“...Agora”
“...Me diga uma coisa, garoto
Você não está cansado, tentando preencher esse vazio?
Ou você precisa de mais?
Não é difícil manter toda essa energia?”
O barulho estridente do despertador alertou Uryuu de que deveria se levantar naquele instante, ou fatidicamente se atrasaria. Ele soltou um suspiro resignado, e resolveu seguir sua rotina metódica, empenhado em se adiantar para o trabalho, antes que seu celular começasse a tocar. Era sempre assim, afinal, ser o diretor do hospital reservava muitas responsabilidades às quais estava acostumado– embora odiasse– ter que lidar com tanta burocracia. A sua escolha inicial para seguir carreira não havia sido essa, ele sequer cogitou, no entanto, no fim das contas foi exatamente o que acabou acontecendo. E não era– nem de longe– aquilo que gostaria de estar fazendo aquela altura da vida. Uryuu tinha muitos motivos para se lamentar, ainda que não fizesse. Era fato que ele julgava ilógico reclamar e lamentar diariamente – como muitos o fazem– se escolheu ser o que era, ao menos se dedicaria e daria o seu melhor. Tornou-se um excelente médico e administrador, e disso podia se orgulhar.
E para quem vê assim... Também não era como se Ishida detestasse sua vida– de maneira alguma– ele tinha do que gostar, como por exemplo a plenitude que salvar vidas lhe proporciona, a satisfação de ser exemplo para os residentes, além da segurança financeira– por não correr risco de ficar sem emprego– sendo ele, seu próprio chefe. Apesar disso, o principal motivo de Uryuu Ishida se considerar um homem incompleto, é a falta da pessoa especial. Aquela, que todos sonham um dia em encontrar, e que com ele não poderia ser diferente. Essa pessoa havia sido encontrada, sim, e ocupava um lugar de destaque, diga-se de passagem. A mulher da sua vida, que não estava ali com ele mais. Aimi Suzuki, sua ex- namorada, esta, que estava viajando há dois– longos – anos, em decorrência de seu trabalho. E desde sua viagem, eles não se viram ou falaram mais, não devidamente. A Uryuu restou somente as fotos e vídeos que a via postar nas redes sociais, uma ou outra mensagem em datas comemorativas e só. Aimi lhe parecia sempre radiante e realizada em passagem por diversos países do mundo. ...Tão diferente da monotonia em que ele vivia.
“...Estou caindo
Em todos os bons momentos
Eu me vejo ansiando por uma mudança
E nos momentos ruins, eu tenho medo de mim mesma”
Era final de expediente, Ishida analisava alguns contratos em sua sala, quando a secretária bateu na porta anunciando a presença da última pessoa que ele esperava encontrar–sim– Aimi, sua ex. Surpreso e ansioso, Uryuu permitiu a entrada da mulher, sem estar preparado para o impacto que seria estar frente a ela novamente. As íris safira do médico se prenderam na fisionomia inesquecível da platinada, apreciando a sofisticação e sensualidade tão próprias dela. Estava linda, até mais do que antes. O vestido curto, de mangas longas, azul royal de veludo, que o Quincy bem sabia se tratar de um Valentino– muito provavelmente da última coleção– caia-lhe com extrema perfeição, ajustado aos contornos do corpo feminino. Nos pés, Aimi ostentava um par de Yves Saint laurent negros como onix. E seus longos fios de prata, escorriam soltos pelas costas como uma cascata d'água chegando até a cintura. “Simplesmente maravilhosa!” Pensou ele, desestruturado.
— Atrapalho?– perguntou na metade do caminho, notando os papéis espalhados sobre a mesa. Uryuu negou com um aceno de cabeça— Cheguei ontem a noite... E como estava tarde, pensei em passar aqui hoje e te chamar para irmos comemorar seu aniversário. Te conheço o suficiente para saber que não planejou nada, não é mesmo?
Bingo!
— Não tive tempo ou ânimo para pensar em alguma coisa, e também não é como se eu fizesse tanta questão de festa… Você sabe– comentou, na defensiva.
Aimi sorriu, e aproximando-se, o abraçou afetuosamente. O perfume dela emanou por seus poros, inebriando o Quincy. “— Senti sua falta!” Confessou, tendo a voz abafada pelo peito dele, de encontro ao seu rosto. “— Eu também, você nem imagina o quanto” Murmurou contra seus cabelos. E era a mais pura verdade, Ishida amargou a saudade durante todos os dias da ausência, principalmente, pelo fato de que terminaram apenas porque Aimi julgava injusto partir e deixá-lo preso ao compromisso, sem que ela soubesse quando retornaria – no fim, ele também concordou– e continuaram amigos.
— Quando termina aqui?– perguntou, sentando-se à frente da mesa, após Uryuu puxar a cadeira para ela.
Ishida conferiu o horário no relógio em seu pulso, e recolheu os documentos.
— Está tudo pronto, só estava revisando. O que tem em mente?
— A julgar por sua cara, devo presumir que sair para alguma boate ou restaurante disputadíssimo seja a última coisa que deseja, não é?– desafiou, vendo-o franzir a testa numa careta deselegante — Podemos ir para meu apartamento ou sua casa, abrir um vinho e comer alguma massa, o que acha? Menos pior?
— Eu sou mesmo previsível– constatou inalterado — Por mim tudo bem, realmente estive bastante ocupado essa semana e estou por aqui desde as cinco, exausto e faminto.
— Vamos para sua casa então – anunciou, levantando-se— Me sinto no dever de dizer pela… Enésima vez? Que você precisa para de trabalhar tanto, Ury. É sério!
Ele arfou, abrindo a porta e indicando que ela saísse primeiro. — Eu sei, pretendo fazer… De repente tudo isso – gesticulou, mostrando ao redor— Tem me sufocado, mais do que sempre sufocou.
“...Eu estou nas profundezas, me assista mergulhar
Eu nunca vou para a terra firme
Rompo a superfície
Onde eles não podem nos machucar
Estamos longe do raso agora”
— O que está havendo?– preocupou-se.
— Sabe quando você sente que não está contente com o rumo que as coisas estão tomando? Esse não é meu sonho, isso foi quase que imposição do meu pai– admitiu, caminhando ao lado dela.
— Sei exatamente...– murmurou pensativa— Esse foi o principal motivo pelo qual eu aceitei o trabalho que me tirou daqui– disse-lhe, com certo pesar na voz.
Uryuu percebeu a mudança no timbre dela.
— Ei, nao fale como se tivesse cometido um crime. Você fez o que era certo, primeiro vem o seu bem estar, nunca a opinião dos outros… E olha que eu sou um cara que vive uma vida pensada por outra pessoa– brincou, tentando descontrair. Era tão fácil estar ao lado dela, ser feliz, livre… Tranquilo!
— Ury! Pelos deuses! – ralhou, mas nao conseguiu segurar o riso.
Antes de saírem do prédio, Ishida tomou o celular em mãos e fez uma ligação para um dos restaurantes que ambos mais gostavam, fazendo um pedido de delivery. — Não vou fazê-la cozinhar justo em nosso primeiro encontro – justificou-se— Até porque eu não sei lidar com as panelas, se bem se lembra.
Eles riram, puxando na memória situações embaraçosas envolvendo a falta de habilidades culinárias do médico. — Está perdoado, mas eu realmente não me importaria de cozinhar“…senti falta disso”– sussurrou baixo para si mesma, enrubecida.
Para seu alívio, Uryuu não escutou a confissão.
— Está de carro?– quis saber, assim que chegaram ao estacionamento.
Aimi negou com um movimento de cabeça.
— Vim de taxi.
Ele anuiu concordando.
— Vamos, então?– chamou, destravando a porta de seu Honda Civic.
[. . .]
Chegaram à casa de Ishida poucos minutos depois, uma construção belíssima, localizada numa área nobre da cidade de Karakura. O condomínio em que se encontrava ficava a tres quadras do apartamento de Aimi. Uryu aproveitou o tempo de espera do pedido, e pediu licença, indo em busca de um bom banho. Uma vez sozinha, ela observou a ausência de mudanças na casa– sequer um quadro ou vaso diferente – estava tudo igual, perfeitamente organizado e limpo. Um sorriso genuíno brotou em sua face, quando seus olhos caíram sobre as fotos no mural da parede. Ela estavam ali, eles como casal, estavam ali em diversas situações. Sem que se desse conta, uma lágrima escorreu maculando a maquiagem impecável. — Eu amo você…– declarou num sussurro, olhando a fotografia em que se beijavam durante uma dança, no baile de formatura da Universidade.
Uryuu descia as escadas no exato momento, e fitou Aimi com a foto em mãos, mas antes que pudesse se aproximar o suficiente para escutar algo, a campahinha tocou. A comida havia chegado! Pouco depois jantaram o excelente prato, com o acompanhamento de um dos muitos chardonnay's da adega do médico.
— Parece que foi em outra vida que fizemos isso, não é?– comentou a platinada.
— Não há como discordar – assentiu pensativo — Mas, é muito bom que tenha voltado a acontecer..– disse por fim.
Eles estavam na varanda da casa, sentados no sofá, olhando o céu estrelado ao som de uma música estrumental a qual nenhum dos dois sabia a quem pertencia. Lado a lado, abraçaram-se em dado momento, como se jamais tivessem deixado de ser o casal que um dia foram.
— Não namorou mais ninguém enquanto estive fora?– criou coragem para perguntar, aquilo que a estava sufocando desde que o reencontrou no escritório.
— Namorar? ...Não, nem perto disso– respondeu calmo— No máximo beijos, e isso partindo da única mulher que arriscou uma chance comigo. E você?
— Ninguém, não consegui ficar com ninguém… Sei lá, me sentia culpada por termos terminado e na minha cabeça, por mais idiota que pudesse ser, e era, me sentia como se estivesse o traindo.
— Então está dizendo que eu sou idiota, porque eu pensava a mesma coisa.
Eles se afastaram o suficiente para se olharem de frente. Ali estava a resposta para todas as perguntas… O amor estava estampado! E não era preciso palavras para que soubessem. Assim, de maneira incrivelmente natural, seus sentimentos ficaram claros, e percebendo isso, o beijo que se desenrolava tornou- se quase obrigatório. Uryuu levou a destra a lateral esquerda do rosto dela, acariciando tão vagaroso que mais parecia uma pena suave. Aimi amava o carinho e cuidado com o qual era tratada, como se fosse uma pétala de rosa, frágil e indefesa. Quando seus lábios de tocaram, o velho clichê de que o mundo desacelerou… Parecia tão adequado.
— Você me aceita de volta?– pediu, com uma pequena porção de insegurança — Eu nunca deixei de ama-lo, e nunca quis mesmo que terminassemos… Só achei que seria errado nao estar aqui e– foi interrompida.
— Esse lugar sempre te pertenceu, sempre– assegurou, beijando-a mais uma vez— Fico feliz que tenha resolvido voltar.
— Eu sequer devia ter ido.
— Não vou dizer que discordo, porque penso igual– riu-se, entre um selinho e outro.
Estavam numa mistura de amasso e preliminares, quando o celular do Quincy começou a tocar. Uryuu beijava o colo exposto da– agora– namorada, embrenhando uma mão nos cabelos da nuca, e a outra adentrando o vestido, apalpando as coxas e se dirigido para o meio de suas pernas. Aimi tentava a todo custo manter a lucidez, contendo os gemidos com um mordiscar de lábio. Não obstante, incomodada com o barulho, ela esticou o pescoço olhando no visor e viu escrito alguns nomes numa chamada em grupo.
— Ury! A-acho que seus ami-gos… Estão.. Es-tao querendo te desejar feliz ani-versário– disse, entrecortada.
— Já estou tenho um aniversário bem feliz – falou-lhe, ocupando-se em beijar e morder seu queixo e clavícula, massageando os seios que acabara de despir. Ele se levantou com Aimi no colo, ignorando a ligação — Amanhã eles me ligam de volta.. A prioridade aqui, é a nossa comemoração!
“...No raso, raso
No raso, raso
No raso, raso
Estamos longe do raso agora”
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