🎸 04. PAVÕES E COELHOS. 🎸
• ADÃO •
Eu não gostava daquele profeta. Tinha alguma coisa nele que me perturbava. Alguma coisa que tirava a porra da minha paz.
Aquele timbre todo meiguinho; o jeito de andar todo lento e ereto como se tivesse se borrado nas calças; como era irritantemente calmo de conversa, usando palavras difíceis que eu não fazia a menor ideia do que caralhos significavam; As roupas de gala em ocasiões normais e sem nada espalhafatoso; o sorrisinho de trouxa; como queria ser todo certinho, era todo cheio de frescura e educação exagerada, só faltava segurar uma placa escrito "Hey, olhem pra mim, vejam como eu sou diferente, eu ajo como um estereótipo de britânico médio, eu sou diferente dos outros homens, me aplaudam". Infeliz.
Tudo nesse cara me irritava. Era só um soco naquela cara inchada de Gasparzinho. Engomadinho filho da puta, só porque viveu cheio dos luxos e na vida boa na Terra, ficava se achando.
Eu também não gostava de ver ele tão perto da Lute, praticamente quase em cima dela. Pior, encostando aquela boca imunda que sabe se lá por onde deve ter passado antes de chegar na mão dela, achando que é algum tipo de Romeu ou super excêntrico por se curvar e beijar a mão de uma mulher. Daniel era um pateta mesmo.
Era um pouco vergonhoso de se ver, porque ele realmente se ajoelhou pra beijar a mão dela. Ninguém avisou pra esse projetinho de intermediário divino que cavalheirismo já morreu e as mulheres já não ligavam e não queriam saber mais disso?
E outra coisa que 'tava me incomodando era o porque da Lute ter se sentado do lado dele? Ela deveria estar do meu lado, como sempre. Foda-se que ele tinha puxado a cadeira pra ela se sentar, era pra ter recusado, porra. Ela era o meu braço direito, o apoio moral dela era meu, o lugar dela era do meu lado, cacete.
Ou ela vai mesmo ficar me evitando todo esse tempo como tem feito até agora por causa de uma briguinha idiota?
Mulheres...
Se já não bastasse essa tenente gostosa ter me deixado de pau duro duas vezes e nas duas vezes não ter me deixado gozar.
⏤ E então? ⏤ Perguntei, dando um olhar cru ao Profeta com P de Pateta e depois pra Serah. ⏤ O que é tão importante que decidiram abrir uma coletiva de última hora?
A Serafim respirou fundo, passando as mãos pela testa até os cabelos enquanto anjos menores entravam na sala, servindo bandejas com guloseimas variadas que só existiam no Paraíso, que logo tratei de atacar quando foram postas na mesa. Ela fechou as mãos em prece com o queixo em cima, apoiando os cotovelos na mesa, parecia aflita, quer dizer, mais que o usualmente aflita dela. Algo definitivamente estava acontecendo.
⏤ É um assunto bastante delicado, que abala diretamente um dos maiores bens do Paraíso. ⏤ Serah respondeu depois que os pequenos anjos saíram da sala e eu ataquei o bolo com uma colherada generosa atrás da outra.
⏤ Maiores bens do Paraíso? ⏤ Eu e Lute falamos ao mesmo tempo. Timing perfeito, imediatamente dei um olhar de "Wow, você viu? Somos tão fodas juntos que estamos até sincronizados!"
Tirei a minha luva pra poder passar os dedos nus pela cobertura que sobrou na colher. Preferia comer na mão mesmo e me lambuzar, como era antigamente no Éden.
Imediatamente dei minha atenção à minha vadia favorita, que olhou pra mim por alguns segundos bem consideráveis que acendeu um sentimento divergente no meu peito. Um tipo de regozijo, uma felicidade quente e genuinamente boa que me fazia tremer. Era como tesão, só que sem a parte sexual envolvida. Aproveitei a deixa e lambi o vão entre os meus dedos recheados de cobertura de chocolate do jeito mais sexual que eu pude pra provocar, pra insinuar que estava lambendo outra coisa. Pra tentar tirar um riso dela ou algo do tipo. Sempre dava certo.
Eu queria ficar de bem com a Lute. Qualquer reação boa dela era como avançar três casas em um jogo.
Consegui o que queria. Ela ficou dourada na hora e quebrou o contato visual, o que me tirou um sorriso animado. Ok, ver a Lute ficando sem graça não era uma casualidade cotidiana mas eu poderia me acostumar, principalmente se fosse eu causando isso nela.
Porque ela ficava uma graça assim. Sem toda aquela pose de guerreira super fodona que não se abalava com nada. No final, Lute poderia ser uma assassina imparável e tratar armas letais como se fossem os bebês dela mas no fundo, ela era o próprio sentido da palavra "delicadeza" na forma de mulher. Era fácil fragilizar ela.
Lute poderia ser selvagem, arisca e calculista como um puma mas não passava de uma gatinha de apartamento. Carente, bobona e fácil de domar.
Sorri, bem satisfeito com o quanto eu era capaz de afetar a Lute. Me dava uma sensação exótica de poder, mais do que o considerável que eu já tinha sob ela. Era extraordinário exercer algum tipo de domínio sob uma mulher aparentemente indomável.
O som de sucção alto que o imbecil do profeta estava fazendo enquanto tomava o café arruinou o nosso momento. Irritante. Que cara irritante. Dirigi o meu olhar mortífero na direção de Daniel.
O idiota até erguia o dedo mindinho pra segurar a porra da alça.
Eu ainda vou fazer ele engolir essa caralha de xícara.
⏤ A Placa Celestial. ⏤ Serah chamou a minha atenção antes que eu fizesse o Profeta Pateta engolir a xícara até pelo nariz.
Arregalei os meus olhos quando senti a dimensão do problema estalar na minha mente. Algo envolvendo a Placa Celestial? Então a parada era bem séria mesmo...
Era só o que faltava mesmo, por que a minha vida com certeza precisava de mais um problema. Ótimo.
⏤ Placa Celestial? Você quer dizer A Placa Celestial? ⏤ Perguntei só pra ter certeza que não tinha ouvido errado. Serah concordou com um aceno de cabeça. Que problemão, porra. ⏤ Puta merda!
⏤ O que aconteceu com a placa, Minha Alteza? ⏤ Lute questionou, seriamente enquanto apoiava os braços no mármore.
Já mencionei que ela 'tava um tesão com o uniforme reserva? Porque ela estava... A peça dava um destaque maior ao busto dela que era pique Missão impossível de ignorar, de tal maneira que me fazia questionar a minha própria sanidade. Puta merda, como ela era linda. E gostosa. Que cacete, deveria ser crime uma mulher ser tão magnífica assim.
Talvez "linda" ainda fosse eufemismo pra dizer o que ela era nesse momento. E "gostosa" não bastava pra definir o quanto aquela tenente marrenta era sensual. Poderia repetir várias vezes, seria pouco.
⏤ Foi roubada. ⏤ O Profeta com P de Pateta respondeu e pela primeira vez eu dei um olhar sério pra ele. O assunto era de total importante, eu podia esquecer a rixa com ele por enquanto.
⏤ Roubada?! ⏤ Novamente, eu e ela estávamos falando em uníssono. Que isso?!
Pigarreei e apoiei as mãos na mesa.
⏤ Como assim roubada, caralho?
Frangi o cenho, porque não era cabível uma coisa daquelas. Aquela placa era uma relíquia sagrada que estava aqui desde a Criação, uma das peças mais preciosas da existência, o que significava, uma das peças mais bem ⏤ se não a mais ⏤ protegidas do Paraíso.
Era por causa dela que tantas figuras importantes, as Sete Virtudes, os anjos, até os vencedores e toda criatura estavam bem e a salvo aqui e fora dos portões dourados. Tinha sido criada pelo próprio Deus e deixado aqui conosco para manter o equilíbrio e, a propósito, não fazia ideia de onde Ele, o chefão, vulgo meu pai, estava. Segundo Serah, foi tirar férias.
E o imbecil a minha frente com seu covil de putinhas conseguiram falhar na única tarefa pra qual eram designados que era só manter aquela porra em segurança.
Apontei pro profeta. ⏤ Você e o seu setor de putas não estavam dando conta?
Não me aguentei e subi em cima da mesa pra poder chegar até o loiro azedo, puxando-o pela gravata e enfiando um dedo na cara dele. Ele só tinha um trabalho!
⏤ Você tem noção da merda que pode acontecer com a linha de proteção do Paraíso, da terra e com o equilíbrio da própria existência se alguma coisa danificar a porra daquela placa? ⏤ Era impossível manter a civilidade com aquele cara. ⏤ Você tem a noção do que você fez?!
Daniel revirou os olhos. Não parecia amedrontado com o meu tom ou a aproximação, nem com as consequências do trabalho de merda dele, o que fez a minha raiva por ele aumentar. Ele estava tão perto, era só um socão na fuça dele pra ficar esperto...
⏤ Senhor. ⏤ Senti a mão de Lute apertando no meu braço, tentando apaziguar a situação.
Um suspiro alto provindo da boca de Serah.
⏤ Adão, por favor, deixe Daniel e saia de cima da mesa. ⏤ A minha chefe mandou com autoridade. Não movi um só músculo pra fora do lugar.
Não dava pra viver no mesmo ambiente que aquele profetinha de quinta sem perder o réu primário.
O aperto da mão da minha tenente se intensificou e a minha atenção imediatamente se foi pra'quele ponto. Não era um simples aperto, era um...
Carinho. Lute estava acariciando o meu pulso, como se isso fosse me acalmar. Era suave, quente e preocupado.
E não é que acalmou? Só de sentir o toque dela, mesmo com as camadas de luvas e mangas, o calor transpassava pra mim e se espalhou diretamente no meu peito. Foi mais um pouco daquela estranha sensação boa de tesão mas sem a parte sexual.
Eu queria e precisava mais disso vindo dela.
Pisquei algumas vezes, tentando me concentrar no verdadeiro problema aqui.
Soltei o Profeta Pateta rapidinho e me recobrei ao meu lugar, sussurrando um "Obrigado, Lute" que ela respondeu com um aceno de cabeça mas mantive o meu olhar no idiota a nossa frente.
⏤ Eu e a minha seleta equipe de profetas ⏤ Deu ênfase em "profetas" enquanto arrumava o paletó que eu amassei. Engomadinho do caralho. ⏤ Estávamos dando conta do serviço mas não é de toda garantia que passaríamos por esse trabalho sem uma ou outra ocorrência inoportuna dessas. Jonas, Joseph e Ezekiel estão investigando o ocorrido. Fazemos o nosso trabalho com orgulho e o cuidado que ele demanda mas nem todo pouco cuidado basta. Essas coisas acontecem.
Dei uma boa risada de escárnio que fez as duas olharem pra mim. Ele vai mesmo esconder a inutilidade dele e da trope dele como funcionários da mais alta posição atrás de um "Erros acontecem"?
O idiota engomadinho 'tava' tentando minimizar a gravidade do problema, tratando o roubo de um dos objetos mais singulares da existência como se fosse mais um acontecimento rotineiro de uma terça-feira qualquer.
Era inacreditável.
⏤ Você não lançou essa...
⏤ Senhor.. ⏤ Lute me chamou, eu a ignorei. Tava' puto demais com o profeta pra prestar atenção nela.
⏤ Primeiro, seu fudido do caralho, que não é "Nem todo cuidado basta", a expressão certa é "Todo cuidado é pouco". E não é só uma expressão, é um lembrete da magnitude do dever que você e esse grupo de Seletos Fracassados deveriam levar ao pé da letra porque entendem o significado que um "erro" desses pode trazer pros quatro mundos como um todo. ⏤ Fiz aspas com os dedos. ⏤ Isso aqui pode virar a porra do Inferno 2.0 por causa dessa sua "ocorrência inoportuna", sabia? ⏤ Fiz aspas novamente e me levantei, batendo as mãos na mesa e apontei pra Daniel. Ele me olhava com superioridade. Idiota. ⏤ Então seja homem e assuma a porra do seu erro e as consequências que a incompetência do setor profético pode trazer sobre a gente, sua putinha do caralho!
Dei outro tapão na mesa e me sentei, um pouquinho mais calmo. Precisava lançar umas boas verdades na cara daquele jegue. Não, não era nem metade do que eu queria dizer mas estava aliviado por ter deixado claro o bosta que ele era.
Suspirei, passando as mãos pelo rosto, completamente sugado. Não tinham se passado nem quinze minutos de reunião e eu já 'tava' de saco cheio e exausto.
Olhei pra minha gerente enquanto apontava Daniel.
⏤ Essa puta e os amiguinhos dele deveriam ser presos por causa disso, exilados, sei lá, qualquer coisa, essa merda não pode passar impune! ⏤ Falei para Serah que observava todo o desenrolar da situação um tanto abismada. Ela ergueu a palma, me pedindo calma. Me levantei de novo. ⏤ Calma nada, caralho! Não tá vendo a proporção da besteira que ele⏤
O brilho esbranquiçado da forma angelical da Serafim tomou a sala por alguns milissegundos antes de voltar ao normal. Pisquei duas vezes.
⏤ Adão!
⏤ Senhor!
Elas disseram ao mesmo tempo. O timbre da Serafim Mestre reverborou na sala com ventos. Não mudei minha expressão, só fiquei mais estressado e cocei o queixo.
Olhei pra minha tenente com um foco nada apaziguador. A gente precisava discutir uma coisa séria e as duas princesinhas agindo como se fosse um chá da tarde.
Lute se levantou, apoiando as palmas na mesa e se inclinou.
⏤ Adão...
Tentei ignorar o compasso que meu peito sentiu com a forma que ela falou meu nome. Merda, eu adorava ver ela toda irritadinha..
⏤ Pode, por favor, se acalmar e facilitar pra que nós resolvamos isso de um jeito civilizado?
Parei de coçar o queixo e apertei o olhar nela. Que porra? Essa putinha 'tava' me chamando de selvagem ou eu interpretei errado?
⏤ Mas de que lado você tá, hein, porra? ⏤ Acusei, indignado.
Lute acariciou a ponte do nariz, seu gesto típico de quem tá implorando por um pingo de paciência aos Serafins. Vadia patética, quem precisava de paciência ali era eu pra lidar com esse exército de anjos perdedores.
⏤ Eu não tô de nenhum lado, Senhor. Só acho que nós podemos resolver essa situação de forma calma e respeitosa, sem exaltar os nossos ânimos. Somos todos seres superiores e longínquos, afinal. Aqui não tem nenhuma criancinha birrenta querendo se sobressair, certo? Não precisa gritar pra se fazer ouvir.
Ela me chamou de criança birrenta?
Ver Daniel rir com a patada que a Lute me deu estraçalhou a porra dos meus ânimos. Eu vou meter a porrada nele ainda nessa noite.
⏤ Formidável, tenente. ⏤ O Pateta elogiou, com algumas palminhas enquanto praticamente comia ela com os olhos. Na minha frente. Que porra é essa?! ⏤ Não chegaremos a lugar nenhum tratando uma conversa tão importante com um linguajar tão chulo e gritaria.
Mas era ele quem 'tava' tratando a conversa importante como um probleminha besta. Imbecil. Mil vezes imbecil.
Lute assentiu, ainda não tinha se sentado. Estava com aquela fachada séria até o momento. Quer dizer, sempre estava mas agora, parecia muito mais. Séria e desconfiada, quase acuada.
Só agora que percebi que desde a nossa conversa fora do banheiro do escritório dela que ela estava agindo assim. Como um puma ferido.
Estranho.
Mas aquele olhar que Daniel dava pra ela, pro corpo dela me fazia querer vomitar, gritar na cara dele e encher ele até o talo de tanta porrada. Idiota. Idiota e nojento. Quem aquele engomadinho pensava que era?
⏤ Essa conversa eu não sei mas a minha mão pode chegar bem longe nessa sua cara feia de palerma. ⏤ Falei, cruzando os braços enquanto estudava qual seria o lugar perfeito pra dar um murro na cara do profeta.
Daniel riu, aparentemente não esperando a minha intromissão e de brinde uma ameaça.
⏤ Oh, Adão. ⏤ Apoiou os cotovelos na mesa, começando a estralar os próprios dedos. ⏤ Você é tão estólido.
Frangi o cenho.
⏤ Que porra isso significa?
Daniel gargalhou mais ainda. Eu não entendi de primeira até pensar um pouquinho sobre e...
Espera aí, ele 'tava' tirando uma com a minha cara? No meio de uma reunião assim? Logo, comigo?
Cocei a garganta, a direção que aquela conversa toda parecia estar tomando estava começando a me deixar desconfortável. Enfiei o indicador entre a gola e meu pescoço pra ficar mais fácil de respirar.
⏤ Ah, ehh, cala a boca, porra! Temos algo mais importante pra resolver aqui! ⏤ Engoli um bolo de desconforto com rigidez, virando pra Serah e Lute.
⏤ Oh ⏤ Eu não gostava nem um pouco daquele tom de voz confiante dele. Ali tinha coisa. ⏤ Você quer cruzar a linha das ofensas com todo mundo mas quando recebe de volta, não aguenta o tranco? ⏤ Não respondi, preferindo batucar nos meus cotovelos com mais força. Nem tinha o porque de ele estar falando isso, nem era o foco. ⏤ Talvez não seja tão homem quanto pensa, Adão.
Ele realmente começou a me ofender assim, de graça?!
Virei pra olhar pro profeta na mesma hora, com incredulidade e raiva domando cada um dos meus poros. As emoções oscilando. Não sabia ao certo o que sentir com aquela blasfêmia que aquela imitação barata de Romeu jogou contra mim sem mas nem menos. O que ele acabou de dizer?
O que, por todos os Serafins, aquele tonto ousou dizer?
⏤ Senhor ⏤ A voz de Lute alcançou os meus ouvidos, meio tensa.
⏤ Eu sou o primeiro homem, porra! ⏤ Devolvi, olhando diretamente para o profetinha de quinta que parecia se divertir com a situação que nos colocou.
Daniel deu de ombros. Eu vou avançar nele a qualquer minuto e não vai ter Serafim que me segure de deixar ele todo roxo de tanta porrada.
⏤ Isso não significa absolutamente nada. Você pode carregar esse título mas as suas ações não fazem tanto jus. ⏤ Ele abriu as mãos como quem dizia "Fazer o que né" ⏤ Você não é o homem que pensa que é, Adão. É um moleque que se acha homem. O que, considerando a sua idade e a posição que ocupa, é ultrajante.
Puta merda, eu vou avançar nele. Ele 'tava' me ofendendo de graça e ninguém dizia nada.
Aquelas palavras ascenderam um tipo de ódio flamejante em mim. Quem aquele profetinha achava que era pra falar comigo desse jeito? Ele e tantos outros fracassados só existiam porque eu existia. Toda a caralha da humanidade só existia porque eu existia. Deveriam me agradecer. Esses fodidos, ingratos e nojentos. Eu poderia ter acabado com toda essa palhaçada de sociedade há muito tempo por um deslize, porra.
Apoiei meus pés na mesa, soltando a risada mais tranquila que era capaz de forçar. Forcei tanto que até tossi e minha garganta ardeu, merda.
⏤ Você não sabe porra nenhuma do que é ser homem de verdade.
⏤ E você sabe? ⏤ Eu ia responder a altura mas a voz enjoada desse imbecil me interrompeu. ⏤ Não, não fale nada. Deixa que eu falo. ⏤ Ergueu a palma.
⏤ Hey, hey, calma lá! ⏤ Apoiei a palma na mesa, indignado com a ousadia daquele filho da puta. ⏤ Se coloque no seu lugar miserável, você não me conhece. Não sabe cacete nenhum sobre mim.
Esse Profeta Pateta quer mesmo falar por mim?
⏤ Rapazes, por favor..⏤ Serah tentou intervir. Daniel fingiu não escutar e continuou.
⏤ Deixa eu ver o que é ser homem de acordo com a sua reputação, que é algo que você zela tanto, hm. ⏤ Fingiu pensar, cerrei os punhos. Se ele abrisse a boca...
A Serafim mestre apoiou a testa nos dedos, irritada.
⏤ Daniel... O objetivo dessa reunião não é esse.
O loiro aguado ignorou o aviso completamente.
⏤ Palavras chulas e violentas a cada frase, é como se você nunca quisesse expandir o seu vocabulário com o mínimo de educação; você trata mulheres como se não passassem de brinquedinhos que você brinca e descarta quando convém pra você, achando que elas te devem alguma coisa só porque você é o primeiro homem; você vomita misoginia com a mesma frequência com que respira, achando que é super divertido quando na verdade é só um infeliz frustrado que acha que a culpa de todos os seus problemas é feminina. E mesmo culpando mulheres por todas as merdas que te acontecem, só consegue fazer algo minimamente decente quando é uma que faz pra você. Não assume a paternidade de um filho, é o mínimo pro garoto Abel pra compensar ter um pai tão detestável; Você tem eras de idade e ainda chuta as suas responsabilidades pra viver como um fanfarrão. E olha que isso não é tudo. Pois é, Adão, ⏤ Deu de ombros outra vez. ⏤ Se é essa sua ideia de como um homem deveria ser, sugiro que repense seus princípios. Melhore.
Aquilo foi demais, atingiu em lugares que eu não fazia ideia que eram capaz de sentir uma pedrada tão grossa. Cada palavra tornava difícil de respirar. Meu peito apertava, eu queria vomitar.
Eu nunca me senti tão.. Depreciado.
Eu não.. Não era tudo isso não, era uma visão exagerada e totalmente distante da minha imagem, eu não era esse homem que ele descreveu...
Ou era?
Só percebi o quanto estava tremendo quando minhas mãos tocaram os braços da cadeira, inertes. Estavam geladas. E ele ainda mencionou o meu filho. Ele não sabia de nada! Esse porra não sabia de droga nenhuma sobre mim e Abel!
⏤ Vão mesmo transformar uma reunião em uma pauta de discussão de gênero? ⏤ A voz de Serah parecia um aglomerado de palavras distantes, como ouvir algo estando debaixo d'água.
Essa era a preocupação dela? Desviar o assunto? Ela não via que ele acabou de me humilhar de um jeito tão gratuito assim? Vai mesmo deixar essa merda passar?
⏤ Não vai falar nada? ⏤ O sorrisinho de Daniel revirava o meu estômago e a minha visão. Tudo parecia embaçado. ⏤ Deve ser um choque, não é? Não é uma visão tão bonita de si mesmo.. Eu até diria pra me perdoar mas não, alguém precisava falar isso.
⏤ Cala a boca, Daniel! ⏤ A voz de Lute ressonou como uma bateria na sala que socou qualquer oportunidade de fala.
Queria poder olhar pra ela mas não conseguia. E se ela me visse assim? Eu não queria ser o tipo de homem que machucava ela com palavras agressivas... Eu fazia isso?
O profeta arregalou aqueles olhões azuis com o susto de ter aquele lado arisco da tenente sendo direcionado pra ele. Por minha causa. Por um momento, eu esqueci que ela sempre compraria qualquer briga minha como se fosse dela, independente do que acontecesse porém, eu não sabia o que sentir. Eu dependia da Lute pra tudo?
Mas isso não o abalou de retomar a aquele sorrisinho idiota na cara.
Ele ergueu as sobrancelhas, piscando algumas vezes enquanto começava a estralar os dedos da outra mão.
⏤ Eu entendo que ele é seu chefe e tudo o mais, você respeita ele, mas como mulher, vai mesmo defender as atitudes questionaveis dele?
Levantei o rosto pra olhar pro profeta, estranhando o rumo pro qual ele queria guiar a conversa que nem deveria estar tendo ali. Sério? Esse cara era algum tipo de homem 'feministo' ou algo assim? Porque parecia que ele queria muito exibir um apoio muito.. Superficial.
Cara esquisito. Que desespero por migalha de boceta era esse?
Lute continuou inabalável.
⏤ Eu não preciso que um homem fale por mim, Daniel. Essa pauta que, pra início de conversa, não deveria ter sido levantada no meio de uma coletiva, não é sua. ⏤ A voz dela era serena como chuvisco mas forte como um trovão. Como uma tempestade poderia ser tão quente? ⏤ Portanto, sugiro que pare o que quer que esteja tentando fazer e se for abrir essa boca pra falar mais alguma merda sobre o meu líder, eu vou fazê-lo engolir as suas palavras do jeito Exorcista. E não acho que vai querer que eu chegue nesse ponto.
Olhei pra Lute, com muito esforço e um sentimento caloroso tomou conta do meu peito. Ardia, de um jeito apreciativo. Como tomar sol em uma praia. Uma bagunça que eu não poderia descrever, sequer imaginar que sentiria antes por alguém. Era uma fome de algo que eu não sabia identificar pelo que era, mas que se misturava com gratidão e júbilo por ela, só que em intensidade muito maior.
O que seria a minha vida sem a minha vadia favorita? Minha respiração falhava só de olhar pra ela. O que estava acontecendo comigo? Nunca a vi desse jeito até o momento...
⏤ Ah, por favor.. ⏤ O Profeta Pateta pôs a mão sob a de Lute em uma carícia que me deixou muito, muito mal. Mal, desconfortável, possesso, irado.
Ele simplesmente não era digno de tocar nela. Aquilo devia ser pecado de alguma forma pra eu poder lançar esse babaca no inferno e matá-lo de vez em algum extermínio.
Não pensei muito quando me levantei, batendo as duas mãos no mármore gélido da mesa. Eu queria queimar aquele profetinha de quinta.
Pode ter sobrevivido aos leões. Mas a mim ele não vai.
⏤ Tira a porra dessa sua pata imunda de cima da minha tenente. Agora, caralho. ⏤ Minha respiração farfalhava, pensei que poderia desmaiar ali mesmo.
A ideia de ver outro homem do lado dela apertava o meu peito, tirava o meu chão, não sei definir o porque mas não só me deixava angustiado pra caralho ou muito irritado.
Me deixava apavorado.
Lute tirou a mão de Daniel de cima da dela com asco, até mesmo chegando a limpar como se o toque dele a sujasse. Eu teria rido se não tivesse tão puto.
Dei a volta na mesa com passos firmes, minhas asas estavam tão rijas que pesavam como tijolos. Novamente, eu peguei o profeta mas pela gola, o forçando a se levantar mas o empurrei contra a mesa. Daniel me olhou assustado, claramente não esperando uma aproximação tão súbita.
Ninguém mandou mexer com a minha vadia. Esse fodido pediu por isso.
Serah se ergueu no mesmo instante, sua forma angélica dando as caras em brilho prateado novamente. ⏤ Adão!
Foda-se pra ela.
⏤ Adão, se acalma! ⏤ Insistiu, aumentando o tom.
⏤ Pode falar a merda que for sobre mim, eu não ligo, porra. ⏤ Falei com os dentes cerrados, apertando a gola como se fosse enforcar o profeta imbecil. ⏤ Mas se você ousar sequer sonhar em se aproximar da minha tenente de novo, não vai ter Serafim, amuletos divinos ou Placa Celestial que te salve de mim. A cova dos leões vai parecer um dia de princesa perto do que eu vou fazer com você, entendeu? ⏤ Ele não respondeu, o balancei e aumentei o tom. ⏤ Você entendeu?! ⏤ Assentiu freneticamente, eu o soltei. ⏤ Ótimo.
Me afastei, limpando as mãos no peitoral do uniforme mas eu queria fazer aquela ameaça valer. Palavras não eram garantia de nada, gestos passam a verdadeira mensagem.
Por isso, não medi esforços pra me virar e meter um socão no nariz de Daniel que fez Serah arfar.
⏤ Adão, por favor, pra que isso? ⏤ Se levantou, vi outros anjos menores saindo de suas posições de guarda pra irem até o profeta mas ignorei.
Chutei a cadeira com força e sai andando, empurrei os portões e me embrenhei nos corredores majestosos, dando a reunião por encerrada. Não tava mais com saco pra placa celestial, desequilíbrio cósmico, profeta sendo otario e nem caralho nenhum.
⏤ Nós ainda não terminamos! ⏤ O aviso da Serafim me alcançou mas não me fez parar.
⏤ Eu terminei! ⏤ Gritei de volta, sem olhar pra trás. ⏤ Vocês que se fodam resolvendo essa merda. Os profetas procuraram, então os profetas que achem, Serah. Isso não é competência do meu exército.
Na verdade era mas eu 'tava' pouco me lixando agora.
Meus músculos estavam tensionados. Não me importei de esbarrar ou empurrar alguns anjos no caminho. Eu sentia um calor desorientador me atingindo de todas as direções, tudo parecia rodar e se distanciar da realidade pra mim.
Empurrei a primeira porta que vi e me joguei sala a dentro, sem me importar muito. Eu precisava de um tempo.
Me apoiei contra a porta com uma mão, usando a outra pra esfregar a meu rosto, podia sentir minhas luvas encharcadas com o suor e novamente coloquei o indicador entre a gola e o pescoço, buscando por oxigênio ou um pouco de ventania fresca. A simples tarefa de respirar era difícil e doía nas minhas costelas.
Cada palavra que Daniel cuspiu na minha cara repassando pela minha mente como um disco em uma vitrola, sem pausa e repetidamente.
Dei um murro na porta.
⏤ Porra!
⏤ Senhor, por favor! ⏤ A voz de Lute me despertou do meu turpor de raiva e eu me virei, um tanto enraivecido, um tanto confuso ao ver ela atrás de mim. Lhe dei um olhar meio desnorteado. ⏤ Eu te segui. ⏤ Explicou.
Me virei pra porta novamente, apoiando minha testa na palma. Apertando os olhos com força, me sentindo a ponto de explodir. Que dor de cabeça. Sai do nosso departamento pra isso?
Dois passos atrás de mim.
Senti os dedos de Lute nas minhas asas e tentei me esquivar, mesmo que esse toque específico tivesse distribuído sossego pro meu peito. Ela tinha esse efeito de calmaria imediata em mim mas eu não tinha certeza, eu não queria machucar ela.
⏤ Não. Sai. ⏤ Tentei empurrar a mão dela. ⏤ Sai, eu quero ficar sozinho. ⏤ Não, era o momento que eu mais precisava dela.
Minha tenente alcançou as minhas costas com mais força e vontade, praticamente me forçando a me virar e olhar pra ela. Um olhar que evitei com tanto custo já que não podia olhar pra baixo por ser exatamente a direção que eu encontraria aquele olhar dourado. Ela era tão baixinha.
⏤ Não, você não quer. ⏤ Ela sussurrou, o meu corpo deu um tilte entre relaxo e tensão com as mãos dela passando nos meus braços.
Respirei fundo e até isso doía, levei a mão até o meio do meu peito e apertei ali como se fosse resolver alguma coisa. Tentando tirar o peso que tinha se acumulado ali.
O olhar de Lute suavizou e eu senti aqueles dedos fininhos, desnudos já que as luvas do uniforme reserva não cobriam até ali tocarem o meu rosto, mais precisamente, descerem até a gola pra me livrar da máscara e trouxe alívio e frescor pro meu rosto.
Em seguida, eu pude sentir aqueles dedos tocando minha barba, minhas bochechas, meu maxilar.. Minha boca...
O que ela estava fazendo? Aquilo destravou algo em mim.
A pele de Lute era fria, gélida mas macia. Tão macia que só fez ampliar aquele sentimento de paz dentro de mim. Paz e algo a mais.
Mais daquela sensação estranha de tesão mas sem a parte sexual, quer dizer, tinha sim a parte sexual, é claro, mas uma emoção que eu não sabia nomear se sobressaía a isso. Beirando a admiração só que maior. Muito maior que eu não podia medir. Algo que chocou as minhas bochechas. Os dedos da minha tenente pareciam querer conhecer cada parte do meu rosto e eu não tive reação a não ser segurar o pulso dela, mas não impedindo-a de fazer o que quer que fosse aquilo.
⏤ Lute...
Dei um passo mais perto dela. Eu sentia câimbra, ou uma sensação parecida porque minhas pernas pareciam congeladas e sem sensações só de estarem perto dela. Nervoso, aflito e ansioso.
Nunca me senti assim perto de uma mulher antes...
Ela também deu um passos pra frente, o indicador e o médio cobrindo a minha boca, me silenciando.
⏤ Shh.
Um passo mais perto. Mais um dela. Eu não sabia o porquê de estamos tão perto um do outro mas queria ficar ali.
Suspirei, completamente sugado. Eu só queria voltar pra casa ou pro departamento com ela. Pra assistirmos alguma comédia duvidosa com cena explícita e piadas ruins enquanto nos entupimos de besteiras. Pra qualquer lugar longe dessa droga de Palácio e principalmente, onde aquela porra de profeta Pateta não pudesse incomodar ela. Nem eu. Nenhum de nós.
Daniel, pensar no imbecil fez meu sangue ficar mais quente. As palavras dele... Não eram verdade. Ou eram?
⏤ Me desculpa. ⏤ Pedi, tirando os dedos dela de cima da minha boca mas os mantendo entrelaçados com os meus.
Lute franziu as sobrancelhas.
⏤ Pelo que?
Soltei o ar pela boca. Não era fácil dizer aquilo, assumir que eu poderia talvez ser tudo aquilo que ele disse, era esvaziar o meu ego. Meu queixo tremia, minha boca secou.
Talvez fosse a hora de.. Sei lá, abrir a mente? Eu não sabia.. O que eu tinha que fazer? Era tão difícil.
⏤ Por ser um lixo de homem. ⏤ Um tique no meu olho esquerdo, minha boca tremeu. Que humilhação confessar isso.
Minha tenente frangiu o cenho, Lute livrou a mão do aperto da minha e subiu as duas pelos meus ombros. Aquele toque, aquele mero toque incendiou todo o meu corpo e eu só queria poder ter mais daquela mulher perto de mim.
Não era só querer, era questão de necessidade. Necessidade emocional, biológica e instintiva.
Ela apertou os meus ombros com um pouco mais de força, a seriedade era adorável nas feições dela.
⏤ Você não é um lixo de homem, Adão.
Baixei o rosto pra olhá-la. Ela achava isso mesmo?
Por que eu sentia palpitações no peito só de sentir a certeza dela naquela fala? Era como se eu fosse vomitar meu coração.
Eu ia falar porem, fui cortado de qualquer chance de retrucar porque os benditos dedos de Lute cobriram a minha boca de novo. Instintivamente, eu queria lambê-los, puxar a mão dela e lamber, beijar, chupar cada pedacinho de pele nua que estivesse no caminho.
Merda, não era hora de pensar com a cabeça de baixo, foco, porra!
Aquela mulher perto de mim era um verdadeiro desafio de resistência que eu não sabia se iria vencer.
⏤ Tudo o que aquela puta do Daniel disse são meias verdades com mentiras exarcebadas no jogadas no meio. Sim. ⏤ Franzi as sobrancelhas. Ela chama isso de confortar alguém? ⏤ Adão, você tem seus defeitos, sim, eles podem estar escancarados mas eles não anulam as boas qualidades que você tem.
Sorri ladino e em meio a esse ataque de confiança que as palavras dela me devolveram, me senti na liberdade de pôr a mão na cintura de Lute.
Porra, foi o melhor encaixe da minha vida. Era tão fina e bem delineada. Já tinha posto a mão naquele lugar mas agora.. Agora era diferente. Não sei porque mas era. Desde o que aconteceu no meu escritório.
Mas a reação surpresa com uma pitada de alerta dela foi o que fez o meu sorriso alargar. Eu tinha efeitos nela, que eram fortes, aparentemente e isso... Ah...
Era o melhor prêmio que eu já recebi. E foda-se todo o resto.
Mais daquela emoção não nomeada fez o meu peito palpitar. Engoli em seco e apertei o toque na cintura feminina.
⏤ Ah é? E que qualidades seriam, tenente? ⏤ Pedi, eu queria saber como Lute me via. Isso era importante pra mim.
Qualquer coisa vindo dela era.
Ela ergueu o queixo, me fazendo dar falta dos carinhos dela quando afastou os braços de cima de mim pra cruzar em frente ao busto, praticamente prensando contra os peitos que pareciam bem maiores. Que visão. Deus abençoe.
Respirando fundo, Lute sustentou o contato visual comigo como quem dizia "É sério isso?"
⏤ Vamos lá, gata. Não seja tímida. ⏤ Joguei com uma piscadela, também cruzando os braços enquanto me apoiava contra a porta. Sorri. ⏤ Pode ir falando: Sou bonito, carinhoso, gostoso, bom de cama, charmoso, tenho o maior pau que você já viu⏤
⏤ Shh. ⏤ A mão dela na minha boca de novo me fez calar.
Qual era a da obsessão dela com a minha boca? Eu hein.
Minha tenente aprumou a posição antes de voltar a olhar pra mim, com um sorriso que fez o meu corpo inteiro ficar amolecido. O que era isso? Ela só sorriu, por que eu estava reagindo assim..? Não tinha nada demais naquilo...
Só me fez um bem danado. Pô.
⏤ Você é engraçado sem forçar a barra, é uma habilidade natural, é impossível ficar perto de você sem dar um único riso, mesmo que só o que saia da sua boca seja besteira e piadas de cunho duvidoso na maior parte do tempo. Você é atencioso e paciente comigo e com as nossas meninas, de um jeito meio fora da curva? É, mas ainda demonstra solicitude do seu jeito "Adão de ser". Você é bastante observador, sempre percebe quando tem algo de errado, é bom em ler pessoas mesmo que não sejam as observações mais precisas, você só sabe e isso já basta, é encantador. É carinhoso e prestativo, de um jeito meio bruto mas é, são nas pequenas coisinhas que quem gosta de verdade de você consegue perceber a sua afeição. Você é comunicativo e caramba, isso é foda pra cacete, no geral! Você resplandesce alegria, Adão. É o bolo da festa, a bateria de um show de rock, a pérola de uma ostra, o sol da Via láctea. Nada do que o Daniel ou qualquer outra pessoa diga vai mudar o que eu vejo em você: Um ser de luz. É alguém com suas diferenças e constâncias? Com certeza mas com um puta potencial pra mudar e ser melhor. Por você mesmo e se você quiser, claro.
Eu estava boquiaberto, completamente surpreso que tive que engolir em seco com o impacto que as palavras de Lute tiveram no meu peito, no meu coração. Ela.. Realmente me via assim? Eu era essa pessoa tão maravilhosa assim pra ela? Era algo que... Nossa, eu não tinha palavras pra descrever o quão legal foi ouvir isso...
Era a primeira vez que alguém falava algo do tipo pra mim. Não por caprichos ou pra me paparicar, mas pra me dar uma nova visão de mim mesmo. Uma opinião sincera.
E vindo da Lute, isso era.. Demais. Era incrível pra caralho.
Por que as minhas bochechas ardiam tanto?
⏤ Por que você tá tão dourado, Senhor? ⏤ Ela perguntou com um riso preso e eu pisquei algumas vezes, pigarreando com força. Deu mais um passo.
Dei mais um também pra não ficar pra trás.
⏤ Ah, nada, nada. Eu já sabia disso tudo, Coelhinha. Isso não é nenhuma novidade pra mim, acho que faltou é mais qualidades nessa sua listinha. ⏤ Abanei a mão e empinei o queixo. Tentando fingir que aquilo não me deixou tocado e feliz.
A tenente revirou os olhos, desviando o rosto por alguns segundos.
⏤ Claro que sabia, né, Pavão. Mas é um convencido mesmo.
Frangi o cenho.
⏤ Pavão?
Lute deu com um ombro e inclinou a cabeça pro lado dele, como se não fosse nada demais.
⏤ Você me chama de coelhinha. Acho que eu tenho direito a um apelido também. ⏤ Explicou, curvando a boca em mais um sorriso afável.
Pensei um pouco. Não sei em que momento "coelhinha" surgiu como um apelido amigável meu pra ela. Ela não parecia fisicamente um coelho, a forma vencedora dela não tinha nada que lembrasse um, era só uma piada suja minha mesmo.
É, fazia sentido.
⏤ Tem mas por que pavão? ⏤ Um sorriso ladino nasceu nos meus lábios e eu me inclinei pra mais perto. ⏤ É porque eu sou lindo de morrer, não é?
⏤ Porque é exibido e desesperado pra impressionar mulheres. Igual um pavão. ⏤ Ela cortou o meu barato, com um sorrisinho arrogante que tirou o meu.
Cocei a cabeça, afastando da porta e observando a minha tenente se dirigir até ela mas não saiu, apenas virou pra mim com aquela carinha de quem fez uma puta jogada de mestre.
Eu não era desesperado pra impressionar mulheres.
Era?
⏤ Eu não sou tão desesperado assim. ⏤ Enfiei as mãos nos bolsos gordos e vagos do uniforme.
Ela revirou os olhos, negando com a cabeça, duvidando da minha palavra. Qual é! Eu não era não!
⏤ Uhum. Vou fingir que acredito se isso vai te fazer feliz. ⏤ E deu mais um passo pra frente ao mesmo tempo que eu e parou. Eu também.
Apenas um passo nos separava. Acabei perdendo o controle da minha respiração com aquela proximidade tão repentina assim que percebi o rumo que nossa conversa tomou. E não que eu estivesse reclamando, não, não ousaria...
Mas eu não sabia se poderia confiar em mim mesmo por muito tempo em um ambiente claustrofóbico com a Lute dado o que aconteceu das duas últimas vezes.
Passei a língua pelo lábio inferior antes de mordê-lo, sentindo uma faísca de desejo se apoderar de mim com o olhar atento que Lute deu pra aquela ação em específico. Merda, ela só podia estar de brincadeira.
Nem a maçã que a minha ex me ofereceu me deixou tão tentado quanto a mulher a minha frente.
Ela era um perigo pro meu autocontrole. Eu só queria pegar ela no colo, jogar naquela mesa ali do lado e foder ela com força até todo o Paraíso escutar.
Um devaneio obsceno que enviou ondas de energia sexual direto pro meu pau e eu ofeguei. Porra, ela me fazia me sentir a droga de um virjola que nunca tocou em uma mulher sendo que experiência era o que não me faltava.
O "efeito Lute" era poderoso demais em mim. Como eu pude resistir aos encantos daquela mulher por muito tempo assim?
⏤ Oh, vadia...
⏤ Idiota..
Ela disse como se fosse um rosnado. Parecia que iria atracar em mim a qualquer momento. E bem que eu queria que atracasse mesmo.
Perto, nossos rostos estavam muito perto um do outro depois de um milênio. Eu só queria segurar aquele rostinho e beijar a porra daquela boca deliciosa até a minha boca ressecar.
Mulher gostosa era um problema mesmo, puta que pariu.
Só mais um passo, mais um que me afastava do meu maior desejo nesse momento. Lute fechou os olhos e eu me apressei em fazer o mesmo, ansioso pra me sufocar naquela doçura divina. Minha mão segurou o rosto da minha melhor amiga, a respiração agressiva dela fazia cócegas no meu rosto conforme quase quebravamos a distância.
Só mais um pouquinho e eu a beijaria pela segunda vez quando...
⏤ Ah!
A voz de São Pedro abrindo a porta do outro lado da sala que eu nem sabia que existia no lugar me fez abrir os olhos e me afastar de Lute com mais de mil pelo susto.
PORRA! Sério? Logo agora? Tanta hora pra esse anjo de sexualidade questionável aparecer?
⏤ Tá de sacanagem! ⏤ Consegui verbalizar mesmo com a voz mais trêmula de excitação enquanto olhava pro porteiro do Paraiso. Lute desviou o olhar do meu rosto, tão sem jeito quanto eu nunca estive. Quase me esqueci que ela era mais reservada e ser pega em momentos calientes não era o feitio dela como era o meu.
São Pedro quase deixou as toneladas de papéis cairem no chão enquanto nos olhava meio apreensivo, meio atento, meio confuso, meio já querendo se meter na nossa vida. Fofoqueiro.
⏤ O que você tá fazendo aqui, caralho? ⏤ Perguntei sem rodeios, pondo a minha máscara de volta no rosto pra tentar recuperar um pouquinho de pudor.
O porteiro do paraíso franziu a testa, jogando aquela montanha de papelada na mesa e nos estudando com toda a desconfiança curiosa. Pôs a mão no peito e depois apontou pra nós.
⏤ O que eu tô fazendo aqui? O que vocês estão fazendo aqui é a pergunta certa. Estão na minha sala.
Pisquei algumas vezes. Oh, nós quase nos pegamos na sala dele...
Nah. Meio que foda-se isso tambem.
Mas logo me apressei em fazer uma carranca pra disfarçar o quão inebriado eu ainda estava com o quase beijo que teria sido espetacular se não fosse esse porteiro patético nos atrapalhando.
Estalei a língua e cruzei os braços por milissegundos, me virando pra porta do nosso lado.
⏤ Tá, tanto faz. ⏤ Segurei a mão de Lute na minha, que parecia tão perdida naquele turpor de desejo quanto eu enquanto a puxava pra fora da sala.
E só então me dei conta do que pensei. Turpor de desejo. Eu quase a beijei naquele escritório. Eu queria foder ela na porra da mesa velha do São Pedro da mesma forma que queria puxar o pau pra fora e sentir ela sentando em mim no banheiro.
Eu ofegava a cada virada de corredor e não era de cansaço físico. Era de todo o tesão que eu sentia por Lute e vinha reprimindo.
Eu não podia negar mais o quanto eu desejava a minha tenente.
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