dias para ser mais exato.
Os funcionários sempre tem funções diferentes atribuídas, sempre revezando entre si. Por exemplo, há muitas vezes em que Lily é quem está no caixa e Jake é quem está ocupado organizando pratelerias. Mas o que parece uma constante há alguns dias, é que o homem alto de cabelos pretos continua vindo, sem falta. Rodava a loja inteira, sempre parecendo estar procurando algum produto específico – coincidentemente, o que quer que estivesse procurando no dia, está sempre em um local próximo à ele, embora Jake não tenha percebido isso até sua amiga e colega de trabalho apontar há alguns dias.
(— Amigo, isso não é muita coincidência? –
Lily comenta com ele numa sexta feira, assim que o rapaz moreno sai pela porta do estabelecimento, segundo ela, pela sexta vez naquela semana. Ele não estava contando.
— Nunca reparei nisso – Jake dá de ombros, desinteressado. — Talvez o cara só seja muito específico com o que usa e come, sei lá. Coincidências acontecem.
— Pelo amor de Deus, ele sempre compra miojo e refrigerante de uva! Esse lugar nem é grande, não é possível que ele não tenha decorado onde essas coisas ficam! – Lily continua, tentando fazê-lo entender algo que ele não faz ideia do que seja, enquanto caminha de um lado para o outro com a caixa cheia de Doritos nas mãos em vez de começar à fazer a reposição. — Além disso! Ele sempre parece querer ficar perto de você, mesmo quando você tá na área de higiene... e isso fica no lado totalmente oposto!
— Ele pode só estar vendo os preços das coisas, sei lá. Eu faço isso às vezes — ele ri acenando em desdém para ela com uma das mãos. Sua atenção permanece na contagem de cédulas na caixa registradora à sua frente. — Olha, eu não sei aonde você quer chegar, mas não esquenta muito com isso, beleza? O cara legal compra nossas coisas e vai embora, eu tô conferindo o dinheiro do caixa, e você deveria voltar à arrumar isso aí antes que essa caixa caia no seu pé. De novo.
Lily hesita por alguns segundos parecendo querer dizer mais alguma coisa, mas então ela apenas faz um som que Jake não reconhece e, em silêncio, dá a volta no balcão, indo em direção às prateleiras para finalmente terminar de organizar as últimas caixas de mercadoria.
Eles não voltam à falar sobre isso, então ele supôs que o assunto sem sentido terminou aí.)
Outra coisa que Jake tem notado – na verdade, isso também foi Lily quem comentou alguns dias depois da última conversa deles relacionada ao assunto "homem alto e bonito que compra miojo e refri" – é que, quando as compras do outro não consistem apenas em "miojo" e "refrigerante", são coisas realmente bobas que ele poderia encontrar facilmente em literalmente qualquer esquina. Ele nem percebe quando fala:
— Olha, você não precisa me responder, mas tipo assim... você tem certeza de que precisa mesmo comprar isso aqui?
O cara congela. De repente levantando a cabeça e olhando para cima, com olhos arregalados por alguns segundos antes de balbuciar uma resposta. Jake se sente mal por não ter controlado o impulso e ter perguntado.
— Hum... t-tenho.
— Desculpa, não é da minha conta. Eu não deveria ter perguntado – ele balança a cabeça, repreendendo-se internamente por deixar alguém, principalmente um cliente, desconfortável. Mas o homem continua em silêncio, então infelizmente Jake continua falando. — É que essas coisinhas são um pouco caras demais aqui e eu espero que ninguém me ouça, mas tem uma lojinha aqui perto que vende mais barato. E minha amiga ficou falando um monte sobre você talvez vir aqui por outro motivo mas provavelmente ter vergonha de falar o quê, daí fiquei com isso na cabeça. Foi mal, mesmo. Não era minha intenção me intrometer nas suas coisas e te deixar desconfortável — Jake dá um sorriso de desculpas que ele espera que o outro aceite, entregando-lhe a sacolinha cheia de grampos de cabelo.
O moreno parece ter se recuperado do estado paralisante durante o discurso infinito de Jake, apesar das mãos levemente trêmulas ao pegar a sacola de suas mãos e a camada rosa clara cobrindo o rosto. Ele tosse um pouco antes de respondê-lo. A voz surpreendente firme, mesmo que ainda esteja baixa.
— Não, não precisa pedir desculpas – o moço alto coça a nuca. — Eu... Na verdade eu-
— Amigo! Você sabe- Meu deus, me desculpa! Eu interrompi alguma coisa, não foi?
Lily de repente surge do depósito, e parece realmente horrorizada por ter atrapalhado o que quer que seja, e Jake sabe que ela muitas vezes se culpa mais do que algumas pessoas considerariam normal com coisas assim. Ele estava prestes a dizer à ela que não tinha problema para então voltar a atenção para o homem novamente, mas este chegou antes.
— Não, tudo bem. Eu já tava indo embora – os cantos dos lábios sobem um pouquinho em uma tentativa de sorriso. — Boa tarde.
Jake o observa caminhar em direção à saída como se estivesse sendo perseguido. Lily ainda está com as mãos na boca, olhos arregalados e sobrancelhas unidas, alternando olhar entre ele e a porta pela qual o outro acabou de passar. Ela pede desculpas mais uma centena de vezes, mesmo que Jake esteja agindo de forma descontraída e um tanto desinteressada em relação à situação em geral. Ele nem consegue entender direito por quê ela está tão desesperada com isso.
O que quer que o homem tivesse a dizer, talvez nem fosse importante e, se for, ele provavelmente tentará de novo em algum momento, não é?
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No domingo, Jake acorda se sentindo nostálgico. Uma mistureba de sensações que ele nem consegue distinguir direito.
— Bom dia! – Riki o assusta ao colidir com ele em um abraço apertado no instante em que ele entra na cozinha. É um milagre que ele já esteja de pé a essa hora da manhã, mas Jake entende o motivo.
— Bom dia pra você também, bebezão.
Ni-ki é alto para sua idade – até já o ultrapassa em alguns poucos centímetros – e tem um rosto sério, mas nessas horas é muito mais perceptível o quanto ele ainda é só uma criança. Jake o abraça apertado e acaricia seus cabelos por um tempo antes que o garoto se afaste, abaixando a cabeça e puxando-o pela bainha da camisa até a mesa do café da manhã.
A primeira parte do dia se passa assim, como quase todas as outras manhãs, mas também de uma forma diferente. Todos eles tentam passar o máximo de tempo possível juntos, e seu irmão continua calado, grudado ao lado dele como se fosse sua sombra. É quase como se Jake estivesse se mudando para outro país, e não para uma cidade que fica há apenas 3hrs de distância. Mas Jake não reclama do contato e atenção nem sequer uma única vez, porque sabe que sentirá a falta de todos no momento em que ele estiver sozinho no dormitório.
— Quer que a gente te leve lá? Pode ser difícil andar por aí com todas essas malas – seu pai comenta, e apesar de todo mundo estar ciente de que era apenas uma desculpa para adiar ao máximo a separação iminente, nenhum deles diz nada porque é um desejo mútuo.
Eles parecem estar segurando as lágrimas e Jake assente resposta, agradecendo mentalmente porque sabe que choraria se os visse chorar também, e seria ainda pior do que a bagunça que foi quando se despediu de sua chefe e de sua melhor amiga – elas choraram tanto que ele pensou ter dito que estava morrendo.
Mudanças em geral o assustam, mas é bom saber que Heeseung – seu melhor amigo desde o ensino fundamental – também vai estar lá. Ele pensa nisso enquanto estão na estrada, observando as árvores e alguns carros passarem em um borrão de cores. A vista lhe dá um leve deja vu então ele tenta se confortar pensando em outras coisas, como por exemplo, em Heeseung! Os dois não se veem pessoalmente há anos, e passaram o último mês inteiro surtando pelo telefone por meio de chamadas mensagens de voz, texto e ligações, desde que Jake recebeu a notícia de que foi aprovado na universidade em que, coincidentemente, o próprio Heeseung estuda.
Então, apesar de tudo, ele está animado.
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A viagem é um pouco longa e cansativa, mas eles chegam à porta dormitório de Jake em segurança.
Sua família quase se oferece para ajudar a arrumar suas coisas, mas decidem deixar essa parte com ele no fim das contas. Então após uma leve onda de choro, beijos e abraços apertados, eles se vão.
(Ni-ki não disse uma palavra, mas Jake o conhecia o suficiente para saber o que o outro estava sentindo.
— Eu trouxe comigo o patinho de pelúcia que você deixou na minha cama hoje de tarde. Obrigado. E deixei meu cachorrinho de pelúcia em cima do seu travesseiro. – ele diz baixinho no ouvido do garoto maior, esfregando as mãos nas costas e nos cabelos do garoto enquanto este escondia o rosto na curva de seu pescoço, apertando sua camisa entre os dedos. — A gente ainda vai conversar por mensagem, vou fazer ligações sempre que eu tiver tempo, e vou voltar pra casa nas férias, ok? – Riki acena com a cabeça, mas ainda não se afasta nem um centímetro, precisando de mais um tempinho para se sentir pronto e soltá-lo. Ele o abraça um pouco mais apertado. — Aishiteru.)
E então, Jake se viu sozinho no quarto em que, muito em breve, dividiria com alguém – o que o assusta mais do que tudo, porque a única coisa que ele sabe sobre o outro é o seu nome. É um dos motivos de Jake ter decidido se instalar nos dormitórios 4 dias antes do dia oficial, porque assim terá um pouco mais de tempo de se preparar psicologicamente e se acostumar com o novo ambiente antes de ter que lidar com isso.
O cômodo é grande o suficiente para duas pessoas conviverem juntas. As paredes são limpas e lisas, pintadas em um tom de bege, e todas as mobílias parecem duplicadas – a maioria delas sendo alinhadas em ambos os lados do quarto. Há um grande guarda roupa ocupando a parede esquerda do que seria o pequeno corredor, logo após a entrada; ele é alto e contém quatro portas em um tamanho perfeito para que eles possam dividir e guardar seus pertences em seus respectivos lados.
O quarto não é muito grande em largura, mas compensa em comprimento, então, parado em frente a porta, Jake pode ver a janela do quarto e a vista à fora, além de o quão simétrico tudo isso parece. Há duas camas de solteiro, uma em cada lado do quarto, com fronhas e colchas brancas emprestadas pela universidade até que eles tenham suas próprias; e logo após, há duas escrivaninhas com espaço suficiente para seus livros, cadernos e possivelmente um notebook. A porta do banheiro fica perto da entrada, à direita; é uma área bem pequena, sendo estritamente suficiente para acomodar um box estreito para o banho, um vaso sanitário e uma pia, mas é a única área que eles não precisarão usar simultaneamente, então o tamanho é ótimo.
Tudo é branco ou bege, o que quase o faz lembrar de hospitais e seus quartos opacos, pálidos e ocos – Jake não vê a hora de poder mudar um pouco isso; fazer o quarto ganhar vida e mostrar que ele está vivo.
Ele não tira todas as suas coisas das malas, só algumas das quais irá precisar até a chegada do seu colega de quarto – Jake não acha justo decidir sozinho com qual lado do quarto cada um vai ficar apenas porque chegou primeiro, o quarto não é só dele, afinal –, então não demora quase nada para organizá-las em um dos lados do guarda roupa de madeira escura; os outros pertences continuarão nas malas por enquanto, até ele ter um lugar definitivo para guardá-los. E ele está absurdamente feliz por ter conseguido um quarto com as mobílias – ele não acha que conseguiria seguir um tutorial de "como montar tal coisa" no YouTube. Na verdade, para começo de conversa, ele primeiramente teria que ter dinheiro para comprar alguma mobília para montar e ele não pode se dar luxo de gastar mais do já gastou – e com um banheiro dentro, porque mesmo tendo tão pouco para arrumar, as 3 horas de viagem com certeza o destruíram.
Se sente tão cansado que só tem energia para tomar um banho e mandar uma mensagem rápida para os amigos, avisando sobre sua chegada (literalmente um "cheguei" enviado no grupo).
Jake tem três dias até que tudo fique terrivelmente barulhento com o movimento de pessoas zanzando por todo o local, então usará todo o tempo que tem para aprender a se situar por aqui e se acostumar realmente com tudo. Heeseung chegará no primeiro horário da manhã do dia da mudança para ajudá-lo com o que quer que ele ainda precise. Além do mais, seu colega de quarto provavelmente chegará nesse mesmo dia.
Tô ansioso pra saber como vai ser tudo isso, ele pensa, se ajustando sob a coberta. Queria pelo menos já saber como ele é, o pensamento desvanecendo quando sua cabeça encosta no travesseiro e ele dorme imediatamente.
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